Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
589/15.0JALRA
Relator: JOÃO GOMES DE SOUSA
Descritores: INQUÉRITO CRIMINAL
PRAZO
CADUCIDADE
ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA
CONTRADITÓRIO
ESPECIAL COMPLEXIDADE DO PROCESSO
Data do Acordão: 09/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 - O prazo de conclusão de inquérito em processo penal não é um prazo de caducidade.

2 - É necessário que os conceitos ínsitos no artigo 299º do Código Penal, “grupo, organização ou associação cuja finalidade ou actividade seja dirigida à prática de um ou mais crimes” nos surjam no concreto dos autos de forma claramente indiciada para que se possa afirmar que o processo corre contra pessoa determinada, que serão os integrantes de uma associação criminosa, nos termos do artigo 276º, n. 4 do C.P.P..

3 - Sendo inviável o uso de tal critério – o da pessoa determinada no sentido de humano que age – num caso de associação criminosa cujos contornos indiciários se desconhecem, apenas o segundo critério cria uma situação de objectividade inultrapassável e não sujeita a variáveis vagas, imprecisas, o momento da constituição como arguidos dos responsáveis indiciados dessa associação criminosa.

4 - A não ser que nos autos ocorra circunstância anterior que permita concluir que se clarificou em acto concreto a determinação suficiente das pessoas e dos fins que integram a associação criminosa.

5 - No exercício do contraditório é ponto assente que o prazo de 10 dias a que se refere o artigo 105º do C.P.P. é meramente supletivo e considerando que ao Juiz são concedidos dois dias para dar despacho em processos urgentes (artigo 105º, n. 2 do C.P.P.), a concessão de um prazo de 3 dias para o exercício do contraditório é mais que suficiente.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório

Nos autos de inquérito supra numerados que corre termos no Tribunal de Judicial da Comarca de Santarém – Instrução Criminal, J2 - por despacho da Mmª Juíza de 12.04.2019 a fls. 6661 a 6670, foi declarada a excepcional complexidade dos autos e indeferida uma peticionada separação de processos.


*

Inconformados interpuseran recurso do referido despacho, com as seguintes conclusões (transcritas), os arguidos A... e R...:

1. A..., Arguido melhor identificado nos autos em epígrafe, tendo sido notificado do Despacho que decretou a especial complexidade dos presentes autos - Despacho com a ref. 80889431 de 12/04/2019 - vem, por não concordar de todo, com aquela decisão, interpor recurso daquele Despacho.
2. Primeiro, o Recorrente recorre do Despacho que decretou a especial complexidade dos presentes autos porque a promoção do MP de 24/01/2019 tem como finalidade única a de aumentar os limites máximos da prisão preventiva dos arguidos nomeadamente do Recorrente e esse não é o objetivo da especial complexidade.
3. Em segundo lugar: porque entende o Recorrente, como resulta do seu requerimento de 09/04/2019, que os eventuais ATRASOS VERIFICADOS NO PRESENTE INQUÉRITO NÃO SÃO, NEM PODEM SER, IMPUTADOS AOS ARGUIDOS, MAS ANTES À INÉRCIA FUNCIONAL E INVESTIGATÓRIA.
4. O MP promove a especial complexidade em 24/01/2019 e os restantes sujeitos processuais só são "validamente" notificados para se pronunciarem quanto a tal matéria a 1/04/2019! 3 MESES DEPOIS!!!!
5. Os arguidos apenas são notificados 3 meses depois POR CULPA EXCLUSIVA DO TRIBUNAL,ora porque o Tribunal profere despachos para os quais não tinha competência (veja-se decisão 29/01/2019), ora porque profere decisões sem antes apreciar as questões que lhe foram colocadas pelos sujeitos processuais, nomeadamente, pelos arguidos (veja-se Despacho 21/03/2019), tudo isto em prejuízo dos arguidos, principalmente, dos que se encontram em prisão preventiva como é o caso do Recorrente.
6. Note-se que apesar de tudo o que se disse, o MP insiste em promover a especial complexidade com o fundamento - repare-se - de que o MP não tem tempo para encerrar o presente inquérito dentro do prazo legal que tem para o efeito, com a desculpa de que o presente inquérito é complexo, quando a verdade é que o presente inquérito corre termos desde 2015 (ou seja o MP encontra-se a investigar há quase 4 anos), com arguidos em prisão preventiva há tempo demais e "por coisa nenhuma" e, ainda assim, se "perde" tempo, três meses, entre lapsos e erros por parte do Tribunal e com o processo a "passear" entre Santarém e Tomar ...
7. Terceiro fundamento: há muito decorreu o prazo para que o JIC em sede de inquérito pudesse declarar a especial complexidade dos persentes autos.
8. Antes de mais, não corresponde à verdade que só a partir de 12/07/2018 (data do despacho que determinou as interceções telefónicas) o presente inquérito começou a correr contra pessoa determinada.
9. Esta afirmação é falsa e mais não é do que um artificio para se prolongar a presente fase de inquérito para além de todos os prazos que a nossa lei prevê para esta fase!
10. A maioria das queixas crime ou denúncias apresentadas foram apresentadas contra pessoas determinadas, que estas queixas foram apresentadas antes do despacho que autorizou as intercepções telefónicas; muito antes do Despacho que determinou as intercepções telefónicas todos os arguidos e sociedades arguidas estavam já bem identificados como suspeitos,tendo sido até realizadas várias diligências de investigação quanto a todos eles,
11. Constando dos autos, ainda, e já antes do referido Despacho certidões da Conservatória do Registo Comercial relativamente a todas as sociedades, sociedades arguidas e, portanto, identificação dos seus sócios e gerentes (alguns dos arguidos)
12. Bem como constava já dos autos os registos de BI dos arguidos, Fichas biográficas, fotografias retiradas das fichas biográficas e até do Facebook dos arguidos, identificação das viaturas usadas pelos arguidos, viaturas seguradas ou que constavam como sendo da propriedade dos arguidos, informações bancárias, contratos de arrendamento, moradas e sede das sociedades arguidas.
13. Constava até análises feitas pelos OPC das relações existentes entre os arguidos e até a informação de que alguns tinham tido processos judiciais em que eram arguidos num mesmo processo.
14. Da análise de toda a prova documental existente nos autos verificamos, assim, que já muito antes da data de 12/07/2018 o presente inquérito corria contra pessoas determinadas.
15.A grande maioria das queixas apresentadas no âmbito dos presentes autos foram apresentadas contra pessoas determinadas e não contra desconhecidos, tendo tais queixas-crime sido apresentadas em data anterior à data do despacho que determinou as interceções telefónicas.
16. Por outro lado, antes de ter sido proferido o despacho que determinou as intercepções telefónicas já o OPC tinha levado a cabo várias diligências investigatórias, nomeadamente, reconhecimentos fotográficos, vigilâncias e diligências externas, requerido informação bancária e comercial relativamente a pessoas concretas e devidamente individualizadas e identificadas: os arguidos e as sociedades arguidas.
17. Na boa verdade dos factos quando foi determinada a interceção telefónica aos arguidos, como nos parece evidente, os mesmos já eram do conhecimento da investigação e a mesma já corria contra eles, caso contrário estar-se-ia a determinar a intercepção telefónica de quem e de que números?!
18. Já haviam testemunhas ouvidas na PJ e as suas declarações encontravam-se já reduzidas a auto.
19. Os arguidos eram já suspeitos nos presentes autos e encontravam-se devidamente identificados em data muito anterior a 12/07/2018
20. É falso que só a partir 12/07/2018 é que o presente inquérito começou a correr contra pessoa determinada, devendo ser fixada este marco processual em data muito anterior àquela, tendo em conta a prova documental existente nos autos e à qual o Recorrente - infelizmente - ainda não teve acesso em toda a sua extensão e plenitude, mas que tendo em conta aquela que lhe foi dada a conhecer jamais poderá ser fixada para data posterior a Janeiro de 2016 data em que foram inquiridas as primeiras testemunhas e surgem os primeiros dos suspeitos ­C.... Sendo que nesta data já havia queixas crime apresentadas contra aqueles - tudo nos termos do art. 276°, n 4 do CPP.
21. Os presentes autos tiveram o seu início a 30/12/2015 e que, no caso dos autos, nos termos do disposto na alínea a) do n° 3 do art. 276°, em conjugação com a alínea d) do n. 2 do art. 215° do CPP, é de 8 meses o prazo do inquérito, considerando que há arguidos detidos à sua ordem - sendo o Recorrente um deles.
22. Assim sendo como é, é incompreensível que o MP em Abril de 2018 venha requerer que seja decretada a especial complexidade alegando que o processo apenas começou a correr contra pessoa determinada a 12/07/2018 e que ainda necessita de mais tempo para concluir a presente investigação, sendo que ela já dura há cerca de 4 anos e apenas deveria durar 8 meses.
23. É certo que o artigo 276° do Código de Processo Penal não prevê sanções para incumprimento do prazo máximo de inquérito, o incumprimento tem consequências
24. O incumprimento do prazo máximo do inquérito tem uma outra consequência E QUE É O NOSSO QUARTO E GRANDE FUNDAMENTO DE RECURSO DA DECISÃO QUE DECRETOU A ESPECIAL COMPLEXIDADE DOS PRESENTES AUTOS.
25. Nos presentes autos, duvidas não existem, nem podem existir, que nos termos do disposto na alínea a) do n. 3 do art. 276°, em conjugação com a alínea d) do n. 2 do art. 215° do CPP, de 8 meses o prazo do inquérito, considerando que há arguidos detidos à sua ordem.
26. Tendo sido decretada a especial complexidade dos presentes autos, então, o prazo máximo do presente inquérito - nos termos do art. 276°, n 2 alínea c) do CPP - passou a ser de 12 meses.
27. Ora, tendo em conta que o presente inquérito teve o seu início em dezembro de 2015 e que logo em janeiro de 2016 o presente inquérito começou a correr contra pessoas determinadas verificamos que a presente investigação se prolonga por 3 anos e 3 meses, encontrando-se, consequentemente largamente excedidos todos os prazos referidos no art. 276° do C. P. P. mesmo na situação de especial complexidade prevista no art. 276°, n 2 alínea c) do CPP em que o presente inquérito teria um prazo máximo de 12 meses e, portanto, jamais poderia agora o Tribunal recorrido ter decretado a especial complexidade.
28. Mas mesmo que se entenda que o prazo máximo de inquérito apenas começa a correr a partir da tal data fictícia de 12/07/2018, a verdade é que a especial complexidade teria sempre que ser decretada dentro do prazo de inquérito de 8 meses que era esse o prazo que se encontrava a decorrer até ser proferido o despacho agora recorrido.
29. Ou seja, O tribunal recorrido teria que ter decretado a especial complexidade dos presentes autos até 12/03/2019.
30. Porém, o Tribunal recorrido apenas o fez em 12/04/2019.
31. Nos termos do disposto no artO 276°, n° 3 do CPP, o prazo para encerramento do inquérito, é um prazo de caducidade, e conta­-se do momento em que o inquérito tiver passado a correr contra pessoa determinada, ou em que se tiver verificado a constituição de arguido.
32. DECORRIDO POR INTEIRO O PRAZO PARA ENCERRAR O INQUÉRITO JÁ NÃO É POSSíVEL AO JIC PROFERIR DECISÃO A DECLARAR O PROCESSO DE ESPECIAL COMPLEXIDADE.
33. Tal declaração efectuada após o decurso do prazo para encerrar o inquérito não tem a virtualidade de renovar um prazo que já decorreu por inteiro.
34. A intenção do legislador foi a de fixar prazos máximos para a conclusão do inquérito.
35. Com efeito, se em sede de direitos disponíveis o prazo para exercício dos direitos é um prazo de caducidade, mal se compreenderia que em processo penal, em que estão em causa direitos, liberdades e garantias com tutela constitucional directa, máxime o direito fundamental à liberdade, os prazos para conclusão do inquérito não fossem de caducidade.
36. Nos termos do artO 296° do código Civil, as regras constantes do artO 279° são aplicáveis aos prazos e termos fixados por lei, tribunais ou qualquer autoridade
37. O prazo de conclusão do inquérito é um prazo de caducidade, que se não suspende nem interrompe, a não ser nos casos previstos por lei e que se não pode renovar por força de um despacho de declaração de excepcional complexidade proferido já depois de decorrido por inteiro aquele mesmo prazo.
38. E este é o fundamento principal do presente recurso: O Tribunal recorrido quando decretou a especial complexidade já tinha decorrido o prazo máximo de inquérito (no caso o prazo de 8 meses) contado da data em que o próprio Tribunal recorrido afirma ser a data a partir da qual tal prazo se deve contar.
39. Sendo o prazo máximo do inquérito um prazo de caducidade E TENDO ESTE DECORRIDO JÁ POR INTEIRO NÃO É POSSÍVEL JÁ AO JIC PROFERIR DECISÃO A DECLARAR O PROCESSO DE ESPECIAL COMPLEXIDADE DURANTE A FASE DE INQUÉRITO.
40. No caso dos autos, decorrido que estava por inteiro o prazo para o MP encerrar o inquérito não podia o Mmo JIC prorrogar esse mesmo prazo através de declaração de excepcional complexidade dos autos, antes deveria ter indeferido o requerimento do MP nesse sentido.
41. Se o prazo para terminar o inquérito já estava esgotado, a declaração de especial complexidade não tem a virtualidade de renovar um prazo que já decorreu por inteiro.
42. Aqui chegados cumpre concluir que a intenção do legislador foi a de fixar prazos máximos para a conclusão do inquérito.
43. E esses prazos têm como elemento diferenciador de duração o facto de se encontrarem, ou não, pessoas privadas do direito fundamental à liberdade.
44. Ora, se em sede de direitos disponíveis os prazos para o exercício do direito é de caducidade mal se compreenderia que em sede de processo penal, em que estão em causa direi tos, liberdades e garantias, máxime, o direi to fundamental à liberdade, se não entendesse serem os prazos de caducidade.
45. Por todo o exposto, deve ser julgado procedente o presente recurso, e em consequência, deve ser revogado o Despacho do JIC que declarou o presente processo de especial complexidade e dessa revogação se extraindo as legais consequências, nomeadamente, no que diz respeito à situação coactiva do recorrente, ordenando-se a sua libertação imediata, por se encontrar ultrapassado desde 16/05/2019 o prazo máximo da prisão preventiva a que se encontra, desde sempre, injustificadamente, sujeito.
NORMAS VIOLADAS:
Art. 296 do CC; Art. 279 do CC
Art. 276° do CPP, n. 2, n. 3 e n. 4; Art. 215, n. 2 do CPP
Por todo o exposto, deve ser julgado procedente o presente recurso, e em consequência, deve ser revogado o Despacho do JIC que declarou o presente processo de especial complexidade e dessa revogação se extraindo as legais consequências, nomeadamente, no que diz respeito à situação coactiva do recorrente, ordenando­-se a sua libertação imediata, por se encontrar ultrapassado desde 16/05/2019 o prazo máximo da prisão preventiva a que se encontra, desde sempre, injustificadamente, sujeito.

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1. R..., Arguida melhor identificado nos autos em epígrafe, tendo sido notificada do Despacho que decretou a especial complexidade dos presentes autos - Despacho com a ref. 80889431 de 12/04/2019 - vem, por não concordar de todo, com aquela decisão, interpor recurso daquele Despacho.
2. Primeiro, a Recorrente recorre do Despacho que decretou a especial complexidade dos presentes autos porque a promoção do MP de 24/01/2019 tem como finalidade única a de aumentar os limites máximos da prisão preventiva dos arguidos.
3. Em segundo lugar: porque entende a Recorrente que os eventuais ATRASOS VERIFICADOS NO PRESENTE INQUÉRITO NÃO SÃO, NEM PODEM SER, IMPUTADOS AOS ARGUIDOS, MAS ANTES À INÉRCIA FUNCIONAL E INVESTIGATÓRIA.
4. O MP promove a especial complexidade restantes sujeitos processuais só em 24/01/2019 e os são "validamente" notificados para se pronunciarem quanto a tal matéria a 1/04/2019! 3 MESES DEPOIS!!!!
5. Os arguidos apenas são notificados 3 meses depois POR CULPA EXCLUSIVA DO TRIBUNAL, ora porque o Tribunal profere despachos para os quais não tinha competência (veja-se decisão 29/01/2019), ora porque profere decisões sem antes apreciar as questões que lhe foram colocadas pelos sujeitos processuais, nomeadamente, pelos arguidos (veja-se Despacho 21/03/2019), tudo isto em prejuízo dos arguidos, principalmente, dos que se encontram em prisão preventiva.
6. Note-se que apesar de tudo o que se disse, o MP insiste em promover a especial complexidade com o fundamento - repare-se - de que o MP não tem tempo para encerrar o presente inquérito dentro do prazo legal que tem para o efeito, com a desculpa de que o presente inquérito é complexo, quando a verdade é que o presente inquérito corre termos desde 2015 (ou seja o MP encontra-se a investigar há quase 4 anos), com arguidos em prisão preventiva à tempo demais e "por coisa nenhuma" e, ainda assim, se "perde" tempo, três meses, entre lapsos e erros por parte do Tribunal e com o processo a "passear" entre Santarém e Tomar. ..
7. Terceiro fundamento: há muito decorreu o prazo para que o JIC em sede de inquérito pudesse declarar a especial complexidade dos persentes autos.
8. Antes de mais, não corresponde à verdade que só a partir de 12/07/2018 (data do despacho que determinou as interceções telefónicas) o presente inquérito começou a correr contra pessoa determinada.
9. Esta afirmação é falsa e mais não é do que um artificio para se prolongar a presente fase de inquérito para além de todos os prazos que a nossa lei prevê para esta fase!
10. A maioria das queixas crime ou denúncias apresentadas foram apresentadas contra pessoas determinadas, que estas queixas foram apresentadas antes do despacho que autorizou as interceções telefónicas; muito antes do Despacho que determinou as interceções telefónicas todos os arguidos e sociedades arguidas estavam já bem identificados como suspeitos, tendo sido até realizadas várias diligências de investigação quanto a todos eles,
11. Constando dos autos, ainda, e já antes do referido Despacho certidões da Conservatória do Registo Comercial relativamente a todas as sociedades, sociedades arguidas e, portanto, identificação dos seus sócios e gerentes (alguns dos arguidos)
12. Bem como constava já dos autos os registos de BI dos arguidos, Fichas biográficas, fotografias retiradas das fichas biográficas e até do Facebook dos arguidos, identificação das viaturas usadas pelos arguidos, viaturas seguradas ou que constavam como sendo da propriedade dos arguidos, informações bancárias, contratos de arrendamento, moradas e sede das sociedades arguidas.
13. Constava até análises feitas pelos OPC das relações existentes entre os arguidos e até a informação de que alguns tinham tido processos judiciais em que eram arguidos num mesmo processo.
14. Da análise de toda a prova documental existente nos autos verificamos, assim, que já muito antes da data de 12/07/2018 o presente inquérito corria contra pessoas determinadas.
15. A grande maioria das queixas apresentadas no âmbito dos presentes autos foram apresentadas contra pessoas determinadas e não contra desconhecidos, tendo tais queixas-crime sido apresentadas em data anterior à data do despacho que determinou as interceções telefónicas.
16. Por outro lado, antes de ter sido proferido o despacho que determinou as interceções telefónicas já o OPC tinha levado a cabo várias diligências investigatórias, nomeadamente, reconhecimentos fotográficos, vigilâncias e diligências externas, requerido informação bancária e comercial relativamente a pessoas concretas e devidamente individualizadas e identificadas: os arguidos e as sociedades arguidas.
17. Na boa verdade dos factos quando foi determinada a interceção telefónica aos arguidos, como nos parece evidente, os mesmos já eram do conhecimento da investigação e a mesma já corria contra eles, caso contrário estar-se-ia a determinar a interceção telefónica de quem e de que números?!
18. Já haviam testemunhas ouvidas na PJ e as suas declarações encontravam-se já reduzidas a auto.
19. Os arguidos eram já suspeitos nos presentes autos e encontravam-se devidamente identificados em data muito anterior a 12/07/2018
20. É falso que só a partir 12/07/2018 é que o presente inquérito começou a correr contra pessoa determinada, devendo ser fixada este marco processual em data muito anterior àquela, tendo em conta a prova documental existente nos autos e à qual o Recorrente - infelizmente - ainda não teve acesso em toda a sua extensão e plenitude, mas que tendo em conta aquela que lhe foi dada a conhecer jamais poderá ser fixada para data posterior a Janeiro de 2016 data em que foram inquiridas as primeiras testemunhas e surgem os primeiros dos suspeitos ­C.... Sendo que nesta data já havia queixas crime apresentadas contra aqueles - tudo nos termos do art. 276°, n° 4 do CPP.
21. Os presentes autos tiveram o seu início a 30/12/2015 e que, no caso dos autos, nos termos do disposto na alínea a) do n° 3 do art. 276°, em conjugação com a alínea d) do n° 2 do art. 215° do CPP, é de 8 meses o prazo do inquérito, considerando que há arguidos detidos à sua ordem - sendo o Recorrente um deles.
22. Assim sendo como é, é incompreensível que o MP em Abril de 2018 venha requerer que seja decretada a especial complexidade alegando que o processo apenas começou a correr contra pessoa determinada a 12/07/2018 e que ainda necessita de mais tempo para concluir a presente investigação, sendo que ela já dura há cerca de 4 anos e apenas deveria durar 8 meses.
23. É certo que o artigo 276° do Código de Processo Penal não prevê sanções para incumprimento do prazo máximo de inquérito, mas o incumprimento tem consequências
24. O incumprimento do prazo máximo do inquérito tem uma outra consequência E QUE É O NOSSO QUARTO E GRANDE FUNDAMENTO DE RECURSO DA DECISÃO QUE DECRETOU A ESPECIAL COMPLEXIDADE DOS PRESENTES AUTOS.
25. Nos presentes autos, duvidas não existem, nem podem existir, que nos termos do disposto na alínea a) do n° 3 do art. 276°, em conjugação com a alínea d) do n° 2 do art. 215° do CPP, é de 8 meses o prazo do inquérito, considerando que há arguidos detidos à sua ordem.
26. Tendo sido decretada a especial complexidade dos presentes autos, então, o prazo máximo do presente inquérito - nos termos do art. 276°, n° 2 alínea c) do CPP - passou a ser de 12 meses.
27. Ora, tendo em conta que o presente inquérito teve o seu início em dezembro de 2015 e que logo em janeiro de 2016 o presente inquérito começou a correr contra pessoas determinadas verificamos que a presente investigação se prolonga por 3 anos e 3 meses, encontrando-se, consequentemente largamente excedidos todos os prazos referidos no art. 276 ° do C. P. P. mesmo na situação de especial complexidade prevista no art. 276°, n° 2 alínea c) do CPP em que o presente inquérito teria um prazo máximo de 12 meses e, portanto, jamais poderia agora o Tribunal recorrido ter decretado a especial complexidade.
28. Mas mesmo que se entenda que o prazo máximo de inquérito apenas começa a correr a partir da tal data fictícia de 12/07/2018, a verdade é que a especial complexidade teria sempre que ser decretada dentro do prazo de inquérito de 8 meses que era esse o prazo que se encontrava a decorrer até ser proferido o despacho agora recorrido.
29. Ou seja, O tribunal recorrido teria que ter decretado a especial complexidade dos presentes autos até 12/03/2019.
30. Porém, o Tribunal recorrido apenas o fez em 12/04/2019.
31. Nos termos do disposto no artO 276°, n° 3 do CPP, o prazo para encerramento do inquérito, é um prazo de caducidade, e conta­se do momento em que o inquérito tiver passado a correr contra pessoa determinada, ou em que se tiver verificado a constituição de arguido.
32. DECORRIDO POR INTEIRO O PRAZO PARA ENCERRAR O INQUÉRITO JÁ NÃO É POSSíVEL AO JIC PROFERIR DECISÃO A DECLARAR O PROCESSO DE ESPECIAL COMPLEXIDADE.
33. Tal declaração efetuada após o decurso do prazo para encerrar o inquérito não tem a virtualidade de renovar um prazo que já decorreu por inteiro.
34. A intenção do legislador foi a de fixar prazos máximos para a conclusão do inquérito.
35. Com efeito, se em sede de direitos disponíveis o prazo para exercício dos direitos é um prazo de caducidade, mal se compreenderia que em processo penal, em que estão em causa direitos, liberdades e garantias com tutela constitucional direta, máxime o direito fundamental à liberdade, os prazos para conclusão do inquérito não fossem de caducidade.
36. Nos termos do artO 296° do Código Civil, as regras constantes do artO 279° são aplicáveis aos prazos e termos fixados por lei, tribunais ou qualquer autoridade
37. O prazo de conclusão do inquérito é um prazo de caducidade, que se não suspende nem interrompe, a não ser nos casos previstos por lei e que se não pode renovar por força de um despacho de declaração de excecional complexidade proferido já depois de decorrido por inteiro aquele mesmo prazo.
38. E este é o fundamento principal do presente recurso: O Tribunal recorrido quando decretou a especial complexidade já tinha decorrido o prazo máximo de inquérito (no caso o prazo de 8 meses) contado da data em que o próprio Tribunal recorrido afirma ser a data a partir da qual tal prazo se deve contar.
39. Sendo o prazo máximo do inquérito um prazo de caducidade E TENDO ESTE DECORRIDO JÁ POR INTEIRO NÃO É POSSíVEL JÁ AO JIC PROFERIR DECISÃO A DECLARAR O PROCESSO DE ESPECIAL COMPLEXIDADE DURANTE A FASE DE INQUÉRITO.
40. No caso dos autos, decorrido que estava por inteiro o prazo para o Mapa encerrar o inquérito não podia o Mmo JIC prorrogar esse mesmo prazo através de declaração de excecional complexidade dos autos, antes deveria ter indeferido o requerimento do Mapa nesse sentido.
41. Se o prazo para terminar o inquérito já estava esgotado, a declaração de especial complexidade não tem a virtualidade de renovar um prazo que já decorreu por inteiro.
42. Aqui chegados cumpre concluir que a intenção do legislador foi a de fixar prazos máximos para a conclusão do inquérito.
43. E esses prazos têm como elemento diferenciador de duração o facto de se encontrarem, ou não, pessoas privadas do direito fundamental à liberdade.
44. Ora, se em sede de direitos disponíveis os prazos para o exercício do direito é de caducidade mal se compreenderia que em sede de processo penal, em que estão em causa direi tos, liberdades e garantias, máxime, o direito fundamental à liberdade, se não entendesse serem os prazos de caducidade.
45. Por todo o exposto, deve ser julgado procedente o presente recurso, e em consequência, deve ser revogado o Despacho do JIC que declarou o presente processo de especial complexidade e dessa revogação se extraindo as legais consequências.
NORMAS VIOLADAS:
Art. 296 do CC; Art. 279 do CC
Art. 2760 do CPP, n. 2, n. 3 e n. 4; Art. 215, n. 2 do CPP
Por todo o exposto, deve ser julgado procedente o presente recurso, e em consequência, deve ser revogado o Despacho do JIC que declarou o presente processo de especial complexidade e dessa revogação se extraindo as legais consequências, nomeadamente, no que diz respeito à situação coactiva dos arguidos presos preventivamente, ordenando-se a sua libertação imediata, por se encontrar ultrapassado desde 16/05/2019 o prazo máximo da prisão preventiva a que se encontra, desde sempre, injustificadamente, sujeito.
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O Digno magistrado do Ministério Público apresentou respostas com as seguintes conclusões:

Quanto a A...

1. Não resulta do artigo 215.º, do artigo 276.º e/ou de qualquer outro artigo do Código de Processo Penal que a declaração da excepcional complexidade do processo esteja condicionada ao facto de ainda não ter sido ultrapassado o prazo máximo de duração de inquérito.
2. Tal como, apenas a título de exemplo, se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/10/2009 (melhor identificado na motivação), no caso de um inquérito em que a declaração da excepcional complexidade ocorreu muito depois do alegado termo do prazo de duração máxima do inquérito, quando se declarou que “os prazos previstos no invocado art.º 276.º são meramente “ordenadores ou disciplinadores”, não implicando a sua inobservância, por isso, qualquer nulidade insanável. As razões são óbvias, e já atrás se afloraram: em crimes desta natureza, e com esta complexidade, poucos, ou nenhuns, poderiam vir a ser objecto de punição!”
3. Ou seja, a excepcional complexidade do processo pode ser declarada em qualquer momento do inquérito.
4. Na verdade, a perfilhar-se a tese do recorrente, tornar-se-ia impossível que fosse levada a cabo qualquer investigação mais complexa e em que, por exemplo, fossem levadas a cabo intercepções telefónicas, visto que estas são frequentemente efectuadas durante um período temporal superior a um ano.
5. A título de exemplo, pensemos também na necessidade de recorrer aos instrumentos judiciários de cooperação judiciária internacional e nas demoras que tal sempre acarreta, conforme recentes processos mediáticos têm demonstrado (por exemplo, em casos onde se verifica a necessidade de “seguir o rasto do dinheiro” e em que os suspeitos recorrem à utilização dos denominados “paraísos fiscais”).
6. Por outro lado, e tal como se verificou no caso concreto, decorrido o período temporal das intercepções telefónicas são, salvo raras excepções, sempre inevitavelmente levadas a cabo buscas e detenções, sendo quase sempre este um momento especialmente proveitoso em termos de recolha de prova, designadamente documental.
7. E, é na sequência da análise e conjugação entre si de todos esses documentos com a restante prova já recolhida no inquérito, que o Ministério Público se encontra habilitado a fundamentar o seu requerimento da excepcional complexidade, não sendo certamente por acaso que o legislador previu que tal declaração pudesse ser requerida em qualquer fase processual.
8. Veja-se como, no caso concreto, após a realização das buscas levadas a cabo no dia 13/11/2018, foram apreendidas centenas de documentos e como, nos meses seguintes, a Polícia Judiciária conseguiu, em face da análise do conteúdo desses documentos (por exemplo, facturas e anotações de transacções), levar a cabo um conjunto vasto de novas e relevantes diligências - buscas, constituições de arguidos, inquirição de testemunhas, recolha de elementos bancários e fiscais - que, por sua vez, permitiram recolher novos indícios quanto aos crimes de associação criminosa, burla qualificada e fraude fiscal qualificada (emissão e utilização de facturas sem a realização de qualquer transacção real, causando prejuízo ao Erário Público).
9. Tal como, após a realização do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, vários DIAP remeteram já vários inquéritos a este DIAP de Tomar, solicitando a realização de apensações – que foram efectuadas - visto que em todos se investigava a prática de crimes de burla qualificada pelos arguidos e suspeitos nos presentes autos (e, num caso, curiosamente relativamente ao recorrente e aos arguidos Jorge Mesquita e António Gamas, mesmo um crime de branqueamento de vantagens, cuja investigação se iniciou no DCIAP, relacionada com a sociedade arguida “PixelPeriférico”).
10. A título de exemplo quanto ao que acima assinalámos: antes da data do primeiro interrogatório judicial não existiam quaisquer arguidos constituídos à ordem dos presentes autos, mas, à data do requerimento do Ministério Público, o número já ascendia a 35 (trinta e cinco) e, sem qualquer dúvida, podemos já aqui consignar que, muito brevemente, o número de arguidos ultrapassará os 50 (cinquenta).
11. Ora, de acordo com a tese do recorrente, teríamos que concluir que, num caso destes, logo que decorrido o prazo máximo de duração do inquérito (o que sucederia inevitavelmente antes de a investigação estar muito longe de estar concluída), o Juiz de Instrução Criminal já não poderia declarar a excepcional complexidade do processo e o Ministério Público teria que deduzir acusação num prazo máximo de 6 (seis) meses, independentemente do número de arguidos e da complexidade das diligências necessárias para a descoberta da verdade material.
12. Em alternativa, teria que requerer a libertação imediata de todos os arguidos privados da sua liberdade, o que também seria muito conveniente para o aqui recorrente, que só está em prisão preventiva por se ter considerado fortemente indiciada a verificação de um perigo elevadíssimo de continuação da actividade criminosa.
13. O que levaria a uma distorção de todo o sistema, visto que se tornaria legalmente impossível declarar a aludida excepcional complexidade do processo precisamente nos casos de processos em que, por via da sua complexidade, tal declaração se demonstrava mais urgente.
14. Assim, consideramos que o entendimento do recorrente não tem qualquer acolhimento legal e que, consequentemente, nada impedia a Meritíssima Juíza de Instrução Criminal de, no caso concreto, ter declarado a excepcional complexidade do processo, pelo que se demonstra supérflua e desnecessária a análise da questão de aferir em que data é que o processo começou a correr contra pessoa determinada (não obstante, também aqui, não concordarmos com o entendimento do recorrente).
15. No que respeita ao mérito, importa não olvidar que o presente inquérito é precisamente um daqueles processos em que se demonstrava indispensável a declaração da sua especial complexidade.
16. Em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, a Meritíssima Juíza de Instrução Criminal considerou fortemente indiciada a prática de crimes de associação criminosa e burla, previstos nos artigos 215.º 2,a) e d) do Código de Processo Penal.
17. O número de arguidos era muito elevado, aproximadamente 40 (quarenta) arguidos, visto que além dos 17 (dezassete) arguidos submetidos a interrogatório judicial, também foram constituídos arguidos J... (18), CM... (19), F... (20) JZ... (21), M... (22), An... (23), He... (24), Heni... (25), Ed... (26), ENN (27), “Vel..." (28), “Ta...” (29), “Pau..." (30), “M..., Lda.” (31), “Pi...” (32), “Oc...” (33), “Pa...” (34), “S..., Lda.” (35).
18. Número que logo se considerou ser muito provável que viesse a aumentar, como efectivamente se verificou (sendo certo que muito brevemente será ultrapassado o número de cinquenta arguidos), em face dos avanços da investigação (descoberta de novos suspeitos, descoberta do paradeiro de suspeitos já identificados, nova inquirições e interrogatórios, novas perícias a telemóveis e computadores, resultados do exame a elementos bancários e fiscais, etc.);
19. O número de ofendidos era também muito elevado, bastando verificar o número dos inquéritos que já foram apensados aos autos desde a realização do interrogatório, número que também já se considerava ir previsivelmente aumentar (como sucedeu), sendo a inquirição dos ofendidos sempre uma diligência essencial para a prova da prática de crimes de burla.
20. A inquirição daqueles ofendidos era também uma diligência que exige inevitavelmente um significativo dispêndio de tempo à investigação (descrição dos contactos pré-negociais, descrição da forma como foi efectuado o negócio, descrição dos contactos e das diligências levados a cabo após descobrirem que foram enganados, novas tentativas de burla levadas a cabo por outras empresas, como sucedeu frequentemente nos autos, etc.).
21. As buscas e detenções foram executadas no dia 13 de Novembro de 2018, ou seja, apenas 2 (dois) meses antes da data em que se requereu a declaração da excepcional complexidade do processo, não se podendo olvidar a abundante prova recolhida nas buscas e que urgia analisar.
22. Em causa estavam e estão vários crimes de associação criminosa, burla qualificada e receptação (actualmente também um crime de branqueamento e crimes de fraude fiscal qualificada), sendo que, com excepção dos crime de receptação e fraude fiscal, qualquer um desses crimes se encontra previsto expressamente no artigo 215.º/3 do Código de Processo Penal e também no artigo 1.º/m) quanto ao crime de associação criminosa.
23. Vários arguidos (a título de exemplo, C..., F..., An..., A...) têm fortes ligações a outros Países (Espanha, Colômbia, etc.), pelo que se demonstrava e demonstra necessário levar a cabo diligências no âmbito da cooperação internacional, diligências que, pelos trâmites que têm necessariamente que ser observados, produzem sempre atrasos à investigação.
24. Demonstrava-se e demonstra-se essencial à descoberta da verdade material a execução de perícias contabilísticas e financeiras à abundante documentação apreendida (recibos, facturas, documentos bancárioss, balancetes, declarações fiscais e outra documentação de natureza contabilística), sendo que tais perícias, não obstante já se encontrarem a ser efectuadas e sem prejuízo dos esforços da Polícia Judiciária para que a sua conclusão ocorra da forma mais célere possível, nunca poderiam ser concluídas sem o acréscimo do prazo conferido pela declaração da excepcional complexidade.
25. O mesmo sucedia com as perícias às dezenas de telemóveis e computadores apreendidos, tudo diligências que a própria Meritíssima Juíza de Instrução Criminal considerou necessárias aquando da emissão dos mandados de busca e de pesquisa informática.
26. De mais a mais, o resultado dessas perícias financeiras, contabilísticas e informáticas permitiria obter um manancial novo de informação, certamente muito relevante e que, por seu turno, levaria à necessidade de efectuar mais diligências, designadamente junto de várias entidades, particulares e/ou públicas, bem como interrogatórios complementares dos arguidos.
27. Ou seja, tudo apontava no sentido de se demonstrar urgente a referida declaração da especial complexidade do processo, bastando notar que desde o início que se investiga a prática de um crime de associação criminosa, crime cuja prova é especialmente difícil e exigente, o que, inevitavelmente, implica que a investigação criminal tenha um trabalho também especialmente árduo e exigente.
28. Aliás, foi precisamente por estar ciente da existência de processos com a complexidade e exigência do presente inquérito que o legislador previu a possibilidade de ser declarada a especial complexidade do processo.
29. Não se podendo deixar de frisar que o que sucedeu posteriormente veio precisamente confirmar a bondade da decisão recorrida, visto que, dado o árduo trabalho do Ministério Público e da Polícia Judiciária, o inquérito já tem actualmente, no total, cerca de 90 (noventa) volumes, tendo já sido constituídos vários arguidos e recolhida abundante prova documental relevante para o objecto deste inquérito.
30. Em suma, a decisão recorrida não nos merece qualquer censura, pelo que deverá ser negado provimento ao presente recurso e manter-se a decisão proferida pela Meritíssima Juíza de Instrução Criminal.
*

Quanto a R...


1. Não resulta do artigo 215.º, do artigo 276.º e/ou de qualquer outro artigo do Código de Processo Penal que a declaração da excepcional complexidade do processo esteja condicionada ao facto de ainda não ter sido ultrapassado o prazo máximo de duração de inquérito.
2. Tal como, apenas a título de exemplo, se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/10/2009 (melhor identificado na motivação), no caso de um inquérito em que a declaração da excepcional complexidade ocorreu muito depois do alegado termo do prazo de duração máxima do inquérito, quando se declarou que “os prazos previstos no invocado art.º 276.º são meramente “ordenadores ou disciplinadores”, não implicando a sua inobservância, por isso, qualquer nulidade insanável. As razões são óbvias, e já atrás se afloraram: em crimes desta natureza, e com esta complexidade, poucos, ou nenhuns, poderiam vir a ser objecto de punição!”
3. Ou seja, a excepcional complexidade do processo pode ser declarada em qualquer momento do inquérito.
4. Na verdade, a perfilhar-se a tese da recorrente, tornar-se-ia impossível que fosse levada a cabo qualquer investigação mais complexa e em que, por exemplo, fossem levadas a cabo intercepções telefónicas, visto que estas são frequentemente efectuadas durante um período temporal superior a um ano.
5. A título de exemplo, pensemos também na necessidade de recorrer aos instrumentos judiciários de cooperação judiciária internacional e nas demoras que tal sempre acarreta, conforme recentes processos mediáticos têm demonstrado (por exemplo, em casos onde se verifica a necessidade de “seguir o rasto do dinheiro” e em que os suspeitos recorrem à utilização dos denominados “paraísos fiscais”).
6. Por outro lado, e tal como se verificou no caso concreto, decorrido o período temporal das intercepções telefónicas são, salvo raras excepções, sempre inevitavelmente levadas a cabo buscas e detenções, sendo quase sempre este um momento especialmente proveitoso em termos de recolha de prova, designadamente documental.
7. E, é na sequência da análise e conjugação entre si de todos esses documentos com a restante prova já recolhida no inquérito, que o Ministério Público se encontra habilitado a fundamentar o seu requerimento da excepcional complexidade, não sendo certamente por acaso que o legislador previu que tal declaração pudesse ser requerida em qualquer fase processual.
8. Veja-se como, no caso concreto, após a realização das buscas levadas a cabo no dia 13/11/2018, foram apreendidas centenas de documentos e como, nos meses seguintes, a Polícia Judiciária conseguiu, em face da análise do conteúdo desses documentos (por exemplo, facturas e anotações de transacções), levar a cabo um conjunto vasto de novas e relevantes diligências - buscas, constituições de arguidos, inquirição de testemunhas, recolha de elementos bancários e fiscais - que, por sua vez, permitiram recolher novos indícios quanto aos crimes de associação criminosa, burla qualificada e fraude fiscal qualificada (emissão e utilização de facturas sem a realização de qualquer transacção real, causando prejuízo ao Erário Público).
9. Tal como, após a realização do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, vários DIAP remeteram já vários inquéritos a este DIAP de Tomar, solicitando a realização de apensações – que foram efectuadas -, visto que em todos se investigava a prática de crimes de burla qualificada pelos arguidos e suspeitos nos presentes autos.
10. A título de exemplo quanto ao que acima assinalámos: antes da data do primeiro interrogatório judicial não existiam quaisquer arguidos constituídos à ordem dos presentes autos, mas, à data do requerimento do Ministério Público, o número já ascendia a 35 (trinta e cinco) e, sem qualquer dúvida, podemos já aqui consignar que, muito brevemente, o número de arguidos ultrapassará os 50 (cinquenta).
11. Ora, de acordo com a tese da recorrente, teríamos que concluir que, num caso destes, logo que decorrido o prazo máximo de duração do inquérito (o que sucederia inevitavelmente antes de a investigação estar muito longe de estar concluída), o Juiz de Instrução Criminal já não poderia declarar a excepcional complexidade do processo e o Ministério Público teria que deduzir acusação num prazo máximo de 6 (seis) meses, independentemente do número de arguidos e da complexidade das diligências necessárias para a descoberta da verdade material.
12. Em alternativa, teria que requerer a libertação imediata de todos os arguidos privados da sua liberdade, o que também seria muito conveniente para o aqui recorrente, que só está em prisão preventiva por se ter considerado fortemente indiciada a verificação de um perigo elevadíssimo de continuação da actividade criminosa.
13. O que levaria a uma distorção de todo o sistema, visto que se tornaria legalmente impossível declarar a aludida excepcional complexidade do processo precisamente nos casos de processos em que, por via da sua complexidade, tal declaração se demonstrava mais urgente.
14. Assim, consideramos que o entendimento da recorrente não tem qualquer acolhimento legal e que, consequentemente, nada impedia a Meritíssima Juíza de Instrução Criminal de, no caso concreto, ter declarado a excepcional complexidade do processo, pelo que se demonstra supérflua e desnecessária a análise da questão de aferir em que data é que o processo começou a correr contra pessoa determinada (não obstante, também aqui, não concordarmos com o entendimento da recorrente).
15. No que respeita ao mérito, importa não olvidar que o presente inquérito é precisamente um daqueles processos em que se demonstrava indispensável a declaração da sua especial complexidade.
16. Em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, a Meritíssima Juíza de Instrução Criminal considerou fortemente indiciada a prática de crimes de associação criminosa e burla, previstos nos artigos 215.º/2,a) e d) do Código de Processo Penal.
17. O número de arguidos era muito elevado, aproximadamente 40 (quarenta) arguidos, visto que além dos 17 (dezassete) arguidos submetidos a interrogatório judicial, também foram constituídos arguidos J... (18), Ca... (19), F... (20) JZ... (21), Ma... (22), An... (23), He... (24), Heni... 25), Ed... (26), EN... (27), “VelvetOcean” (28), “TalentosVibrantes” (29), “PautaCordial (30), “M..., Lda.” (31), “Pi...” (32), “Oc...” (33), “Pa...” (34), “S..., Lda.” (35).
18. Número que logo se considerou ser muito provável que viesse a aumentar, como efectivamente se verificou (sendo certo que muito brevemente será ultrapassado o número de cinquenta arguidos), em face dos avanços da investigação (descoberta de novos suspeitos, descoberta do paradeiro de suspeitos já identificados, nova inquirições e interrogatórios, novas perícias a telemóveis e computadores, resultados do exame a elementos bancários e fiscais, etc.);
19. O número de ofendidos era também muito elevado, bastando verificar o número dos inquéritos que já foram apensados aos autos desde a realização do interrogatório, número que também já se considerava ir previsivelmente aumentar (como sucedeu), sendo a inquirição dos ofendidos sempre uma diligência essencial para a prova da prática de crimes de burla.
20. A inquirição daqueles ofendidos era também uma diligência que exige inevitavelmente um significativo dispêndio de tempo à investigação (descrição dos contactos pré-negociais, descrição da forma como foi efectuado o negócio, descrição dos contactos e das diligências levados a cabo após descobrirem que foram enganados, novas tentativas de burla levadas a cabo por outras empresas, como sucedeu frequentemente nos autos, etc.).
21. As buscas e detenções foram executadas no dia 13 de Novembro de 2018, ou seja, apenas 2 (dois) meses antes da data em que se requereu a declaração da excepcional complexidade do processo, não se podendo olvidar a abundante prova recolhida nas buscas e que urgia analisar.
22. Em causa estavam e estão vários crimes de associação criminosa, burla qualificada e receptação (actualmente também um crime de branqueamento e crimes de fraude fiscal qualificada), sendo que, com excepção dos crime de receptação e fraude fiscal, qualquer um desses crimes se encontra previsto expressamente no artigo 215.º/3 do Código de Processo Penal e também no artigo 1.º/m) quanto ao crime de associação criminosa.
23. Vários arguidos (a título de exemplo, C..., F..., An..., A...) têm fortes ligações a outros Países (Espanha, Colômbia, etc.), pelo que se demonstrava e demonstra necessário levar a cabo diligências no âmbito da cooperação internacional, diligências que, pelos trâmites que têm necessariamente que ser observados, produzem sempre atrasos à investigação.
24. Demonstrava-se e demonstra-se essencial à descoberta da verdade material a execução de perícias contabilísticas e financeiras à abundante documentação apreendida (recibos, facturas, documentos bancárioss, balancetes, declarações fiscais e outra documentação de natureza contabilística), sendo que tais perícias, não obstante já se encontrarem a ser efectuadas e sem prejuízo dos esforços da Polícia Judiciária para que a sua conclusão ocorra da forma mais célere possível, nunca poderiam ser concluídas sem o acréscimo do prazo conferido pela declaração da excepcional complexidade.
25. O mesmo sucedia com as perícias às dezenas de telemóveis e computadores apreendidos, tudo diligências que a própria Meritíssima Juíza de Instrução Criminal considerou necessárias aquando da emissão dos mandados de busca e de pesquisa informática.
26. De mais a mais, o resultado dessas perícias financeiras, contabilísticas e informáticas permitiria obter um manancial novo de informação, certamente muito relevante e que, por seu turno, levaria à necessidade de efectuar mais diligências, designadamente junto de várias entidades, particulares e/ou públicas, bem como interrogatórios complementares dos arguidos.
27. Ou seja, tudo apontava no sentido de se demonstrar urgente a referida declaração da especial complexidade do processo, bastando notar que desde o início que se investiga a prática de um crime de associação criminosa, crime cuja prova é especialmente difícil e exigente, o que, inevitavelmente, implica que a investigação criminal tenha um trabalho também especialmente árduo e exigente.
28. Aliás, foi precisamente por estar ciente da existência de processos com a complexidade e exigência do presente inquérito que o legislador previu a possibilidade de ser declarada a especial complexidade do processo.
29. Não se podendo deixar de frisar que o que sucedeu posteriormente veio precisamente confirmar a bondade da decisão recorrida, visto que, dado o árduo trabalho do Ministério Público e da Polícia Judiciária, o inquérito já tem actualmente, no total, cerca de 90 (noventa) volumes, tendo já sido constituídos vários arguidos e recolhida abundante prova documental relevante para o objecto deste inquérito.
30. Em suma, a decisão recorrida não nos merece qualquer censura, pelo que deverá ser negado provimento ao presente recurso e manter-se a decisão proferida pela Meritíssima Juíza de Instrução Criminal.
***

Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

*****

B - Fundamentação:

B.1 - São estes os elementos de facto básicos decorrentes do processo até à detenção dos arguidos - que se indicam de forma não exaustiva e com o intuito de dar uma imagem concreta mas resumida sem excesso de informação que poderia afectar o decurso das investigações – (de notar que as páginas indicadas são do apenso e não dos autos principais):

1 – Em 30-12-2015 Ro... apresentou denúncia na Polícia Judiciária de Leiria contra C... e P..., Ldª (fls. 3 a 6); O denunciante é ouvido em declarações (fls. 12-13);

2 – A primeira testemunha é inquirida a 18-01-2016;

3 – A 27-04-2016 pedem-se elementos sobre emissão de cheque sem provisão por parte de P..., Ldª;

4 – A fls. 338, 343 e 388 procede-se a inquirição de gerentes de algumas sociedades lesadas;

5 - Em 02-05-2016 (fls. 409) procede-se a reconhecimento fotográfico de Jos...;

6 – Em 13-07-2016 (fls. 451 e segs.) começam a chegar informações das operadoras telefónicas após recolha de informações;

7 – Em 15-12-2016 (fls. 460) são incorporados dois novos inquéritos;

8 – Em 22-05-2017 (fls. 636) é incorporado o inquérito 379/15.0JAFAR;

9 – Em 21-08-2017 (fls. 656) ainda são necessárias diligências para localizar suspeitos que são 5 (fls. 641);

10 – Surgem informações sobre novas empresas suspeitas em 12 e 16 de Janeiro de 2018 (fls. 702 e 714);

11 – E novas empresas lesadas em 18-01-2018 (fls. 747);

12 – Procede-se à vigilância de suspeitos (p. ex. fls. 752 a 762);

13 – É feito, a 16-02-2018 (fls. 880), resumo das certidões de primeiras empresas suspeitas;

14 – Em 23-02-2018 é realizado Relatório Intercalar (fls. 892 a 909);

15 – Em 28-02-2018 é lavrado despacho pelo Ministério Público a determinar novas diligências probatórias (fls. 922 a 926);

16 – A 04-04-2018 é feita a inquirição de AS..., suposta “testa-de-ferro” na P... (fls. 1108);

17 – É realizada análise de informação bancária em 09-04-2018 (fls. 1210 a 1225);

18 – A 28-06-2018 a PJ junta Informação – a que se seguem despachos internos – a propor escutas telefónicas e a indicar a existência de indícios de crimes de burla qualificada, associação criminosa e (eventualmente) de fraude fiscal;

19 – A 03-07-2018 é declarada a natureza urgente dos autos;

20 – Na mesma data são promovidas pelo M.P. escutas telefónicas (fls. 1466) com fundamento na existência de vários crimes de burla qualificadas p. e p. pelos arts. 217., nº 1 e 218º, n. 2, al. b do Código Penal;

21 – Em 12-07-2018 a Mmª JIC lavra despacho judicial a autorizar as escutas telefónicas (fls. 1477 a 1483) por se indiciar a prática de vários crimes de burla qualificada (arts. 217º, n. 1 e 218º, n. 2, al. b) do C.P.);

22 – A 03-09-2018 é junto relatório intercalar da PJ (fls. 1764 e ss.) a relatar escutas efectuadas, diligências ainda necessárias e ocorrência de novas queixas;

23 – Novo relatório é junto a 09-10-2018 com indicação de empresas intervenientes, arguidos implicados e indicação de meios de prova a realizar contra 17 arguidos e mais de 14 empresas;

24 – A 02-11-2018 (fls. 2451-2486) concluindo pela existência de uma associação criminosa o Ministério Público ordena e promove a realização de vários elementos de prova;

25 – Em 05-11-2018 é lavrado despacho judicial (fls. 2493-2517) que admite a prática de crime de associação criminosa e, por referência a 18 arguidos, determina a emissão de mandados de detenção desses arguidos, se autorizam buscas residenciais e apreensões, bem como a apreensão e acesso a todos os equipamentos electrónicos encontrados nos locais objecto de busca;

26 - Em 08-11-2018 são ainda mandados apensar três inquéritos relativos a factos conexos;

27 – São emitidos mandados de busca não domiciliárias a 06-11-2018 e 12-11-2018 e de pesquisa informática (a 12-11-2018);

28 – Em 15-11-2018 parte dos arguido é sujeita a primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos (fls. 3141);

29 – Em 16-11-2018 e por despacho judicial lavrado na sequência do primeiro interrogatório judicial foram imputados aos arguidos crimes de associação criminosa e burla e sujeitos quatro dos arguidos a prisão preventiva.

30 – Por acórdão de 9 Janeiro de 2019 (fls. 5068 a 5101) o STJ declarou improcedente providência de habeas corpus intentada pelo arguido recorrente A....

31 - Por despacho da Mmª Juíza de 12.04.2019 – fls. 6661 a 6670 - foi declarada a excepcional complexidade dos autos e indeferida uma peticionada separação de processos.

32 - É este o teor do despacho recorrido:

«Por despacho proferido em 24.01.2019, o Ministério Público requer que seja declarada a excecional complexidade do presente processo, nos termos do disposto nos arts. 215.°, n. 1 e n. 2, alíneas a) e d), e n.os 3 e 4, do Código de Processo Penal.
Para o efeito, o Ministério Público invoca o seguinte: «Nos termos do art. 215.° do Código de Processo Penal:
"1- A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido: a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação;
b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória;
c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em La instância;
d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.
2- Os prazos referidos no número anterior são elevados, respetivamente, para seis meses, dez meses, um ano e seis meses e dois anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime:
a) Previsto no artigo 299.°, no n. 1 do artigo 318.°, nos artigos 319.°, 326.°, 331.° ou no n. 1 do artigo 333.° do Código Penal e nos artigos 30.°, 79.° e 80.° do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei n." 100/2003, de 15 de Novembro;
b) De furto de veículos ou de falsificação de documentos a eles respeitantes ou de elementos identificadores de veículos;
c) De falsificação de moeda, títulos de crédito, valores selados, selos e equiparados ou da respetiva passagem;
d) De burla, insolvência dolosa, administração danosa do sector público ou cooperativo, falsificação, corrupção, peculato ou de participação económica em negócio;
e) De branqueamento de vantagens de proveniência ilícita;
f) De fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito;
g) Abrangido por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
3- Os prazos referidos no n. 1 são elevados, respetivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excecional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.
4- A excecional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode ser declarada durante a 1ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente" (sublinhados e negritos nossos).
No que concerne à especial complexidade do processo, o legislador indicou, a título exemplificativo, dois fundamentos: o número elevado de arguidos ou ofendidos; o carácter altamente organizado do crime.
Tal como se fez constar no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17/03/2015 (processo n. 1245/13.9GBABG-AE1), "a consideração de um procedimento como sendo de "excepcional complexidade" tem de ser ponderada, em larga medida, à luz de espaços de indeterminação mas pressupondo sempre uma rigorosa análise de todos os elementos do procedimento e uma pronúncia sobre a concreta configuração processual em causa ou seja (e resumindo) tem de ser ditada caso a caso uma decisão prudencial sobre a questão. A "excecional complexidade" constitui, assim uma noção que apenas assume sentido quanto avaliada na perspetiva do processo considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais mas na dimensão factual do procedimento enquanto sequência e conjunto de atos e revelação externa e interna de acrescidas dijiculdades de investigação e/ ou de julgamento, dificuldades essas com tradução visível nos termos e nos tempos do procedimento. A decisão sobre a verificação da "excecional complexidade", por isso mesmo, não depende da aplicação da lei a factos e da integração de elementos compostos com dimensão normativa, nem está tributária da interpretação de normas. O juízo sobre a "excecional complexidade" assume-se, pois, como um juízo prudencial; de razoabilidade, de critério da justa medida na apreciação e na avaliação das dificuldades suscitadas pelo procedimento".
Por seu turno, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/02/2009 (processo n. 09P0325) realçou que "a declaração de especial complexidade visa a continuação da investigação na realização das diligências necessárias que se não fora aquela declaração não podiam ser feitas no prazo legalmente estabelecido; tem por escopo necessidades de investigação criminal em que, havendo arguidos(s) em prisão preventiva à ordem desse processo, o prazo de duração máxima da prisão preventiva não é expectavelmente suficiente para se ultimar a investigação, mormente com vista a um juízo completo e tempestivo sobre a formulação de despacho acusatório, sob pena de virem a gorar-se as finalidades do inquérito e eventual defraudação da busca da verdade material, ainda que em termos indiciários.
A declaração de especial complexidade é uma medida cautelar, um compromisso necessário do legislador em política criminal, de forma a estabelecer o equilíbrio entre a necessidade de combate ao crime e perseguição dos criminosos em certos ilícitos mais graves catalogados por lei - através dos meios processualmente válidos inerentes à investigação criminal - e os direitos ou garantias do cidadão arguido em prisão preventiva além de se circunscrever no âmbito do processo justo em que a elevação do prazo de duração máxima da prisão não é arbitrária mas contida pelo princípio da legalidade considerado esse prazo, assim elevado, suficientemente idóneo à realização das diligências necessárias à ultimação do inquérito".
Ora, o presente inquérito é precisamente um daqueles processos em que se demonstra indispensável a declaração da sua especial complexidade.
Com efeito:
- O número de arguidos é muito elevado, sendo já aproximado de 40 (quarenta), visto que além dos 17 (dezassete) arguidos submetidos a interrogatório judicial, também já foram constituídos arguidos J... (18), Ca... (19), F... (20), JZ... (21), Ma... (22), An... (23), He... (24), Heni... 25), Ed... (26), E... (27), "Vel..." (28), "Ta..." (29), "Pa... (30), "M..., Lda." (31), "Pi..." (32), "Oc..." (33), "Pa..." (34), "S..., Lda." (35);
- Sendo muito previsível que este número venha ainda a subir, em face dos avanços da investigação (descoberta de novos suspeitos, descoberta do paradeiro de suspeitos já identificados, etc.);
- O número de ofendidos é também muito elevado, bastando verificar o número dos inquéritos que já foram apensados aos autos desde a realização do interrogatório, número que também irá previsivelmente aumentar, sendo a inquirição dos ofendidos sempre uma diligência essencial para a prova da prática de crimes de burla;
- A inquirição desses mesmos ofendidos é também uma diligência que eX1ge inevitavelmente um significativo dispêndio de tempo à investigação (descrição dos contactos pré-negociais, descrição da forma como foi efetuado o negócio, descrição dos contactos e das diligências levados a cabo após descobrirem que foram enganados, novas tentativas de burla levadas a cabo por outras empresas, como sucedeu frequentemente nos autos, etc.);
- As buscas e detenções foram executadas no dia 13 de novembro de 2018, ou seja, há cerca de apenas 2 (dois) meses, não se podendo olvidar a abundante prova recolhida e que urge analisar;
Em causa estão vários crimes de burla qualificada e vários crimes de associação criminosa, qualquer um desses crimes previsto expressamente no art. 215.°, n. 3 do Código de Processo Penal e também no art. 1., alínea m) quanto ao crime de associação criminosa;
- Vários arguidos (a título de exemplo, C..., F..., An..., A...) têm fortes ligações a outros Países, pelo que se irá demonstrar necessário levar a cabo diligências no âmbito da cooperação judiciária internacional, diligências que, pelos trâmites que têm necessariamente que ser observados, produzem sempre atrasos à investigação;
- Demonstra-se essencial à descoberta da verdade material a execução de perícias contabilísticas e financeiras à abundante documentação apreendida (recibos, faturas, contas bancárias, balancetes e outra documentação de natureza contabilística), sendo que tais perícias, não obstante já se encontrarem a ser efetuadas e sem prejuízo dos esforços da Polícia Judiciária para que a sua conclusão ocorra da forma mais célere possível, nunca poderão encontrar-se realizadas nos próximos meses;
- O mesmo sucede com as perícias aos inúmeros telemóveis e computadores apreendidos, tudo diligências que a própria Meritíssima Juíza de Instrução Criminal considerou necessárias aquando da emissão dos mandados de busca e de pesquisa informática;
- De mais a mais, o resultado dessas perícias financeiras, contabilísticas e informáticas permitirá obter um manancial novo de informação, certamente muito relevante e que, por seu turno, levará à necessidade de efetuar mais diligências, designadamente junto de várias entidades, particulares e/ou públicas, bem como interrogatórios complementares dos arguidos;
- Isto sem prejuízo das diligências de prova que alguns arguidos já solicitaram e que, certamente, outros não deixarão de solicitar que sejam levadas a cabo, no sentido de permitirem o esclarecimento da verdade material, importando não olvidar que, além dos dois crimes acima referidos, nos presentes autos também se investigam outros crimes como, por exemplo, de recetação.
Ou seja, tudo aponta no sentido de se demonstrar urgente a referida declaração da especial complexidade do processo.
Com efeito, caso não seja declarada essa especial complexidade, o Ministério Público teria que deduzir o despacho final até ao dia 16.05.2018, nos termos do art. 215.°, n. 1, alínea a) e n. 2, alíneas a) e d) do Código de Processo Penal.
Todavia, pelos motivos acima expostos, tal prazo demonstra-se manifestamente insuficiente para a realização das diligências necessárias para as finalidades do inquérito, impondo-se assim que o prazo aplicável seja o de um ano, conforme previsto no art. 215.°, n.os 3 e 4 do Código de Processo Penal.
Aliás, salvo melhor entendimento, foi precisamente por estar ciente da existência de processos com a complexidade e exigência do presente inquérito que o legislador previu a possibilidade de ser declarada a especial complexidade do processo».
Foi determinada a notificação dos sujeitos processuais para, querendo e nos termos do art. 215.°, n.4, do Código de Processo Penal, se pronunciarem acerca da requerida declaração de excecional complexidade - cfr., a este propósito, folhas 6651 e 6652.
No cumprimento do seu direito ao contraditório, pronunciaram-se:
i. Os arguidos He... e Heni..., - C..., Lda., nos termos expostos a folhas 5844 a 5849 / 5900 a 5903, salientando que a pendência do presente processo prolongará as consequências negativas para o bom nome, credibilidade, reputação e imagem comercial dos arguidos. Requerem a separação de processos, nos termos do art. 30.°, n. 1 , alínea a), do Código de Processo Penal, em caso de procedência do pedido de declaração de excecional complexidade;
ii. O arguido An..., nos termos expostos a folhas 5852 a 5855, opondo-se à declaração de excecional complexidade, por não ser responsável pelos eventuais atrasos na investigação criminal, estando, o inquérito, pendente há vários anos;
iii. Os arguidos Ca..., S..., Lda. e Se..., nos termos expostos a folhas 5857 e 5858, requerendo, ao abrigo da alínea c) do n.01 do art. 30.° do Código de Processo Penal, a separação dos processos, porquanto a conexão aos autos principais podem retardar excessivamente o julgamento destes arguidos; e
iv, O arguido A..., nos termos expostos a folhas 6997 a 7009, opondo-se à declaração de excecional complexidade, por a considerar incompreensível e por ter sido já esgotado o prazo máximo de inquérito, o de oito meses.
Cumpre apreciar e decidir.
Decorre do art. 215.°, n. 4, do Código de Processo Penal que a excecional complexidade a que se refere essa norma apenas pode ser declarada durante a 1ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público.
Seguindo o que, a propósito, desta questão se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.01.2005 (disponível em www.dgsi.pt) a declaração de excecional complexidade pressupõe uma análise ponderada de todos os elementos constantes dos autos, ou seja, uma avaliação concreta do processo, enquanto "conjunto e sequência de atos e revelação interna e externa de acrescidas dificuldades de investigação com refração nos termos e nos tempos do procedimento". Por outro lado, trata-se de um juízo que deve levar em linha de conta as dificuldades da investigação, o número de intervenientes processuais, a deslocalização de atos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais. Tenha-se em consideração que o legislador processual penal não define o que deva entender-se por especial complexidade, limitando-se a indicar exemplos de fatores que a podem suportar, quais sejam, o número de arguidos ou de ofendidos ou carácter altamente organizado do crime. Trata-se de um mecanismo que contende diretamente, designadamente, com prazos referentes à execução de medidas de coação e que, por isso, deve ser ponderado segundo critérios de razoabilidade, tendo necessariamente por reporte, a matéria objetiva, que em termos de dificuldade do procedimento investigatório, resulta dos autos.
E, nesta perspetiva, compulsados os presentes autos, temos que, à data da promoção do Ministério Público, pelo menos quanto aos arguidos... existiam fortes da prática dos crimes a que se alude nas alíneas a) e d) do n. 2 do art. 215.° do Código de Processo Penal, para o qual remete a segunda parte do n. 3 do mesmo normativo legal.
São, portanto, 11 arguidos, dos quais 3 (C..., A... e Ma...) aguardam, ainda, sujeitos ao estatuto coativo mais gravoso, o de prisão preventiva.
Investigam-se, nestes autos, crimes como os de associação criminosa, relativamente aos quais se ligam lógica e intrinsecamente os crimes de burla e de recetação, igualmente sob investigação.
Por essa razão, não se poderá proceder, neste momento, à separação de processos em relação a alguns dos arguidos, concretamente aqueles que o solicitaram a este Tribunal, He..., Heni..., C..., Lda., Ca..., S..., Lda. e Se....
Nos termos das alíneas a) e c) do n. 1 do art. 30.° do Código de Processo Penal, o tribunal fará cessar a conexão de processos e ordenará a sua separação quando prepondere "um interesse ponderoso e atendível de qualquer arguido" [cfr. alínea a)] ou quando possa retardar excessivamente o julgamento de qualquer dos arguidos [cfr. alínea c)].
No caso concreto, em face da eventual responsabilidade criminal de mais do que um arguido, estes não assumem posições opostas, mas antes estreitamente conexionadas.
De facto, a própria natureza da factualidade em investigação é, por si, adequada a fazer evidenciar maiores dificuldades investigatórias.
Refere, o Ministério Público, a este propósito, que se revela essencial à descoberta da verdade material a concretização de perícias contabilísticas e financeiras à abundante documentação apreendida (recibos, faturas, contas bancárias, balancetes e outra documentação de natureza contabilística), sendo que tais perícias, não obstante já se encontrarem a ser efetuadas e sem prejuízo dos esforços da Polícia Judiciária para que a sua conclusão ocorra da forma mais célere possível, nunca poderão encontrar-se realizadas até ao mês de maio de 2019. O mesmo sucede com as perícias aos inúmeros telemóveis e computadores apreendidos, sendo que o resultado dessas perícias financeiras, contabilísticas e informáticas permitirá obter um manancial novo de informação, certamente muito relevante e que, por seu turno, levará à necessidade de efetuar mais diligências, designadamente junto de várias entidades, particulares e/ou públicas, bem como interrogatórios complementares dos arguidos; tudo sem prejuízo das diligências de prova que alguns arguidos já solicitaram e que, certamente, outros não deixarão de solicitar que sejam levadas a cabo, no sentido de permitirem o esclarecimento da verdade material, importando não olvidar que, além dos dois crimes acima referidos, nos presentes autos também se investigam outros crimes como, por exemplo, de recetação.
É igualmente certo que, em concreto, está em causa o apuramento dos danos patrimoniais causados nos ofendidos, de montantes ainda não concretamente definidos, considerando o modo de atuação dos arguidos, já indiciado nestes autos, com espraiamentos geográficos e subjetivos necessariamente complexos e que reclamam uma intervenção mais diversificada, por parte dos agentes investigatórios, não só em termos de meios e de envergadura da intervenção, mas a nivel da natureza das diligências probatórias necessárias e do tratamento do seu resultado.
Exemplo disso são as diversas apreensões já levadas a efeito.
Importa ter em consideração, ainda, que os presentes autos, pese embora tenham sido autuados no dia 30.12.2015, já se encontram compostos por 25 volumes.
Três arguidos encontram-se atualmente sujeitos a medidas de coação privativas da liberdade.
E estando em causa a aplicação de uma medida de coação privativa da liberdade, entendeu o legislador, à luz do princípio constitucional da proporcionalidade, fundamental na interpretação das normas restritivas de direitos fundamentais como é o da liberdade, estabelecer limites temporais rigorosos à duração de uma tal situação necessariamente precária - art. 18º da Constituição da República Portuguesa.
No âmbito do processo penal, tais limites são, desde logo visíveis, em sede de prazos máximos das medidas de coação, particularmente, no que se refere à prisão preventiva e à obrigação de permanência na habitação, e tendo por referência cada uma das fases processuais.
Sucede que, muitas vezes, não por quaisquer questões de inércia funcional ou investigatória, mas por aspetos diretamente relacionados com a dinâmica processual, estes prazos assim fixados não são suficientes para que, seguindo os trâmites processuais legalmente previstos, se logre finalizar a correspondente fase processual.
Por regra, tal ocorre nos processos em que a matéria sob investigação relaciona-se com uma criminalidade de investigação mais complexa, seja pelo carácter altamente organizado da atividade criminosa, considerando a sua gravidade e modo de execução, seja pela ramificação geográfica dessa atividade ou pelo elevado número de pessoas nela envolvidas (cfr. ac. do TRP de 24.10.2012, disponível em www.dgsí.pt).
E é, pois, para situações dessa natureza que se encontra prevista a possibilidade de conferir ao processo carácter de excecional complexidade.
O juízo que ora nos é requerido passa pela ponderação entre o direito à liberdade dos arguidos presos preventivamente e as necessidades da investigação em curso em ordem à descoberta da verdade e realização do interesse público na justiça.
Para além do que já antes se deixou dito quanto ao que resulta dos autos, em termos de dinâmica e complexidade processual, aqui se dando ainda por integralmente reproduzido o teor da promoção referenciada, importa ter ainda em consideração que, de acordo com o disposto no art. 1º, alínea m) do Código de Processo Penal, o crime de associação criminosa está qualificado como pertencendo à noção de criminalidade altamente organizada.
Assim sendo, por todo o exposto, não obstante os meios de prova já colhidos nos autos e disponíveis desde o início do processo e a partir da detenção dos arguidos para primeiro interrogatório judicial, como sejam as transcrições de conversações telefónicas intercetadas aos arguidos, sejam os autos de vigilância ou o resultado de buscas e apreensões realizadas, não se escamoteando as consequências nefastas do prolongar do tempo processual de inquérito, no sossego e tranquilidade dos arguidos, no seu bom nome, credibilidade, reputação e imagem comercial, e na sua própria liberdade (cfr. folhas 5844 a 5849 / 5900 a 5903; folhas 5852 a 5855; e folhas 5857 e 5858), constata-se da análise dos atos, entretanto, praticados no processo que o Ministério Público prossegue ainda com atos de recolha de prova importante para a global conformação da factualidade a imputar aos arguidos, o que, contrariamente ao sustentado pela defesa dos arguidos, se afigura compreensível em face do exposto.
Na nossa perspetiva, estão reunidos os requisitos para que se atribua aos presentes autos de inquérito o carácter de excecional complexidade.
Não se mostra ultrapassado o prazo de duração máxima da medida de coação de prisão preventiva aplicada, respetivamente, aos arguidos Ca..., A... e Ma....
O presente inquérito não se mostra concluído, sendo aliás dinâmico.
O n. 4 do art. 215.° do Código de Processo Penal não prevê a preclusão da possibilidade de decisão acerca do requerimento do Ministério Público quanto à excecional complexidade nos limites referidos a folhas 6997 a 7009, antes nos impondo, a lei, que essa decisão seja proferida "durante a 1ª instância".
Não existe, portanto, qualquer obstáculo legal, nem constitucionalmente previsto, à prolação da presente decisão.
Pelo exposto, decido:
a) Conferir aos presentes autos de inquérito o carácter de excecional complexidade nos termos e para os efeitos previstos no arts. 215.°, n. 1 e n. 2, alíneas a) e d), e ns 3 e 4, do Código de Processo Penal;
b) Indeferir a requerida separação dos processos.
Notifique.»

***

Cumpre apreciar e decidir.

O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação. Os recursos de ambos os arguidos suscitam uma mesma questão central – a declaração de excepcional complexidade dos autos (e não “especial” complexidade como muitas vezes se refere) - que é abordada com quatro linhas de raciocínio, como segue:

a) - a promoção do Ministério Público de 24-01-2019 tem como finalidade única a de aumentar os “limites máximos de prisão preventiva”;

b) - os atrasos verificados nos autos não podem ser imputados aos arguidos;

c) - há muito decorreu o prazo para a declaração de excepcional complexidade dos autos;

d) - o prazo para conclusão do inquérito é um prazo de caducidade – que não se suspende nem interrompe – e não pode ser renovado após o seu final.

Com a devida vénia e por necessidade de uma clara exposição da posição deste tribunal iremos abordar as questões colocadas na seguinte ordem: d), c) e - em conjunto - a) e b).


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B.2.1 – Antes de tudo, porém, convém recordar de forma sumária que, naturalmente, a questão se suscita quando o artigo 215º do C.P.P vem a estabelecer nos actuais nº 3 e 4 quanto a prazos de prisão preventiva até às fases processuais balizadoras (acusação, decisão instrutória, condenação em 1ª instância e condenação sem trânsito em julgado):

3 - Os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respectivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.

4 - A excepcional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente.

O cariz meramente exemplificativo da norma obrigou a um enquadramento mais abstracto em jurisprudência muito relevante e que – já na década inicial do século – fixou os contornos da figura e que vem sendo abundantemente exposta, não obstante nem sempre citada. Referimo-nos ao acórdão do STJ de 26-01-2005 (Proc. 05P3114, rel. Cons. Henriques Gaspar):

1. A noção de "excepcional complexidade" do artigo 215º, nº 3 do CPP está, em larga medida, referida a espaços de indeterminação, pressupondo uma integração densificada pela análise e ponderação de todos os elementos do respectivo procedimento; a integração da noção exige uma exclusiva ponderação sobre todos os elementos da configuração processual concreta, que se traduz, no essencial, em avaliação prudencial sobre factos.

2. A especial complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quando avaliada na perspectiva do processo, considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais, mas na dimensão factual do procedimento enquanto conjunto e sequência de actos e revelação interna e externa de acrescidas dificuldades de investigação com refracção nos termos e nos tempos do procedimento.

3. O juízo sobre a especial complexidade constitui um juízo de razoabilidade e da justa medida na apreciação das dificuldades do procedimento, tendo em conta nomeadamente, as dificuldades da investigação, o número de intervenientes processuais, a deslocalização de actos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, ou a intensidade de utilização dos meios.

4. O juízo sobre a excepcional complexidade depende do prudente critério do juiz na ponderação de elementos de facto; as questões de interpretação e aplicação da lei, por mais intensas e complexas não podem integrar a noção com o sentido que assume no artigo 215º, nº 2 do CPP.

O enquadramento do “concreto” realizada por este aresto tem vindo a ser seguida sem divergências de nota.

Mas uma questão de direito é-nos colocada pelos recursos que é prévia a esta análise real dos autos, a questão da caducidade do prazo de inquérito criminal.

É indubitável que o artigo 296.º (Contagem dos prazos) do CC dispõe que “as regras constantes do artigo 279.º são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade”. Tal norma refere-se ao cômputo do termo, pelo que previamente haverá que determinar se tal regra se aplica em processo penal.

Vem a asserção a propósito da afirmação dos recorrentes de que o prazo para conclusão do inquérito é um prazo de caducidade.

A resposta encontra-se no Livro I, Título II, Capítulo III relativo ao tempo e à sua repercussão nas relações jurídicas, designadamente no artigo 298º, nº 2 do CC que, sob a epígrafe «Prescrição, caducidade e não uso do direito», determina que “Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”. E com regulação específica na Secção III respectiva, nos artigos 328º a 333º do Código Civil.

Mas o essencial é reter que a caducidade é uma forma de regular o “tempo e sua repercussão nas relações jurídicas”. Ou seja, é uma forma de extinção de direitos e deveres pelo não exercício do direito num prazo dado.

Ora, não se vê como possa o exercício da acção penal ser regulado pelas normas que dispõem sobre a extinção de relações jurídicas já que o Ministério Público, titular da acção penal, não estabelece qualquer relação jurídica com qualquer interveniente processual penal, nomeadamente com os arguidos. Nem está o Ministério Público a exercer um “direito” próprio mas apenas uma função do Estado.

Aqui impera o ius imperii e seria necessário que norma específica do processo penal estabelecesse de forma expressa que o decurso do prazo de inquérito extinguiria a acção penal, como aliás acontece com a previsão muito própria do penal quanto à prescrição dos crimes e processual penal na regulação da caducidade do direito de queixa.

Mas há quem isso defenda e há muitos anos, sendo certo que nenhum legislador se atreveu a tal, considerando desde logo que uma tal teoria extinguiria muitas relações jurídicas que se supõem resultantes do crime (as cíveis designadamente, com a consequente responsabilização civil do Estado por culpa na extinção das obrigações de terceiros) e, a breve prazo, tal opção legislativa poria em causa os próprios alicerces da sociedade democrática por descrédito da acção penal, com a consequente multiplicação de requerimentos, recursos, providências - e que tais - para entorpecer a acção investigatória e de instrução dos autos tendo como objectivo o não cumprimento dos prazos de inquérito.

De outra banda os lesados pelo crime, suas vítimas, veriam o crime “apagado” da ordem jurídica – e das suas vidas - por via da ineficiência de órgãos do Estado. É claro que um tal estado de coisas sempre teria a vantagem de demonstrar sem subterfúgios a insuficiência ou falta de gestão adequada de meios investigatórios e de prossecução penal, mas é certo que nenhuma sociedade poderia sobreviver a tal descalabro.

Aliás, a figura processual da “aceleração processual” e as revisões dos artigos 215º e 276º do C.P.P. surgem como medidas alternativas exequíveis que evitam a derrocada que ocorreria caso se optasse por considerar aplicável ao processo penal o regime de caducidade das relações jurídicas civis.

Jurisprudencialmente e fazendo face a esta situação de melindre legislativo a jurisprudência tem seguido a senda de considerar tais prazos como meramente ordenadores, com as consequências já gravosas resultantes dos nsº 6, 7 e 8 do artigo 276º. Entendimento que aqui se não altera pelas razões que vêm de ser aduzidas.

Declaramos, então, que o prazo de conclusão de inquérito em processo penal não é um prazo de caducidade.


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B.2.2 – Por outro lado, norma explícita e clara determina o momento até ao qual tal declaração deve ocorrer. Referimo-nos ao nº 4 do artigo 215º do C.P.P ao certificar que a excepcional complexidade “apenas pode ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente”.

Era, portanto, permitido ao tribunal recorrido emitir a declaração quando o fez, mesmo na hipótese de estar terminado o prazo inicial de inquérito.

Mas estaria terminado o prazo de inquérito?

Ora, o inquérito inicia-se em 30-12-2015 contra um arguido e uma sociedade. E é desta data que os recorrentes pretendem que seja contado o prazo de inquérito com arguidos só muito posteriormente detidos e com efeitos preclusivos. Denunciados a emissão de um cheque sem provisão e uma eventual burla. Outras burlas semelhantes vão aparecendo sempre com idêntico procedimento: encomenda de mercadorias em quantidades elevadas e emissão de cheques sem provisão.

Ora, ainda em investigação e em momento intercalar do processo – quando são determinadas as intercepções telefónicas – são já 17 os suspeitos e mais de meia dúzia de empresas os agentes de um número elevado de actos ilícitos. Agora afirma-se a possibilidade de um crescendo de arguidos.

Estes passam a ser encarados como possíveis crimes de Burla Qualificada, Associação Criminosa e Fraude Fiscal Qualificada.

A primeira constatação diz respeito ao agente do crime que é elemento determinante para apurar de um elemento procedimental essencial à luz do disposto no artigo 276º, nº 4 do C.P.P.: desde quando há inquérito a correr contra pessoa determinada num caso de investigação da prática de um crime de associação criminosa? Desde que tenha sido feita a denúncia da prática de um dois ou três actos ilícitos por um, dois ou três arguidos?

Afirmar tal é uma falácia lógica. É negar a existência da associação criminosa! É mais do que isso, anunciar que as associações criminosas não podem ser investigadas por impossibilidade processual.

Isto porquanto até existirem indícios suficientes de que existe uma “associação” criminosa decorreu qualquer possível prazo de inquérito. É que, recordemos, a “associação” é elemento do tipo penal. Ou seja, é necessário que os conceitos ínsitos no artigo 299º do Código Penal, “grupo, organização ou associação cuja finalidade ou actividade seja dirigida à prática de um ou mais crimes” nos surjam no concreto dos autos de forma claramente indiciada

E isso não ocorre quando é denunciada uma burla e uma emissão de cheque sem provisão contra uma sociedade e um gerente. Nem com várias denúncias. Nem como mera probabilidade ou suspeita da sua existência. Apenas quando os autos demonstrem claramente (indiciariamente) a existência dessa “associação” destinada a um fim ilícito é que se pode afirmar que o processo corre contra pessoa determinada, que serão os integrantes de tal associação.

Só após estar indiciariamente estabelecida a existência de uma tal “entidade” é que se pode afirmar que o inquérito corre contra a associação criminosa que é, aqui, a pessoa determinada relevante.

Isto é, temos que entender a expressão “inquérito tiver passado a correr contra pessoa determinada” do artigo 215º, nº 4 do C.P.P. como a mais adequada aos crimes clássicos com a autoria (e mesmo a plúrima co-autoria) a ser facilmente determinada pela acção de agente(s) individualizado(s), a(s) “pessoa(s)” no sentido de humano capaz de acção voluntária.

Mas essa adequação não se faz de forma tão fácil num caso em que a acção é enquadrada pela “entidade” associação criminosa pois que aqui exige-se a demonstração nos autos dessa característica de colectivo organizado com objectivo da prática de ilícitos.

Aqui a pessoa determinada tem que ser entendida como a mais amoldada ao tipo penal em investigação, o tal ente colectivo com fim criminoso. Isto é, o conceito de pessoa determinada quando esteja em causa a prática de um crime de associação criminosa exige a existência nos autos de indícios suficientes da existência de “grupo, organização ou associação” com uma “finalidade ou actividade” ilícita.

Assim, sendo inviável o uso de tal critério – o da pessoa determinada no sentido de humano que age – num caso de associação criminosa cujos contornos indiciários se desconhecem, apenas o segundo critério cria uma situação de objectividade inultrapassável e não sujeita a variáveis vagas, imprecisas, o momento da constituição como arguidos dos responsáveis indiciados dessa associação criminosa.

A não ser que nos autos ocorra circunstância anterior que permita concluir que se clarificou em acto concreto a determinação suficiente das pessoas e dos fins que integram a associação criminosa.

Ora, nos autos, ocorreu a constituição como arguidos em 13-11-2018, mas já anteriormente havia sido lavrado despacho a declarar a existência de suspeitos de prática de crime de associação criminosa, despacho esse lavrado em 05-11-2018.

Anteriormente os despachos judiciais e todas as posições assumidas pelo M.P. se referem a burlas agravadas. É o que ocorre com o despacho de Julho de 2018 que, por isso, não serve como referência. Não se pode, pois, afirmar que nesta data já estivesse suficientemente indiciada a existência da associação criminosa, o que só ocorre, não com a detenção dos arguidos, mas antes disso, quando o despacho judicial permite o prosseguimento dos autos contra os integrantes da associação criminosa., em 05-11-2018.

E assim sendo o prazo de inquérito conta-se (artigo 276º, nº 4 do C.P.P.) a partir desta data, 05-11-2018, e contava-se nos termos do disposto no artigo 276º, nº 2, al. a) [8 meses]. Passa a contar-se nos termos da al. c) do mesmo número [12 meses] a partir da prolação do despacho de 12-04-2019 a declarar a excepcional complexidade dos autos.

Com naturais reflexos ope lege na alteração dos prazos de prisão preventiva (Ac. STJ de 28-03-2019, rel. Cons. Clemente Lima, proposição VI).

Destarte a resposta à pergunta inicial é negativa: não tinha decorrido o prazo de inquérito quando a Mmª Juíza lavrou despacho a declarar a excepcional complexidade dos autos.


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B.3 – Quanto ao exercício do contraditório é igualmente ponto assente que o prazo de 10 dias a que se refere o artigo 105º do C.P.P. é meramente supletivo nada impedindo a entidade judiciária de o reduzir atendendo a razões inerentes ao processo.

Aqui é interessante verificar dois fenómenos que vão passando sem comentários e que merecem ser realçados: sendo o processo urgente e reduzindo-se os prazos dos actos processuais ao mínimo acha-se natural aplicar um prazo supletivo luxuoso no tempo concedido para o exercício do contraditório; o encarar da judicatura como mera “boca da lei” montesquiana para reproduzir o dito artigo 105º sem lhe reconhecer os poderes para algo de tão simples e evidente como a adequação de um prazo supletivo ao caso concreto.

De recordar que ao Juiz são concedidos dois dias para dar despacho em processos urgentes (artigo 105º, n. 2 do C.P.P.), por isso que a concessão de um prazo de 3 dias para o exercício do contraditório já é um excesso.

No caso, rememorando o tempo já então gasto na investigação, a própria nulidade de despacho anterior e o existirem arguidos presos, entende-se adequado o prazo de três dias concedido para o exercício do contraditório.

Não há aqui qualquer nulidade ou violação do princípio do contraditório.


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B.4 – Certamente que os atrasos verificados nos autos devem ser sopesados quando o tribunal pondera a emissão da declaração de excepcionalidade dos autos, já que esta aborda, necessariamente, a “velocidade” a que os autos são processados. Não será muito adequado, em regra, emitir a declaração da excepcionalidade dos autos, dessa forma permitindo o alargamento do prazo de conclusão do inquérito e da prisão preventiva, quando o processo, no antecedente, caracoleou entre quatro paredes.

Também é certo que o comportamento processual da “contra-parte”, no caso os arguidos, também deve ser escrutinado para apurar se têm igualmente, algum peso no atraso dos autos, designadamente a proliferação de incidentes provocados e procurações emitidas pelo mesmo arguido a mais de um advogado e que causam atraso pela existência de incidentes de cariz processual.

Mas, no caso, os atrasos verificados, sendo atendíveis, não ganham relevo determinante na declaração de excepcionalidade.

Desde logo porquanto já estamos longe da fase inicial do processo que foi efectivamente lenta. O processo alterou-se de forma substancial com a detenção dos arguidos e os atrasos anteriores não podem servir como parâmetro útil para a declaração.

O lapso do tribunal – porque disso se tratou – naturalmente teve reflexo no “tempo” do processo mas tinha que ser corrigido. Mas enquanto nulidade processual – devendo ser ponderada – não é impeditiva da existência da declaração. De outra banda, a multiplicação de procurações e incidentes de forma alguma teria peso na existência, ou não, da declaração. Ambas são circunstâncias que não são determinantes no caso concreto.

E neste campo até temos o trabalho facilitado na medida em que são conhecidos os critérios da precedente jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre a celeridade processual (o prazo razoável), cujos critérios gerais são também aplicáveis a aspectos parcelares do processo.

Recordamos que os ditos critérios já conhecidos da jurisprudência quanto à duração razoável do processo, são: a) a complexidade do caso; b) o comportamento dos requerentes e das entidades oficiais intervenientes; c) o que está em jogo para a parte no processo.

Aqui é indubitável que o último critério assume um relevo indesmentível a favor dos arguidos requerentes considerando a existência de prisão preventiva nos autos. No entanto essa circunstância tem que ser ponderada no caso concreto com os outros dois e com a necessidade de acautelar o interesse público da prossecução penal.

O primeiro critério – a complexidade - está comprovado na medida em que os autos denunciam a existência de mais de 30 arguidos na prática prolongada no tempo e sem limites espaciais relevantes (os arguidos mudam facilmente o seu local de actuação quando detectados e alguns apoiam-se no país vizinho), em cometimento de crimes de burla, fraude fiscal e associação criminosa em larga escala (quase se diria que a prática dos ilícitos decorre em série e aceleradamente).

É certo, não se nega, que o início da investigação, aparentemente com uma só inspectora, não se notabilizou pela celeridade, sendo patente que a investigação não se apercebeu – não podia aperceber-se então – do número de suspeitos que teria que enfrentar, sendo óbvio que os autos aparentavam ser mais um caso corrente com dois ou três intervenientes. E mesmo indo os autos avançados em quantidade de papel, não era fácil perceber onde acabaria o acervo de suspeitos a investigar.

Por outro lado o processo, na perspectiva da investigação policial e instrutória do Ministério Público, mudou de natureza no seu decurso: de um inquérito corriqueiro e habital de uma burla e emissão de um cheque sem provisão, passou-se à constatação de um elevadíssimo número de arguidos, de actos ilícitos, de ligações entre arguidos, de prova documental de vária natureza e uma multiplicação de lesados.

Ou seja, houve uma clara mudança na natureza dos autos denunciados que de inquérito vulgar de meros suspeitos não interrogados, passa à qualidade de inquérito por crime de associação criminosa e natureza urgente por ter arguidos presos.

Daí que o tempo decorrido ente 30-12-2015 até quase finais de 2018 sejam um tempo excessivo mas convém ter presente que ainda não tinha sido constatada a existência de uma “associação criminosa”.

Quanto ao tempo perdido (dois meses) com a declaração de nulidade do inicial despacho de declaração de excepcional complexidade (de 28-02-2019) já se afirmou o mesmo uma contigência processual que não é incomum e há que louvar a isenção de declaração de nulidade de um despacho próprio.

Temos pois que concluir que, não obstante o início lento dos autos na investigação policial, foi posteriormente compensado com uma actuação rápida e diligente, para além de muito complexa e trabalhosa.


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B.5 – Quanto ao “aumento dos limites máximos de prisão preventiva” como grande objectivo do Ministério Público quer-nos parecer que o grande objectivo estatégico será antes o evitar que os arguidos possam obstaculizar a recolha de prova, quer pela sua destruição material, quer pelo amedrontar de testemunhas.

E esse é um objectivo tutelado pela lei ao prever na al. b) do artigo 204º do C.P.P. que o “perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova” é um dos critérios de aplicação de medidas de coacção.

Mas mesmo a pretensão de aumentar o prazo de prisão preventiva não é ilícito nem ilegítimo pois que a al. c), do nº 1 do artigo 202º do C.P.P. prevê como passível de sujeição a prisão preventiva os casos em que “houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos” e o acréscimo de prazo de prisão preventiva – legalmente reconhecido – tem justificação bastante.

Por fim sempre se dirá que a declaração de excepcional complexidade se mostra justificada nos autos face aos elementos já referidos (elevado número de arguidos e lesados, estabelecimento e prova das ligações entre arguidos e a análise documental e percial) que não só significam uma análise complexa como também demorada.

Sem esquecer que incumbe ao Ministério Público – dominus do inquérito - e nos termos de jurisprudência europeia (Tribunal Europeu dos Direitos do Homem) o controle efectivo do tempo da realização das perícias.

Tanto basta para a improcedência dos recursos.


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C - Dispositivo:

Face ao que precede acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento aos recursos.

Custas pelos arguidos com o mínimo de taxa de justiça.

Notifique.

Comunique de imediato ao tribunal recorrido, independentemente do trânsito em julgado e via correio electrónico.

Évora, 10-09-2019 (Processado e revisto pelo relator)

João Gomes de Sousa (relator)

António Condesso