Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
94/20.2T8FAR.E1
Relator: ANA PESSOA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
FIANÇA
MORA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
CONHECIMENTO OFICIOSO
Data do Acordão: 06/27/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. Nos termos do artigo 1041º, nºs. 5 e 6, do CCiv, na redação dada pela Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro, em vigor desde 13.02.2019, caso exista fiança e o arrendatário não faça cessar a mora, o senhorio deve, nos 90 dias seguintes, notificar o fiador da mora e das quantias em dívida, apenas podendo exigir do fiador a satisfação dos seus direitos de crédito depois de efetuar a mencionada notificação.
2. Tais normativos estabelecem novas condições para a exigibilidade de tal prestação ao fiador, pelo que não tendo o senhorio efetuado a notificação exigida pelo n.º 5 do art.º 1041.º do CC, não pode, conforme claramente decorre do n.º 6, exigir do fiador a satisfação dos direitos de crédito invocados na presente ação.”
3. Estamos, pois, como entendeu o Tribunal Recorrido, perante incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjetivo - com repercussões igualmente no domínio substantivo -, uma “condição objetiva de procedibilidade” da própria pretensão, que deve ser enquadrada “com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias.
4. A referida falta de condição objetiva de procedibilidade conduz à absolvição da instância e não se reporta ao mérito da causa”, não sendo o vício decorrente de tal omissão sanável no âmbito da ação judicial, conforme emerge com clareza e contundência da própria letra da lei.
5. Trata-se de uma exceção dilatória inominada - preterição de notificação do fiador nos termos do disposto no artigo 1041º n.s 5 e 6 citado - de conhecimento oficioso, e como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, está subtraída ao prazo
concedido para apresentação da defesa, regendo, por isso, a última parte do n.º 2 do artigo 573º que descarta a aplicação do princípio da preclusão.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório:
AA veio propor a presente acção declarativa com processo comum contra “J..., Lda.” e BB, pedindo que os RR. sejam condenados a pagar ao A. o valor de 15.439,53€, acrescido de juros de mora contabilizados, à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento, relativo às rendas em dívida acrescidas da indemnização devida pela mora e aos prejuízos sofridos com as obras de restauro das frações identificadas nos autos, em consequência do comportamento culposo da Ré sociedade, sendo a Ré pessoa singular responsável por ser fiadora.
Para tanto alega o Autor ser proprietário de duas lojas que arrendou à Ré sociedade pelas rendas de 410,00€ e 280,00€, respetivamente, figurando a Ré BB como fiadora, que o contrato terminou e ficaram em dívida as rendas vencidas de Abril a Julho de 2019 e que, para além disso, as Rés não repuseram o material que retiraram dos locados, sendo que estes apresentavam diversos danos, que não se coadunam com um uso normal do imóvel, que o autor teve que reparar e suportar os custos inerentes.
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Citada, a Ré BB apresentou contestação invocando a exceção da ilegitimidade ativa por o autor ter proposto a ação desacompanhado do cônjuge; invocou também a sua ilegitimidade passiva por a fiança ter caducado em 31.03.2020; no mais, impugna o alegado na petição inicial, alegando que as alterações feitas nos locados foram consentidas pelo autor e beneficiaram os imóveis, que a Ré contestante não renunciou ao benefício da excussão prévia, pelo que só pode ser responsabilizada depois de excutido o património da locatária, e que apenas responde pelo não pagamento das rendas, extravasando tudo o mais o âmbito da fiança. Termina pugnando pela improcedência da acção.
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A Ré sociedade foi citada editalmente, tendo sido citado o Ministério Público em sua representação, o qual não apresentou contestação.
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Respondeu o Autor às exceções invocadas na contestação pugnando pela sua improcedência e mantendo o alegado na petição inicial.
Respondeu ainda o Autor ao convite ao aperfeiçoamento que lhe foi endereçado pelo tribunal, esclarecendo que o montante cujo pagamento reclama nos autos se cifra em 8.507,99€, acrescido dos juros.
Findos os articulados, foi dispensada a realização da audiência prévia e foi proferido despacho saneador, onde foram julgadas improcedentes as exceções de ilegitimidade e da caducidade da fiança e foi fixado o objeto do litígio.
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Realizada a audiência final, veio a ser proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, atentas as razões de facto e de direito supra aduzidas, julgo a acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:
a) Condeno a Ré J..., Lda., a pagar ao Autor AA a quantia global de 8480,98€ (oito mil quatrocentos e oitenta euros e noventa e oito cêntimos), sendo 4795,98€ relativo ao custo das obras necessárias à reposição e reparação das lojas 1 e 3 e 3685,00€ relativo a rendas em dívida acrescidas da indemnização pela mora, tudo acrescido dos juros de mora que, à taxa legal, se vencerem desde a citação até integral e efetivo pagamento;
b) Absolvo a Ré BB do pedido.(…)”
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Inconformado com a sentença na parte em que absolveu a Ré BB do pedido, veio o mesmo interpor recurso de apelação, apresentando, após alegações, a seguinte síntese conclusiva:

A) O prazo de 90 dias a que alude o art.º 1041º, nº 5 e nº 6 do Código Civil é um prazo de caducidade.

B) A invocação desta caducidade encontrava-se na disponibilidade da Ré, pelo que, sendo a existência de tal caducidade matéria de exceção, teria a mesma de ter sido invocada em sede de contestação.

C) O Tribunal a quo estava impedido de decidir sobre tal alegada caducidade, padecendo a douta sentença de vício de excesso de pronúncia, nos termos da 2ª parte da al. d) do nº 1 do art.º 615 do CPC, e sendo por esse motivo nula-

D) A correspondência remetida por correio eletrónico sem assinatura certificada têm força probatória nos termos previstos no art. 3º do Decreto-Lei n.º 62/2003 de 3 de Abril, devendo ser apreciada de acordo com as regras aplicáveis à prova documental (art. 362º e segs. do Código Civil)

E) O Tribunal a quo efetuou uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma permitiria dar como provado Autor procedeu à notificação da Ré na qualidade de fiadora dos montantes de renda em dívida.

F) A junção de documentos em sede de recurso tem natureza excecional e só deverá ser admitida nos casos especialmente previstos da lei. Deve por isso ter-se em conta o disposto nos art.º 651 nº 1 e 425º do CPC.

G) Considerando que a matéria da caducidade foi introduzida apenas em sede de alegações finais, não era possível ao Autor diligenciar em tempo útil pela junção deste documento antes do encerramento da discussão, tendo ainda em atenção que o mesmo não se encontrava na sua posse, mas sim da do advogado que a elaborou, devendo ser admitida a sua junção

H) Uma vez que o ora recorrente remeteu à fiadora a notificação informando-a da mora no pagamento da renda e do montante em dívida, deverá considerar-se provada esta notificação

Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. Venerandos Juizes Desembargadores doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:

a) Ser declarada parcialmente nula a sentença por excesso de pronúncia; caso assim não se entenda

b) Ser revogada a sentença por errada interpretação e valoração da prova produzida; caso assim não se entenda

c) Ser admitida a junção do documento

d) Ser a Ré ora recorrida ser condenada no pagamento das quantias em dívida, solidariamente com a Ré J....

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A Recorrida respondeu ao recurso concluindo que ao mesmo deve ser negado provimento e que devem ser condenados como litigantes de má-fé em indemnização a favor da apelada e em multa substancial, tanto o autor como a Exma. Advogada subscritora das alegações, por terem usado uma interpelação(carta) que tinham conhecimento prévio que a mesma não tinha sido recebida pela apelada.

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II. Questões a decidir:

Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir, em termos lógicos, são as de saber:

A) Da requerida junção de documentos;

B) Da invocada nulidade da decisão recorrida

C) Da impugnação da matéria de facto.

D) Da reapreciação do mérito da causa.

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III. Fundamentação.

III.1. O Tribunal Recorrido considerou, com interesse para a decisão da causa, provados os seguintes factos:

1º- Pela ap. ...1 de 2003/06/17, encontra-se inscrito em nome de AA, por aquisição por partilha de herança, o prédio urbano constituído por edifício de 2 pisos, destinado a habitação e comércio, sito na Avenida ..., em ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...43 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...24.
2º- Desse prédio fazem parte as lojas nº 1 (....º) e nº 3 (...).
3º- Por escrito denominado “Contrato de Arrendamento de Duração Limitada e Fiança”, datado de ../../2017, assinado por A. e RR, no qual figura o Autor como senhorio e primeiro outorgante, a Ré J..., Lda., como Inquilino e Segundo Outorgante e ali representada pelo seu sócio gerente CC, e a Ré BB como fiadora e terceira outorgante, o primeiro declarou dar de arrendamento ao segundo a loja nº 1 (....º), antes identificada, para a atividade de comércio de produtos em PVC (portas e janelas), pelo prazo de 3 anos, com início em 1.04.2017 e termo em 31.03.2020, renovável por períodos de um ano, mediante o pagamento mensal de quantia de 410,00€, sujeita a atualização anual a ser comunicada, por carta, pelo primeiro outorgante ao segundo.
4º- Por escrito denominado “Contrato de Arrendamento de Duração Limitada e Fiança”, datado de 1.04.2017, assinado por A. e RR, no qual figura o Autor como senhorio e primeiro outorgante, a Ré J..., Lda., como Inquilino e Segundo Outorgante e ali representada pelo seu sócio gerente CC, e a Ré BB como fiadora e terceira outorgante, o primeiro declarou dar de arrendamento ao segundo a loja nº 3 (...), antes identificada, para a actividade de comércio a retalho de roupas e tecidos, móveis de pequena dimensão e pequenas peças de decoração, pelo prazo de 3 anos, com início em 1.04.2017 e termo em 31.03.2020, renovável por períodos de um ano, mediante o pagamento mensal de quantia de 280,00€, a ser paga no primeiro dia útil do mês anterior a que diz respeito e sujeita a actualização anual, de harmonia com os factores de actualização legalmente estabelecidos, a ser comunicado, por carta, pelo primeiro outorgante ao segundo.
5º- Ficou consignado nas Cláusulas 7ª, 10ª, 12ª (correspondente à cláusula 11ª do escrito referido em 4º), 14ª (correspondente à cláusula 13ª do escrito referido em 4º) e 15ª (correspondente à cláusula 14ª do escrito referido em 4º) daqueles escritos que:
Cláusula 7ª- «O Segundo Contratante obriga-se ao pagamento dos seus consumos de água, electricidade, telefone e outras se as houver. Obriga-se também a fazer uso prudente do espaço arrendado».
Cláusula 10ª- «Ocorrências como infiltrações de água, deficiências na pintura ou outras não podem constituir fundamento para o não pagamento atempado da renda. O mesmo se aplica a danos que ocorram em resultado da actividade da empresa, como entupimento da casa de banho, quebra de louças e de vidros, entre outras, cuja reparação e respectivas despesas ficarão a cargo do segundo outorgante.»
Cláusula 12ª -«No termo do contrato, o local arrendado deverá ser entregue em perfeito estado de conservação e limpeza, devendo ser repostas as alterações de ordem funcional que eventualmente tenham sido feitas no seu interior e exterior».
Cláusula 14ª - «O segundo outorgante declara, aceita e expressamente reconhece ao senhorio o direito de se restituir imediatamente e por si próprio da posse da fracção arrendada, sem necessidade de quaisquer formalidades, notificações e processos desde que se mostrem vencidos e em mora o pagamento de 3 rendas mensais.»
Cláusula 15ª - «A terceira outorgante declara-se fiadora solidária e principal pagadora da arrendatária relativamente às obrigações de natureza pecuniária pela mesma assumida, declarando que a fiança a prestar abrangerá todos os períodos de renovação do presente arrendamento sem o limite do prazo consignado no art.º 655º do Código Civil e sem que tal fiança cesse com qualquer alteração de renda, tal como neste contrato é previsto».
6º- A cláusula 9ª do escrito referido em 3 rege que: «O segundo outorgante não poderá fazer no local arrendado quaisquer obras que modifiquem a sua estrutura, nem pinturas interiores ou exteriores diferentes das existentes, sem autorização prévia e por escrito do primeiro outorgante. O segundo outorgante fica desde já autorizado a colocar no exterior placa publicitária, sendo da sua responsabilidade o pagamento das taxas daí resultantes e obrigando-se a retirá-las logo que findo o presente arrendamento. O segundo outorgante fica também autorizado a substituir a porta de alumínio e vidro que dá acesso ao pátio interior (da cisterna), sendo da sua responsabilidade o custo que daí advier, devendo a mesma ser recolocada aquando do termo do presente contrato ou, em alternativa, manter a nova porta, sem que daí resulte qualquer encargo para o primeiro outorgante»
7º- A cláusula 9ª do escrito referido em 4 rege que: «O segundo outorgante não poderá fazer no local arrendado quaisquer obras que modifiquem a sua estrutura, nem pinturas interiores ou exteriores diferentes das existentes, sem autorização prévia e por escrito do primeiro outorgante. O segundo outorgante fica desde já autorizado a colocar no exterior placa publicitária, sendo da sua responsabilidade o pagamento das taxas daí resultantes e obrigando-se a retirá-las logo que findo o presente arrendamento».
8º- A Ré J..., Lda., comunicou ao Autor a rescisão dos acordos estabelecidos nos escritos referidos em 3º e 4º com efeitos no final de Junho de 2019.
9º- A chave dos espaços referidos em 2 foram entregues pela Ré ao Autor em 2.07.2019.
10º- Por referência ao escrito referido em 3, mostram-se pagas as contrapartidas monetárias aí previstas até Março de 2019, inclusive, à razão mensal de 414,16€.
11º - Por referência ao escrito referido em 4, mostram-se pagas as contrapartidas monetárias aí previstas até Fevereiro de 2019, inclusive, à razão mensal de 282,84€.
12º-Antes da data referida em 9º, dos espaços referidos em 2 foram retiradas 6 portas (3 de madeira, 2 de vidro e 1 de alumínio) e 2 janelas de alumínio e vidro.
13º- Para além do referido em 12º, na data referida em 9º, os espaços referidos em 2 apresentavam as seguintes situações:
a. a fechadura da porta que liga a sala principal encontrava-se danificada;
b. as portas das casas de banho apresentavam-se sem puxador;
c. existiam buracos nas paredes interiores;
d. na fachada frontal do edifício, na sequência de terem sido arrancados dois painéis publicitários e um toldo, existiam buracos e a pintura estava danificada;
e. a porta de madeira e vidro que separa a sala de entrada da sala traseira na loja 1 estava pintada com cor diferente do castanho claro original;
f. o pladur que separava a loja 3 da loja 1 fora retirado.
14º - A reparação das situações referidas em 12º e 13º foi orçamentada da seguinte forma:
i- 3 portas de madeira interiores, 1 fechadura e 1 puxador – 650,01€ (IVA incluído);
ii- 1 porta de alumínio (pátio interior) e fechaduras - 493,23€ (IVA incluído);
iii- Colocação de pladur para tapar separação da loja 3 da loja 1 – 200,00€ (IVA incluído);
iv- Pinturas das paredes onde existiam buracos: Loja 1 – 3 paredes interiores; loja 3 – 4 paredes interiores, parede exterior e ombreiras das portas retiradas e porta de madeira e vidro que separa na loja 1 a sala principal da sala traseira – 700,00€ (IVA incluído);
v- 2 janelas de alumínio, frente e lateral do edifício, com fixo redondo em cima – 1451,40€ (IVA incluído);
vi- 2 portas exteriores em vidro – 1.301,34€ (IVA incluído).
15º- Por mail remetido em 1.05.2019 para os seguintes endereços electrónicos: BB «..........@.....», BB «..........@.....» e dirigido a CC, o Autor comunicou uma proposta de acordo denominada “Proposta de Acordo entre Senhorio e Inquilino Sobre a Rescisão Amigável do Contrato Referente às Lojas 1 e 3 na Av. ... em ..., em nome da empresa J...”, da qual consta, entre o mais, que:
«No seguimento da carta remetida pelo inquilino, Sr. CC a comunicar a rescisão do contrato com efeitos no final de Junho de 2019 (…), o inquilino e o senhorio reuniram-se no dia 29/4/2019 pelas 18horas nas lojas 1 e 3 (…):
1- O valor mensal actual das rendas é o seguinte: Loja 1: 414,72€ e loja 3: 286,40€. Total das 2 lojas 701,12€/mês.
(…)
2- A dívida até ao termo do contrato (30/6/2019) é a seguinte:
Março /2019: 701,12€-400€=301,12€
Abril/2019 701,12€
Maio/2019 701,12
Junho/2019 701,12€
SOMA 2.404,48€
Caução (loja 1) -400,00€
TOTAL 2004,48€ (valor em dívida até ao termo do contrato)
(…)».
16º- O autor autorizou a realização do referido em 13º-f.
***
III.2. O Tribunal Recorrido considerou que não se provaram quaisquer outros factos para além dos que se acaba de descrever e, nomeadamente, que:
a) Antes da entrega referida em 8º, o Autor tenha procurado, por várias vezes, agendar, sem sucesso, uma visita ao imóvel para avaliar o estado do mesmo;
b) O pagamento das rendas ocorresse sempre no final da 3ª ou 4ª semana de cada mês e após inúmeras insistências feitas pelo autor junto da ré BB;
c) Por referência ao escrito referido em 3, em Março de 2019 tenha sido paga a quantia de 400,00€;
d) Em Março de 2019, o valor actualizado das contrapartidas a que se reportam os escritos referidos em 3 e 4 ascendesse a 414,72€ e 286,40€, respectivamente;
e) Com excepção do referido em 16º, o Autor tenha autorizado as demais alterações das lojas 1 e 3 referidas em 12º e 13º;
f) Tais alterações aumentem o valor daquelas lojas;
g) A Ré BB tenha tido intervenção nas situações descritas em 12º e 13º;
h) A Ré BB tenha recebido o mail referido em 15º.
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III.3. Da requerida junção de documento.
O Autor juntou um documento com as alegações, pretendendo demonstrar que «que o Autor notificou a Ré BB na qualidade de fiadora do montante de rendas em dívida dentro do prazo dos 90 dias a que aludem os nº 5 e 6 do art.º 1041º do Código Civil.».
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do artigo 651º, nº 1, do CPC, «as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º1 ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância».
Da conjugação destas normas resulta que a junção de documentos em sede de recurso (junção que é considerada apenas a título excecional) depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: i) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, valendo aqui a remissão do artigo 651º, nº 1 para o artigo 425º; ii) o ter o julgamento da primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí até ao julgamento em primeira instância se mostrava desfasada do objeto da ação ou inútil relativamente a este.
O primeiro elemento referido a impossibilidade de apresentação anterior legitima
as partes a utilizar no recurso, juntando-os com a motivação deste, documentos cuja apresentação não tenha sido possível até esse momento, ou seja, até ao julgamento em primeira instância, o que pressupõe a superveniência objetiva ou subjetiva do documento pretendido juntar.
A junção dos documentos com o recurso de apelação tem, pois, como primeiro pressuposto que se trate de documentos supervenientes – artigo 651.º do Código de Processo Civil.
A superveniência dos documentos, como decorre do artigo 425.º do Código de Processo Civil, verifica-se quando a apresentação não tenha sido possível até ser proferida a decisão do tribunal de 1.ª instância seja porque os documentos não existiam ainda àquele momento, ou, porque existindo, a parte apresentante desconhecia justificadamente essa existência.
Na presente situação o documento cuja junção vem requerida, datado de 7 de agosto de 2019, existia muito antes de ter sido proposta a ação, pelo que a sua apresentação deveria ter constado da petição inicial.
Na versão dos factos apresentada pelo Autor, este desde sempre teve conhecimento da existência do dito documento.
O documento não é, pois, superveniente objetiva ou subjetivamente.
Por outro lado, não se verifica o segundo fundamento excecional justificativo da apresentação de documentos supervenientes com as alegações de recurso, isto é, o da sua junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (parte final do artigo 651º, nº 1, do Código de Processo Civil).
O documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou a dedução da defesa), quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com a aplicação do qual as partes justificadamente não tivessem contado.
A decisão da 1ª instância pode, por isso, criar pela primeira vez a necessidade de
junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do n.º 1 do artigo citado[2].
Não é o que sucede no caso dos autos, pois a questão da (falta de) notificação da ora Recorrida nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1041º, ns. 5 e 6, na versão - introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12/02, que entrou em vigor em 13-02-2019, isto é, anteriormente à propositura da ação e até ao vencimento das rendas que se demonstrou estarem em dívida – surgiu na audiência final, tendo sido expressamente invocada nas alegações orais, constando da respetiva ata o seguinte despacho:
"Nas alegações finais, pela ré BB, foi invocada uma exceção dilatória inominada por falta de verificação de uma condição de procedibilidade (falta de notificação prévia do fiador).
Assim, por se tratar de questão suscitada e de conhecimento oficioso, o tribunal terá que se pronunciar quanto à mesma na decisão final, pelo que se concede agora ao autor o direito de responder à questão suscitada."
No decurso da audiência, pois, foi dada oportunidade ao Autor para sobre a questão se pronunciar, sendo que nesse momento não fez qualquer referência ao documento cuja junção agora requer, e sendo irrelevantes as circunstâncias relativas à falta de entrega de documentos entre Ilustres Mandatários do Autor, que só aos mesmos respeitam. De resto, o Autor teve tempo para se munir de todos os elementos necessários a sustentar a sua pretensão e não invocou ou demonstrou qualquer dificuldade em reunir tais elementos.
Não pode, pois, concluir-se que a necessidade de junção foi criada pela sentença recorrida, que esta, pela primeira vez, suscitou a necessidade de junção do documento, pois que a decisão recorrida foi proferida após a concessão de contraditório sobre a questão, e baseou-se em regras de direito com cuja aplicação/interpretação as partes não podiam deixar de contar, sendo que após a prolação do despacho citado, a decisão não pode deixar de considerar-se previsível, ou pelo menos, uma de entre as soluções juridicamente possíveis.
Acresce que o documento, por si só, não se revela apto a demonstrar o facto que o Autor pretende, porquanto a cópia do registo da correspondência não é suscetível de demonstrar o conteúdo de tal correspondência, sendo de recordar que a Ré impugnou o recebimento de carta com o teor indicado.
A junção do documento apresentado com as alegações de recurso não é admissível, razão pela qual será a mesma indeferida, não se atendendo ao teor do documento.
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III.4. Da invocada nulidade da sentença.
O Apelante invoca a nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia, alegando, como se referiu, que o prazo de 90 dias a que alude o artigo 1041º, nº 5 e nº 6 do Código Civil é um prazo de caducidade, que a invocação desta caducidade encontrava-se na disponibilidade da Ré, pelo que, sendo a existência de tal caducidade matéria de exceção, teria a mesma de ter sido invocada em sede de contestação, pelo que o Tribunal “a quo” estava impedido de decidir sobre tal alegada caducidade, padecendo a douta sentença de vício de excesso de pronúncia, nos termos da 2ª parte da al. d) do nº 1 do art.º 615 do CPC, e sendo por esse motivo nula.
Vejamos.
O excesso de pronúncia ocorre quando se procede ao conhecimento de questões não suscitadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, por força do disposto na 2ª parte da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (ex vi artigo 666º, nº 1, do mesmo diploma).
Como se refere no Acórdão do STJ, de 2 de novembro de 2017, “o vício do excesso de pronúncia constitui um vício de limites. O juiz deve, por um lado, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão estiver prejudicada pela solução dada a outras; por outro lado, não pode ocupar-se senão das questões por elas suscitadas, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”, conforme decorre do artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Ora, estabelece artigo 1041º nºs 5 e 6 do Código Civil, na redação dada pela lei 13/2019 de 12/02, em concreto sobre a fiança no contrato de arrendamento:
“5 - Caso exista fiança e o arrendatário não faça cessar a mora nos termos do n.º 2, o senhorio deve, nos 90 dias seguintes, notificar o fiador da mora e das quantias em dívida.
6 - O senhorio apenas pode exigir do fiador a satisfação dos seus direitos de crédito após efetuar a notificação prevista no número anterior.”
Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 08.05.2023[3]
“(…) Da leitura conjugada dos nºs 5 e 6 do artigo 1041º do CC vindos de citar, infere-se que a sanção prevista pelo legislador para a não notificação do fiador por parte do senhorio em caso de incumprimento do inquilino (que não faz cessar a mora nos termos do nº 2 deste artigo) é a da impossibilidade de exigir o cumprimento da obrigação em falta junto do fiador.
Preceituando o nº 2 deste artigo 1041º: “Cessa o direito à indemnização ou à resolução do contrato, se o locatário fizer cessar a mora no prazo de oito dias a contar do seu começo.”.
A notificação que o senhorio deve fazer ao fiador implica, portanto, a observância do prazo de 90 dias após o decurso dos 8 dias de mora mencionados neste nº 2, para que ao mesmo possa exigir o cumprimento da obrigação do seu inquilino desde o início da mora. (…)
Sem prejuízo de concordarmos com a convocação da norma relativa ao prazo de prescrição de 5 anos aplicável às rendas, afigura-se-nos que recorrer a este prazo de prescrição, sem retirar do não exercício tempestivo da exigida interpelação nenhuma consequência para o senhorio remisso, é ignorar a proteção adicional do fiador que a alteração introduzida visou.
Dizemos adicional porquanto a consagração do prazo de prescrição curto a que respeita o artigo 310º, já tem em vista exigir de um lado que o credor seja diligente e não acumule créditos e de outro evitar encargos “excessivos e desmesurados para o devedor”[4] .
O estabelecimento do prazo ora em análise, acrescenta um outro nível de proteção ao fiador, garantindo, quando respeitado o prazo exigido à sua notificação da mora e quantias em dívida, que à data desta nunca estarão vencidas rendas de período superior a 4 meses [o mês da renda em mora, e – no máximo - as 3 subsequentes rendas que se vencem no período máximo de 90 dias]. Evitando a que só muito tardiamente e quando o valor da dívida é já muito elevado da mesma tome conhecimento. Quando em momento anterior poderia ter providenciado pelo pagamento dos valores em falta.
A notificação por parte do senhorio ao fiador é condição para o poder demandar ao cumprimento da dívida afiançada.(…)” (destacado nosso)[4].
No Acórdão da Relação de Lisboa de 04.07.2023[5] pode ler-se que;
“Conforme refere Pinto Frutado, «os n.ºs 5 e 6 preenchem uma lacuna sobre a relação do locador com o fiador, que exista, do locatário, em face da mora deste no pagamento de rendas.
No n.º 5, estabelece-se que o senhorio deve dar-lhe conhecimento da mora e da quantia em dívida “nos 90 dias seguintes”.
A notificação deve, naturalmente, fazer-se desde a primeira mora e se, após a notificação, se cumularem outras rendas que continuem em falta, certamente deverá dar-se imediatamente conta da dívida acumulada.
A notificação é indispensável porque, como se declara no n.º 5, só após ela poderá o senhorio exigir do fiador a quantia em dívida.
Isto era o que já se praticava anteriormente ao aditamento destes n.ºs 5 e 6.
Apenas se acrescentou agora, à prática adotada, um prazo de notificação, talvez com o objetivo moralizador de evitar que o senhorio prolongue a ocorrência da mora para ir avolumando a dívida.»[4].
Conforme certeiramente se afirma no Ac. da R.G. de 24.11.2022, Proc. n.º 629/21T8CHV.G1 (Joaquim Boavida), in www.dgsi.pt, «estes dois números foram aditados ao artigo 1041º pela Lei nº 13/2019, de 12/2, que estabeleceu medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.
Portanto, nos termos do artigo 1041º, nºs. 5 e 6, do CCiv, na redação dada pela Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro, em vigor desde 13.02.2019, caso exista fiança e o arrendatário não faça cessar a mora, o senhorio deve, nos 90 dias seguintes, notificar o fiador da mora e das quantias em dívida, apenas podendo exigir do fiador a satisfação dos seus direitos de crédito depois de efetuar a mencionada notificação.
Tais normativos estabelecem novas condições para a exigibilidade de tal prestação ao fiador (...).»
Não tendo o senhorio, ou seja, o autor, aqui recorrente efetuado à 2.ª ré, fiadora, a notificação exigida pelo n.º 5 do art.º 1041.º do CC, como ele próprio reconhece, não pode, conforme claramente decorre do n.º 6, e muito bem se decidiu na sentença recorrida, exigir dela a satisfação dos direitos de crédito invocados na presente ação.”
Estamos, pois, como entendeu o Tribunal Recorrido, perante incumprimento de norma imperativa[6], a qual constitui, do ponto de vista adjetivo - com repercussões igualmente no domínio substantivo -, uma “condição objetiva de procedibilidade” da própria pretensão, que deve ser enquadrada “com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias.
E isto porque, em termos finalísticos, atendendo ao respetivo resultado, a referida falta de condição objetiva de procedibilidade conduz à absolvição da instância e não se reporta ao mérito da causa”, não sendo o vício decorrente de tal omissão sanável no âmbito da ação judicial, conforme emerge com clareza e contundência da própria letra da lei.
Por isso, havemos de concluir estarmos perante uma exceção dilatória inominada - preterição de notificação do fiador nos termos do disposto no artigo 1041º n.s 5 e 6 citado - de conhecimento oficioso, e como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, está subtraída ao prazo concedido para apresentação da defesa, regendo, por isso, a última parte do n.º 2 do artigo 573º que descarta a aplicação do princípio da preclusão.
Como se referiu no Acórdão desta Secção de 28.06.2018[7], relativo à condição de procedibilidade prevista no Dec. Lei 227/2012:
“Efetivamente o regime das exceções dilatórias, quer elas sejam nominadas ou inominadas, no que respeita ao seu conhecimento oficioso só tem as exceções indicadas expressamente na lei, conforme decorre do disposto no artº 578º do CPC, sendo, por tal, na generalidade, de conhecimento oficioso.[5]
Deste modo, estando em causa uma exceção dilatória inominada, o Julgador podia conhecer dela no âmbito do processo executivo e na altura em que o fez.(…)”
Efetivamente, o regime das exceções dilatórias, quer elas sejam nominadas ou inominadas, no que respeita ao seu conhecimento oficioso só tem as exceções indicadas expressamente na lei, conforme decorre do disposto no artigo 578º do Código de Processo Civil, sendo, por tal, na generalidade, de conhecimento oficioso.
A preterição da notificação do fiador de que tratamos é, pois, de conhecimento oficioso, e como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, está subtraída ao prazo concedido para apresentação da defesa, regendo, por isso, a última parte do n.º 2 do artigo 573º do Código de Processo Civil, que descarta a aplicação do princípio da preclusão.
Tendo sido dada possibilidade à parte para sobre a questão se pronunciar, desde logo com a indicação de que o Tribunal considerava que se tratava de condição de procedibilidade, podia, pois, o Tribunal Recorrido da exceção conhecer no momento em que o fez.
A sentença recorrida não enferma, consequentemente, da nulidade que lhe vem apontada.
*
III.5. Da impugnação da matéria de facto.
O Apelante entende Tribunal a quo efetuou uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma permitiria dar como provado que o Autor procedeu à notificação da Ré na qualidade de fiadora dos montantes de renda em dívida, pelo que o facto a que se refere a alínea h) dos factos não provados deveria ter sido considerado provado.
Sustenta tal pretensão recursiva no teor de email, que alegou ter dirigido à Ré, que continha em anexo o montante de rendas em dívida, bem como uma proposta de acordo para resolução do contrato de arrendamento, documento que foi junto com a petição inicial e encontra-se identificado nos autos como doc. 7 e doc. 8.
Tendo o Recorrente cumprido formalmente os ónus impostos pelo artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil – especificou – ainda que nas conclusões, de forma muito sumária - o concreto ponto da matéria de facto que considera incorretamente julgado, indicou o elemento probatório que, no seu entender, conduz à alteração daquele ponto nos termos por ele propugnados, e concretizou a decisão que no seu entender deveria sobre ele ter sido proferida, nada obsta ao conhecimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 662º do Código de Processo Civil.

Tarefa que cumpre realizar tendo presente que por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for(em) insuscetível(eis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil (artigos. 2º, n.º 1 e 130º, ambos do C.P.C.).

E que nos termos do artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no Código Civil, designadamente nos seus artigos 389º (para a prova pericial), e 396º (para a prova testemunhal), sendo que a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do nº 5 do artigo 607º do Código de Processo Civil).

Ora, como se referiu na motivação da decisão recorrida:
“(…)por fim, a Ré BB negou ter recebido qualquer comunicação do Autor a interpelá-la ao pagamento das rendas em dívida, o Autor não demonstrou que os endereços electrónicos indicados no email de 1.05.2019 pertencessem efectivamente àquela Ré, além de que esta comunicação, apesar de remetida para endereços electrónicos onde figura o nome daquela Ré, foi endereçada ao sócio gerente da sociedade inquilina, pelo que se deu como não provado o constante em h).
Subscreve-se inteiramente tal juízo probatório, razão pela qual, não tendo o Apelante invocado qualquer outro meio de prova para demonstrar ser aquele o endereço da ora Ré, para além do documento em si, não pode deixar de julgar-se improcedente a pretensão recursiva neste ponto.
E não se demonstrando que o email foi enviado para o endereço da Ré, irrelevantes se mostram as considerações tecidas a propósito do nº 1 do art.º 6º do DL 62/2003 de 3 de Abril, porquanto o documento eletrónico comunicado por um meio de comunicação eletrónica apenas pode considerar-se enviado e recebido pelo destinatário se for transmitido para o endereço eletrónico definido por acordo das partes e neste for recebido.
Improcede, pois, a impugnação.
*
III.6. Apreciação jurídica.
Mantendo-se incólume a matéria de facto, cumpre reapreciar a decisão de mérito.
O Tribunal recorrido caracterizou em termos que sufragamos inteiramente os contratos entre as partes celebrados como contratos de locação, identificando com rigor as obrigações que do mesmo resultaram para cada uma das partes.

Também nenhuma dúvida se suscita quanto às quantias que se considerou na sentença recorrida serem devidas pela arrendatária:

- 4.795,98€ relativo ao custo das obras necessárias realizar reparações e para fazer reverter as alterações introduzidas;

- 3070,84€ a título de rendas vencidas e não pagas.

A discordância do Apelante circunscreve-se à absolvição da Ré BB que nos contratos assumiu a posição de fiadora, como bem se esclarece na sentença recorrida, de acordo com cláusula aposta em cada um dos contratos, do seguinte teor:

Seria, pois, à partida, como entende o Tribunal Recorrido, a Ré BB solidariamente responsável, juntamente com a outra Ré, pelo pagamento da quantia devida a título de rendas vencidas até à entrega dos locados (artigos 1038º, al. a), 1039º, e 627º do Código Civil), pois que no contrato apenas assumiu ser fiadora das obrigações de natureza pecuniária assumidas pela outra Ré no contrato, sendo que a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor – artigo 634º do Código Civil.

Sucede, porém que, como supra referimos, a propósito da análise da invocada nulidade da sentença recorrida, artigo 1041º, nºs. 5 e 6, do Código Civil, na redação dada pela Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro, em vigor desde 13.02.2019, estabelece que caso exista fiança e o arrendatário não faça cessar a mora, o senhorio deve, nos 90 dias seguintes, notificar o fiador da mora e das quantias em dívida, apenas podendo exigir do fiador a satisfação dos seus direitos de crédito depois de efetuar a mencionada notificação, estabelecendo tais normativos novas condições para a exigibilidade de tal prestação ao fiador.

Contendo a Lei 13/2019 uma disposição transitória (art.º 14.º) e inexistindo na mesma regulação sobre os termos da aplicação da alteração operada ao mencionado artigo 1041.º do Código Civil, o problema da sucessão das leis no tempo (artigo 1041.º do CC, na redação anterior à Lei n.º 13/2019 – Lei Antiga – e artigo 1041.º do CC, na redação dada pela referida Lei n.º 13/2019 – Lei Nova) deve ser resolvido com recurso às normas gerais de direito.

Assim, na falta de direito transitório, rege o artigo 12.º do Código Civil, pelo que a nova redação do artigo 1041.º aplica-se às situações jurídicas que, relativamente à mora do locatário, demandem a notificação do fiador, mas constituídas a partir da entrada em vigor da Lei n.º 13/2019 – 13-02-2019 - , ainda que, respeitantes a relações de arrendamento preexistentes.

É, pois, aplicável à situação dos autos, em face das datas de vencimento das rendas que ficaram por pagar.

Não tendo o senhorio, ou seja, o Autor, aqui Recorrente logrado demonstrar que efetuou à 2.ª ré, fiadora, a notificação exigida pelo n.º 5 do art.º 1041.º do CC, ónus que sobre si recaía nos termos do disposto no artigo 342 do Código Civil, não pode, conforme claramente decorre do n.º 6, e muito bem se decidiu na sentença recorrida, exigir dela a satisfação dos direitos de crédito invocados na presente ação.
Tendo-se, porém, concluído estarmos perante uma exceção dilatória inominada - preterição de notificação do fiador nos termos do disposto no artigo 1041º n.s 5 e 6 citado - de conhecimento oficioso, e como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, encontrar-se subtraída ao prazo concedido para apresentação da defesa, regendo, por isso, a última parte do n.º 2 do artigo 573º que descarta a aplicação do princípio da preclusão – a consequência será, não a da absolvição do pedido, mas antes a absolvição da instância.
Nesse sentido se decidirá.
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IV. Dispositivo.
Em face do exposto, acordam em julgar a apelação parcialmente procedente por provada e, em consequência, absolvem a Ré BB da instância.
Custas pelo Recorrente e pela Recorrida, na proporção do decaimento que se fixa em 3/4 e 1/4 respetivamente.
Registe e notifique
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Évora, 2024-06-27
Ana Pessoa
José António Moita
Maria Adelaide Domingos
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[1] Cf. anotação de Antunes Varela à previsão da segunda parte do artigo 706º do CPC, na altura vigente, RLJ, ano 115, nº 3696, págs. 95 e 96.
[2] Proferido no âmbito do processo n.º 1242/22.3T8PRT.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[3] No sentido de que
[4] Proferido no âmbito do processo n.º 12020/22.4T8SXL.L1-7, acessível em www.dgsi.pt.
[5] Cf. ainda o artigo 1080 do Código Civil.
[6] Proferido no âmbito do processo n.º 2791/17.0T8STB-C.E1.