Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ALBERTO JOÃO BORGES | ||
Descritores: | PROVA DE RECONHECIMENTO | ||
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Data do Acordão: | 04/08/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I – A identificação/reconhecimento do arguido em sede de audiência de discussão e julgamento não configura um reconhecimento propriamente dito, sujeito às regras do art.º 147 do CPP – enquanto meio de prova autónomo para identificar alguém até então não conhecido nem identificado no processo – mas apenas a confirmação dos factos que tais testemunhas presenciaram e a imputação dos mesmos ao arguido, que identificaram, que se insere no âmbito da prova testemunhal. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No Tribunal Judicial da Comarca de Évora (2.º Juízo Criminal) correu termos o Processo Comum Coletivo n.º 913/11.4PBEVR, no qual foi julgado o arguido A.- casado, nascido a 14/11/1955, filho de..., natural da freguesia de Alcântara, concelho de Lisboa, residente na Rua..., Charneca da Caparica - pela prática, como autor material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.°s. 203 n.° 1 e 204 n.° 1 al.ª b, e um crime de falsificação ou contrafação de documentos, p. e p. pelo art.º 256 n.° 1 al.ªs b) e e), todos do Código Penal. E foram deduzidos os seguintes pedidos de indemnização civil: - Pela Sociedade A., Ld.ª que pediu a condenação do arguido no pagamento da quantia de € 5.020,72, acrescida de juros de mora desde a data da subtração até integral pagamento, alegando, em síntese, que as quantias subtraídas pelo arguido nunca foram pagas; - Pela sociedade A.C ..., SA, que pediu a condenação do arguido no pagamento da quantia de 4.807,33 €, acrescida de juros de mora desde a data de cada uma das faturas, alegando, em síntese, que a actuação do arguido provocou danos em viaturas automóveis que lhe pertenciam ou estavam à sua guarda, cuja reparação suportou e importou em € 4.807,33. A final veio a decidir-se: A – Quanto à matéria crime: Condenar o arguido A. - pela prática, como autor material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203 n.º 1 e 204 n.° 1 al.ª b) do Cód Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; - pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256 n.º s 1, al.ªs. b) e e), e 3 do Cód. Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; - e, em cúmulo jurídico, nos termos do disposto no art.º 77 do Cód. Penal, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de cinco anos, nos termos dos art.ºs 50, 51 n.° 1 al.ª b), 53 e 54 do CP, sujeito à condição de, no mesmo período, pagar aos lesados a indemnização fixada e mediante regime de prova que resultar do plano de reinserção social a elaborar. B – Quanto à matéria cível: - Julgar procedente, por provado, o pedido cível deduzido pela Sociedade A., Lda, e, em consequência, condenar o demandado no pagamento do montante de € 5.020,72 (cinco mil e vinte euros e setenta e dois cêntimos), acrescido de juros, calculados à taxa legal, desde a data da prática dos factos citação até integral e efetivo pagamento; - Julgar procedente, por provado, o pedido cível deduzido pela sociedade A.C.., SA, e, em consequência, condenar o demandado no pagamento do montante de € 4.807,33 (quatro mil, oitocentos e sete euros e trinta e três cêntimos), acrescido de juros, calculados à taxa legal, desde a data de citação e até integral e efetivo pagamento, porque só nesse momento a obrigação de tornou líquida e do conhecimento do demandado. 2. Recorreu o arguido desse acórdão, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões: I – Dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados: 1. Ainda que se considerem provados os factos descritos de 1 a 4 da douta decisão, não podem ser dados como provados os restantes factos, nomeadamente, a imputação da conduta ao ora recorrente, o facto de ter furtado qualquer quantia em dinheiro ou os danos provocados nas viaturas sinistradas. II – Das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida: 2. A testemunha JN, refere na passagem 06s:10ss do seu depoimento que só viu o condutor em fuga (na respetiva viatura --JT--), de costas, e não reconhece o arguido. 3. A testemunha G diz (passagem 17m:30ss do seu depoimento) ter reconhecido o arguido quando a polícia se deslocou à sede da empresa e lhe mostrou várias fotos. 4. A testemunha CB, por sua vez, refere (passagem 03m:35ss) não ter presenciado quaisquer factos, uma vez que apenas assistiu ao veículo em fuga, mas garantir ser o arguido em causa - apesar de também garantir que o viu apenas por breves instantes e apenas por uma vez - reconhecendo o mesmo quando a polícia mostrou várias fotos. 5. Ou seja, temos três testemunhas presenciais, sendo que uma afirma peremtoriamente não ter visualizado o arguido e as restantes duas - apesar de apenas se terem cruzado com o indivíduo autor dos factos uma única vez, em relance e em fuga – reconhecem o indivíduo quando confrontadas com fotografias pelos órgãos de polícia criminal, prova ilegal e nula, como adiante se explanará. 6. Mais, sobre o furto da quantia monetária de €5.020,72 (cinco mil e vinte euros e setenta e dois cêntimos), em momento algum qualquer uma das testemunhas afirma ter visto o arguido/indivíduo suspeito retirar da viatura automóvel dinheiro, em momento algum qualquer uma das testemunhas afirma ter visto abrir o porta-luvas (local onde supostamente estaria a quantia monetária) e ter visto o individuo locupletar-se de tal quantia. 7. Afirma apenas uma das testemunhas que se apercebeu que o indivíduo retirava uma pasta de cima do banco do pendura... e nada mais… 8. Note-se que apenas uma testemunha (JN, a testemunha que refere ter-se deslocado ao banco e ter colocado o dinheiro no porta luvas antes de abandonar a viatura) refere que tem conhecimento da existência de tal valor e do facto deste ter sido furtado. 9. Por sua vez, a testemunha G (passagem 01m:54ss do s/depoimento) não faz qualquer referência ao facto de ter visualizado o indivíduo a retirar dinheiro ou qualquer envelope, mas tão só refere uma pasta. 10. Aliás, decorre do depoimento da supra referida testemunha que o indivíduo que perpetuou o furto estava debruçado sobre a janela do lado do condutor. Ora, atendendo ao facto que o dinheiro (segundo o testemunho de JN) estaria no porta-luvas, visualiza-se de imediato que seria difícil alguém debruçar-se ao ponto de chegar ao lado extremo oposto da viatura (onde se encontra o porta-luvas). 11. E muito se estranha que alguém retire na via pública (ainda que num parque de estacionamento privado), de uma mala, um monte considerável de notas e o coloque no porta-luvas. 12. Também não se concebe que seja o ora recorrente responsabilizado pelos danos provocados nas viaturas, quando não se alcança dos elementos trazidos aos autos os efetivos prejuízos ocorridos nas mesmas – não só porque os depoimentos não são coincidentes, como se desconhece de todo o estado em que as viaturas se encontravam no local e os danos que já teriam – até porque algumas das viaturas encontravam-se no referido stand para reparação. 13. Outrossim, existe um claro e notório erro na apreciação da prova pelo tribunal a quo, pois não só em momento algum qualquer uma das testemunhas afirma ter visto o furto do dinheiro, como a própria decisão na sua fundamentação também não refere tal facto, referindo-se apenas a “qualquer coisa”! Sobre este facto, refere-se na fundamentação do douto acórdão recorrido: “Assim, referiu G. que tendo ouvido um som de vidro a partir-se, viu o arguido dentro do carro Megane, debruçado sobre os bancos dianteiros, e que este agarrou qualquer coisa e abalou”. III - Das normas jurídicas violadas: 14. O reconhecimento presencial do arguido, efetuado pelas testemunhas, encontra-se “inquinado” pelos termos em que decorreu o reconhecimento fotográfico com base no qual se desenvolveu todo o processo. 15. Dispõe o artigo 125 do Código de Processo Penal que são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei; e, sobre a prova por reconhecimento, dispõem os artigos 147 e ss do Código de Processo Penal. 16. O reconhecimento fotográfico não é, verdadeiramente, um meio de prova, mas um ponto de partida para a investigação propriamente dita, em si mesmo, o seu valor probatório é, em princípio, nulo. 17. As linhas de investigação abertas pelo reconhecimento fotográfico têm que conduzir, posteriormente, a verdadeiras provas, nomeadamente, à prova por reconhecimento (em sentido técnico) – em estrita observância do formalismo descrito nos art.ºs 147 e 149 do CPP – e às declarações em audiência (agora sujeitas ao princípio do contraditório) daquele(s) que tenha(m) feito a identificação. 18. Indubitavelmente, dispõe o artigo 147 n.º 5 do CPP que o reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efetuado nos termos do n.º 2 do mesmo artigo – i.e. deverá realizar-se o reconhecimento presencial, o que não ocorreu! 19. Mais, dita ainda o n.º 7 do mesmo artigo que o reconhecimento que não obedecer ao disposto anteriormente não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer. Ora, não tendo sido as testemunhas em causa sujeitas a qualquer reconhecimento presencial nos termos determinados na lei e não tendo ocorrido a observância de tal requisito legal (ainda que em julgamento), está a prova ferida de nulidade e não poderia por essa razão ser validada ou considerada pelo tribunal a quo. 20. Mais considerando ainda (vd. fls. 25 dos autos) que a foto do arguido utilizada não é sequer uma foto actualizada. 21. O arguido ora recorrente não é o autor dos factos que lhe são imputados, sendo que a prova trazida aos autos, quanto muito, criaria dúvida na convicção do julgador e deveria por essa razão o mesmo ser absolvido, em observância ao princípio in dubio pro reo. 22. Não é toda a dúvida que fundamenta o princípio in dubio pro reo, mas apenas a dúvida razoável, positiva, racional, que impeça a convicção do tribunal, a analisar pelo julgador em cada caso concreto. Ora, no caso concreto existe claramente o indício que permite ficar na dúvida sobre a relação do arguido ora recorrente com todos estes factos… e neste estado de dúvida o tribunal a quo decidiu contra o arguido, tendo desta forma a douta decisão violado o artigo 32 n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. 23. Mais, ultrapassou o douto tribunal a quo os limites do princípio da livre apreciação da prova previstos no artigo 127 do Código de Processo Penal. 24. A prova produzida não permite considerar provados os factos constitutivos da sua responsabilidade criminal, pelo que deve o arguido ser absolvido 25. A fundamentação da decisão de facto é insuficiente, pelo que foi violado o art.º 374 n.º 2 do CPP. 26. Assim, com o devido respeito, a manter-se a condenação do ora arguido, a mesma é injusta e ilegal, porque violadora do princípio in dubio pro reo. 27. Com o devido respeito, face aos elementos trazidos aos autos e à falta de prova, impunha-se a absolvição do arguido de todos os crimes pelos quais vem acusado, não só pela imposição do principio in dubio pro reo, mas pela falta de elementos probatórios suficientes para justificar a sua condenação, sendo ainda de considerar nula a prova produzida nos autos, no que em concreto diz respeito ao reconhecimento fotográfico do ora recorrente. 28. Assim não se entendendo, o que por mera cautela de patrocínio se concede, a verdade é que não deve ser imputado a este um crime de furto qualificado ou sequer ser condenado nos pedidos de indemnização que foram apresentados - por clara falta de prova - devendo então ser revista e diminuída a sua pena. --- 3. Responderam o Ministério Público junto da 1.ª instância e a demandante Sociedade A., Ld.ª, concluindo a sua resposta nos seguintes termos: 3.1. O Ministério Público: 1 – A decisão recorrida fez completa, adequada e coerente apreciação da prova produzida, não se vislumbrando qualquer vício que a invalide. 2 – As reservas ou a versão do arguido não apresentaram suficiente consistência e credibilidade, não alcançando o nível de uma dúvida séria e de relevo. 3 – O tribunal não validou qualquer ato de reconhecimento “qua tale”, limitando-se a fazer uso fundado e criterioso da livre apreciação da prova (art.º 127 do CPP) produzida em audiência. 4 - Deve, consequentemente, o recurso ser julgado improcedente. 3.2. A Sociedade A C, SA: 1 - O recorrente não deu cumprimento na motivação, nem tão pouco nas suas conclusões, às imposições que nesta matéria o art.º 412 n.ºs 3 e 4 do CPP, na sua redação decorrente da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, estatui para que seja posta em causa a apreciação da prova que fundamentou o acórdão. 2 - O arguido não indicou qual o facto, ou factos, devidamente individualizados, constantes do acórdão que consideraria como incorretamente julgados, nem tão pouco referenciou qual o meio concreto de prova em que tal discordância se fundaria. 3 - Bem pelo contrário, mais não fez que considerações genéricas sobre a sua visão da prova, nunca tendo concretizado sobre que facto alicerçaria essa sua discordância, sendo que, quanto às declarações das testemunhas invocadas, as mesmas não se encontram referenciadas de acordo com o consignado em ata no que se refere à indicação concreta do início e do termo da gravação de cada uma das declarações, conforme exigência legal decorrente do disposto nos art.ºs 412 n.º 4 e 364 n.º 2, ambos do CPP. 4 - Nenhuma dessas passagens cumpre os requisitos legais para ser fundamento de uma reapreciação da prova gravada, pelo que não terá força para abalar qualquer dos fundamentos da decisão agora posta em causa. 5 - Além disso, o que o recorrente faz não é uma reapreciação da prova gravada, antes vertendo para as motivações a interpretação que a prova produzida para si significou, não apontando qualquer razão de facto ou de direito que infirmem as conclusões a que chegou o tribunal a quo e que resultaram da aplicação ao caso do princípio da livre apreciação da prova – art.º 127 do CPP – por parte do coletivo, posição que lhe está legalmente vedada, por inadmissível. 6 - Deste modo, e não logrando com o presente recurso pôr em causa a matéria de facto que sustentou a decisão, não poderá o mesmo ser apreciado nesta sede, devendo ser julgado improcedente. 7 - Mesmo que assim não se considere, o que apenas se admite como mera hipótese de raciocínio, sempre se dirá que não assiste qualquer razão ao arguido nos argumentos com que pretende sustentar a pretendida revogação da decisão proferida pelo tribunal a quo. 8 - Ao contrário do que foi afirmado pelo arguido, o acórdão procedeu a um exame crítico das provas produzidas, explicitando, quer a razão de ciência, como a credibilidade dos depoimentos das testemunhas ouvidas em julgamento, depoimentos que de forma alguma foram abalados pela argumentação, genérica e sem qualquer suporte factual, utilizada pelo arguido no presente recurso. 9 - De igual modo, concordando-se com a medida concreta da pena fixada ao arguido, pelas razões constantes da fundamentação do acórdão proferido, estando esta de acordo com a gravidade dos comportamentos do arguido que ficaram demonstrados nos presentes autos. 10 - Assim, não tendo sido abalada com o presente recurso a matéria de facto que informou o acórdão proferido, que se encontra bem sustentado com a prova recolhida e produzida em audiência, e mostrando-se apropriados os raciocínios jurídicos que levaram à condenação do arguido na pena e no pedido de indemnização civil em que foi condenado, defendemos que deve manter-se “in totum” o acórdão recorrido. 4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. 5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª c) do CPP). --- 6. No acórdão recorrido deram-se como provados os seguintes factos: 01) No dia 29 de julho de 2011, pelas 11h00, o ofendido JN dirigiu-se ao Banco Santander Totta, sito na Urbanização da Muralha, na cidade de Évora. 02) Nesse local entregou um cheque propriedade da sua entidade patronal, Sociedade A.., Ld.ª, no valor de € 5.020,72 (cinco mil e vinte euros e setenta e dois cêntimos), recebendo em notas e moedas do Banco Central Europeu, as quais colocou numa mala que trazia consigo. 03) Após, o ofendido saiu da instituição bancária e, fazendo uso da viatura de matrícula ---0V, dirigiu-se ao Stand A. C, sito na Horta das Figueirinhas, nesta cidade. 04) Chegado ao stand, o ofendido retirou o dinheiro da mala, colocou-o no porta-luvas e abandonou a viatura em direção à receção do stand. 05) O arguido encontrava-se naquele local, fazendo transportar-se na viatura de marca Renault, modelo Megane, de cor azul, ostentando a matrícula--JT--, e, ato contínuo, abandonou a sua viatura, dirigiu-se à viatura ---0V, partiu o vidro dianteiro esquerdo da mesma, acedeu ao seu interior através da janela já sem vidro, curvando-se sobre a viatura e retirou do porta-luvas a quantia monetária nele contida, fazendo-a sua. 06) Após, e quando se preparava para abandonar o local, o G, gerente do stand, apercebe-se da presença do arguido no local. 07) Ato contínuo, o arguido dirige-se rapidamente para o interior da viatura JT,colocou-a em funcionamento e arrancou com a mesma em direção do portão/cancela do stand. 08) Ao descrever uma curva, e porque a viatura não passava no local, o arguido embateu com a sua viatura na viatura de marca Opel, modelo Meriva, que ali se encontrava, propriedade do referido stand 09) Assim conseguiu avançar na direção do portão. 1O) Não obstante, o portão encontrava-se fechado e o arguido era perseguido por G. 11) Por esse motivo o arguido parou a sua viatura. 12) Ato contínuo, G dirigiu-se à viatura do arguido, abriu a porta dianteira da mesma e tentou tirar as chaves da ignição da viatura, com o fito de impedir o arguido de abandonar o local. 13) Nessa senda, o arguido avançou e engrenou a marcha-atrás da viatura, por forma a abandonar o local por outra via. 14) Por esse motivo embateu violentamente numa viatura de marca Opel, modelo Corsa, já referida supra, e numa outra, também modelo Corsa, ficando impedido de sair de marcha-atrás. 15) Ato contínuo, o arguido avançou contra o referido portão/cancela, partindo-o, e abandonou o local, deixando ali caída a porta da viatura. 16) As viaturas foram reparadas pelo stand, tendo este despendido a quantia de € 4.296,74 (quatro mil, duzentos e noventa e seis euros e setenta e quatro cêntimos). 17) Efetuadas pesquisas nas bases de dados do registo automóvel verificou-se que a matrícula que a viatura do arguido ostentava não correspondia às suas caraterísticas, sendo falsa, uma vez que a matrícula daquela viatura era --JT-03 e não --JT-00. 18) O arguido sabia que os objetos que se encontravam no interior da viatura supra mencionada não eram seus e que não poderia aceder ao seu interior. 19) Ainda assim decidiu fazê-lo, partindo o vidro da janela da viatura, acedendo ao seu interior e levando consigo a quantia monetária supra descrita, fazendo-a sua. 20) Sabia o arguido que uma matrícula é um documento de identificação de veículos e que por esse motivo não podia de forma alguma alterar e utilizar, sabendo que fabricava e usava documento falso. 21) De igual modo, não desconhecia o arguido que, ao ter forjado aquele documento nos termos em que o fez, apondo no veículo uma matrícula que não lhe correspondia, causava prejuízo ao Estado, na medida em que afetava a fé pública inerente à emissão daquele título de identificação de veículos automóveis, que como documento autêntico deve merecer. 22) O arguido agiu de forma deliberada, livre e conscientemente. 23) O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. 24) O arguido foi condenado: - no Proc. Abreviado n.° --/09.6GTLRA, do 1.° Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, pela prática de um crime de falsificação ou contrafação de documento, na pena de 270 dias de multa, por decisão proferida em 09/10/2009, transitada em julgada em julgado em 29/10/2009, relativa a factos praticados em 13/05/2009; - no Proc. Comum Singular n.º --/07.0PWLSB, do 4.° Juízo Criminal, 1.ª Secção, de Lisboa, pela prática de um crime de furto simples, na pena de 70 dias de multa, e, pela prática de um crime de dano, na pena de 60 dias de multa, por decisão proferida em 27/04/2010, transitada em julgada em julgado em 27/05/2010, relativa a factos praticados em 26/04/2007 - no Proc. Comum Singular n.º --/10.3GBMFR, do Juízo de Média e Pequena Instância Criminal de Mafra, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 200 dias de multa, por decisão proferida em 27/02/2012, transitada em julgada em julgado em 19/03/2012, relativa a factos praticados em 04/03/2010. 25) O arguido é casado, reformado, auferindo de reforma no valor de € 800, exercendo ainda a atividade de ajudante de camionagem, na qual aufere de cerca de € 1000 mensais, a esposa trabalha, prestando serviços domésticos, atividade na qual aufere de cerca de € 800 mensais, têm uma filha menor a cargo e como habilitações literárias tem o 4.° ano de escolaridade. 26) A quantia referida em 2) nunca foi recuperada. 27) As viaturas automóveis danificadas supra descritas eram o veículo Opel Meriva, de matrícula --LN---, pertencente à demandante A. C e destinado a venda, e os veículos Opel Corsa, com a matrícula --CR--, e Opel Corsa, com a matrícula --FI--, que ali tinham sido entregues pelos seus proprietários para que a demandante A. C. procedesse à reparação e revisão nas suas oficinas. 28) Em consequência da atuação do arguido sofreram as viaturas danos que importaram as seguintes reparações, conforme documentos 2 a 4 juntos com o pedido civil: - viatura de marca Opel, modelo Corsa Enjoy, de matrícula --FI-- reparação chapa/pintura e incorporação das seguintes peças: guarda lamas frente direito, espelho retrovisor L/DT S/VID/Tampa, tampão, motor espelho retrovisor, espelho, calha guia, L/DL pára-choques de trás, calha guia pára-choques frente direito, rebite farolim traseiro, L/DL, legenda t. mala Corsa, símbolo T. mala Opel, pára-choques para pintar, no valor total de € 2.371,69; - viatura marca Opel, modelo Corsa Enjoy, de matrícula --CR- - reparação chapa/pintura (desmontar/pintar guarda-lamas e pára-choques traseiros), no valor de € 246,00; - viatura marca Opel, modelo Meriva Cosmo, de matrícula --LN-- reparação chapa/pintura e incorporação das seguintes peças: guarda-lamas, guia, rebite, painel, suporte, proteção e farol, no valor de € 1.678,95. --- 7. E não de provou: - que o arguido estava no local e assistiu ao referido em 1) e 2); - que, no percurso referido em 3), e sem que se apercebesse de tal facto, o ofendido foi perseguido pelo arguido, que se fazia transportar na viatura de marca Renault, modelo Megane, de cor azul, ostentando a matrícula --JT--; - que ao embater no portão o arguido embateu outra vez numa outra viatura de marca Opel, modelo Corsa, que se encontrava no local; - que a viatura Renaul Megane foi furtada em Espanha na data referida em 1). 8. O tribunal formou a sua convicção, de acordo com a fundamentação, “fundamentalmente da conjugação das declarações das testemunhas JN, funcionário que procedeu ao levantamento da quantia em dinheiro da instituição bancária e o deixou na viatura nas circunstâncias de tempo e lugar que resultaram provadas, G e CB, funcionários do stand onde os factos ocorreram. De especial relevância estas últimas duas testemunhas, pela forma coerente, segura e coincidente como descreveram os factos. Assim, referiu G que, tendo ouvido um som de vidro a partir-se, viu o arguido dentro do carro Megane, debruçado sobre os bancos dianteiros, e que este agarrou qualquer coisa e abalou; nessa sequência tirou fotografia com o seu telemóvel, descrevendo a partir daí o procedimento do arguido na sua tentativa de fuga, tal como resultou provado, especificando igualmente em que viaturas o arguido bateu, de forma parcialmente diferente com o que constava na acusação. Da mesma forma, CB vislumbrou o arguido quando foi despejar lixo no exterior da oficina onde trabalhava e viu o G a perseguir o veículo Megane, tendo por momentos deixado de ver a viatura, por se ter dirigido a local fora do alcance da sua vista, observou momentos depois quando a viatura encetou a fuga derrubando a cancela existente, e fê-lo da forma como resultou provada. Estes depoimentos foram seguros, absolutamente coerentes e dignos de credibilidade. E foram ambos peremtórios na identificação do arguido, afirmando que era o mesmo o condutor da viatura Megane, sem sombra de qualquer dúvida, ainda que ambas tivessem, de forma igual, referido que o arguido tinha bigode e o cabelo mais grisalho. Mas não houve qualquer hesitação na afirmação de que era o arguido. As tentativas de descredibilização dos seus depoimentos, com vicissitudes de posterior reconhecimento fotográfico, foram absolutamente infrutíferas em face do depoimento de LF, agente da PSP, que explicou a forma como os clichés do arguido foram apresentados às testemunhas, no meio de outras fotografias, recolhendo em momento anterior a descrição verbal do autor dos factos, e que a fotografia do mesmo ali foi colocada porque era o dono identificado da viatura em causa. Da mesma credibilidade não merecem as declarações do arguido, porque contraditórias e vagas. Sabendo ao pormenor explicar as circunstâncias do alegado furto da viatura em Espanha, quando a viatura era utilizada alegadamente pela sua mulher, não mostra a mesma segurança no esclarecimento do local onde se encontraria nessa altura e do local onde comprou a viatura e a quem. A documentação junta nada demonstra, limitando-se a certificar alegações verbais dos participantes respectivos, e temos a profunda convicção que apenas existem por pretensão de com os mesmos o arguido se furtar à sua responsabilidade, o que não logrou, face ao supra referido. Assim, não tem o tribunal qualquer dúvida de que foi o arguido o autor dos factos. A factualidade relativa à alteração da matrícula encontra-se documentada nos autos, sendo que o próprio arguido mostrou no decurso das suas declarações conhecimento do valor da identificação efetuada por uma matrícula. Os antecedentes criminais do arguido encontram-se certificados nos autos. As condições pessoais do arguido resultaram do teor do relatório social realizado. A factualidade vertida nos n.ºs 2, 16, 35 a 38, relativa aos pedidos cíveis, resultou provada com base nos depoimentos de JN e G e do teor dos documentos de fls. 184 a 186” (referia-se que a factualidade indicado como vertida nos pontos 35 a 38 está agora vertida nos pontos 25 a 28). “A matéria de facto não provada resulta da ausência de prova ou de prova contrária, em conformidade com o que se escreveu quanto à matéria de facto provada, designadamente, não se apurou a forma como o arguido obteve conhecimento de que o JN detinha a quantia em causa, designadamente, que o tenha visto no banco ou daí o tenha seguido”. 9. A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412 do Código de Processo Penal). Tais conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, seja no plano de facto, seja no plano de direito. Elas devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões do pedido, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso (ver art.º 412 n.ºs 1 e 2 e 410 n.ºs 1 a 3, ambos do Código de Processo Penal, e, entre outros, o acórdão do STJ de 19.06.96, in BMJ, 458, 98). Feitas estas considerações, atentas as conclusões da motivação do recurso assim consideradas, são as seguintes as questões colocadas pelo recorrente à apreciação deste tribunal: 1.ª – A nulidade do acórdão, por deficiente fundamentação da matéria de facto/violação do art.º 374 n.º 2 do CPP; 2.ª – A existência de erro notório na apreciação da prova (art.º 410 n.º 2 al.ª c) do CPP); 3.ª – Se o tribunal, em face das provas produzidas, não podia dar como provada a matéria de facto constante nos pontos e seguintes, respeitantes ao furto e danos imputados ao recorrente/a nulidade da prova por reconhecimento/violação do princípio in dubio pro reo. 4.ª – Se a pena aplicada deve ser diminuída. A demandante suscita, como questão prévia, a rejeição do recurso, por o recorrente não “individualizar o facto que constaria da decisão recorrida e que consideraria como incorrectamente julgado” e por os depoimentos invocados pelo recorrente não se encontrarem “identificados por referência ao consignado em ata, no que diz respeito ao início e termo da gravação de cada declaração…”. Vejamos. “3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) ... 4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas al.ªs a) e b) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação” (art.º 412 do CPP) - o art.º 364 n.º 2 estabelece que deve ser consignado na ata o início e o termo da gravação de cada declaração, o que, diga-se, no caso concreto foi consignado. Ora, lendo as conclusões do recurso facilmente se constata quais os factos que o recorrente impugna - todos os factos, com exceção dos descritos nos pontos 1 a 4, “nomeadamente, a imputação da conduta ao ora recorrente, o facto de ter furtado qualquer quantia em dinheiro ou os danos provocados nas viaturas sinistradas” – e as provas que, no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida - os depoimentos das testemunhas JN, G e CB – com referência às passagens concretas do registo da prova onde constam tais depoimentos (passagens 6.10, 17.30, 3.35 e 1.54). Equivale isto a dizer que o recorrente cumpriu minimamente os ónus impostos pelo art.º 412 n.ºs 3 e 4 do CPP, em termos de não se suscitarem dúvidas quanto aos factos que impugna e razões em que baseia a sua discordância quanto ao decidido. Saber se tais provas impõem decisão diversa da recorrida é questão diversa, que não se confunde com as exigências processuais, de carácter formal, impostas ao recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto. Improcede, por isso, a questão prévia suscitada pela demandante. --- 9.1. – 1.ª questão Alega o arguido que a fundamentação de facto é insuficiente, que foi violado o disposto no art.º 374 n.º 2 do CPP. Não retira o recorrente, porém, quaisquer consequências do alegado nem fundamenta tal conclusão, ficando este tribunal sem perceber porque razão entende que a fundamentação de facto é insuficiente ou foi violado o disposto no art.º 374 n.º 2 do CPP. Tal alegação é, por isso, inócua e irrelevante, sendo que ao recorrente que invoque o vício não basta alegar a sua existência, impondo-se que, até pela natureza do recurso – que, note-se, não visa uma nova decisão, uma melhor decisão - alegue as razões concretas que fundamentam a sua existência. Não deixará de se acrescentar que a fundamentação da decisão, concretamente, no que respeita à matéria de facto, é bem clara, permitindo perceber perfeitamente, quer as provas concretas em que o tribunal se baseou para formar a sua convicção, quais as razões pelas quais tais provas, analisadas criticamente, de acordo com as regras da experiência comum, da lógica e os critérios da normalidade, o convenceram que os factos assim se passaram, tal como foram descritos na matéria de facto dada como provada. Em suma, a fundamentação da convicção deixa perceber claramente o raciocínio lógico dedutivo que levou o tribunal a formar a sua convicção no sentido em que a formou, pelo que não faz qualquer sentido a invocada insuficiência da fundamentação e a violação do art.º 374 n.º 2 do CPP. Improcede, por isso, a 1.ª questão supra enunciada. --- 9.2. – 2.ª questão Invoca o recorrente a existência de “um claro e notório erro na apreciação da prova… pois não só em momento algum qualquer uma das testemunhas afirma ter visto o furto do dinheiro, como a própria decisão… não refere tal facto…”. O erro notório na apreciação da prova, enquanto vício da decisão, previsto no art.º 410 n.º 2 al.ª c) do CPP, existirá e será relevante quando, apreciada a decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, dela ressalta como evidente, manifesta, uma falha grosseira na análise e valoração da prova, porque se deu como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido. Dito de outro modo, haverá “um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou, mesmo, contraditórios” (Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 4.ª edição, 76). Assim entendido não se vê como sustentar existência do invocado vício. De facto, lida e relida a decisão recorrida dela ressalta – em face da fundamentação da convicção do tribunal – dão ressalta qualquer erro – notório, entendido nos termos supra expostos – na apreciação da prova, apresentando-se a matéria de facto dada como provada, concretamente, no que respeita prova da apropriação do dinheiro, como consequência lógica e necessária dos elementos de prova em que o tribunal se baseou para chegar a tal conclusão: o depoimento da testemunha G (que descreveu, de “forma coerente e segura”, que ouviu o vidro a partir-se – do veículo onde se encontrava o dinheiro, no porta-luvas – e “viu o arguido dentro do carro Megane, debruçado sobre os bancos dianteiros… agarrou qualquer coisa e abalou… descrevendo a partir daí o procedimento do arguido na sua tentativa de fuga…”) e da testemunha CB, que viu a testemunha G “a perseguir o veículo Megane”, e presenciado a fuga de tal veículo derrubando a cancela. As circunstâncias em que é ouvido o som do vidro do veículo onde se encontrava o dinheiro a partir-se e a fuga do arguido, nas circunstâncias dadas como provadas – porque razão haveria o arguido fugir, se não tivesse sido ele a apropriar-se do dinheiro, logo de seguida ao momento em que se ouve o vidro a partir? – permite deduzir, de acordo com os critérios da normalidade – dedução lógica e perfeitamente admissível, de acordo com as regras da experiência comum a que o tribunal se encontra vinculado, ex vi art.º 127 do CPP - que só o arguido pôde ter sido o autor da apropriação do dinheiro que se encontrava no interior daquele veículo. Improcede, por isso, o invocado erro – notório – na apreciação da prova. 9.3. – 3.ª questão Entende o arguido que o tribunal errou na análise que fez das provas, concretamente, dos depoimentos das testemunhas JN, G e CB, pois que – afirma – estes impõem decisão diversa da recorrida. E concretiza: - uma das testemunhas afirma peremtoriamente que não visualizou o arguido e as outras duas, apesar de se terem cruzado com o autor dos factos uma única vez, de relance e em fuga, “reconhecem o indivíduo quando confrontadas com fotografias, prova ilegal e nula”; - nenhuma das testemunhas afirma, “ter visto o arguido/indivíduo suspeito a retirar da viatura automóvel dinheiro… abrir o porta-luvas (local onde, supostamente, estaria a quantia monetária) e ter visto o indivíduo a locupletar-se de tal quantia… apenas uma das testemunhas… se apercebeu que o indivíduo retirava uma pasta de cima do banco do pendura… e nada mais…”; - apenas uma testemunha (JN) refere que tem conhecimento da existência de tal valor e do facto deste ter sido furtado; - a testemunha G não faz qualquer referência ao facto de ter visualizado o indivíduo a retirara dinheiro ou qualquer envelope, “mas tão só refere uma pasta… decorre do depoimento da supra referida testemunha que o indivíduo que perpetrou o furto estava debruçado sobre a janela do lado do condutor”, quando o dinheiro, segundo o testemunho de JN, estaria no porta-luvas, pelo que seria difícil alguém debruçar-se ao ponto de chegar ao lado extremo oposto da viatura (onde se encontrava o porta-luvas; Relativamente aos danos provocados nas viaturas (na sequência da fuga) – alega – os depoimentos não são coincidentes e desconhece-se de todo o estado em que as viaturas se encontravam e os danos que já teriam. Vejamos. 1) Quanto a esta última questão o recorrente limita-se a dizer que os depoimentos não são coincidentes e se desconhece o estado das viaturas, sem que concretize quais as divergências existentes entre tais depoimentos (quais depoimentos?) ou que provas impõem decisão diversa da recorrida, concretamente, no que respeita aos danos causados e custo da reparação das viaturas, ou seja, que permitam questionar a credibilidade que mereceram ao tribunal – nessa parte - os depoimentos das testemunha JN e G e os documentos de fol.ªs 184 a 186. Nessa parte a impugnação apresenta-se como manifestamente improcedente, pois que – repete-se – ao recorrente que impugne a decisão não basta manifestar a sua divergência quanto ao decidido, impondo-se que concretize as provas que, de acordo uma análise racional e crítica, baseada nas regras da experiência comum, impõem uma decisão diversa. Por outro lado, nada obsta a que o tribunal forme sua convicção com base num único depoimento, desde que este lhe mereça credibilidade, como acontece com o depoimento da testemunha JN, quanto ao valor existente na viatura assaltada e seu desaparecimento, não havendo quaisquer razões objetivas para questionar a sua seriedade e isenção, quer porque o dinheiro nem sequer era seu – não tendo, por isso, qualquer interesse em mentir – quer porque as circunstâncias em que se dá o arrombamento do veículo e fuga imediata do arguido corroboram a convicção, lógica e racional, que o arguido daí subtraiu tal importância, pois só por isso se compreende o aparato da fuga e os riscos que o arguido correu para não ser apanhado. 2) Relativamente ao mais – no que respeita à impugnação da matéria de facto – será que as provas indicadas pelo recorrente impõem decisão diversa da recorrida? O tribunal baseou a sua convicção, em síntese: Nos depoimentos de “JN, funcionário que procedeu ao levantamento da quantia em dinheiro da instituição bancária e o deixou na viatura nas circunstâncias de tempo e lugar que resultaram provadas”, e das testemunhas “G e CB, funcionários do stand onde os factos ocorreram”, de modo especial estas duas, “pela forma coerente, segura e coincidente como descreveram os factos” e que, por isso, lhe mereceram credibilidade. Estas testemunhas foram peremptórias “na identificação do arguido, afirmando que era o mesmo o condutor da viatura Megane, sem sombra de qualquer dúvida, ainda que ambas tivessem, de forma igual, referido que o arguido tinha bigode e o cabelo mais grisalho. Mas não houve qualquer hesitação na afirmação de que era o arguido”. “Da mesma credibilidade não merecem as declarações do arguido, porque contraditórias e vagas. Sabendo ao pormenor explicar as circunstâncias do alegado furto da viatura em Espanha, quando a viatura era utilizada alegadamente pela sua mulher, não mostra a mesma segurança no esclarecimento do local onde se encontraria nessa altura e do local onde comprou a viatura e a quem. A documentação junta nada demonstra, limitando-se a certificar alegações verbais dos participantes respectivos, e temos a profunda convicção que apenas existem por pretensão de com os mesmos o arguido se furtar à sua responsabilidade, o que não logrou, face ao supra referido. Assim, não tem o tribunal qualquer dúvida de que foi o arguido o autor dos factos. A factualidade relativa à alteração da matrícula encontra-se documentada nos autos, sendo que o próprio arguido mostrou no decurso das suas declarações conhecimento do valor da identificação efetuada por uma matrícula”. Ora, ouvidas as provas que o recorrente indica como impondo decisão diversa, constata-se: - que a testemunha JN não visualizou o arguido, de facto, nem tal consta da fundamentação, pois que este depoimento relevou apenas – como resulta da fundamentação – quanto à factualidade vertida nos pontos 1 a 4 da matéria de facto dada como provada, que não foi questionada, e embates nos veículos na sequência da fuga do arguido (mas não é pelo facto desta testemunha não ter visualizado o arguido – e porque haveria de visualizar? – que se pode concluir que o tribunal errou na análise da prova quanto à autoria dos factos imputados ao arguido, pois outras o visionaram). - que a testemunha G afirmou e reafirmou não ter quaisquer dúvidas que o arguido foi o autor dos factos, que viu - na sequência do barulho causado pelo partir do vidro - deitado dentro do carro, sobre o banco da frente (cuja porta da frente do lado esquerdo se encontrava aberta, assim como o porta luvas), a remexer uma pasta, o qual se pôs em fuga quando abordado, sendo perseguido pela testemunha, que presenciou as circunstâncias da fuga e tentou impedir, inclusive, abrindo a porta da frente do lado do pendura e tentando retirar a chave da ignição, sem êxito (essa terá sido, segundo ele, a razão pela qual essa porta do veículo veio a cair aquando da fuga); - que a testemunha CB também afirmou não ter quaisquer dúvidas que o arguido era o condutor da viatura Megane, que viu na altura dos factos, de frente, quando este lhe perguntou se podia abrir a cancela e que, ante a aproximação da testemunha G, se pôs em fuga. Não deixará se se acrescentar, por um lado, que não foram apresentadas nem se descortinam quaisquer razões objetivas para questionar a credibilidade de tais depoimentos, de pessoas desinteressadas e que nenhum interesse concreto têm no desfecho dos autos, por outro, que as provas têm conjugadas e valoradas na sua globalidade, perante o facto concreto submetido a julgamento, pois que outras provas existem que corroboram a correção de raciocínio que levou o tribunal, na análise que fez das provas, a convencer-se que o arguido foi o autor dos factos, concretamente, a utilização do veículo pertencente ao arguido, com matrícula falsa, e a ausência de qualquer justificação racional para este veículo se encontrar, conduzido por outrem que não o arguido, no local e hora dos factos (veja-se o caricato argumento de pretender convencer o tribunal de que esse veículo havia sido furtado em Espanha com base numa queixa apresentada em Ayamonte no dia seguinte àquele em que os factos se passaram, pelas 10h30m, reportando o desaparecimento do veículo ao período compreendido entre as 11h00 e as 16h00 do dia 29.07.2011, quando os factos ocorreram precisamente pelas 11h00, ou seja, em momento anterior ao seu desaparecimento, todavia, ainda que assim não fosse, a simples queixa do desaparecimento não permite concluir que o arguido não seja o autor dos factos, pois que a queixa não demonstra, só por si, o desaparecimento, pelo que não nos alongaremos mais a este propósito, designadamente, porque razão a queixa é apresentada em Ayamonte, porque razão é apresentada pela mulher do arguido, acompanhada de advogado – o defensor do arguido nestes autos - apenas no dia 30.07.2011). Diga-se ainda que a identificação do arguido por aquelas testemunhas – em julgamento - nada tem de ilegal, trata-se de prova perfeitamente admissível, a valorar de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (art.º 127 do CPP), que não se confunde com a prova por reconhecimento a que alude o art.º 147 do CPP. Independentemente da forma como o arguido foi reconhecido na fase inicial do processo, que levou à sua identificação, e das consequências a retirar de tal forma de reconhecimento - a entender-se que não foram observados os formalismos legais a consequência a retirar é que não pode tal meio de prova valer para fundamentar a decisão (art.º 147 n.º 7 do CPP) – o que é certo é que não foi tal reconhecimento valorado em julgamento, enquanto meio de prova, nem o mesmo serviu para fundamentar a convicção do tribunal. Por outro lado, entendemos que o reconhecimento em audiência de julgamento integrado no relato de uma testemunha não tem valor processual autónomo do depoimento prestado, depoimento que, enquanto prova testemunhal, pode ser valorado livremente, nos termos do art.º 127 do CPP, ou seja, nesse caso não estamos perante prova por reconhecimento propriamente dita, mas prova testemunhal (neste sentido podem ver-se, entre outros, para além do acórdão da RC de 26.10.2011, cuja argumentação seguimos de perto, os acórdãos do STJ de 6.09.2006, Proc. 06P1392, da RP de 19.01.2000 e de 7.11.2007, e da RC de 3.07.2013 e de 26.10.201, todos in www.dgsi.pt). Pronunciou-se a este propósito o acórdão do TC n.º 425/2005, de 25.08.2005, in DR n.º 195, II Série, de 11.10.2005, distinguindo o reconhecimento propriamente dito, sujeito à disciplina do art.º 147 do CPP, do reconhecimento feito em julgamento, chamado de reconhecimento, mas que não passa de “uma atribuição dos factos expostos no depoimento da testemunha a certa pessoa”, sujeito às regras da apreciação da prova testemunhal”. E continua: “… nada impede o tribunal de confrontar uma testemunha com um determinado sujeito para aferir da consistência do juízo de imputação de factos quando não seja necessário proceder ao reconhecimento da pessoa, circunstância em que não haverá um autêntico reconhecimento, dissociado do relato da testemunha e em que a individualização efetuada não tem o valor de algo que não é: o de um reconhecimento da pessoa do arguido como correspondendo ao retrato mnemónico gravado na memória da testemunha e de cuja equivalência o tribunal, dentro do processo de apreciação crítica das provas, saia convencido. Diferente… é a situação processual que ocorre quando, pressuposta que seja a necessidade de reconhecimento da pessoa tida como possível autora dos factos, se coloca o identificante na posição de ter de precisar, entre várias pessoas colocadas anonimamente na sua presença, quem é que corresponde ao retrato mnemónico por ele retido”. No caso em apreço, a identificação/reconhecimento do arguido em sede de audiência de discussão e julgamento não configura um reconhecimento propriamente dito, sujeito às regras do art.º 147 do CPP – enquanto meio de prova autónomo para identificar alguém até então não conhecido nem identificado no processo – mas apenas a confirmação dos factos que tais testemunhas presenciaram e a imputação dos mesmos ao arguido, que identificaram – aliás, sem margem para dúvidas - como o autor dos factos que presenciaram, identificação/reconhecimento/imputação que se insere no âmbito da prova testemunhal. A entender-se de modo diferente, escreve-se no acórdão da RG de 23.03.2009, Proc. 1109/08.1, “estaria achada a fórmula de anular qualquer prova testemunhal, pois bastaria que a testemunha perante a pergunta de saber se reconhecia o arguido se virasse, olhasse ou apontasse para ele, para de imediato deixar de se poder valorar o seu depoimento”. Não deixará de se trazer à colação, a este propósito, o acórdão do STJ de 3.03.2010, Proc. 886/07.8PSLSB.L1.S1, onde se decidiu – já depois das alterações introduzidas ao art.º 147 do CPP pela Lei 48/2007 – que “… estamos perante prova por reconhecimento quando não esteja identificado o agente do crime, sendo necessária a sua determinação. Constitui algo absolutamente distinto a situação de confirmação como agente do crime em relação a alguém previamente identificado, investigado e assumido como sujeito processual com todo o catálogo de direitos inscritos como tal, a qual se traduz numa íntima comunicabilidade e interação entre os diversos intervenientes processuais envolvidos no julgamento. … Assim, é, quanto a nós, linear que a situação em que a testemunha ou a vítima é solicitada a confirmar o arguido presente como agente da infração não configura um ato processual, consubstanciando o reconhecimento pessoal. Pelo contrário, tal confirmação da identidade de alguém que se encontra presente, e perfeitamente determinado, apenas poderá ser encarado como integrante do respectivo depoimento testemunhal”. Improcede, por nisso, a invocada nulidade da prova por reconhecimento. --- Invoca o arguido, ainda, a violação do princípio in dubio pro reo. Sem razão. O princípio in dubio pro reo identifica-se com o da presunção de inocência e impõe que o julgador valore sempre a favor do arguido um non liquet, ou seja, em suma, na decisão de factos incertos a dúvida favorece o réu (Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 12.ª edição, 336); ele será desrespeitado quando o tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido, entendendo-se que não é toda e qualquer dúvida que fundamenta tal princípio, “mas apenas a dúvida razoável, razoabilidade que cabe ao julgador analisar caso a caso” (acórdão do STJ de 13.01.99, Proc. 262/99, 3.ª Secção, SASTJ, 33, 68, citado por Maia Gonçalves, in obra mencionada, 338). Não é, manifestamente, o que acontece no caso em apreço, pois ao tribunal recorrido nenhumas dúvidas se suscitaram – como resulta da fundamentação da decisão recorrida - e a este tribunal, em face do que se deixa dito, também não se suscitam, pelo que carece de fundamento a invocada violação do princípio in dubio pro reo. 9.4. – 4.ª questão Finalmente, insurge-se o arguido quanto à medida da pena, dizendo que deve a mesma ser revista e diminuída a pena. Alega o recorrente na motivação que pugnará, em sede de recurso, pela diminuição da pena aplicada quer parcelar quer em cúmulo, porquanto “a pena aplicada é excessiva e desproporcional”, e nas conclusões repete que deve “ser revista e diminuída a sua pena”. Ora, como supra se deixou dito, o recurso não visa um novo julgamento ou uma melhor decisão, mas a correcção dos vícios ou erros de que, eventualmente, enferme a decisão recorrida, vícios ou erros que devem ser concretizados e fundamentados e – quando divirja da pena aplicada – as razões que justificam a sua diminuição, seja porque o tribunal não tomou em consideração circunstâncias relevantes que, a serem consideradas, justificariam uma pena inferior, seja porque sobrevalorizou circunstâncias agravantes contra o arguido. O arguido limita-se a afirmar que a pena é excessiva e desproporcional, que deve ser revista e diminuída, não alegando quaisquer factos concretos que fundamentem tal pretensão, pelo que o recurso nesta parte carece em absoluto der fundamento. Não deixará de se anotar que as penas aplicadas, perante as elevadas exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir – principalmente as de prevenção especial, atento o passado criminal do arguido e a postura que assume perante os factos, bem reveladora que não interiorizou o desvalor da sua conduta – o elevado grau da ilicitude do facto, atentas as circunstâncias da ação e suas consequências – e o dolo direto com que atuou, temos que as penas aplicadas, sejam as penas parcelares, seja a pena única, não nos merecem qualquer censura, deve dizer-se, até, que a merecer alguma censura seria pela sua brandura, concretamente no que respeita à suspensão da execução da pena, face às dúvidas que os elementos disponíveis permitem suscitar quanto a uma prognose favorável do comportamento futuro do arguido. Improcede, por isso, também nesta parte, o recurso. 10. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, em confirmar o acórdão recorrido. Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro UC (art.ºs 513 e 514 do CPP e 8 n.º 5 e tabele III anexa ao RCP). (Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado) Évora, 2014/04/08 (Alberto João Borges) (Maria Fernanda Pereira Palma) |