Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | MARIA ADELAIDE DOMINGOS | ||
| Descritores: | TRANSPORTE RODOVIÁRIO INCUMPRIMENTO PAGAMENTO CASO JULGADO | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA RECORRIDA | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
| Sumário: | Sumário: 1. No transporte rodoviário nacional de mercadoria, que gera, face ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 293/2003, de 04-10, uma obrigação de resultado para o transportador, o cumprimento do contrato exige a entrega da mercadoria nos termos acordados. 2. Não se tendo provado o incumprimento da transportadora quanto à falta de entrega de parte da mercadoria, cumpriu a mesma a referida obrigação de resultado, impendendo sobre a parte contrária o pagamento do transporte. 3. Os efeitos do caso julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão de recurso. | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 97890/23.8YIPRT.E1 (Apelação)
Tribunal recorrido: TJ Comarca de Santarém, Juízo Local Cível de Santarém – J2 Apelante: MTNI – Mudanças Transportes Nacionais e Internacionais e Serviços Logísticos, Ld.ª Apelada: UNMISSABLE YELLOW – Serviços e Transporte Internacionais Unipessoal, Ld.ª
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora I – RELATÓRIO 1. UNMISSABLE YELLOW – Serviços e Transporte Internacionais Unipessoal, Ld.ª instaurou injunção ao abrigo do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10-05, a qual, após dedução de oposição, seguiu a forma de processo comum1, contra MTNI – Mudanças Transportes Nacionais e Internacionais e Serviços Logísticos, Ld.ª, pedindo a condenação desta a pagar-lhe €17.612,68 [€ 17.522,91 relativos a capital e € 89,77 a juros de mora vencidos], acrescidos de juros moratórios comerciais, e demais despesas que menciona no requerimento injuntivo. Alegou, em síntese, que, no âmbito da sua atividade comercial e a pedido da Ré, realizou, nos períodos de 3 a 31 de julho de 2023 e de 1 a 18 de agosto de 2023, o transporte de diversa mercadoria (bebidas) e que esta o aceitou como bem prestado, não tendo, não obstante isso, e a despeito de ter sido interpelada para o efeito, procedido ao pagamento do valor integral constante das duas correspondentes faturas FT23/15 e FT23/16, de 19-08-2023, emitidas pela Autora. Mais alegou que deve à Ré a quantia de €8.294,40, «por conta de adiantamentos e débitos de combustível», pelo que fez operar a correspondente compensação com os valores constantes das referidas faturas, peticionando apenas o mencionado montante de €17.612,68. 2. Opôs-se a Ré por impugnação e por exceção, alegando, em suma, que subcontratou a Autora para que esta realizasse diversos serviços de transporte, mas que os mesmos não foram realizados conforme acordado, porquanto existiram discrepâncias na mercadoria carregada nos fornecedores e na que posteriormente foi descarregada no destino. Invoca, ainda, que nessa sequência suportou perante os fornecedores “JMR” e “Primedrinks – Comércio de Bebidas Alcoólicas” os prejuízos decorrentes da não entrega da mercadoria em falta, os quais se computaram, respetivamente, em €104.320,58 e em €2.137,92. Como a Autora não apresentou motivo justificativo para a omissão de alguma da mercadoria a transportar, Ré recusou pagar o serviço. Também defendeu a falta de pressupostos para a invocada compensação invocando o disposto no artigo 847.º, n.º 2, alínea), do Código Civil (CC). 3. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré a pagar à Autora as seguintes quantias: a. o montante global de €10.939,55, a título de capital em dívida, b. o montante de €1.487,33, devido a título de juros vencidos, c. os juros vincendos contados sobre o capital em dívida [€10.939,55], à taxa supletiva legal aplicável aos créditos emergentes de transações comerciais sujeitas ao Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, a que alude o artigo 102.º, § 5, do Código Comercial, ex vi do artigo 4.°, n.º 1, do DL n.º 62/2013, de 10 de maio, desde 07-11-2024 até integral e efetivo pagamento. 4. Inconformada, apelou a Ré, defendendo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que a absolva do pedido, apresentando para o efeito as seguintes CONCLUSÕES: «1ª – A Apelante tem como objeto social o transporte rodoviário de mercadorias nacional e internacional; 2ª – Tendo sido contratada pelas suas clientes JMR, SA., e Luís Simões, SA., para a realização de diversos transportes de mercadorias; 3ª – Cujo transporte subcontratou com a apelada; 4ª – Esta carregou as ditas mercadorias nas instalações na Central de Cervejas, em Vialonga e nas instalações da Luís Simões, sitas em Carregado, com destino aos seus destinatários finais, a JMR, SA, com instalações na Zona Industrial de Azambuja/Vila Nova da Rainha e a SONAE, com instalações sitas na Maia; 5ª – Sucede que, a apelada não procedeu à entrega das mercadorias às referidas destinatárias finais, como referido na sentença recorrida; 6ª – Tratando-se, como se trata, de transportes rodoviários de mercadorias de âmbito nacional, é aplicável o regime previsto no DL 239/2003, de 4-10, cfr., melhor se alcança do art.º 1º, do citado diploma legal; 7ª – O contrato de transporte constitui uma obrigação de resultado, isto é, o mesmo se se considera perfeito com a entrega das mercadorias transportadas ao seu destinatário, como dispõe o art.º 12º, nº 1, deste diploma; 8ª – Ora, a apelada não entregou as mercadorias cujo contrato de transporte aceitou efetuar aos seus destinatários; 9ª – Pelo que, não cumpriu com o contrato a que se vinculou para com a apelante, tornando impossível a prestação a que se obrigou para com esta; 10ª - Incorrendo assim a apelada na responsabilidade pelo incumprimento dos contratos que aceitou, sendo responsável pelos danos originados à apelante, nos termos do disposto no art.º 17º, do citado regime jurídico; 11ª – Sendo certo que, a apelada não entregou parte das mercadorias transportadas; 12ª – Contudo, a apelante discorda do sentenciado que entendeu condená-la no pagamento de parte dos custos do transporte, desta feita quanto às mercadorias entregues; 13ª – Isto porque, entende a apelante que a tal não era obrigada e como tal recusou a sua prestação, fundada nos danos a si originados com o incumprimento da apelada; 14ª – Entende, aquela que a aplicação do disposto no art.º 793º, do CCiv., na sentença recorrida se mostra equivocada, porquanto a impossibilidade da prestação é imputável à apelada; 15º - Porquanto, o disposto no art.º 798º, deste último diploma, estabelece que o devedor que faltar culposamente ao cumprimento da obrigação fica responsável pelo prejuízo que originar ao credor; 16ª – Ademais, no âmbito da responsabilidade contratual, dispõe o art.º 799º, do CCiv., o estabelecimento de uma presunção de culpa a cargo do devedor; 17ª – Ora, a apelada não afastou esta presunção de culpa ou aquela derivada do art.º 18º, do DL 239/2003; 18ª – Pelo que, tal incumprimento é-lhe inteiramente imputável; 19ª – Pelo que, a apelante mantém o direito à indemnização, como decorre das disposições conjugadas dos arts. 801º e 802º, nº 1, ambos CCiv.; 20ª – O que afasta o disposto no art.º 793º, deste diploma que a sentença recorrida aplicou, pois, esta disposição é aplicável aos devedores quando não lhe é imputável a impossibilidade da prestação, o que não é o caso dos autos; 21ª – Pois, a prestação deve ser realizada integralmente e não por partes, como dispõe o art.º 763º, nº 1, do CCiv.; 22ª – Por conseguinte, assistia à apelante a faculdade de recusar a sua prestação, mantendo do direito à indemnização; 23ª – Devendo, neste preciso conspecto, a instância ter absolvido a apelante do peticionado pela apelada. Com efeito, a Mma. Juiz “a quo” aplicou norma jurídica – art.º 793º, do CCiv. - Insuscetível de regular a questão, incumprimento parcial, porquanto a mesma tem como âmbito a impossibilidade parcial não imputável ao devedor e a impossibilidade neste caso é imputável ao devedor – art.º 802º, do mesmo diploma. Ao assim decidir, ofendeu as disposições conjugadas dos arts. 12º, nº 1. 17, nº 1, do DL 239/2003, de 4/10 e dos arts. 763º, nº 1, 798º, 799º, 801º e 802, nº 1, todos do Código Civil. Termos em que, conferindo Vs. Ex.as procedência à presente apelação e, em consequência, revogando a sentença recorrida, se substituindo-a por outra em que absolva a apelante do ali sentenciado, farão a melhor JUSTIÇA.» 5. A resposta ao recurso foi mandada desentranhar por falta de pagamento da taxa de justiça (despacho de 14-03-2025). II- FUNDAMENTAÇÃO A. Objeto do Recurso Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar: - Incumprimento contratual da Autora e obrigação de indemnizar a Ré; - Se a Ré deve ser totalmente absolvida do pedido contra si formulado. B- De Facto A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto: Factos Provados «1. Requerente e Requerida são sociedades comerciais que se dedicam à atividade de transporte rodoviário de mercadorias. 2. No âmbito das respetivas relações comerciais, a Requerida solicitou à Requerente a realização da recolha e posterior distribuição, pela via terrestre, de bebidas, no período que mediou o dia 3 de julho e o dia 18 de agosto de 2023, o que esta aceitou, em contrapartida da entrega da correspondente compensação. 3. Ao abrigo do referido acordo, a Requerente, comprometeu-se, concretamente, a: a. Recolher junto da Central Cervejas e Bebidas, em Vialonga, as bebidas constantes da guia de remessa 2219201754, que aqui se dá como reproduzida, para serem entregues em 04-07-2023, em Alfena. b. Recolher junto da Central Cervejas e Bebidas, em Vialonga, as bebidas constantes da guia de entrega 2219201758, que aqui se dá como reproduzida, para serem entregues em 04-07-2023, em Alfena. c. Recolher junto da Central Cervejas e Bebidas, em Vialonga, as bebidas constantes da guia de remessa 2219204730, que aqui se dá como reproduzida, para serem entregues em 11-07-2023, em Alfena. d. Recolher junto da Central Cervejas e Bebidas, em Vialonga, as bebidas constantes da guia de entrega 2219205789, que aqui se dá como reproduzida, para serem entregues em 13-07-2023, em Algoz. e. Recolher junto da Central Cervejas e Bebidas, em Vialonga, as bebidas constantes da guia de entrega 2219207476, que aqui se dá como reproduzida, para serem entregues em 18-07-2023, em Alfena. f. Recolher junto da Central Cervejas e Bebidas, em Vialonga, as bebidas constantes da guia de entrega 2219207394, que aqui se dá como reproduzida, para serem entregues em 18-07-2023, em Alfena. g. Recolher junto da Central Cervejas e Bebidas, em Vialonga, as bebidas constantes da guia de remessa 2219210072, que aqui se dá como reproduzida, para serem entregues em 25-07-2023, em Alfena. h. Recolher junto da Central Cervejas e Bebidas, em Vialonga, as bebidas constantes da guia de remessa 2219211247, que aqui se dá como reproduzida, para serem entregues em 28-07-2023, na Azambuja. i. Recolher junto da Sumol+Compal, em Almeirim, as bebidas constantes da guia de remessa 2020252507, que aqui se dá como reproduzida, para serem entregues em 19-07-2023, em Silves. j. Recolher junto da Sumol+Compal, em Almeirim, as bebidas constantes da guia de remessa 2020255520, que aqui se dá como reproduzida, para serem entregues na Azambuja. k. Recolher junto da Sumol+Compal, em Almeirim, as bebidas constantes da guia de remessa 2020272884, que aqui se dá como reproduzida, para serem entregues na Azambuja, em 28-07-2023. l. Recolher junto da Central Cervejas e Bebidas, em Vialonga, as bebidas constantes da guia de remessa 2219213210, que aqui se dá como reproduzida, para serem entregues em 31-07-2023, na Azambuja. m. Recolher junto da Sumol+Compal, em Almeirim, as bebidas constantes da guia de remessa 2020294282, que aqui se dá como reproduzida, para serem entregues, em 09-08-2023, na Azambuja. 4. A Requerente emitiu, em 19-08-2023, e com vencimento em 21-08-2023, a fatura n.º FT 23/15, em nome da Requerida, no valor de € 15.331,95, referente a «Prestação de serviços de Transporte de Mercadorias. 03/07 a 31/07» 5. A Requerente emitiu, em 19-08-2023, e com vencimento em 21-08-2023, a fatura n.º FT 23/16, em nome da Requerida, no valor de € 10.485,75, referente a «Prestação de serviços de Transporte de Mercadorias. Dia 01/08 a 18/08». 6. A Requerida suportou perante a Fornecedora Luís Simões a quantia de € 2.629,64, por conta de bebidas não entregues. 7. A Requerida suportou perante a Fornecedora JMR Prestação de Serviços p/ Distribuição, S.A. a quantia de € 104.320,58, por conta de bebidas não entregues. 8. Até à presenta data, a Requerida não entregou à Requerente qualquer quantia pecuniária por conta das faturas mencionadas 4. e 5.» Factos Não Provados «a) Por reporte ao referido no ponto 3.-a. dos factos provados, tenham sido entregues os seguintes produtos, os quais correspondem a 34,84% do que devia ter sido entregue: - 38 unidades de “cerveja com álcool Sagres Lata 50cl” - 62 unidades de “cerveja com álcool Sagres Lata 33cl” - 2 unidades de “cerveja com álcool Heineken 24x25cl” - 54 unidades de “cerveja com álcool Heineken Silver 25cl” - 37 unidades de “cerveja com álcool Sagres 15x25cl” - 1 unidade de “Sidra Bandida do Pomar frutos vermelhos 2” - 60 unidades de “cerveja com álcool Sagres 25cl” b) Por reporte ao referido em 3.-b. dos factos provados, tenham sido entregues os seguintes produtos, os quais correspondem a 3,14% do que devia ter sido entregue: - 4 unidades de “cerveja com álcool Heineken Barril 5Lt” c) Por reporte ao referido em 3.-c. dos factos provados, tenham sido entregues os seguintes produtos, os quais correspondem a 36,37% do que devia ter sido entregue: - 76 unidades de “cerveja com álcool Sagres Lata 33cl” - 92 unidades de “cerveja com álcool Cergal 1Lt” - 67 unidades de “cerveja com álcool Cergal 33cl” - 121 unidades de “cerveja com álcool Heineken 12x25cl” - 70 unidades de “cerveja com álcool Sangres Preta 10x25cl” - 69 unidades de “cerveja com álcool Sagres 25cl” d) Por reporte ao referido em 3.-d. dos factos provados, tenham sido entregues os seguintes produtos, os quais correspondem a 22,12% do que devia ter sido entregue: - 31 unidades de “cerveja com álcool Sagres 1L” - 15 unidades de “cerveja com álcool Sagres Lata 50cl” - 27 unidades de “cerveja com álcool Heineken 25cl” - 77 unidades de “cerveja com álcool Cergal 1Lt” - 6 unidades de “cerveja com álcool Desperados 33cl” - 1 unidade de “cerveja com álcool Sagres Radler 33cl” - 22 unidades de “cerveja 0,0% álcool Heineken 25cl” - 39 unidades de “cerveja com álcool Sagres Lata 33cl” - 2 unidades de “Sidra Bandida do Pomar 4x25cl” - 12 unidades de “cerveja com álcool Heineken Silver 25cl” - 2 unidades de “Sidra Bandida do Pomar frutos vermelhos” - 1 unidade de “Sidra Bandida do Pomar manga lata” - 1 unidade de “cerveja com álcool Sagres Bohemia original” e) Por reporte ao referido em 3.-e. dos factos provados, tenham sido entregues os seguintes produtos, os quais correspondem a 56,58% do que devia ter sido entregue: - 28 unidades de “cerveja com álcool Heineken 25cl” - 24 unidades de “cerveja com álcool Heineken Lata 50cl” - 14 unidades de “cerveja com álcool Sagres Radler 33cl” - 24 unidades de “cerveja com álcool Sagres 33cl” - 19 unidades de “Sidra Bandida do Pomar frutos vermelhos” - 19 unidades de “cerveja com álcool Heineken Lata 33cl” - 45 unidades de “cerveja com álcool Heineken Silver 25cl” f) Por reporte ao transporte referido em 3.-f. dos factos provados, tenham sido entregues os seguintes produtos, os quais correspondem a 64,71% do que devia ter sido entregue: - 12 unidades de “cerveja com álcool Sagres 30x25cl” g) Por reporte ao transporte referido em 3.-g. dos factos provados, tenham sido entregues os seguintes produtos, os quais correspondem a 37,98% do que devia ter sido entregue: - 41 unidades de “cerveja com álcool Sagres Lata 33cl” - 63 unidades de “Sidra Bandida do Pomar Lata 50cl” - 2 unidades de “cerveja com álcool Sagres 15x25cl” - 3 unidades de “cerveja com álcool Sagres 24x25cl” h) Por reporte ao transporte referido em 3.-h. dos factos provados, tenham sido entregues os seguintes produtos, os quais correspondem a 21,24% do que devia ter sido entregue: - 54 unidades de “cerveja com álcool Desperados 33cl” - 63 unidades de “Sidra Bandida do Pomar frutos vermelhos” - 168 unidades de “cerveja com álcool Heineken 12x25cl” i) Por reporte ao transporte referido em 3.-i. dos factos provados, tenham sido entregues os seguintes produtos, os quais correspondem a 86,67% do que devia ter sido entregue: - 16 unidades de “Néctar Compal vit manga/la” - 5 unidades de “Sumo Compal 100% fruta maça” - 7 unidades de “Néctar Compal vit laranja/m” - 32 unidades de “Ref 7up Free Lata 33cl” - 53 unidades de “Ref 7up original Lata 33cl” - 4 unidades de “Néctar Compal clássico pes” - 4 unidades de “Néctar Compal clássico pera” - 7 unidades de “Néctar Compal clássico tutti” - 12 unidades de “Néctar Compal vit manga/la” - 2 unidades de “Sumo Compal 100% fruta maça” - 1 unidade de “Compal clássico néctar pera 3” - 2 unidades de “Néctar Compal clássico pes” Processo: 97890/23.8YIPRT Referência: 97692213 - 38 unidades de “Água com gás Frize limão 25cl” - 9 unidades de “Néctar Compal clássico mar” - 10 unidades de “Néctar Compal vit aox frut ver” - 6 unidades de “Néctar Compal vit aox frut ver” - 9 unidades de “Néctar Compal clássico de Annan” - 21 unidades de “Néctar Compal clássico de lar” - 19 unidades de “Néctar Um Bongo 8 furtos 1L” - 6 unidades de “Néctar Compal vit eq ananas/c” - 8 unidade de “Néctar Compal orig manga” - 4 unidades de “Néctar Um Bongo manga 1L” - 8 unidades de “Ref Pepsi cola zero Lata 33cl” - 4 unidades de “Néctar Compal vit veggie beter” - 3 unidades de “Néctar Compal vit veggie cenou” - 28 unidades de “Ref Pepsi cola original 1,75L” - 35 unidades de “Ref Pepsi cola zero 1,75L” - 29 unidades de “Ref 7up free 1,75L” - 2 unidades de “Ref Sumol ananas 1,75L” - 17 unidades de “Ref 7up original 1,75L” - 4 unidades de “Néctar Compal clássico anan” - 3 unidades de “Néctar Compal clássico alpe” - 5 unidades de “Néctar Um Bongo Laranja 20cl” - 5 unidades de “Sumo Compal 100% fruta laranja” - 3 unidades de “Água c/gás Frize ananás 25cl” - 7 unidades de “Néctar Compal vit aox romã 1L” - 4 unidades de “Néctar Compal família man” j) Por reporte ao transporte referido em 3.-j. dos factos provados, tenham sido entregues os seguintes produtos, os quais correspondem a 42,06% do que devia ter sido entregue: - 132 unidades de “Néctar Um Bongo Laranja 20 cl” - 132 unidades de “Néctar Um Bongo 8Frutos 6x2” - 108 unidades de “Ref Guaraná Antártica Lata” - 108 unidades de “Ref Sumol Laranja Lata 33cl” - 108 unidades de “Ref Sumol Ananás Lata 33cl” k) Por reporte ao transporte referido em 3.-k. dos factos provados, tenham sido entregues os seguintes produtos, os quais correspondem a 16,57% do que devia ter sido entregue: - 60 unidades de “Néctar Compal Clássico Lara” - 180 unidades de “Néctar Compal Orig Laranja” - 60 unidades de “Néctar Compal Clássico Tutti” - 60 unidades de “Néctar Compal Clássico Pera l) Por reporte ao transporte referido em 3.-l. dos factos provados, tenham sido entregues os seguintes produtos, os quais correspondem a 44,52% do que devia ter sido entregue: - 63 unidades de “cerveja com álcool Sagres Lata 50cl” - 396 unidades de “cerveja com álcool Sagres Lata 33cl” m) Por reporte ao transporte referido em 3.-m. dos factos provados, tenham sido entregues os seguintes produtos, os quais correspondem a 21,65% do que devia ter sido entregue: - 128 unidades de “Ref Pespsi cola original 1,75L” - 60 unidades de “Néctar Compal orig laranja” - 120 unidades de “Néctar Compal clássico man”» C. Do Conhecimento das questões suscitadas no recurso Não se encontrando impugnada a decisão de facto, encontra-se estabilizado o quadro fáctico (não se vislumbrando qualquer questão de conhecimento oficioso a apreciar nessa sede), o qual permite conhecer do objeto do recurso que incide sobre o mérito da sentença recorrida, passando-se a conhecer das questões decidendas. 1.ª Questão: Incumprimento contratual da Autora e obrigação de indemnizar a Ré Não se encontra controvertido nos autos que estamos perante um contrato de transporte de rodoviário nacional de mercadorias, que se rege pelo Decreto-Lei n.º 239/2003, de 04/10, cuja regulação, como se refere no preâmbulo do diploma, visou uma atualização desta matéria e harmonização em face do contrato rodoviário de mercadorias sujeito à disciplina da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada, assinada em Genebra, de 19/05/1956, aprovada para adesão por Portugal pelo D.L. nº 46235, de 18 de Março de 1965 (Convenção CMR). Estipula o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 239/2003, que: «1 - O contrato de transporte rodoviário nacional de mercadorias é o celebrado entre transportador e expedidor nos termos do qual o primeiro se obriga a deslocar mercadorias, por meio de veículos rodoviários, entre locais situados no território nacional e a entregá-las ao destinatário.». No que concerne à responsabilidade do transportador rege o artigo 17.º do referido diploma legal, prescrevendo: «1 - O transportador é responsável pela perda total ou parcial das mercadorias ou pela avaria que se produzir entre o momento do carregamento e o da entrega, assim como pela demora na entrega. 2 - O transportador responde, como se fossem cometidos por ele próprio, pelos actos e omissões dos seus empregados, agentes, representantes ou outras pessoas a quem recorra para a execução do contrato.» Por sua vez, o artigo 18.º elenca as causa de exclusão da responsabilidade de transportador, ao prescrever: «1 - A responsabilidade do transportador fica excluída se a perda, avaria ou demora se dever à natureza ou vício próprio da mercadoria, a culpa do expedidor ou do destinatário, a caso fortuito ou de força maior. 2 - A responsabilidade do transportador fica ainda excluída quando a perda ou avaria resultar dos riscos inerentes a qualquer dos seguintes factos: a) Falta ou defeito da embalagem relativamente às mercadorias que, pela sua natureza, estão sujeitas a perdas ou avarias quando não estão devidamente embaladas; b) Manutenção, carga, arrumação ou descarga da mercadoria pelo expedidor ou pelo destinatário ou por pessoas que actuem por conta destes; c) Insuficiência ou imperfeição das marcas ou dos símbolos dos volumes. 3 - O transportador não pode invocar defeitos do veículo que utiliza no transporte para excluir a sua responsabilidade.» O artigo 19.º, por seu lado, regula as situações de demora na entrega, fornecendo a correspondente noção: «(…) quando a mercadoria não for entregue ao destinatário no prazo convencionado ou, não havendo prazo, nos sete dias seguintes à aceitação da mercadoria pelo transportador». O n.º 2 do mesmo preceito estipula sobre a perda total, nos seguintes termos: «Quando a mercadoria não for entregue nos sete dias seguintes ao termo do prazo convencionado ou, não havendo prazo, nos 15 dias seguintes à aceitação da mercadoria pelo transportador, considera-se que há perda total.» Finalmente, o artigo 21.º estipula sobre a responsabilidade do transportador em caso de dolo, nos seguintes termos: «Sempre que a perda, avaria ou demora resultem de actuação dolosa do transportador, este não pode prevalecer-se das disposições que excluem ou limitam a sua responsabilidade.» Como decorre do quadro legal acima referido, incide sobre a Autora enquanto transportadora, uma presunção de culpa, sempre que haja situações enquadráveis na perda total ou parcial de mercadorias, ou pela avaria entre o momento do carregamento e da entrega, assim, como pela demora na entrega, presumido a lei quando há demora na entrega e perda total em função do convencionado e dos prazos referidos no artigo 19.º. Por outro lado, sempre que a perda, avaria ou demora sejam imputáveis a título de dolo ao transportador, este não pode fazer valer as situações que limitam ou excluem a sua responsabilidade. Assim, a falta de entrega de parte da mercadoria transportada pode corresponder a uma situação suscetível de ser integrada em demora na entrega ou mesmo em perda total em relação à mercadoria não entregue. Se o transportador não ilidir a presunção de culpa que resulta do artigo 17.º, é responsável pela perda total ou parcial das mercadorias, exceto se conseguir provar alguma das causas de exclusão previstas no artigo 18.º e desde que não tenha agido com dolo (artigo 21.º). No caso em apreço, a factualidade provada é deveras escassa o que cria especiais dificuldades na aplicação da lei ao caso dos autos. Estando em causa um contrato de transporte rodoviário nacional de mercadoria, que gera, face ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 293/2003, uma obrigação de resultado para o transportador, o cumprimento do contrato exige a entrega da mercadoria nos termos acordados. Só que os factos provados apenas espelham a celebração do contrato (factos provados 1 a 3 e alíneas a) a m) deste número) e a faturação das entregas referentes ao período contratual em causa. Não decorre dos factos provados se houve mercadorias não entregues, nem a sua identificação e quantificação. Repare-se que nos factos provados 6 e 7 não consta como provado que os pagamentos ali referidos se reportam às mercadorias referidas nos factos provados, pois limitam-se a dar como provados que foram tais valores pagos «por conta de bebidas não entregues». Mas ficou por provar que as «bebidas não entregues» estavam incluídas nos vários transportes referidos nas alíneas a) a m) do facto provado 3. A identificação e quantificação das bebidas não entregues por reporte aos transportes que constam dos factos provados, ficou a constar dos factos não provados. Ora, de um facto não provado nada se pode concluir, nem em sentido positivo, nem em sentido negativo. Ou seja, tudo se passa como se essa matéria não tivesse sido articulada, o que tem sido reiterado em inúmeros acórdãos dos nossos tribunais superiores (cfr., por exemplo, Ac. RE, de 27-06-2024, proc. n.º 252/21.2T8FAR.E1, também relatado pela ora relatora). Assim sendo, a conclusão a retirar é que não se provou que a Autora não entregou parte das mercadorias que devia entregar à Ré, ou seja, as que deram origem à faturação apresentada à Ré. Sublinhando-se que a questão de saber quais as mercadorias que a Autora tinha obrigação de entregar e as que não entregou, constituiu um dos temas da prova como decorre do despacho saneador e que já antes, em sede de audiência prévia, a Ré tinha sido convidada a aperfeiçoar a sua alegação e a juntar prova, sobre «quais seriam as concretas mercadorias que a Autora devia entregar nos termos contratualmente estipulados e aquelas que efetivamente entregou ou não entregou», bem como a esclarecer se imputa no valor do pedido o valor correspondente ao das mercadorias que alega não terem sido entregues. Sendo que o ónus de prova sobre essa matéria competia à Ré por serem factos constitutivos do direito alegado quanto ao não pagamento do custo do transporte e dependido de outros valores com o transporte de substituição para as mercadorias não entregues (artigo 342.º, n.º 1, do CC). Como se refere no Ac. do STJ, de 02-11-2023 (proc. n.º 2075/19.0T8PNF.S1, Rel. Graça Amaral), para que haja responsabilização do transportador do transporte rodoviário de mercadorias pela não entrega da mercadorias, impende sobre o credor da indemnização o ónus de provar a perda da mercadoria. Ora, como resulta da decisão de facto, não ficou provado que a Autora tenha entregue apenas parte da mercadoria, nem que o valor da faturação apresentada à Ré não corresponda à contrapartida pecuniária pelo transporte das mercadorias entregues. Ou seja, dos factos provados não se pode concluir que a Autora não cumpriu o contrato celebrado com a Ré, ou dito de outro modo, que tenha incorrido em incumprimento ainda que parcial do mesmo. Razão pela qual, não podemos acompanhar a sentença recorrida, pois socorreu-se dos factos não provados como se fossem factos provados (o que lhe estava vedado) para fazer uma média do valor das mercadorias não entregues por cada transporte e encontrar um valor a pagar pela Ré. Em suma, em face dos factos apurados impõe-se concluir respondendo à 1.ª questão decidenda no sentido que não ficou probatoriamente demonstrado que a Autora tenha incorrido em incumprimento contratual por não ter ficado provado que não entregou parte da mercadoria à Ré. 2.ª Questão: Se a Ré deve ser totalmente absolvida do pedido contra si formulado Não se tendo provado que a Autora incorreu em incumprimento contratual, toda a argumentação da Ré quanto à exceção de não cumprimento cai por terra em face dos requisitos do artigo do 428.º CC, bem como em relação à aplicação ao caso do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 239/2003 e artigos 763.º, 798.º, 799.º, 801.º e 802.º, n.º 1, do CC. O que faz claudicar a invocada obrigação de indemnizar a cargo da Autora pelo incumprimento contratual que não se provou. E, ao invés, não tendo a Ré pago o valor das faturas deveria ter sido condenada no seu pagamento (artigos 762.º, 798.º, 789.º, 804.º, 806.º, 562.º e 566.º do CC). O que significa que a ação deveria ter sido julgada procedente. Sucede que a sentença apenas é condenatória numa parte do pedido, condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de €10.939,55, mais €1.487,33 de juros vencidos e juros de mora vincendos à taxa aplicável às transações comerciais, absolvendo-a do demais peticionado. A Autora não recorreu, pelo que se conformou com o assim decidido. A Ré recorreu mas para defender a sua total absolvição do pedido. Sendo assim, os efeitos do caso julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão de recurso (artigo 635.º, n.º 5, do CPC), pelo que a sentença será confirmada, ainda que com fundamento diverso, e a apelação julgada improcedente. Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da Apelante (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP. III- DECISÃO Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença com fundamento jurídico diverso. Custas nos termos sobreditos. Évora, 30-10-2025 Maria Adelaide Domingos (Relatora) Elisabete Valente (1.º Adjunto) José António Moita (2.º Adjunto)
___________________________________ 1. Razão pela qual passamos a designar as partes por «Autora» e «Ré».↩︎ |