Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
7418/17.8STB-A.E1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: AVAL
NULIDADE
PACTO DE PREENCHIMENTO
LIVRANÇA EM BRANCO
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. Constituindo a livrança título executivo, pode o legítimo portador do título de crédito intentar execução com base exclusivamente na obrigação cambiária, estando assim dispensado de invocar a relação causal subjacente à emissão deste título. O título de crédito vale, assim, pelo que dele consta, é independente da relação causal e é por este título que se determinam os fins e os limites da acção executiva.
II. O preenchimento da livrança incompleta é uma condição imprescindível para que o título possa produzir os efeitos como livrança, o qual deverá ser efectuado segundo o acordo de preenchimento, que concretizará os termos em que a obrigação cambiária se deverá constituir.
III. É sob o embargante que invoca a excepção de violação do pacto de preenchimento que recai o ónus da prova da sua verificação, nos termos do n.º 2 do artigo 342º do Código Civil.
IV. As consequências do não cumprimento do dever de interpelação/comunicação ao avalista do facto legitimador do preenchimento de uma livrança em branco, quando tal não conste como dever previsto no pacto de preenchimento em que o avalista seja parte, implica, tão só, que a obrigação apenas se considera vencida relativamente ao executado avalista com a sua citação, pelo que os juros só serão devidos desde a data da citação do avalista para a acção executiva.
(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral:
Recurso de Apelação n.º 7418/17.8STB-A.E1

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. Por apenso à execução ordinária para pagamento de quantia certa instaurada por Novo Banco, S.A., contra P..., Lda., AA e BB, veio este último deduzir oposição por embargos, pedindo a extinção da execução e a condenação do exequente em multa e indemnização, por litigância de má-fé.
Requereu ainda a suspensão da execução sem prestação de caução, nos termos do art. 733º, n.º 1, c) do CPC.

2. Fundamentou a sua pretensão alegando, em síntese, o seguinte:
- No requerimento executivo apenas foi mencionado que a livrança garante o pagamento de um empréstimo celebrado entre o exequente e os executados, não tendo sido apresentado nenhum documento comprovativo da existência de tal empréstimo, com indicação expressa de montantes, prazos e o valor do incumprimento;
- Não foi apresentado o acordo de preenchimento, sabendo o exequente que este foi violado;
- Nunca foi interpelado para cumprir;
- Houve cessão total de quotas da empresa subscritora da livrança em Janeiro de 2010, facto que é do conhecimento do exequente pelo menos desde 2011;
- A sociedade subscritora da livrança foi dissolvida administrativamente em 20/10/2016, sendo que o exequente não reclamou créditos e não impugnou judicialmente a decisão proferida, apesar de ter conhecimento da dissolução;
- A data de vencimento que teria de ser aposta na livrança seria a de 20/10/2016, sendo que o preenchimento deveria ocorrer apenas se existisse algum crédito para reclamar, o que não era o caso;
- A inscrição da data de vencimento de 03/03/2017 viola o pacto de preenchimento;
- Ao alegar intencionalmente uma realidade inexistente, da qual tem total conhecimento, o exequente litiga de má-fé;
- A violação do acordo de preenchimento implica a inexequibilidade do título, tornando a obrigação exequenda inexigível;
- O aval é nulo por indeterminabilidade do negócio jurídico.

3. Recebidos os embargos, o exequente contestou, impugnando a matéria alegada na petição e acrescentando que o contrato contém uma cláusula que o autorizava a preencher a livrança e que interpelou a subscritora e avalistas, tendo feito junção do contrato de crédito e das condições gerais, devidamente assinados.
Concluiu pedindo a improcedência dos embargos.

4. Notificado da contestação, o embargante apresentou requerimento impugnando a força probatória dos documentos juntos pelo exequente, mas sem impugnar a assinatura constante do contrato nem das condições anexas. Ainda no mesmo requerimento, o embargante invocou a prescrição dos juros contabilizados por período superior a cinco anos, referindo que só depois de ter tido conhecimento dos documentos juntos com a contestação teve conhecimento dos elementos que lhe permitiam alegar tal excepção.
O exequente pronunciou-se sobre o referido requerimento do embargante, alegando, além do mais, que o embargante deveria ter invocado a prescrição dos juros em sede petição de embargos, ao abrigo do princípio da concentração da defesa.

5. Foi proferido despacho que indeferiu o pedido de suspensão da execução sem prestação de caução.
Em sede de audiência prévia, depois de tentada, sem sucesso, a conciliação das partes, foi proferido despacho que julgou precludido o direito de o embargante alegar a excepção da prescrição.
Na mesma audiência, foi proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, sem reclamações.

6. Realizada a audiência de julgamento veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu:
« … julgando os presentes embargos parcialmente procedentes, determino o prosseguimento da execução para pagamento da quantia inscrita na livrança, acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano contados a partir da citação.
Julgo improcedente o pedido de condenação do exequente por litigância de má-fé.
Custas pelo embargante e pelo exequente na proporção dos respectivos decaimentos.»

7. Inconformado recorreu o embargante, pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue provados os embargos e, a final, ser o apelante absolvido do pedido executivo, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. Relativamente ao facto dado como provado sob o número 5, no que se refere à cláusula 19, parágrafos 1 e 2, com base no doc. 1 junto com a contestação aos embargos, em lado algum do doc. 1, e muito menos nesta condição geral 19, consta o número da livrança, pois, como se alcança pela livrança junta com o requerimento executivo, esta possui o número A...98 e o doc.1 da contestação aos embargos nunca refere o número da livrança cujo alegado pacto de preenchimento o mesmo doc. 1 conterá.
II. O contrato de financiamento n.º ...8 (mencionado doc. 1) não refere em ponto algum, em cláusula alguma, a livrança que, no dizer da sua condição geral 13 (“Garantias de Crédito: - Livrança subscrita pelo Cliente e avalizada”) serve de garantia.
III. E a única forma válida de o fazer seria mencionar o número da livrança.
IV. No final do doc. 1 ora em apreço aparecem as assinaturas do Cliente (P...) e dos prestadores de garantia e o acordo do banco exequente.
V. Nem a cláusula 19 nem as demais condições gerais nem as condições particulares identificam o n.º da livrança.
VI. Este doc. 1 é datado de 20/JUN/2008 e a livrança entregue em branco carece de um verdadeiro pacto de preenchimento no qual o número da livrança tem de constar.
VII. Só desta forma se poderia saber que o financiamento em causa tinha aquela concreta garantia (a livrança n.º ...8) e só assim um acordo de preenchimento seria válido.
VIII. Donde, a sentença erroneamente considerou, facticamente, que a livrança dos autos era a garantia da operação de crédito.
IX. O que se verifica dos documentos dos autos é que não existe termo de aceitação da livrança nem aceitação nem acordo para o preenchimento da livrança dos autos para garantir o empréstimo.
X. Nem as cartas emitidas pelo Apelado, e que nunca foram validamente remetidas ao Apelante, indicam o número de algum título de crédito que garanta o Financiamento .../08.
XI. Com efeito, o título executivo que serve de base a esta execução é uma livrança caução (termo inscrito no documento cartular pelo próprio Exequente).
XII. A livrança caução, é uma garantia pessoal exclusiva de um único financiamento, uma determinada e única operação bancária, cujas condições se encontram totalmente identificadas no contrato celebrado e assinado entre as partes, nomeadamente, montante total financiado, prazo total do financiamento, regime de taxas de juros, entre outras condições.
XIII. Os termos de preenchimento da livrança caução encontram-se formalizados ou no contrato celebrado e assinado entre as partes, ou em documento próprio assinado por estas e que acompanha o contrato (de financiamento), designado por termo de aceitação e preenchimento de livrança.
XIV. A livrança caução apenas é preenchida em caso de incumprimento contratual, in casu, da firma subscritora, ficando esta e os seus avalistas obrigados a pagar a totalidade do crédito em incumprimento acrescido dos respectivos juros moratórios.
XV. Tendo presente que não existe termo de aceitação e termo de preenchimento para aquela livrança (caução) concreta e por referência (também concreta) ao contrato dos autos, ficou ao livre arbítrio do Exequente o preenchimento deste título cartular, onde inscreveu um valor de um suposto incumprimento, sem qualquer prova desse facto, isto é, sem demonstrar documentalmente que a livrança se destinava a garantir o crédito bancário dos autos.
XVI. Como se lê no sumário do Ac. STJ, Proc. n.º 814/17.2T8MAI-A.P1.S2, de 10/DEZ/2019, consultável em www.dgsi.pt, III - A existência de um acordo de preenchimento, e sua inobservância assume a natureza de excepção peremptória, uma vez que traduz a alegação de facto impeditivo do direito do credor.
XVII. Esta excepção foi alegada na oposição e a douta sentença recorrida não a deu como provada, nem extraiu a sua existência dos documentos dos autos, como lhe competia, absolvendo o Apelante do pedido executivo, como também lhe competia.
XVIII. Em suma, o número da livrança não está inscrito especificamente no contrato celebrado, havendo menção genérica a uma livrança caução não identificada e a autorização de preenchimento é uma mera clausula contratual geral, não havendo TAPL específico e autónomo que indique a existência da livrança caução, identificável pelo seu número, que é único para cada título cartular.
XIX. Assim, a livrança apresentada pode pertencer a qualquer contrato celebrado entre as partes, ocorrendo nulidade do aval por indeterminabilidade deste, o que deve ser julgado nesta instância de recurso, com absolvição do pedido.
XX. Conclui-se pela nulidade do aval por indeterminabilidade do seu objecto.
XXI. Nesta consonância, deve o facto dado como provado sob o n.º 4 ser alterado, como vamos demonstrar.
XXII. Sendo certo que não se deu como provado que o Apelante tenha recebido as cartas que constam dos autos (cfr. facto não provado número 3), o Apelante desconhecia, previamente ao preenchimento da livrança, a existência de qualquer obrigação pecuniária que envolva a sociedade P..., Lda, bem como qualquer incumprimento daí resultante.
XXIII. Pois, nunca foi notificado na qualidade de avalista, para cumprir perante eventual incumprimento da firma subscritora e que diga respeito a esta concreta livrança caução.
XXIV. Acresce que, o que o banco exequente de todo olvidou e incumpriu, o contrato de crédito, nas condições gerais, prevê:
XXV. “36. Comunicações
§1. As comunicações entre as partes relativamente a este Contrato devem ser efectuadas mediante carta registada com aviso de recepção, ou telefax, e dirigidas para os endereços e postos de recepção referidos no ponto comunicações das presentes condições gerais.”
XXVI. Como é bom de ver das cartas dos autos, não recebidas, não foram sequer remetidas por carta registada com aviso de recepção.
XXVII. As cartas estão impressas, como PDF, nos autos, mas não há qualquer prova em como foram remetidas e em que data.
XXVIII. Por outro lado, a carta não enviada validamente ao Apelante está datada de 11/JUL/2011, com data de contrato de 18/JUL/2005 e sem mencionar o valor do financiamento (cfr. canto superior esquerdo).
XXIX. Mais uma vez se alcança a nulidade do aval por indeterminabilidade do negócio jurídico causal.
XXX. A carta não enviada validamente para a firma e para os dois sócios, está datada, por sua vez, de 07/FEV/2017, com data de contrato de 20/JUN/2008 novamente sem mencionar o valor do financiamento (cfr., de novo, canto superior esquerdo).
XXXI. Desconhece-se, em suma, e perante os documentos dos autos se a livrança caução apresentada como título executivo pertence ao contrato de financiamento (doc. 1 da contestação aos embargos).
XXXII. Deve, por isso, ser nesta instância ser alterado o facto provado n.º 4.
XXXIII. Este facto reza: (…)
XXXIV. Pelo simples facto de o contrato não ter nenhum termo de aceitação e preenchimento da livrança caução n.º A...98, o facto provado como número 4 deve ser julgado como não provado, até porque em ponto algum o Apelante admitiu por acordo que a livrança dos autos fosse garantia do financiamento!
XXXV. O facto provado n.º 4, deve nesta sede recursória ser dado alterado, o que se requer, nos seguintes termos para o seguinte teor:
XXXVI. «4. A livrança em causa foi entregue em branco.»
XXXVII. E ser aditado um facto com o seguinte teor:
XXXVIII. «4-A. Entre o banco embargado foi celebrado um documento denominado “Financiamento .../08”, datado de 20.06.2008 e assinado pelos representantes legais do Banco, de um lado, e pelos executados, de outro lado (o embargante assinou o documento como avalista, ao passo que o executado AA assinou o documento, quer por si, como avalista, quer na qualidade de representante legal da sociedade subscritora da livrança), nos termos do qual o primeiro concedeu à referida sociedade um financiamento no montante máximo de € 25.000,00, para ser utilizado na gestão de tesouraria contratada na abertura de financiamento de conta D/O n.º ...06, a reembolsar no prazo de 180 dias.»
XXXIX. E deve nesta instância ser aditado um facto não provado com o seguinte teor: «Não se provou que a livrança mencionada em 4. dos factos provados se destinava a garantir o contrato de financiamento referido no facto 4-A.»
XL. Sem prejuízo do que ficou dito, a violação, manifesta nos autos, do acordo de preenchimento da livrança caução, implica a inexequibilidade do título cartular, garantia exclusiva do financiamento celebrado entre a Exequente e a subscritora, P..., Lda, tornando a obrigação inexigível.
XLI. Desta forma, não sendo a obrigação exigível (novamente, por a livrança dos autos não estar referida no contrato e por não existir termo de aceitação de livrança e acordo de preenchimento válido), o que também foi alegado na petição de embargos, deve o Apelante, também por esta via, ser absolvido do pedido executivo.
XLII. Podendo ainda legitimamente afirmar-se que “Os princípios da literalidade, abstracção e autonomia que caracterizam as obrigações cambiárias, apenas deixam de funcionar quando o/a oponente, enquanto avalista da livrança, alega, como alegou, que o portador (o Exequente), procedeu ao preenchimento abusivo da livrança relativamente ao pacto estabelecido com a subscritora.” – ac. cit. no corpo das alegações.
XLIII. Não existindo sequer qualquer notificação efectuada ao embargante, nem qualquer crédito reclamado, pela Exequente, o que prova a inexistência de incumprimentos contratuais que impliquem o chamamento do embargante enquanto avalista, de novo se conclui pela inexequibilidade, inexigibilidade e até nulidade do título executivo, uma vez que este é exclusivo e depende, enquanto garantia, de um incumprimento contratual que não existiu nem existe.
XLIV. Donde se retira também por esta via, a nulidade do aval por indeterminabilidade do negócio jurídico.
XLV. Por outro lado, devem ser dados como provados os factos não provados sob os números 1 e 2.
XLVI. A dissolução administrativa foi alvo de publicação – cfr. docs. 2 a 4 da petição de embargos e a cessão de quotas também foi alvo de registo, obrigatório que é: doc. 1 da petição de embargos.
XLVII. Não é possível a uma instituição de crédito, que tem deveres de acompanhamento da situação jurídica dos seus clientes, alhear-se de publicações e registos obrigatórios.
XLVIII. Ao não ter reclamado créditos no processo de dissolução administrativa, perante a sociedade objecto do financiamento, e tal em JUN/2016, e sendo as comunicações dos autos, inválidas, recorde-se, posteriores a este processo, não pode o exequente reclamar por via da acção executiva o seu crédito, o que fica alegado sem prejuízo da nulidade do aval, supra debatida.
XLIX. Requer-se, pois, que os factos dados como não provados sob os n.ºs 1 e 2 transitem para a matéria de facto dada como provada.
L. No que se refere ao facto dado como provado no número 10, deve também ser dado como não provado.
LI. Como se lê o Ac. RL, processo 144/13.9TCFUN-A-2, consultável em www.dgsi.pt, “Não é prova suficiente da existência, na data que dela consta, e do envio e, muito menos, da recepção de uma declaração receptícia (art. 224.º/1 do CC), uma fotocópia da mesma ou o simples depoimento de um empregado bancário do departamento do banco onde a declaração devia ter sido emitida, que diz que assinou a carta correspondente, sem um único elemento objectivo que o corrobore, como por exemplo um a/r, um registo, um aviso ou uma referência posterior a essa carta numa outra não impugnada, quando aliás essa carta, segundo a própria decisão recorrida que a deu como provada, não faz sentido no contexto em causa.”
LII. Donde, com base na doutrina deste acórdão, no facto de o banco não ter remetido a carta em apreço com aviso de recepção, como era previsto pelas condições gerais a que o Apelado se vinculou, deve o facto 10 ser dado como não provado, com as legais consequências.
LIII. Normas violadas: arts. 30.º a 32.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças.

8. Contra-alegou o exequente/embargado, pugnando pela rejeição das conclusões, por falta de síntese e serem reprodução da argumentação explanada no corpo das alegações (questão já apreciada e decidida pelo relator), concluindo pela improcedência do recurso.

9. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:
(i) Da alteração da matéria de facto;
(ii) Preenchimento abusivo da livrança;
(iii) Da nulidade do aval; e
(iv) Omissão de comunicação ao avalista.
*
III – Fundamentação
A) - Os Factos
A.1. Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. O exequente é portador de uma livrança à qual foi aposta a quantia de € 33.935,49, bem como os dias 2008.06.20 e 2017.03.03 como sendo as datas de emissão e de vencimento, respectivamente - provado por documento.
2. Na livrança referida em 1. figura como subscritora a sociedade P..., Lda. - provado por documento.
3. Os executados AA e BB assinaram a face posterior da referida livrança, surgindo as suas assinaturas encimadas pelos dizeres “Bom por aval à firma subscritora” - provado por documento.
4. A livrança em causa foi entregue em branco, destinando-se a garantir o cumprimento das obrigações estabelecidas em documento denominado “Financiamento .../08”, datado de 20.06.2008 e assinado pelos representantes legais do Banco, de um lado, e pelos executados, de outro lado (o embargante assinou o documento como avalista, ao passo que o executado AA assinou o documento, quer por si, como avalista, quer na qualidade de representante legal da sociedade subscritora da livrança), nos termos do qual o primeiro concedeu à referida sociedade um financiamento no montante máximo de € 25.000,00, para ser utilizado na gestão de tesouraria contratada na abertura de financiamento de conta D/O n.º ...06, a reembolsar no prazo de 180 dias - admitido por acordo e provado por documento.
5. A cláusula 19. das condições gerais do documento referido em 4. tem o seguinte conteúdo:
“§1. O BES poderá accionar ou descontar a livrança que lhe é entregue pelo Cliente no caso de incumprimento das obrigações assumidas no Contrato.
§2. O BES fica autorizado pelo Cliente e pelo(s) avalista(s), caso existam, a preencher a livrança com uma data de vencimento posterior ao vencimento de qualquer obrigação garantida e por uma quantia que o Cliente lhe deva ao abrigo do Contrato.” - provado por documento.
6. Mostra-se inscrita no registo comercial, sob a “Menção Dep. ...2009”, a transmissão da quota do embargante na sociedade P..., Lda., a favor do executado AA - provado por documento.
7. Relativamente à referida sociedade, mostra-se inscrito no registo comercial (“.... AP. ...0...”) que, a partir de 25.01.2010, CC passou a ser titular de duas quotas de € 25.000,00 cada uma - provado por documento.
8. Na sequência de despacho final proferido em procedimento administrativo de dissolução, foi levada ao registo comercial, através da AP. ...20, a dissolução e o encerramento da liquidação da sociedade P..., Lda. - provado por documento.
9. O exequente enviou para o executado, para a morada por constante do documento referido em 4., uma carta datada de 11.07.2011 cujo conteúdo é além do mais o seguinte:
“(…)
Este contrato, do qual é Avalista, encontra-se, na presente data com um montante em incumprimento (…) de 22.391,98 €.
Para não se agravar ainda mais o valor da dívida e poder regularizar a situação em definitivo, solicitamos o pagamento do montante em dívida até ao dia 19/07/2011.
(…)”.
10. O exequente enviou para o executado, para a morada por constante do documento referido em 4., uma carta datada de 07.02.2017 cujo conteúdo é além do mais o seguinte:
“(…)
Vimos por este meio confirmar que o contrato acima referido, do qual V.Exa. é Avalista, encontra-se já em fase de Contencioso. Deste modo foi o mesmo denunciado pelo que, e de acordo com as cláusulas contratuais, é agora exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, incluindo o montante de valores em atraso e o montante do capital em dívida até ao final do prazo do contrato, acrescido das despesas extrajudiciais incorridas.
Informamos ainda que (…) foi efectuado o Preenchimento da livrança de Caução, entregue para o efeito por V.Exa., com o montante de 33.935.49 EUROS. Este valor encontra-se a pagamento nos nossos serviços (…) até 03-Mar-2017 (data de vencimento da livrança). O valor em dívida refere-se às seguintes parcelas vencidas:
(…)

Para efectuar o pagamento, envie cheque ou vale postal (…).
(…)”.
11. No requerimento executivo alega-se o seguinte:
“Factos:
1º O Banco exequente é titular e portador de uma livrança subscrita e avalizada pelos executados, com o valor de € 33.935,49, emitida em ../../2008, e com vencimento em 03.03.2017, que se junta como Doc. 1 e se dá por integralmente reproduzida, e que foi entregue para garantia do pagamento do empréstimo efectuado entre o Exequente e os Executados.
2º Apesar de devidamente interpelados para procederem ao pagamento dos valores em dívida e apresentada a pagamento a livrança em causa na data do seu vencimento, os Executados não procederam ao respectivo pagamento, nem posteriormente, ou por quem quer que seja.
3º A dívida é certa, líquida e exigível.
4º A administração dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão foram transferidos da Sociedade Banco Espírito Santo, S.A. para a esfera jurídica do Novo Banco, S.A. tendo em vista as finalidades enunciadas no art. 145º-A do RGICSF, o que legitima a apresentação da presente peça processual em nome deste último (v. Certidão Permanente disponível in ... com o código ...02 – 3835 – 4874).”.
*
A.2. E considerou-se como não provados os seguintes factos:
1. O exequente tem conhecimento da cessão de quotas que teve lugar em Janeiro de 2010 pelo menos desde 2011.
2. O exequente teve conhecimento da dissolução administrativa e do encerramento da liquidação da sociedade.
3. As cartas de 11.07.2011 e de 07.02.2017 foram recebidas pelo executado.
*
B) – Apreciação do Objecto do recurso/ O Direito
1. O Embargante discorda da sentença recorrida, pretendendo a alteração dos factos constantes dos pontos 4 e 10 dos factos provados e dos pontos 1 e 2 dos factos não provados.
Vejamos cada um dos factos impugnados.

1.1. Como resulta do ponto 4 dos factos provados, deu-se como assente que:“[a] livrança em causa foi entregue em branco, destinando-se a garantir o cumprimento das obrigações estabelecidas em documento denominado “Financiamento .../08”, datado de 20.06.2008 e assinado pelos representantes legais do Banco, de um lado, e pelos executados, de outro lado (o embargante assinou o documento como avalista, ao passo que o executado AA assinou o documento, quer por si, como avalista, quer na qualidade de representante legal da sociedade subscritora da livrança) …”. (sublinhado nosso).
Tal matéria resultou provada, em face da livrança e do contrato de financiamento junto aos autos, cuja assinatura o embargante não impugnou, apesar de lhe ser atribuída a sua autoria, aceitando ambas as partes que a livrança foi entregue em branco.
O embargante/executado e ora recorrente discorda que se tenha considerado provado que a livrança dada à execução tenha sido entregue para garantia do contrato de financiamento em causa, pois no mesmo não se menciona o número da livrança dada em garantia, nem se faz tal menção na cláusula 19ª das condições gerais do dito contrato, nem nas cartas de interpelação juntas aos autos, e pede que se altere este ponto da matéria de facto, nos termos propostos nas conclusões 35ª a 38ª, que apontam no sentido de que não se provou que a livrança dada à execução foi dada em garantia do cumprimento das obrigações referidas no contrato de financiamento n.º ...8.
Porém, é manifesto que não lhe assiste razão.
De facto, além de ser sob o embargante, obrigado cambiário por via do aval, que impende o ónus, como facto impeditivo que é (cfr. artigo 342º, n.º 2, do Código Civil), de demonstrar a falta da relação causal, o exequente juntou aos autos o contrato de financiamento, onde consta a indicação de que o crédito é garantido por “livrança subscrita pelo cliente e avalizada”, estando o contrato, bem como as condições gerais do mesmo, assinadas também pelo avalista/executado e aqui embargante, que não impugnou as assinaturas apostas nestes documentos datados de 20/06/2008, que coincide com a data de emissão da livrança dada à execução, que também está assinada pelo embargante como avalista, e que, como se referiu, também assinou as condições gerais do dito crédito, do qual consta a cláusula 19ª relativa ao preenchimento da livrança dada em garantia do cumprimento das obrigações assumidas no contrato.
Neste contexto factual que emana dos documentos juntos, é totalmente irrelevante que o embargante alegue que, não estando a livrança identificada no contrato pelo seu número, poderia servir para pagar qualquer outro crédito, posto que nem sequer invoca a existência de qualquer outro contrato de crédito a que a livrança se possa reportar, e também não demonstra, nem tão pouco alegou, ter sido liquidado o crédito a que o contrato apresentado se reporta.
Por conseguinte, a conclusão a extrair é precisamente a de que a livrança dada à execução foi entregue em branco, destinando-se ao cumprimento das obrigações assumidas no dito contrato de financiamento do qual fazem parte as condições gerais, que o embargante igualmente subscreveu.
Não há, pois, qualquer fundamento para alteração da redacção do ponto 4 dos factos provados, nem para o aditamento de factos com a versão proposta pelo recorrente.

1.2. E também não vemos fundamento para que os factos não provados enunciados em 1 e 2, referentes ao conhecimento pelo exequente da cessão de quotas referida no ponto 6 dos factos provados, e do conhecimento da dissolução administrativa da sociedade e liquidação da mesma sejam dados como provados, pois o registo e publicidade de tais actos não implica que a exequente deles tivesse tido conhecimento, nem se vê qual a consequência que os mesmos têm no apuramento da responsabilidade do executado decorrente da obrigação cartular na sequência do aval prestado.

1.3. No que se reporta ao facto dado como provado no ponto 10, relativo ao envio da carta de “interpelação para pagamento”, o que se deu como provado foi o envio da mesma, bem como da mencionada no ponto 9, com fundamento nos documentos juntos e no depoimento da testemunha DD, e não a recepção das mesmas, sendo que a questão relativa à obrigatoriedade das comunicações a que as cartas se reportam e consequências da falta de recepção das mesmas, que foi dada como não provada, é questão de direito, que se abordará em sede própria.
Por conseguinte, também não ocorre fundamento para alteração destes impugnados pontos da matéria de facto.

2. Como resulta do requerimento executivo, o título dado à execução é uma livrança, da qual o exequente é titular e legítimo portador, que está subscrita e avalizada pelos executados, com o valor de € 33.935,49, emitida em ../../2008, com vencimento em 03.03.2017, e “que foi entregue para garantia do pagamento do empréstimo efectuado entre o Exequente e os Executados” (cf. requerimento executivo, doc. n.º 1, e ponto 11 dos factos provados).
A livrança é um título de crédito à ordem cujo conteúdo envolve a expressão livrança, a promessa pura e simples de pagar determinada quantia, a data e o lugar do pagamento, o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga e a assinatura de quem a passa (cf. artigo 75º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças - LULL).
E, constituindo a livrança título executivo, pode o legítimo portador do título de crédito intentar execução com base exclusivamente na obrigação cambiária, estando assim dispensado de invocar a relação causal subjacente à emissão deste título. O título de crédito vale, assim, pelo que dele consta, é independente da relação causal e é por este título que se determinam os fins e os limites da acção executiva (cf. artigo 10º, n.º 5, do Código de Processo Civil).
De facto, contendo a livrança dada à execução os requisitos essenciais para que possa valer como tal (cf. artigos 75º e 76º da LULL), como nos ensina AA, constitui um título cambiário autónomo “que incorpora em si o direito nele representado e legitima o credor a exigir a prestação mediante a sua apresentação ao devedor. (…) a declaração aposta no título exprime e dá forma a um novo direito – o direito cartular, despregado da relação fundamental para se incorporar na res e poder “viajar” nela de acordo com o mecanismo fundamental da transmissão das coisas móveis.” (AA, BB, Títulos de Crédito, Almedina, pág. 61/63).
Assim, no âmbito do processo executivo, a livrança, como título de crédito, tendo em consideração os princípios ínsitos da abstracção e da incorporação, dispensa o exequente de expor e densificar a relação jurídica causal, fundamental ou subjacente à sua emissão, como decorre do artigo 703º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, não tendo que invocar a relação causal nem o pacto de preenchimento da livrança dada como garantia.
Não obstante, tendo sido questionado, no âmbito das relações imediatas, a não junção do contrato referente à relação causal e a falta/violação do pacto de preenchimento, veio o exequente, na contestação aos embargos fazer junção do contrato de financiamento e cláusulas contratuais gerais respeitantes ao mesmo.

3. Porém, alega o recorrente não há pacto de preenchimento e que houve preenchimento abusivo da mesma.
Salvo o devido respeito, não se verifica a falta do acordo de preenchimento da livrança, pois, não tendo sido alterada a matéria de facto o mesmo acordo resulta da cláusula 19ª das condições gerais do contrato junto aos autos, assinadas pelo embargante.
E lembremos, fazendo nossas as palavras do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15/12/2016 (proc. nº 1718/12.0TBBNV-A.E1), “[o] facto de o exequente não ter junto com o requerimento executivo o pacto de preenchimento (veio a fazê-lo com a contestação aos presentes embargos) em nada contende com a exequibilidade do título. Não é o pacto o título executivo mas sim a livrança, que vale por si”.
Questão diferente é a da eventual violação do dito acordo, mas, como bem se explica na sentença não está demonstrada qualquer violação do mesmo acordo.
É verdade, como diz o embargante que a inobservância do acordo de preenchimento da livrança assume a natureza de excepção peremptória, uma vez que se traduz na alegação de facto impeditivo do direito do credor.
Mas assim sendo, como é, é sob o devedor que a invoca que recai o ónus da sua prova (cfr. artigo 342º, nº 2, do Código Civil), pelo que, “[i]nvocada essa excepção, em processo de embargos, o respectivo ónus da prova impende sobre o embargante” (Cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10/12/2019 (proc. n.º 814/17.2T8MAI-A.P1.S2).
No entanto, é pacífico o entendimento segundo o qual o avalista só pode invocar a excepção do preenchimento abusivo quando tenha sido parte no acordo de preenchimento, desde que o título não tenha entrado em circulação.
Sendo este o caso dos autos, o embargante podia opor a excepção do preenchimento abusivo, competindo-lhe fazer prova do desrespeito do pacto de preenchimento por parte do exequente, nos termos do art. 342º, n.º 2, do Código Civil, não bastando para tanto a mera alegação de que não sabe como é que o valor inscrito na livrança foi obtido, ou de que o exequente não demonstra quais os montantes que se encontravam em dívida, como diz nos embargos.
Como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de 20/10/2015 (proc. n.º 60/10.6TBMTS.P1.S1), «[a] livrança em branco, deverá ser entregue pelo subscritor, ao credor, dando-lhe a autorização para a preencher. O preenchimento da livrança incompleta é uma condição imprescindível para que o título possa produzir os efeitos como livrança. Esse preenchimento deverá ser efectuado segundo o acordo ou contrato de preenchimento. Este concretizará os termos em que a obrigação cambiária se deverá constituir (indicação do montante, do tempo de vencimento, do lugar do pagamento, da estipulação de juros etc..»
Ora, no caso, o embargante não demonstrou, como lhe competia, que a livrança tenha sido preenchida ao livre arbítrio do exequente, em violação do pacto de preenchimento junto aos autos.
Todo o raciocínio do embargante/recorrente está inquinado pela pretensão de fazer desassociar o contrato de financiamento e as condições contratuais juntas aos autos, nos quais teve intervenção e assinou, da livrança dada como garantia, o que não se mostra provado, como vimos.

4. E não se argumente com a nulidade do aval por indeterminabilidade do seu objecto, pois, além do recorrente não indicar expressamente o fundamento da nulidade, está provado que a livrança em causa foi dada como garantia ao cumprimento das obrigações estabelecidas no contrato de financiamento identificado no ponto 4 da matéria de facto, pelo qual o mutuante concedeu à sociedade mutuária um financiamento de € 25.000, que esta se obrigou a pagar nas condições estabelecidas no contrato, e tendo o embargante assinado a livrança subscrita pela mutuária, por aval à subscritora, garantiu o pagamento das obrigações assumidas pela subscritora.
Na verdade, como decorre do artigo 32º da LULL, o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada e a sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma, não se comunicando a nulidade intrínseca da obrigação avalizada à do avalista, assistindo ao avalista, se pagar o título, o direito de regresso contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude do título.
Como se escreveu no já citado acórdão do Supremo Tribunal de 20/10/2015, o preenchimento da livrança incompleta é uma condição imprescindível para que o título possa produzir os efeitos como livrança, o qual deverá ser efectuado segundo o acordo de preenchimento, que concretizará os termos em que a obrigação cambiária se deverá constituir (indicação do montante, do tempo de vencimento, do lugar do pagamento, da estipulação de juros etc.., e «[d]o confronto entre os arts. 75º e 76º da L.U. (em que, respectivamente, se estabelecem os elementos que a livrança deve conter e em que se demarcam os requisitos, cuja falta determina a invalidade do título como letra), por um lado, e o art. 10º, por outro, conclui-se que o momento decisivo para se determinar a validade da letra não é o da emissão, mas sim o do vencimento.»
No caso concreto, a data do vencimento, o local do pagamento e o valor não constavam da livrança aquando da emissão dela e do aval, mas ficaram determinados com o completo preenchimento do título de crédito, pelo que neste momento constituiu-se a dívida cambiária perfeitamente determinada, e a responsabilidade do embargante por via do aval prestado.
Naufraga, assim, a nulidade do aval por alegada indeterminabilidade do objecto.

5. Invoca ainda o embargante que não se deu como provado o recebimento da comunicação a que se refere o ponto 9 dos factos provados – que visava a informação ao avalista que o contrato se encontrava em incumprimento, o valor em dívida e a forma de o regularizar –, nem da carta de 07/02/2017, referida no ponto 10 dos factos provados – com o fim de o informar de que o contrato em causa foi “denunciado” e que, de acordo com as cláusulas contratuais, era exigido o pagamento da totalidade da dívida e de que foi efectuado o preenchimento da livrança caução, pelo montante de € 33.935,49, a pagar até à data de vencimento indicada, de 03/03/2017.
Embora seja verdade que se deu como não provado o recebimento pelo executado das referidas cartas, daqui não se segue a exoneração do avalista do cumprimento da obrigação de pagamento constante do título.
Efectivamente, como se diz na sentença, alegando o embargante que nunca foi interpelado para cumprir a obrigação, compete analisar as consequências a retirar do facto de não ter ficado provada a efectiva recepção da carta em que o exequente comunicou ao executado o preenchimento da livrança e o interpelou para proceder ao pagamento, apesar de ter ficado demonstrado o envio.
Isto porque, recaindo o ónus da prova sobre o exequente, e tratando-se de uma declaração receptícia, a comunicação só poderia considerar-se eficaz mediante a prova da recepção da carta, o que não aconteceu cf. artigo 224º, n.º 1 do Código Civil), sendo certo que que tem o ónus dessa prova a parte que tiver o ónus da interpelação.
No que respeita ao subscritor, é sabido que a falta de apresentação a pagamento não implica a perda dos direitos para o portador do título, conforme resulta do disposto nos arts. 53º, 1º parágrafo, parte final da LULL, ex vi do art. 77º do mesmo diploma legal.
Também no que respeita ao avalista a falta de apresentação a pagamento não implica a perda dos direitos para o portador do título, conforme resulta do disposto nos arts. 32º, 53º, 1º parágrafo, parte final da LULL, ex vi do art. 77º do mesmo diploma legal - é esta a jurisprudência amplamente dominante dos nossos tribunais superiores (neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/10/2019, proc. n.º 1418/14.7TBPVZ-B.P2.S2).
A propósito da interpelação, porque não ficou provado que o embargante tenha sido interpelado previamente à instauração da execução, está em causa a questão de saber se o exequente estava obrigado a interpelar previamente o executado do preenchimento da livrança, como requisito de exigibilidade da dívida incorporada no título cambiário.
A este respeito, conclui-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08/10/2020 (proc. n.º 4410/16.3T8VNF-B.G1.S1):
«I. A ausência de comunicação ao avalista do facto legitimador do preenchimento de uma livrança em branco – em especial, do facto do não cumprimento da obrigação garantida pela livrança – tem como efeito a aplicação conjugada dos arts. 777.º, n.º 1, e 805.º, n.º 1, do Código Civil e do art. 610.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil.
II. Em consequência da aplicação conjugada do art. 777.º, n.º 1, e do 805.º, n.º 1, do Código Civil e do art. 610.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, os juros só serão devidos desde a data da citação do avalista para a acção executiva.»
Como se diz neste aresto:
«22. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que o efeito da ausência de comunicação ao garante (avalista) do facto legitimador do preenchimento – em especial, do facto do não cumprimento da obrigação garantida pela livrança — está na aplicação conjugada dos arts. 777.º, n.º 1, e 805.º, n.º 1, do Código Civil e do art. 610.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil: “… a obrigação que o avalista assumiu [vence-se] apenas com a citação para a execução fundada nas livranças, que foram preenchidas de acordo com os respectivos pactos de preenchimento” [cf. designadamente o acórdão do STJ de 30 de Abril de 2019 — processo n.º 1959/16.1T8MAI-A.P1.S1].
23. Explicando a (chamada) teoria do ónus de informar [Pedro Pais de Vasconcelos, em “Aval, informação e responsabilidade”, in: Revista de direito comercial, ano 4 (2020), págs. 1135-1179 (1152)], diz-se que “… eì injusto que o avalista venha a ter de suportar juros de mora contados desde uma data anterior aÌ da citação. O avalista ficou assim privado da possibilidade de ter pago, na data aposta na livrança como de vencimento, o valor nela preenchido como de dívida. Esta injustiça deveria então ser corrigida reduzindo os juros de mora aos que se vencerem apenas da data da citação, perdendo o exequente os juros de mora vencidos entre a data do vencimento do título e a data da citação do avalista.”
Em termos técnico-juriìdicos, este regime eì qualificado como um ónus de informação pelo portador ao avalista do preenchimento da livrança, cujo desrespeito tem como consequência a perda dos juros que se venceriam desde a data do vencimento aposta na livrança e ateì aÌ data da citaçaÞo do avalista na execuçaÞo da mesma” [O texto segue a exposição de Pedro Pais de Vasconcelos em “Aval, informaçaÞo e responsabilidade”, cit., pág. 1153 — ainda que o artigo em causa seja particularmente crítico para com a doutrina exposta e para com os argumentos em que a doutrina exposta se sustenta].
24. Em consequência da aplicação conjugada do art. 777.º, n.º 1, e do 805.º, n.º 1, do Código Civil e do art. 610.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil. os juros só serão devidos desde a data da citação do avalista para a acção executiva [cf. acórdãos do STJ de 25 de Maio de 2017 — processo n.º 9197/13.9YYLSB-A.L1.S1 —, de 28 de Setembro de 2017 — processo n.º 779/14.2TBEVR-B.E1.S1 —, de 30 de Abril de 2019 — processo n.º 1959/16.1T8MAI-A.P1.S1 — e de 24 de Outubro de 2019 — processo n.º 295/14.2TBSCR-A.L1.S1].
25. O ponto foi recentemente sublinhado no acórdão do STJ de 24 de Outubro de 2019 — processo 1418/14.7TBPVZ-B.P2.S2 —, em cuja fundamentação de direito se diz: “… a falta de interpelação do avalista do incumprimento do devedor principal não conduz à inexigibilidade do título cambiário dado à execução, apenas relevando para efeitos de determinação do momento a partir do qual se inicia a contagem dos juros – sendo que, nas livranças pagáveis à vista o obrigado cambiário só se constitui em mora após ter sido interpelado, judicial ou extrajudicialmente, para as pagar – art. 805.º, n.º 1, do Código Civil”.» (fim de citação)
A mesma orientação foi seguida no acórdão da RL de 12.05.2022, proc. n.º 1516/14.7TBMTJ-A.L2-2, cujo sumário passamos a citar:
«I– Estando em equação uma livrança em branco, ainda que tal não decorra do pacto de preenchimento (ou dos contratos de financiamento ou de idêntica natureza celebrados), por ao mesmo não se ter vinculado, o princípio da boa fé impõe a comunicação/interpelação ao avalista sobre o montante em dívida a inscrever nas livranças e sobre a data de vencimento destas;
II– inexistindo comunicação ao avalista quer do acto resolutivo, quer do acto interpelativo, a consequência não se traduz na circunstância das livranças não poderem ser preenchidas e, tendo-o sido, que ocorra preenchimento abusivo e que os títulos sejam inexequíveis relativamente ao avalista, devendo a execução ser declarada extinta;
III– As consequências do não cumprimento daquele dever de interpelação/comunicação, quando tal não conste como dever previsto no pacto de preenchimento em que a avalista seja parte, implica, tão só, que a obrigação apenas se considera vencida relativamente ao executado avalista com a sua citação, na convocação do prescrito nos artigos 610º, nº. 2, alín. b), do Cód. de Processo Civil e 777º, nº. 1, do Cód. Civil ;
IV– com efeito, tanto vale como acto de interpelação/comunicação da dívida, a comunicação extrajudicial, como a que ocorre com o acto de citação, na acção onde se pretende fazer valer as consequências advenientes do incumprimento e da decretada resolução contratual ;
V– efectivamente, a questão é apenas de interpelação e de exigibilidade, e não de preenchimento abusivo, que não ocorre, pois, ainda que tenha o dever ou o ónus de comunicar ao garante o facto legitimador do preenchimento, a ausência de comunicação não faz com que o preenchimento da livrança seja um preenchimento abusivo;
VI– desta forma, a falta de interpelação/comunicação do embargante avalista tem apenas como consequência que a obrigação que assumiu, nessa qualidade, apenas se torna exigível com a citação para a acção, data a partir da qual são devidos juros, não implicando, ao invés, qualquer extinção da execução;
VII– não sendo, assim, condição de exigibilidade e exequibilidade do título (livrança), salvo se no pacto de preenchimento, o credor, tomador do título, se tenha obrigado a informar o avalista das vicissitudes da relação extracartular, nomeadamente do incumprimento, ou seja, que antes do portador do título o completar tenha que informar/comunicar/interpelar o avalista acerca do incumprimento da relação extracartular.»
Deste modo, aderindo-se à fundamentação dos citados arestos, entende-se, tal como na sentença, que, não estando em causa a exigibilidade da obrigação (não resulta do pacto de preenchimento que o tomador do título, antes do preenchimento, tivesse que informar/comunicar/interpelar os avalistas acerca do incumprimento da relação extracartular), o exequente apenas tem direito aos juros de mora contabilizados a partir da citação.

6. Assim, improcede a apelação, com a consequente confirmação da sentença recorrida.
*
IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo do Apelante.
*
Évora, 23 de Maio de 2024
Francisco Xavier
Graça Araújo
Manuel Bargado
(documento com assinatura electrónica)