Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
654/14.0T8STB.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
DIREITO À REMUNERAÇÃO
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Nos contrato de mediação celebrados em regime de exclusividade, a remuneração da empresa mediadora não deixa de ser devida nos casos em que o negócio visado pela mediação não se realiza por causa imputável ao cliente;
2 - Tendo o contrato de mediação por objecto a venda de imóveis que constituem o principal activo duma sociedade e vindo os seus sócios a alienar a totalidade do capital social a interessado angariado pela empresa de mediação, é de concluir que o negócio visado pela mediação – compra e venda de imóveis – não se concretizou por causa imputável ao cliente proprietário, sendo devida a remuneração.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 654/14.0T8STB.E1
Setúbal

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório.
1. (…) – Mediação Imobiliária, Unipessoal, Lda., com sede na Estrada Nacional (…), Área Comercial (…), Loja H, Volta da Pedra, em Palmela, instaurou contra (…) - Valorização de Iniciativa Agrícolas, S.A., com sede na Herdade da (…), Águas de Moura, Marateca, Palmela, acção declarativa com processo comum.

Alegou, em resumo, haver celebrado como a Ré um contrato de mediação imobiliária destinado à venda dos prédios rústicos que constituem a Herdade da (…), no decurso do qual promoveu a venda dos imóveis junto de (…) que se mostrou interessado na compra.

Ainda na vigência do contrato, denunciado pela Ré em 9/12/2013 e à revelia da A, a Ré manteve contactos com o referido interessado, com vista à transmissão da propriedade dos imóveis, tendo este e os seus familiares directos adquirido a totalidade das participações sociais da Ré e, assim, os prédios objecto da mediação que constituíam o seu único activo.

Com a transmissão das participações sociais, o comprador não pagou IMT, à taxa de 5% e os vendedores não pagaram IRS sobre os dividendos que lhe houvessem de caber com a celebração do contrato de compra e venda dos imóveis.

A Ré havia-se obrigado a pagar à A uma comissão de 4% sobre o preço da venda e não efectuou este pagamento.

Concluiu pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 54.000,00, acrescida de juros, desde a data da celebração do negócio.

Contestou a Ré, contraditando os factos alegados pela A., na consideração que o negócio visado pelo contrato de mediação não se concretizou e os serviços prestados pela A., no âmbito do contrato de mediação imobiliária, não lhe conferem o direito a auferir qualquer comissão.

A Ré não teve qualquer intervenção no contrato de compra e venda de acções, nem o contrato de mediação tinha por objecto esta venda, carecendo a sua pretensão de fundamento.

Concluiu pela improcedência da acção.

A A. deduziu o incidente de intervenção provocada dos anteriores accionistas da Ré e, citados estes, defenderam a improcedência do pedido da A., reiterando os argumentos que constituíram a defesa da Ré.


2. Foi proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença em cujo dispositivo designadamente se consignou:
“(…) julga-se a presente acção procedente, por provada e, em consequência, condena-se a R. (…) - Valorização de Iniciativa Agrícolas, S.A. a pagar à A. a quantia de 54.000,00 € acrescida de IVA e os juros de mora vencidos e vincendos desde 23/4/2014 e até integral e efectivo pagamento.”

3. A Ré recorre da sentença, exarando as seguintes conclusões que se reproduzem:
“1. A questão sub judice reconduz-se, essencialmente, a determinar se a compensação reclamada pela Recorrida pelos serviços por si prestados no âmbito do contrato de mediação imobiliária celebrado com a Recorrente é devida.

2. A matéria de facto provada evidência de modo claro e inequívoco que as Partes, por comum acordo, pretenderam celebrar um contrato de compra e venda de acções, e não um contrato de compra e venda de imóveis.

3. A Recorrente não poderia ter optado por celebrar com o interessado o contrato de compra e venda de acções, porquanto não é a titular do seu próprio capital social, sendo este detido pelos seus accionistas.

4. Existe uma clara diferenciação entre, por um lado, a personalidade jurídica da Recorrente e a personalidade jurídica dos seus accionistas, sendo que a Recorrente, por não ser a titular das acções objecto do negócio celebrado, não poderia celebrar o contrato em questão.

5. Na medida em que a Recorrente tem personalidade jurídica distinta da dos seus accionistas, não lhe podem ser imputados factos pessoais ou responsabilidades dos seus accionistas.

6. Não obstante os prédios que constituem a «Herdade da (…)» constituírem o principal activo da Recorrente, tais prédios não são o seu único activo.

7. A intenção dos accionistas da Recorrente, através da compra da totalidade das acções que constituem o capital social da Recorrente, foi a de adquirirem a totalidade do activo da Recorrente e não apenas os prédios que constituem a «Herdade da (…)».

8. O contrato visado pelo contrato de mediação imobiliária – a compra e venda, pelo preço de 1.650.000,00 €, dos prédios que constituem a «Herdade da (…)» – nunca se chegou a concretizar.

9. Por o negócio visado pelo contrato de mediação imobiliária não se ter chegado a concretizar, a Recorrida não tem direito a auferir qualquer comissão, máxime a que reclama nos presentes autos.

10. Resulta da matéria de facto provada que a Recorrente cumpriu com a cláusula de exclusividade, isto é, que a Recorrente não contratou qualquer outra mediadora para a promoção dos prédios que constituem a «Herdade da (…)».

11. O negócio visado no contrato de mediação imobiliária não se concretizou por causa imputável à Recorrida, que não logrou angariar um Cliente interessado em adquirir os imóveis que constituem a Herdade da (…) pelo preço de preço exigido pela Recorrente (€ 1.650.000,00).

12. A única proposta de compra que a Recorrida logrou obter previa o pagamento de apenas € 1.000.000,00 (um milhão de euros), o que implicava um desconto de € 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil euros) face ao preço exigido pela Recorrente para a venda dos prédios que constituem a Herdade da (…).

13. Não obstante o valor manifestamente baixo da proposta apresentada, a Recorrente não desautorizou ou de algum modo impediu que a Recorrida tentasse junto do interessado que o valor da proposta fosse aumentado.

14. Tendo a visita pelo interessado, o Sr. (…), à «Herdade da (…)» ocorrido em 26 de Agosto de 2013, a Recorrida optou por não desenvolver as negociações com o interessado, facto este que lhe é exclusivamente imputável, sendo que o contrato de mediação imobiliária apenas cessou a sua vigência em 20 de Dezembro de 2013.

15. Nos quatro meses subsequentes à visita do interessado que apresentou a única proposta de compra dos prédios que constituem a «Herdade da (…)», a Recorrida não realizou, junto de tal interessado, qualquer iniciativa com vista ao aumento da proposta apresentada.

16. Não foi assim por causa imputável à Recorrente, mas antes à Recorrida, que o negócio visado pelo exercício da mediação não se concretizou.

17. A Recorrida apenas teria direito a auferir a comissão que reclama se estivesse em condições de poder concluir o negócio visado pela mediação imobiliária, sendo para o efeito necessário que já tivesse de ter objectivamente uma situação concreta para a conclusão do negócio, o que não é o caso, na medida em que a Recorrida nem sequer deu seguimento, por sua única e exclusiva vontade, à única proposta de compra dos prédios que constituem a «Herdade da (…)» que logrou obter (ainda que de valor manifestamente baixo).

18. À data da cessação da vigência do contrato de mediação imobiliária – 20 de Dezembro de 2013 – não existia qualquer proposta objectiva para a conclusão do negócio visado pelo contrato de mediação imobiliária.

19. Após a cessação do contrato de mediação imobiliária, a Recorrente não estabeleceu negociações com qualquer interessado com vista à venda da «Herdade da (…)».

20. O contrato de compra e venda de acções foi celebrado no dia 22 de Abril de 2014, entre os anteriores e actuais accionistas da Recorrente, sem que esta tivesse tido qualquer intervenção.

21. O contrato celebrado entre os anteriores accionistas e os novos accionistas da Recorrente distingue-se do contrato celebrado com a Recorrida quanto ao objecto e quanto aos sujeitos, tendo sido celebrado quatro meses após o termo de vigência do contrato de mediação imobiliária e oito meses após a Recorrida ter abandonado o processo negocial com o potencial interessado, o já referido Senhor (…).

22. Não é possível estabelecer um nexo causal entre a actividade desenvolvida pela Recorrida na promoção da venda dos prédios que constituem a «Herdade da (…)» e a transmissão das participações sociais da Recorrente, pelo que não é devida a remuneração da Recorrida por inexistir relação de causalidade entre os actos de promoção e mediação levados a cabo e conclusão do negócio visado”.

23. Ainda que assim não se entenda, isto é, ainda que se entenda que a Recorrida tem direito a auferir uma comissão, tal comissão seria limitada a € 40.000,00 (€ 1.000.000,00 x 4%), na medida em que a Recorrida apenas logrou obter uma proposta no valor de € 1.000.000,00.

24. Deve, pois, a Recorrente ser absolvida do pedido com as demais consequências legais.

25. Ao assim não entender, violou a douta sentença recorrida, por erro de interpretação, o n.º 1 do art.º 224.º, o n.º 1 e n.º 2 do art.º 406.º e o art.º 762.º, n.º 1, todos do Código Civil e o os n.sº 1 e 2 do art.º 19.º da Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro.

26. A sentença recorrida assenta numa conclusão desprovida de qualquer suporte legal ou factual expressa no “facto de, posteriormente, a R. ter optado por celebrar com o interessado o contrato de compra e venda de acções, na sequência de negociações directas com este e subsequentes à actividade da A., não obsta a que, nos termos da norma citada, venha a pagar a comissão à A.”

27. O erro de julgamento é flagrante, pois a Recorrida não celebrou nem podia celebrar qualquer contrato de compra e venda de acções dela própria.

Termos em que e nos mais que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada a douta sentença recorrida, absolvendo a Recorrente do pedido com as demais consequências legais.”

Respondeu a A. defendendo a improcedência do recurso.

Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso.
Considerando as conclusões da motivação do recurso e sendo estas que delimitam o seu objecto importa decidir (i) se a A. tem direito à remuneração e existindo o direito, (ii) se a remuneração deverá ser reduzida para € 40.000,00.

III. Fundamentação.
1. Factos.
Na ausência de impugnação, os factos a considerar são os julgados provados na 1ª instância, ou seja, os seguintes:
1) A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de mediação imobiliária, estando integrada na rede de agências imobiliárias denominada por “(…)”.

2) Está inscrita a favor da R. a aquisição dos seguintes prédios:

a) Artigos matriciais n.ºs (…) e (…), da Secção M, da freguesia de (…), concelho de Palmela, distrito de Setúbal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…)/20091113;

b) Artigo matricial n.º (…), da Secção M, da freguesia de Marateca, concelho de Palmela, distrito de Setúbal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…)/20071220;

c) Artigo matricial n.º (…), da Secção M, da freguesia de Marateca, concelho de Palmela, distrito de Setúbal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…)/20090813;

d) Artigo matricial n.º (…), da Secção M, da freguesia de Marateca, concelho de Palmela, distrito de Setúbal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…)/20090813;

e) Artigo matricial n.º (…), da Secção M, da freguesia de Marateca, concelho de Palmela, distrito de Setúbal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…)/20090813;

f) Artigo matricial n.º (…), da Secção M, da freguesia de Marateca, concelho de Palmela, distrito de Setúbal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…)/19940805.

3) Consta averbada em nome da R. a propriedade plena do Artigo matricial n.º (…), secção (…), freguesia de Landeira, concelho de Vendas Novas, com a área de 18,675ha, omisso na Conservatória do Registo Predial.

4) Os prédios referidos em 2) e 3) constituem a chamada “Herdade da (…)”.

5) No dia 20 de Junho de 2013, a autora e a ré celebraram um “Contrato de Mediação Imobiliária’ a que foi atribuído o n.º (…), tendo por objecto os referidos prédios.

6) Nos termos da cláusula segunda do referido contrato a autora obrigou-se a “(…) diligenciar no sentido de conseguir interessado na Compra, pelo preço de 1.650.000,00 € (um milhão e seiscentos e cinquenta mil euros), desenvolvendo para o efeito acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis.”

7) De acordo com a cláusula quarta do contrato:

“1- A Segunda Contratante contrata a Mediadora em regime de Exclusividade.

2- Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade, só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação, durante o respectivo período de vigência.

3- Sem prejuízo do número anterior, caso o negócio seja concluído com intervenção de outra empresa de Mediação Imobiliária a Mediadora partilhará a comissão contratada na proporção de 50%.”

8) Nos termos da cláusula sexta:

“1- A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no art.º 18 do DL 211/2004, de 20.8.

2- A Segunda Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração a quantia de 4% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado. Ao valor da comissão será acrescido o IVA à taxa legal em vigor.

3- O pagamento da remuneração deverá ser efectuado na proporção de 50% aquando da celebração do Contrato Promessa de Compra e Venda e o remanescente de 50% com a celebração da escritura ou conclusão do negócio visado.”

9) O contrato foi celebrado por um período inicial de 6 meses contados a partir da data da sua celebração, sendo automaticamente renovável por iguais e sucessivos períodos de tempo se não denunciado, por qualquer das partes, através de carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo.

10) No exercício da sua actividade, e em execução do contrato, a autora publicitou os prédios da Ré na página on-line da (…) e através de (…), prestador de serviços para a A., no jornal “Expresso”.

11) Em 26 de Agosto de 2013, o Sr. (…), interessado na aquisição do prédio, visitou a “Herdade da (…)”, acompanhado de (…), que trabalha para a empresa “(…) e (…), Mediação Imobiliária”, integrada na rede (…), pelo que este deu conhecimento desta visita a (…), da Autora.

12) Na sequência dessa visita, (…) manifestou o desejo de ficar com a “Herdade da (…)”, para o que apresentou uma proposta de aquisição pelo montante de € 1.000.000,00 (um milhão de euros).

13) A proposta de compra foi apresentada por (…), da A., à R., por mail do dia 28 de Agosto de 2013, com o seguinte teor:

“(…) pelo presente e na sequência de conversa telefónica, junto envio proposta de compra para a herdade, que agradeço respondam nos formulários que anexo. Conseguimos entretanto melhorar um pouco em relação ao valor que antes falámos.

Este cliente apareceu através de outra loja (…). Fizemos uma primeira visita com o senhor (…) que nos pediu nova visita com o Sr. (…). De acordo com o que tive oportunidade de observar são pessoas ligadas ao meio e que têm capacidade financeira para avançar. Pediram para reunirmos, mas eu recomendava, antes disso, uma resposta vossa à proposta, para podermos de novo medir a motivação na compra.”

14) Em resposta, o legal representante da Ré, (…), e através de (…), informou a Autora, por mail enviado a 30 de Agosto de 2013 que “(…) O valor apresentado é muito inferior ao valor de venda por nós apresentado, pelo que não podemos sequer considerar que seja uma proposta de compra da n/ propriedade.

Em consequência, nesta fase, não estamos disponíveis para reunir com potencial comprador.”

15) Face à posição assumida pelos legais representantes da Ré, as negociações por parte da A. com o Sr. (…) não prosseguiram, com excepção de um outro contacto com este efectuado pelo Sr. (…), com conhecimento do Sr. (…), com a finalidade de averiguar da possibilidade de aquele melhorar a proposta.

16) A Autora efectuou diversos contactos com interessados e realizou 9 visitas em cinco meses e no dia 24 de Novembro de 2013 (…), encarregue pela A. de tais diligências, enviou um relatório de actividades por mail à R. com tais informações e fazendo menção que diversos interessados consideravam o valor elevado e referindo:

“(…) Em suma, durante estes 5 meses de trabalho obtivemos um número bastante considerável de contactos, dos quais conseguimos efectuar nove visitas, mas apenas uma proposta e por um valor substancialmente abaixo do expectável. Para mim é um resultado lamentável, mas tenho a consciência tranquila porque tenho presente todo o investimento e trabalho desenvolvidos e que aqui sumariamente descrevi.

Continua a achar que se trata de um “produto” com qualidade, com boa localização, vendável, estou disponível para continuar a tentar se ainda sou merecedor da Vossa confiança e se for essa a Vossa intenção, mas tenho que reiterar o que vos transmiti desde o início. A fasquia está muito elevada, agora ainda mais do que na altura, porque no mercado aparecem cada vez mais propriedades do género à venda e por valor/ha substancialmente inferior. Se me é permitido eu recomendava um ajuste no preço.”

17) A Autora continuou a prestar os seus serviços, nomeadamente a publicitar os prédios e a fazer visitas com potenciais interessados, concretamente com um cliente de nacionalidade Suíça, no dia 3 de Dezembro de 2013, tentando agendar outra visita com outro cliente para a semana anterior, mas que não se realizou por impossibilidade da R., dando sempre conhecimento à Ré das diligências realizadas.

18) Por carta datada de 9 de Dezembro de 2013, a Ré denunciou o contrato de mediação celebrado com a Autora, com efeitos a partir de 20 de Dezembro de 2013.

19) Por mail do dia 19 de Dezembro de 2013, Luiz galante informa a R. que:

“(…) Quanto à penúltima visita da Cliente de Nacionalidade Suíça, segundo a minha colega que acompanhou, optou por comprar uma outra propriedade que já tinha visitado em Benavente.

Tivemos também uma nova visita na passada 2ª-feira, através também de outra loja (…) e de acordo com a conversa que tive com o meu colega (…), também não se conseguirá concretizar algo.

Em relação ao Cliente (…), que antes tinha falado, inclusive com o Sr. Dr. (…), apesar de ser uma proposta verbal manifestou algum interesse caso o valor se aproximasse de 5.000/ha, ou seja 1.350.000 €. Nesse sentido e ainda que a Vossa decisão seja não vender por esse valor, eu recomendaria uma reunião conjunta para ver se conseguiríamos evoluir. Sinceramente sinto que valeria a pena tentar.”

20) Em 22 de Abril de 2014 (…), (…), (…), (…), (…) e (…), que outorgou por si e em representação de (…), (…), (…), (…). (…) e (…) celebraram um contrato de compra e venda de acções com (…), (…), (…), (…); e (…) (…), através do qual venderam a estes, livres de quaisquer ónus e encargos, designadamente de quaisquer penhores ou penhoras, sendo insusceptíveis de vir a responder por quaisquer responsabilidades, presentes ou futuras, dos vendedores, as acções, representativas de 100 % do capital social da R., pelo preço global de 1.420.000,00 €.

21) Na data da celebração do contrato supra referido, a R., cujo objecto social é a exploração de produções agrícolas em propriedade própria ou arrendadas, tinha como única actividade o desenvolvimento rural, agrícola e florestal e plano de desenvolvimento imobiliário em parte da área que constitui a Herdade da (…), implantada nos terrenos de que a sociedade é dona.

22) Consta do contrato supra referido que os vendedores declaram e garantem aos compradores, a propósito deste negócio no ponto 4.2, alínea d) “(…) que não existem quaisquer dívidas, obrigações ou responsabilidades da (…) – Valorização de Iniciativas Agrícolas, S.A. para com terceiros, resultantes de factos ocorridos, actos praticados ou de acordos celebrados até 31 de Dezembro de 2013, inclusive, materialmente relevantes e que devessem ser referidos nas contas, que não estejam reveladas nas mesmas contas”, e na alínea g) “(…) que a Via – Valorização de Iniciativas Agrícolas, S.A. não está constituída como devedora de qualquer entidade que seja sua credora por actos praticados ou celebrados fora da gestão normal e corrente da sua actividade, passada e presente, e bem assim nada deve a entidades estatais ou paraestatais, em idênticas circunstâncias.(…)”.

23) Consta ainda do contrato supra referido no ponto 4.3 que “As declarações e garantias prestadas pelos vendedores em benefício dos compradores no presente contrato mantêm-se totalmente válidas depois de exercida a compra, comprometendo-se os vendedores a indemnizar os compradores ou a (…) – Valorização de Iniciativas Agrícolas, S.A. pelos danos que sofram por quaisquer factos decorrentes da não conformidade das referidas declarações, respondendo ainda, por todas as responsabilidades em que a (…) – Valorização de Iniciativas Agrícolas, S.A. e/ou os Segundos Contraentes incorram e que se encontrem a coberto das declarações e garantias prestadas.”

24) No dia 27 de Março de 2014 havia sido celebrado um contrato promessa de compra e venda de acções, na sequência do qual se veio a celebrar o contrato supra referido.

25) O contrato promessa referido foi antecedido de negociações entre as partes, sendo que, no início de 2014 foi contactado um ROC por parte dos compradores para apreciar a situação da sociedade, a fim de acautelar o risco do negócio.

26) (…) e (…) são filhas de (…) e de (…).

27) (…) é casada com (…).

28) (…) é filho de (…) e (…).

29) Em 22 de Abril de 2014, o Sr. (…) foi nomeado presidente do Conselho de Administração da Ré.

30) Foram também nomeados os restantes membros do Conselho de Administração e da Mesa da Assembleia Geral da Ré, os quais são todos familiares directos do Sr. (…) e sobre a determinação da vontade dos quais este tem um ascendente preponderante.

31) A Ré teve, no ano de 2012 um resultado líquido negativo de 117.916,45 €, tendo-se procedido nesse ano à tiragem de cortiça e nos anos de 2011 e 2013 não se verificaram quaisquer receitas provenientes da floresta, por força das epidemias que afectaram os pinheiros bravos e mansos, tendo a R. tido um resultado líquido negativo no ano de 2013 de 65.137,02 €.

32) O activo da Ré em 2013 ascendia a 1.727.906,32 €, sendo o valor da Herdade de 1.346.404,29 €.

33) Embora a determinação da vontade das partes tenha sido em primeiro lugar a compra e venda dos prédios, a opção pela venda das participações sociais permitiu ao comprador não efectuar o pagamento de 5% de IMT e aos vendedores não pagar 28% de IRS sobre o preço recebido pela Ré e que lhes fosse entregue a título de dividendos, para além de não proceder ao pagamento de qualquer comissão à A.

2. Direito.

2.1. Se a A. tem direito à remuneração.
Em 20/6/2013, a A. celebrou com a Ré um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, obrigando-se a diligenciar pela procura de interessado para a compra dos prédios que constituem a Herdade da (…), propriedade da Ré, pelo preço de € 1.650.000,00, obrigando-se a Ré a pagar à A., a título de remuneração, 4% do preço pelo qual o negócio viesse a ser concretizado (pontos 5 a 8 dos factos provados).

À data do contrato vigorava a Lei nº 15/2013, de 8/2 (cfr. artº 45º, nº 1), que define a actividade de mediação imobiliária designadamente como a procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, assim incluindo a promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões [artº 2º, nº 1 e 2, al. b)] e que a respeito da remuneração devida à empresa de mediação dispõe nos números 1 e 2 do artº 19º, o seguinte:

1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.

2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.”

No caso dos autos, não se discute a natureza ou qualificação jurídica do negócio celebrado pelas partes, permanecendo controvertido o direito da A. à remuneração, por considerar a Ré que a compra e venda, objeto do contrato de mediação, nunca se chegou a concretizar e que o contrato realizado ou seja, a compra e venda de ações representativas da totalidade do capital social da Ré, distingue-se daquele, quer quanto aos sujeitos, quer quanto ao objeto, não se evidenciando qualquer nexo de causalidade entre a celebração deste contrato e actividade desenvolvida pela A., pelo que não lhe é devida qualquer remuneração.

A argumentação da Ré tem parcial apoio nos factos provados; o contrato de mediação teve por objeto a venda dos prédios que constituíam a Herdade da (…), propriedade da Ré e este contrato de compra e venda não foi concluído (pontos 5 a 7 a 9 e 20 dos factos provados).

Se a remuneração do mediador apenas fosse devida com a conclusão do negócio, a Ré teria razão, mas não é assim, a empresa de mediação tem igualmente direito à remuneração acordada, nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.

O que, a nosso ver, se compreende; sendo a actividade do mediador, no essencial, e durante o iter contratual, ao menos até à obtenção de interessado com quem o incumbente celebre o negócio visado, uma obrigação de meios, concretizada na procura de destinatários para a realização do negócio, promoção, divulgação e publicitação dos imóveis, esta mostrar-se-á realizada quando por seu efeito se venha a identificar um interessado que aceite os termos do negócio visado pela mediação e este não venha a ser concretizado por causas imputáveis à outra parte; nestas circunstâncias, porque cumprida a prestação do mediador, não lhe pode ser negada a remuneração.

E acompanhando o iter argumentativo da decisão recorrida, cremos ser este o caso.

Na execução do contrato de mediação que havia celebrado com a Ré, a A. publicitou a venda dos prédios que constituem a Herdade da (…) e veio a angariar como interessado para a sua compra, (…), o qual visitou a Herdade em 26/8/2013 e formulou uma proposta de aquisição (pontos 10 a 12 dos factos provados).

Com efeitos a partir de 20/12/2013, a Ré denunciou o contrato de mediação que havia celebrado com a A. (ponto 18 dos factos provados), mas os seus accionistas encetaram, ou mantiveram, negociações com o referido (…), sua mulher, filhas, genro, no termo das quais celebraram com estes, em 22/4/2014, um contrato de compra e venda de acções representativas de 100% do capital social da Ré, cujo activo era essencialmente constituído pela Herdade da … (pontos 20, 24 a 29 e 32 dos factos provados).

A A., enquanto mediadora, cumpriu a prestação a que se havia obrigado com a Ré, promoveu, divulgou, publicitou, procurou e encontrou um destinatário para a realização do negócio e os accionistas da Ré, servindo-se da actividade assim desenvolvida pela A., celebraram um outro negócio – a venda de todo o capital social da Ré – que, por via indirecta, é certo, teve por efeito a realização do capital que visavam com a venda da Herdade.

E o argumento que Herdade era o principal activo da Ré, mas não o único, com assento no ponto 32 dos factos provados, não releva, a nosso ver, em benefício da Ré, uma vez que foi a A. quem logrou encontrar o comprador que permitiu aos accionistas da Ré celebrar um negócio com maior amplitude do inicialmente previsto, realizando o capital correspondente ao preço da venda da Herdade e dos demais activos da Ré.

Acresce que se prova que a vontade das partes se centrava na compra e venda da Herdade e a opção pela compra e venda das participações sociais da Ré, resultou de uma ponderação de custos e benefícios fiscais, permitindo aos compradores adquirir a Herdade sem pagar 5% dobre o valor da compra e venda a título de IMT e aos vendedores deixar de pagar 28% a título de IRS sobre os dividendos que lhe viessem a caber sobre o preço da venda (ponto 33 dos factos provados).

Razões ponderosas mas que, a nosso ver, não relevam para negar a retribuição à A., porque revelam que compra e venda da Herdade com o interessado por esta angariado não se realizou por causas imputáveis ao comprador e à Ré cuja vontade foi expressa pela totalidade dos seus accionistas, o que confere à A. o direito à remuneração.

2.2 Se a remuneração deverá ser reduzida para € 40.000,00.
A A. tem pois direito à remuneração, no caso, à remuneração acordada, uma vez que o contrato de mediação foi celebrado em regime de exclusividade e (formalmente) não se concretizou, por causa imputável à Ré. A remuneração acordada foi de 4% calculado sobre o preço pelo qual o negócio fosse efetivamente concretizado, acrescido de IVA.

Havendo lugar a retribuição sem a concretização do negócio a base de cálculo da remuneração, à falta doutro elemento seguro, só pode resultar do produto da percentagem acordada sobre o valor inicialmente preconizado para a venda, ou seja, sobre a quantia de € 1.650.000,00 (ponto 6 dos factos provados), sem prejuízo do pedido concretamente formulado pela A., enquanto limite de ingerência da sentença, como se decidiu, não se vendo fundamento legal, nem a Ré o indica, para calcular a retribuição sobre a proposta de compra inicialmente formulada pelo actual presidente do conselho de administração da Ré.

Improcede, assim, o recurso, restando confirmar a sentença recorrida.

IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Évora, 27/04/2017
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho