Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
20469/19.9T8SNT.E1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: ALEGAÇÕES DE RECURSO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
REJEIÇÃO DO RECURSO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. De acordo com o disposto no artigo 639.º, n.º 3, do CPC, a rejeição, total ou parcial, do conhecimento do recurso depende da reação posterior do recorrente em relação ao convite ao aperfeiçoamento, que tanto pode traduzir-se em pura inércia, como na apresentação de nova peça processual sobre a qual, depois da eventual resposta do recorrido, incidirá a análise do Relator, a fim de verificar se os vícios apontados foram ou não corrigidos.
2. Por razões de justiça material, celeridade, eficácia e de prevalência da justiça material sobre a justiça formal, a rejeição do recurso após ter sido aceite o convite ao aperfeiçoamento das conclusões do recurso deve pautar-se por critérios de razoabilidade e parcimónia devendo ser utilizada, tão só, quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior ou ainda quando a síntese ordenada se não faça de todo.
3. Ocorre litigância de má-fé quando a parte deduz pedido reconvencional omitindo e alterando factos e, consequentemente, deduzindo uma pretensão cuja falta de fundamento não podia razoavelmente ignorar, visando, dessa forma, que dessa alegação sejam extraídas consequências jurídicas em termos de condenação da Autora numa indemnização, enquadrando-se essa situação na previsão do n.º 2 do artigo 542.º, alíneas a) e b), do CPC.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
JJCG – SOCIEDADE DE PROJECTOS E CONSTRUÇÃO CIVIL, LDA instaurou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA e BB, pedindo a condenação dos Réus no pagamento da quantia €19.796,81, sendo €19.026,87 relativa à fatura n.º 1/56, acrescida de juros de mora comerciais vencidos, no valor de €769,94€, a que acrescem ainda os juros vincendos.

Para o efeito, e em suma, alegou que, no âmbito da sua atividade comercial, em 23-07-2018, celebrou com os Réus um contrato de empreitada de reabilitação de um imóvel dos Réus, sito no Murcifal, Sintra, tendo para o efeito apresentado uma proposta com descrição dos trabalhos a executar, no montante €50.796,35 mais IVA, que os Réus aceitaram.
Durante a execução da obra, e a pedido dos Réus, foram realizados trabalhos a mais que não se encontravam previstos no objeto inicial do contrato e que determinaram que a obra se prolongasse pelo dobro do tempo inicialmente previsto.
Os Réus não procederam ao pagamento desses trabalhos a mais, que ascendem ao valor peticionado, apesar de terem sido interpelados para o efeito.

Na contestação, os Réus defenderam-se por exceção (ilegitimidade da Ré), por impugnação (em relação à solicitação dos trabalhos a mais) e deduziram pedido reconvencional, pedindo a condenação da Autora no pagamento das seguintes quantias:
- €340.510,55, a título de indemnização pelo atraso da obra;
- €15.910,64, a título de indemnização pela reparação dos defeitos verificados na obra em apreço;
- €5.000,00€, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelos reconvintes, a que acrescem juros de mora, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Alegando, em suma, para fundamentarem a sua pretensão reconvencional, que a Autora não concluiu a obra no tempo definido pelas partes no contrato; que se verificaram vários defeitos na obra decorrentes da sua má execução; e que o Reconvinte sentiu ansiedade, sofrimento psicológico, tristeza e desgosto face à conduta da Autora.

Na réplica, a Autora impugnou a factualidade alegada na reconvenção e deduziu pedido de condenação do Reconvinte como litigante de má fé por pedir a condenação da Autora numa multa contratual que sabe não ser devida.

Na audiência prévia foi admitido o pedido reconvencional, alterado o valor da causa e julgada improcedente a exceção de ilegitimidade da Ré.
O processo seguiu para julgamento com enunciação do objeto do litígio e temas da prova.
Foram, ainda, as partes notificadas para se pronunciarem sobre o pedido de condenação da Autora como litigante de má fé.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que:
- Julgou o pedido formulado pela Autora, totalmente procedente, por provado, e, em consequência, condenou os Réus a pagarem à Autora a quantia de €19.026,87, acrescida dos juros moratórios, contabilizados desde 29-05-2019, com base na taxa supletiva relativa a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, a que corresponde a taxa de 7%;
- Julgar o pedido formulado pelo Reconvinte, totalmente improcedente, por não provado, absolvendo a Autora do mesmo;
- Condenou os Réus, como litigantes de má-fé, no pagamento de uma multa de 20 UC, a que corresponde a quantia de €2.040,00.

Inconformados, apelaram os Réus, pugnando pela revogação da sentença recorrida e sua substituição por outra que julgue a ação improcedente por não provada e o pedido reconvencional procedente por provado, apresentando as seguintes CONCLUSÕES (após aperfeiçoamento):
«a) Versa o presente recurso matéria de facto (nomeadamente reapreciação da prova gravada) e de direito, tais como, os vícios que afetam a validade da decisão proferida, nomeadamente, erro na aplicação do direito aos factos, erro na determinação da norma aplicável, violação de normas jurídicas (cfr. artºs 615º nº 1 als. b), c) e d) e 616º nº 2 al. a) do CPC). Atento o disposto no art. 662º do CPC, a decisão do Tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal da Relação se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados tiver sido impugnada - nos termos do art. 640º do CPC- a decisão com base neles proferida.
b)Os Recorrentes estão em absoluto desacordo com o julgamento de facto efetuado pelo Tribunal a quo, mais concretamente no que respeita aos factos constantes dos pontos 3, 6, 13 a 17, 18, 19, 20, 28 a 33, 34, 35, 37, 61 e 64 da matéria de facto julgada provada e das alíneas b), c), h), i), k), m), o), p), q) r), s), t), u) v), w), x), z), dd), ee), ii) e jj) da matéria de facto julgada não provada, discordando da valoração da prova do modo como foi feita e entendendo que a mesma tem por base uma deficiente apreciação de toda a prova produzida e carreada para os autos, seja ela testemunhal e/ou documental, não tendo sido feita pelo Tribunal de 1.ª Instância uma correta apreciação da prova produzida, tendo como consequência errado no julgamento da matéria de facto controvertida.
c)Impõe-se a modificabilidade da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto ao abrigo do nº 1 do artº 662 do C.P.C. O Tribunal, ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que, através das regras da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro de modo a possibilitar a reapreciação da respetiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª instância (cfr. artº 607º nº 4 e 5 do CPC).
d)QUANTO AOS CONCRETOS PONTOS INCORRECTAMENTE JULGADOS PROVADOS e CONCRETOS MEIOS PROBATÓRIOS QUE IMPUNHAM DECISÃO DIVERSA:
- No ponto 3 da matéria de facto julgada provada consta: “A autora foi ao local da obra a realizar, acompanhada dos réus, e, por se tratar da reabilitação de uma casa pequena, não elaborou proposta por medição por série de preços, mas simplesmente proposta com a descrição dos trabalhos a executar.”, fundamentando-se no seguinte: “Concretizando, a factualidade vertida nos pontos 1) a 4) resulta da posição manifestada pelas partes em sede de articulados, bem como do teor do documento junto com petição inicial relativo à certidão permanente da autora.”
Ora, salvo o devido respeito, nenhuma prova recaiu sobre o facto da A. alegar que não elaborou proposta por medição por série de preços, mas simplesmente proposta com a descrição dos trabalhos a executar. Além do mais, os Recorrentes referem na sua contestação que os trabalhos a executar incluíam o restauro total da moradia (quer os que a A. alega serem os constantes do orçamento inicial, quer os que alega serem os adicionais), tendo impugnado expressamente os documentos que não estão por si assinados (cfr. artº 11º da contestação). Assim, o ponto 3 dos factos julgados provados deve ser alterado e corrigido de acordo com a ausência de prova, devendo constar do mesmo apenas o seguinte: 3. A autora foi ao local da obra a realizar, acompanhada dos réus.
-No ponto 6 da matéria de facto julgada provada consta: “O orçamento em causa foi aceite pelos réus, fazendo parte integrante do documento escrito, denominado de «Contrato de Empreitada», subscrito pelo réu, na qualidade de «o dono da obra», e pelos legais representantes da autora, na qualidade de «o empreiteiro», datado de 23 de Julho de 2018.”, fundamentando-se no seguinte: “A matéria factual referida nos pontos 6) a 10) resultaram provados face às declarações do legal representante da autora, corroboradas pelo supra mencionado documento n.º 2, junto com a petição inicial.”A este propósito temos ainda a confissão resultante do depoimento de parte dos RR, supra transcrita (cf. Ata de 19/04/2022) e as declarações prestadas pelos mesmos, de livre apreciação e ponderação, bem como a posição manifestada na contestação, donde resulta que o contrato que o Recorrente marido assinou não se encontrava rasurado e que o legal representante da A. ficou de lhe entregar um novo contrato com o prazo de 4 meses para realização da obra, o que não veio a suceder. O Recorrente marido nunca negou que tinha celebrado e assinado um primeiro contrato de empreitada, apenas referiu que o mesmo não se encontrava rasurado e que o contrato foi rasurado pelo legal representante da Recorrida, na sua presença, mas sem o seu acordo e consentimento no que respeita à indemnização decorrente do atraso na entrega da obra constante da cláusula oitava.
O mesmo não sucedendo com o documento anexo ao contrato de empreitada na p.i que o Recorrente afirma desconhecer, não ter assinado e não refletir o acordado que consistia no restauro total da sua moradia, como resulta dos depoimentos supra transcritos e da impugnação do documento na contestação. Aliás, resulta das regras da experiência comum que os contratos quando estão rasurados são sempre ressalvados no seu final, o que não se verifica no contrato junto à p.i., não sendo plausível que alguém assine um contrato sem rubricar as restantes páginas do mesmo, pelo que, quem age de má-fé é a A. ao vir juntar tal contrato aos autos para vir pedir valores a que sabe não ter direito. Deste modo, o facto julgado provado no ponto 6 deve ser julgado não provado.
-Os pontos 13 a 17 dos factos julgados provados, devem igualmente ser julgados não provados, uma vez que nenhuma prova recaiu sobre os mesmos à exceção das declarações de parte do legal representante da Recorrida, supra transcritas, prestadas nos termos supra mencionados não merecendo qualquer credibilidade e não podendo ser valorados sem qualquer outro meio de prova que o suporte.
-No ponto 18 e 19 da matéria de facto julgada provada consta:” 18.Posteriormente, o réu exigiu ao legal representante da autora o alargamento da abertura do portão da entrada, de modo a que passasse a ter 3,00 metros de largura e assim facilitar a entrada e saída de veículos. 19. A construção do novo portão foi realizada por …, serralheiro, a solicitação do réu, por intermédio do legal representante da autora.”, fundamentando-se no seguinte: “Os factos contemplados nos pontos 18) e 19) dimanaram das declarações do legal representante da autora que confirmaram esta factualidade ao Tribunal. Em parte, o aludido depoimento foi secundado pelo depoimento da testemunha …, serralheiro responsável pela construção do portão, que, de modo espontâneo, isento coerente e credível, explicou que não era possível utilizar o antigo portão, sendo necessária a construção de um novo. Esta testemunha também explicou ao Tribunal que o réu foi algumas vezes à sua oficina e que, nessas ocasiões, viu o portão em causa, nunca tendo manifestado qualquer reserva em relação ao mesmo.
Contudo, em sentido contrário, o réu depôs no sentido de nunca ter falado com a testemunha … sobre esta matéria. Sobre estes factos, o réu também referiu ao Tribunal que ficou surpreendido com a instalação de um novo portão, que nunca havia solicitado. Mais uma vez, a credibilidade do depoimento do réu ficou prejudicada face à confrontação com os demais elementos de prova.” Antes de mais sempre se dirá que, é extremamente incoerente, como resulta da douta sentença recorrida, dar como provado a existência de um documento junto ao contrato de empreitada da p.i, cuja autoria, autenticidade e veracidade foi impugnada pelos Recorrentes na sua contestação onde consta “2.11 Rectificação de muro e portão” e depois vir dar como provado que o alargamento da abertura do portão de entrada foi exigida pelo R. posteriormente. A este propósito temos também o depoimento da testemunha … supra transcrito (cfr. minutos 3:02m a 3:27m, 12:00m a 20:20m) Resulta, ainda, da prova documental junta aos autos que o Recorrente liquidou o valor do novo portão, pelo que, não faz qualquer sentido tal factualidade. Assim, os pontos 18 e 19 da matéria de facto julgada provada, devem ser julgados não provados.
-Do ponto 20 da matéria de facto julgada provada, consta: “O réu solicitou, junto do legal representante da autora, relativamente a um anexo da moradia intervencionada: a demolição do telhado, realização do «beirado à portuguesa», remoção da sua parede frontal para ampliação do mesmo com reposição daquela parede, cobertura, apoios e pendentes, reboco, pintura, revestimento de paredes interiores a azulejo e tecto em pladur.”, fundamentando-se no seguinte: “A factualidade referida nos pontos 20) a 25), 28) a 33), ficou provado em virtude das declarações do legal representante da autora que confirmou esta matéria ao Tribunal. Por outro lado, o Tribunal também sopesou, quanto a esta matéria, o já mencionado orçamento (doc. 2, junto com a petição inicial), do qual é possível retirar quais os trabalhos inicialmente acordados entre as partes. Em parte, esta matéria também foi confirmada pelo depoimento da testemunha …, antigo trabalhador da autora, que exerceu as funções de encarregado da obra em causa. Na verdade, de acordo com o depoimento desta testemunha, o réu pediu vários trabalhos adicionais, dizendo, naquelas ocasiões, para os trabalhadores da autora «fazerem as coisas porque ele tinha dinheiro».” Ao contrário do referido na douta sentença recorrida, todos estes trabalhos foram acordados desde início, pois fazem parte da reconstrução da moradia. Alem disso, como já se referiu supra apenas o legal representante da Recorrida nas suas declarações de parte vem confirmar o que alega na p.i. sem qualquer outra prova que o suporte, não merecendo qualquer acolhimento., reiterando-se o que já se deixou dito quanto ao docº nº 2 d p.i.. A testemunha … cujo depoimento se encontra supra transcrito refere, designadamente, que:
“…(5:00m) acompanhou a obra entre Outubro e Janeiro (5:54m)…Nunca tive acesso ao orçamento (6:02m)…Não se lembra de divergências quanto ao beirado à portuguesa (11:00m)…19:31m- Não sabe se as portas estavam incluídas no orçamento ou se eram um extra (19:33m)…A obra acabou em finais de Janeiro mais ou menos (20:44m)…Faltavam uns pequenos retoques de tinta que eu fui lá dar e depois o sr. AA disse que estava tudo bem…não sei mais ou menos a data mas sei que foi em Janeiro (23:03m)…Só estava o Sr. AA, ele é que nos abriu o portão (24:06m)….”. Assim, o ponto 20 dos factos julgados provados, deve ser julgado não provado.
-O mesmo se referindo quanto aos pontos 28 a 33 que devem ser julgados não provados por ausência de prova quanto aos mesmos (cfr. depoimentos e declarações supra transcritos).
-No ponto 34 da matéria de facto julgada provada, consta: “Em data não concretamente apurada, mas em finais do mês de Janeiro, …, funcionário da autora, deslocou-se à obra, na companhia do réu, a fim de realizarem uma vistoria, não havendo sido apresentada qualquer reclamação por parte do réu nessa ocasião, pelo que a autora deu como terminada a obra.”, fundamentando-se no seguinte: O facto vertido no ponto 34) decorreu das declarações do legal representante da autora que confirmou esta matéria ao Tribunal. No mesmo sentido, a testemunha … referiu ao Tribunal que o Sr. … lhe solicitou que se deslocasse à obra em causa fim de realizar alguns acabamentos e mostrar a obra ao réu, o que efetivamente veio a acontecer. Esta testemunha referiu ainda que o réu, naquela ocasião, não apresentou nenhuma reclamação dos trabalhos realizados.”
Salvo o devido respeito, tal facto deve ser julgado não provado porque a testemunha … disse apenas que: “A obra acabou em finais de Janeiro mais ou menos (20:44m)…Faltavam uns pequenos retoques de tinta que eu fui lá dar e depois o sr. AA disse que estava tudo bem…não sei mais ou menos a data mas sei que foi em Janeiro (23:03m)…Só estava o Sr. AA, ele é que nos abriu o portão (24:06m)” e não que tinha procedido à entrega da obra como se refere na douta sentença recorrida.
-Nos pontos 35 e 37 dos factos julgados provados consta: “35. Tendo em conta as dificuldades de comunicação, devido ao mau relacionamento entre o legal representante da autora e o réu, o legal representante da autora propôs aos réus a realização de uma reunião no dia 21 de Janeiro de 2019, visando a apresentação e fecho de contas, na presença de CC. 37. No âmbito da referida reunião, o legal representante da autora fez o ponto de situação relativamente às várias alterações à execução da obra contratada, as quais resultaram em trabalhos não realizados e trabalhos adicionais realizados.” fundamentando-se no seguinte:” Os pontos 35) e 37) ficaram provados face aos depoimentos convergentes e credíveis do legal representante da autora e da testemunha …”. Ora, salvo o devido respeito, quanto às declarações de parte do legal representante da A. que se limita a confirmar todo o teor dos seus articulados, não lhe devendo ser conferida qualquer credibilidade por si só, como já se deixou dito, o depoimento da testemunha CC parcialmente supra transcrito e aqui dado por reproduzido não permite dar como provada tal factualidade, pelo que os factos constantes dos pontos 35 e 37 devem ser julgados não provados.
No ponto 61 dos factos julgados provados consta: “ Autora e réu acordaram em rasurar os exemplares do contrato de empreitada em causa, apondo 7 traços sobre a redacção da cláusula 8.ª, com o intuito de dar a mesma sem efeito, constando daquela a seguinte redacção: «Se na execução da empreitada ora contratada, o Empreiteiro se atrasar em relação ao prazo previsto, por motivo que lhe seja imputável, o Dono De Obra terá direito a aplicar uma multa diária no valor de 1% do valor do contrato.», fundamentando-se no seguinte: “A factualidade aludida nos pontos 61) e 62) resulta das declarações do legal representante da autora, dando-se aqui como reproduzida a fundamentação aduzida a propósito dos pontos 6) a 10) no que toca à não junção do exemplar do réu do contrato em causa, e à total falta de credibilidade dos depoimentos dos réus”. A este propósito reitera-se tudo quanto já se referiu supra quanto ao ponto 6 dos factos julgados provados: “A este propósito temos ainda a confissão resultante do depoimento de parte dos RR, supra transcrita (cf. Ata de 19/04/2022) e as declarações prestados pelos mesmos, de livre apreciação e ponderação, bem como a posição manifestada na contestação, donde resulta que o contrato que o R. marido assinou não se encontrava rasurado e que o legal representante da A. ficou de lhe entregar um novo contrato com o prazo de 4 meses para realização da obra, o que não veio a suceder. O R. marido nunca negou que tinha celebrado e assinado um primeiro contrato de empreitada, apenas referiu que o mesmo não se encontrava rasurado e que o contrato foi rasurado pelo legal representante da A., na sua presença, mas sem o seu acordo e consentimento no que respeita à indemnização decorrente do atraso na entrega da obra constante da cláusula oitava.
O mesmo não sucedendo com o documento anexo ao contrato de empreitada na p.i que o R. afirma desconhecer, não ter assinado e não refletir o acordado que consistia no restauro total da sua moradia, como resulta dos depoimentos supra transcritos e da impugnação do documento na contestação. Aliás, resulta das regras da experiência comum que os contratos quando estão rasurados são sempre ressalvados no seu final, o que não se verifica no contrato junto à p.i., não sendo plausível que alguém assine um contrato sem rubricar as restantes páginas do mesmo, pelo que, quem age de má-fé é a Recorrida ao vir juntar tal contrato aos autos para vir pedir valores adicionais de obras a que bem sabe não ter direito. Pelo que, o ponto 61 dos factos julgados provados, deve ser alterado e corrigido, resultando provado apenas que: “61. Da cláusula 8ª do contrato de empreitada consta a seguinte redacção: «Se na execução da empreitada ora contratada, o Empreiteiro se atrasar em relação ao prazo previsto, por motivo que lhe seja imputável, o Dono De Obra terá direito a aplicar uma multa diária no valor de 1% do valor do contrato.”
-Do ponto 64 da matéria de facto julgada provada, consta: “Pelo menos, a partir do envio da carta referida em 48), o réu passou a recusar a entrada do legal representante da autora na obra.”, fundamentando-se no seguinte: “A factualidade descrita no ponto 64) ficou demonstrada face às próprias declarações dos réus, do depoimento do legal representante da autora, bem como da testemunha CC.” Do depoimento dos RR supra transcritos resulta apenas que os mesmos perderam a confiança no trabalho da A. e que a determinada altura recusaram a entrada do advogado da mesma na sua moradia, alegando que o mesmo não perceberia de obras. A carta referida no ponto 48 é datada de 13/03/2019, ora se a A. já tinha entregue a obra nessa data, como pretende fazer crer, qual a necessidade de continuar a entrar na obra quando lhe apetecesse, pelo que, tal facto constante do ponto 64 deve ser julgado não provado.
e) QUANTO AOS CONCRETOS PONTOS INCORRECTAMENTE JULGADOS NÃO PROVADOS e CONCRETOS MEIOS PROBATÓRIOS QUE IMPUNHAM DECISÃO DIVERSA:
-Na alínea b) dos factos não provados consta que: “A autora e réu acordaram, no âmbito do contrato de empreitada em causa, que o prazo de execução da obra seria de dois meses a contar da data da celebração do contrato (23-07-2018) e que, por cada dia de atraso na sua execução, a autora pagaria ao réu uma multa diária no valor de 1% do valor do contrato.” Ora, da confissão extraída do depoimento de parte dos Recorrentes consta precisamente que as partes acordaram em alterar o prazo de execução da obra para 4 meses, mantendo-se todo o restante clausulado, como resulta do que se deixou dito supra e que aqui se dá por reproduzido, pelo que deve ser aditado aos factos julgados provados o seguinte ponto:
67. A autora e réu acordaram, no âmbito do contrato de empreitada em causa, que o prazo de execução da obra seria de quatro meses a contar da data da celebração do contrato (23-07-2018) e que, por cada dia de atraso na sua execução, a autora pagaria ao réu uma multa diária no valor de 1% do valor do contrato.”
-Na alínea c) dos factos não provados consta que: “A autora não acabou a obra e, a partir de Janeiro, nunca mais lá voltou, sem dar qualquer justificação ao réu.” Resulta do depoimento de parte dos RR que e das testemunhas arroladas pelos mesmos que a obra ficou inacabada, sendo vários os defeitos que apresentou desde logo, como se comprova pelos depoimentos dos RR e pelas declarações das testemunhas arroladas pelos mesmos, todos supra transcritos e aqui dados por reproduzidos, pelo que, deve ser aditado aos factos julgados provados o seguinte ponto:
“68. A autora não acabou a obra e, a partir de Janeiro, nunca mais lá voltou, sem dar qualquer justificação ao réu.”
-As alíneas h), i), k), m), o), p), q) r), s), t), u) v), w), x), z), dd), ee), ii) e jj) dos facto julgados não provados, cujo teor se dá aqui por reproduzido por uma questão de economia processual, devem ser julgadas provadas, aditando-se tal factualidade à matéria julgada provada, porquanto, tratam-se de defeitos na execução das obras e que foram devidamente relatados pelas testemunhas arroladas pelos Recorrentes supra transcritos e aqui dados por reproduzidos. Daqui resulta, ainda que, a obra não foi entregue, ao contrário do que se pretende fazer crer, pois o conceito “entrega da obra” há-de corresponder a uma entrega com a obra terminada, sem qualquer necessidade, previsível, de efetuar qualquer trabalho no âmbito da mesma empreitada, o que aqui não se verifica, atendendo aos acabamentos que faltam efetuar na obra e que constam dos defeitos indicados e comprovados.
f) Nestes autos, a Recorrida vem pedir o pagamento de trabalhos que alega terem sido realizados adicionalmente aos trabalhos constantes do contrato de empreitada celebrado entre esta e o Recorrido marido, sendo certo que, da prova produzida em audiência de julgamento não resultou provado terem sido realizados trabalhos adicionais e os que foram feitos adicionalmente foram prontamente liquidados pelo R, como é o caso do pagamento dos trabalhos de eletricidade à testemunha … e o pagamento do portão ao Sr. ….
g) Não se entende que a Recorrida tenha vindo dizer, num primeiro momento que, caso os Recorrentes pagassem por acordo os alegados trabalhos adicionais pagariam a quantia de 8.420,00€, sem IVA e que não tendo havido acordo, veio pedir o valor de 16.119,00€, alegando que era orçamento com medições, o que muito se estranha pois segundo alega já tinha deixado de ter acesso à obra, não se entendendo que medições e valores veio agora pedir. Contudo, sempre se dirá que, a A. não logrou provar como lhe competia a realização dos referidos trabalhos que alega, nem provou a compra de quaisquer materiais utilizados nos mesmos e o respetivo valor, ao contrário do que o tribunal “a quo” pretende fazer crer na douta sentença recorrida, sendo certo que, o referido documento com os alegados trabalhos adicionais não se encontra assinado pelos Recorrentes, tendo sido devidamente impugnado pelos mesmos.
h)A ser devido algum valor deveria ser apenas o valor inicialmente pedido aos Recorrentes pela Recorrida, ou seja, o valor de 8.420,00€, pois não existe qualquer prova produzida quanto ao brutal aumento do referido valor, como o tribunal não pode ignorar.
i)O facto provado no ponto 9 da douta sentença recorrida, refere, designadamente, que o pagamento das alterações ao contrato solicitadas pelo dono da obra deve ser por mútuo acordo, o que não ocorreu neste caso.
Para além disso, a própria A se contradiz pois resulta dos alegados trabalhos adicionais que alguns dos mesmos também constam do documento anexo ao contrato de empreitada, havendo, assim, duplicação de trabalhos e pedidos de pagamento, o que é inaceitável.
j)No que respeita à condenação dos Recorrentes como litigantes de má-fé, salvo o devido respeito, os mesmos não litigam de má-fé, pois não deduzem pretensão cuja falta de fundamento ignoram, nem fazem do processo um uso anormal e abusivo, como decorre do que se deixou dito supra quanto ao contrato de empreitada assinado pelo R. marido e alteração unilateral do mesmo pela A. sem qualquer consentimento ou acordo do R. e o facto de ele não ter junto a cópia do contrato que tinha por não a encontrar não deve contribuir para que daí se retire a conclusão de que está a ocultar factos ao processo, já que, como se referiu supra ele reiterou que o contrato assinado não estava rasurado, resultando das regras da experiência comum que ninguém assina um contrato rasurado sem que ressalve tal facto.
k)A douta sentença recorrida condena ainda os Recorrentes no pagamento de juros moratórios à taxa comercial contabilizados desde 29/05/2019, sendo certo que, ao contrário do decidido na douta sentença recorrida não são devidos juros de mora, a contar de 29/05/2019 e muito menos à taxa comercial, uma vez que não estamos perante actos comerciais, já que os Recorrentes não são comerciantes e a obrigação não é líquida, estando fora do âmbito previsto no nº 3 do artº 805º do CC, pelo que, os juros moratórios (a serem devidos) só são devidos a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória (Neste sentido vidé Acórdão do STJ datado de 03/02/99, in www.dgsi.pt)
l)Como decorre do supra exposto, deve a ação ser julgada improcedente por não provada e o pedido reconvencional procedente, pois ficou provado que o prazo de execução da obra era de 4 meses e que tal prazo não foi cumprido pela Recorrida.
m)A douta decisão recorrida violou o disposto nas normas jurídicas supra mencionadas, não tendo feito a mais correta interpretação e aplicação das referidas normas ao caso em apreço, devendo a mesmas ser interpretadas e aplicadas no sentido do supra exposto, julgando-se a ação improcedente por não provada e o pedido reconvencional procedente por provado.»

Foi apresentada resposta ao recurso, pugnando a Autora no requerimento onde respondeu às «novas» Conclusões que as mesmas não deram cumprimento ao convite ao aperfeiçoamento devendo ser rejeitadas; que não foi arguida qualquer nulidade da sentença, apesar dos recorrentes manifestarem tal intenção e, no mais, defenderam a improcedência da impugnação da decisão de facto; a manutenção da condenação dos recorrentes como litigantes de má fé e a condenação em juros nos termos que constam da sentença.

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar:
- Questões prévias: rejeição das «novas» Conclusões por (in)cumprimento do convite ao aperfeiçoamento.
Do mérito do recurso:
- Nulidade e reforma da sentença;
- Impugnação da decisão de facto;
- Falta de pagamento dos trabalhos a mais e taxa dos juros de mora;
- Litigância de má-fé dos Réus.

B- De Facto
A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
FACTOS PROVADOS
«1. A autora dedica-se à realização de projectos, construções, reparações e legalização de terrenos e imóveis.
2. No âmbito da sua actividade comercial, em meados de Junho de 2018, a autora foi contactada pelos réus para proceder à reabilitação de um imóvel, sito na Rua …, no Mucifal, freguesia de Colares, concelho de Sintra.
3. A autora foi ao local da obra a realizar, acompanhada dos réus, e, por se tratar da reabilitação de uma casa pequena, não elaborou proposta por medição por série de preços, mas simplesmente proposta com a descrição dos trabalhos a executar.
4. Os réus não apresentaram qualquer projecto em que estivesse definido o que concretamente pretendiam.
5. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 23 de Julho de 2018, a autora apresentou um orçamento aos réus, com a descrição dos trabalhos.
6. O orçamento em causa foi aceite pelos réus, fazendo parte integrante do documento escrito, denominado de «Contrato de Empreitada», subscrito pelo réu, na qualidade de «o dono da obra», e pelos legais representantes da autora, na qualidade de «o empreiteiro», datado de 23 de Julho de 2018.
7. Do anexo ao referido documento escrito consta a rubrica «descrição dos trabalhos» a qual compreende: «1. Demolições: 1.1 picagem de paredes interiores e exteriores, 1.2 demolição de laje de pavimento do 1.º piso, 1.3 demolição de telhado e respectiva estrutura, 1.4 demolição de paredes interiores e exteriores, 1.5 limpeza das fachadas e respectivo quintal, 1.6 remoção de pavimentos da cozinha, wc e sala, 1.7 remoção de escadas, 1.8 remoção de azulejo da cozinha e wc, 1.9 remoção de pavimento do quintal; 2 Trabalhos gerais: 2.1 execução de rebocos em paredes interiores e exteriores, 2.2 execução de betonilhas de regularização de pavimentos, 2.3 execução de revestimento de paredes e tectos em pladur, 2.4 execução de pinturas em paredes interiores e exteriores; 2.5 execução de pinturas em muros exteriores, 2.6 execução de pinturas em tectos, 2.7 execução do telhado e respectiva estrutura, incluindo sub telha e painel sandwish, 2.8 execução de lintel de bordadura da cobertura, 2.9 execução de laje de vigotas e abobadilha 1.º piso e sótão, incluindo encastramento em lintel de betão a executar, 2.10 execução do pavimento em betão afagado no quintal, 2.11 rectificação de muro e portão, 2.12 fornecimento e assentamento de azulejo na cozinha e wc´s, 2.13 pavimento flutuante nos quartos e sala, 2.14 ampliação do wc R/chão, 2.15 fornecimento de cozinha valor médio 3.500,00€; 3 Especialidades, 3.1 Execução de rede eléctrica, 3.2 execução de rede de águas e esgotos, 3.3 execução de rede de comunicações».
8. No referido anexo consta ainda a rubrica: «valor orçamento: 50.796,35€».
9. A cláusula 3.ª, n.º 1, al. a), do supra mencionado documento, apresenta a seguinte redacção: «Para além de outras que lhe incumbem nos termos da lei e do presente Contrato e documentos que o integram, constituem, designadamente, obrigações do Empreiteiro, executar sempre que o Dono da Obra o solicite, qualquer alteração, modificação ou substituição na qualidade ou quantidade dos trabalhos objecto da Empreitada, com pagamento dos mesmos por mútuo acordo».
10. A cláusula 6.ª, n.º 4 do referido contrato apresenta a seguinte redacção: «Os pagamentos decorrerão do seguinte modo: a) 40% na adjudicação da obra; 4’% a meio da obra; 20% final da obra.»
11. A autora emitiu a factura n.º 1/126, no valor de 23.122,50€, com data de vencimento em 28 de Setembro de 2018, dirigida ao réu.
12. O réu entregou à autora a quantia monetária respeitante à referida factura.
13. A autora iniciou a execução dos trabalhos em dia não concretamente apurado do mês de Agosto de 2018.
14. Após a demolição do telhado, o réu solicitou a …, legal representante da autora, que refizesse o beirado anteriormente existente do tipo «beirado à portuguesa».
15. O legal representante da ré recusou tal solicitação, invocando a inexistência anterior do beirado do tipo «beirado à portuguesa», exigindo ao réu o pagamento de uma quantia suplementar pela realização daquele trabalho.
16. Após ter reiterado novamente a sua solicitação, o réu acabou por aceitar as condições transmitidas pelo legal representante da autora.
17. Nessa sequência, a autora procedeu à realização do beirado naqueles termos.
18. Posteriormente, o réu exigiu ao legal representante da autora o alargamento da abertura do portão da entrada, de modo a que passasse a ter 3,00 metros de largura e assim facilitar a entrada e saída de veículos.
19. A construção do novo portão foi realizada por …, serralheiro, a solicitação do réu, por intermédio do legal representante da autora.
20. O réu solicitou, junto do legal representante da autora, relativamente a um anexo da moradia intervencionada: a demolição do telhado, realização do «beirado à portuguesa», remoção da sua parede frontal para ampliação do mesmo com reposição daquela parede, cobertura, apoios e pendentes, reboco, pintura, revestimento de paredes interiores a azulejo e tecto em pladur.
21. A autora repôs todo o telhado da moradia intervencionada, bem como da casa geminada.
22. Os trabalhos descritos no ponto anterior encontravam-se descritos no orçamento acima referidos.
23. Posteriormente, o réu solicitou ao legal representante da autora que substituísse a telha de um anexo da moradia geminada.
24. O legal representante da autora advertiu o réu de que tal serviço não se encontrava contemplado no orçamento inicial.
25. Nessa sequência, o réu solicitou novamente ao legal representante da autora que realizasse o trabalho solicitado e descrito em 23).
26. A autora emitiu a factura n.º 1/130, datada de 23 de Setembro de 2018, com o valor de 23.122,50€, dirigido ao réu.
27. Posteriormente, o réu entregou à autora a quantia monetária respeitante à supra mencionada factura.
28. O réu solicitou ainda ao legal representante da autora a pintura total da moradia geminada.
29. De igual modo, o réu solicitou também ao legal representante da autora a colocação de um corrimão de inox numas escadas existentes na moradia objecto da realização dos trabalhos.
30. O legal representante da autora advertiu o réu que tais trabalhos não se encontravam contemplados no orçamento inicial.
31. Nessa sequência, o réu solicitou novamente ao legal representante da autora que realizasse os trabalhos descritos em 28) e 29).
32. Nas situações em que foi advertido pelo legal representante da autora de que os trabalhos por si solicitados correspondiam a trabalhos não contemplados no orçamento inicial, o réu dizia que nunca tinha ficado a dever nada a ninguém.
33. Em obra, na ausência do legal representante da autora, o réu dava instruções aos trabalhadores da autora, o que gerava conflitos entres estes e a autora.
34. Em data não concretamente apurada, mas em finais do mês de Janeiro, …, funcionário da autora, deslocou-se à obra, na companhia do réu, a fim de realizarem uma vistoria, não havendo sido apresentada qualquer reclamação por parte do réu nessa ocasião, pelo que a autora deu como terminada a obra.
35. Tendo em conta as dificuldades de comunicação, devido ao mau relacionamento entre o legal representante da autora e o réu, o legal representante da autora propôs aos réus a realização de uma reunião no dia 21 de Janeiro de 2019, visando a apresentação e fecho de contas, na presença de CC.
36. Em momento anterior, CC, amiga do legal representante da autora, bem como da ré, sugeriu a autora aos réus para a realização da obra em causa.
37. No âmbito da referida reunião, o legal representante da autora fez o ponto de situação relativamente às várias alterações à execução da obra contratada, as quais resultaram em trabalhos não realizados e trabalhos adicionais realizados.
38. Na sequência dessa reunião, em 21 de Janeiro de 2019, a autora remeteu ao réu, através de mensagem de correio electrónico, uma proposta de pagamento dos trabalhos adicionais, no valor de 8.420,00€ (sem Iva),
39. Nessa proposta, a autora contemplou a falta de realização de trabalhos contemplados no orçamento inicial, a que atribuiu o valor de 400,00€.
40. Na referida proposta, a autora fez constar a menção de que o valor atinente aos trabalhos adicionais poderia ser alterado caso não se verificasse o acordo entre as partes.
41. Através da mensagem de correio electrónico a autora enviou a factura n.º 1/145, no valor de 11.234,51€, datada de 26-01-2019, dirigida ao réu.
42. Através da carta registada, datada de 28 de Janeiro de 2019 com aviso de recepção assinado em 11-02-2019 por …, a autora comunicou ao réu o seguinte: «Na sequência dos e-mails por nós enviados nos dias 21 e 26 de janeiro, referentes, por um lado, ao mapa de trabalhos adicionais executados, a seu pedido e, por outro, à fatura referente aos trabalhos executados e previstos no orçamento, na obra sita no Mucifal, não fomos contactados, nem foi efectuado qualquer pagamento até à presente data. Por esta razão vimos, mais uma vez, solicitar o devido pagamento quer dos valores em dívida, previstos no orçamento, quer dos valores relativos aos trabalhos adicionais e por si solicitados, no decorrer da obra.
Por este facto, e após análise exaustiva de todos os trabalhos efectivamente executados extra-orçamento enviamos, em anexo, novo mapa de trabalhos adicionais, salvaguardando a nota anterior de que os mesmos poderiam ser alterados caso não se verifique acordo entre as partes.»
43. Do referido mapa de trabalhos consta a seguinte descrição de trabalhos, contabilizando um total de trabalhos adicionais no valor de 16.119,00€: «1 Demolições, 1.1 demolição de telhado do anexo e remoção de parede para ampliação do mesmo, incluindo transporte dos produtos sobrantes a vazadouro; 2 Tectos: 2.1 fornecimento e colocação de sanca nos tectos e execução de tecto em pladur no anexo; 3
Cobertura, 3.1 execução cimalha e beirado à antiga portuguesa, incluindo peças de remate à telha, argamassa de assentamento, fecho de topos com argamassa, 3.2 execução cimalha e beirado à antiga portuguesa, incluindo peças de remate à telha, argamassa de assentamento, fecho de topos com argamassa, 3.3 execução de cobertura do anexo, inclundo refazer apoios e pendentes, 3.4 execução de beirado à antiga portuguesa no anexo; 4 Serralharias, 4.1 fornecimento e colocação de portões novos, gradeamento novo, calha e corrimão de escadas, assentamento de calha para portão e respectivos remates; 5 Muros exteriores, 5.1 execução de pilares em betão no muro para portões, incluindo aço A500, cofragem, descofragem, reboco e acabamento; 6 paredes interiores e exteriores, 6.1 fornecimento e colocação de azulejo em revestimento de paredes interiores [anexo], 6.2 execução de ampliação do anexo, incluindo reboco e pintura; 7 Escada, 7.1 Execução de escada e laje em betão, incluindo betão, aço A500, cofragem e descofragem, acabamentos de escada; 8 Rede de gás, 8.1 execução de rede de gás, execução de casa do gás, incluindo cobertura, paredes em alvenaria de tijolo, reboco e pintura; 9 Carpintarias, 9.1 Fornecimento e colocação de portas interiores, incluindo aduelas, guarnições, fechaduras, puxadores, assentamento, acabamento e pintura; 10 Loiças sanitárias e imobiliário, 10.1 Fornecimento e assentamento de loiças sanitárias e móveis; 11 Diversos, 11.1 abertura de vão de janela no piso 1.º, rectificações por não acordo do requerente e a vizinha, respectivo acabamento a pedra, 11.2 fornecimento e colocação de janela em alumínio do vão da escada e anexo, 11.3 execução de caixas de infraestruturas eléctricas no quintal, incluindo tampo em pedra e remates, 11.4 execução de rede eléctrica até aos muros exteriores, 1.5 infraestrutura eléctricas para portão, 11.6 execução de coluna em tijolo para recepção de ramal, inclundo respctiva tubagem, reboco e pintura, 11.7 fornecimento e colocação de caixas na moradia germinada, 11.8 execução de passagem de infraestruturas (ramal de electricidade) para moradia geminada, incluindo remates, 11.9 abertura e fornecimento de tubo para salamandra, incluindo remates, 11.10 fornecimento e colocação de soleiras em pedra para portões, 11.11 execução de pintura da vivenda germinada na sua totalidade, 11.12 colocação e montagem de churrasqueira.»
44. Do referido mapa consta ainda a descrição dos «trabalhos a menos», nomeadamente: «1 Tectos, 1.1. Execução de rebocos em tectos do anexo; 2. Paredes interiores e exteriores, 2.1 execução de pintura em paredes interiores; 3 Serralharias; 3.1 Pagamento do portão existente e gradeamento de acordo com avaliação de serralharia consultada; 4 Carpintarias, 4.1 pagamento de portas existentes (3 un) de acordo com avaliação de carpintaria consultada; Total de trabalho a menos: 650,00€.»
45. O réu entregou à autora a quantia de 11.234,51€, referente à factura1/145.
46. Através da carta registada, datada de 17 de Fevereiro de 2019, cujo aviso de recepção foi assinado por …, a autora interpelou o réu para proceder ao pagamento da quantia de 19.026,97€ (15.460,00€ acrescido de IVA).
47. Através da carta registada, datada de 08-03-2019, cujo aviso de recepção foi assinado em 13-03-2019, por …, remetida pelo Sr. Dr. …, Ilustre Advogado, a autora comunicou ao réu o seguinte: «Fomos mandatados pela n/ cliente JJCG – Sociedade de Projectos e Construção Civil Lda, com o fim de proceder à cobrança extra-judicial ou judicial, da dívida que V. Exa. mantém para com a mesma.
Concretamente, encontra-se em dívida a quantia de 19.086,87 (dezanove mil, e vinte e seis euros e oitenta e sete cêntimos).
Fica(m) assim interpelado(s) para pagar ou apresentar proposta de pagamento no prazo de dez dias, sob pena de, tal como nos compete, procedermos à cobrança judicial respectiva, com acréscimo de custos e incómodos que só a V. Exa. caberá evitar.»
48. Nessa sequência, através de carta registada, datada de 13 de Março de 2019, o réu comunicou à autora o seguinte: «A única coisa que acordei e concordei que fosse feita adicionalmente foi o beiral do telhado, contudo V. Exas. só fizeram o beiral da parte da frente da moradia, não tendo feito o das traseiras. Pelo que, irei proceder ao pagamento desse trabalho, logo que o conclua como acordado e repare todos os trabalhos mal executados, conforme aqui se encontram discriminados. (…)
Sucede que, não posso suportar mais esta situação, uma vez que, as obras não conferem condições de habitabilidade à moradia, obrigando-me, a mim e ao meu agregado familiar, a suportar o desconforto e o mal-estar causados em toda esta situação.
Acresce que, ao contrário do que afirmam, vindo reiteradamente solicitar o pagamento de valores adicionais aos acordados e contratados nada vos devo seja a que título ou natureza for, pois o contratado abrangia e abrange as obras em toda a moradia incluindo a parte a que chamam anexo, mas que se trata apenas de uma casa de banho transformada em despensa.
Nesta conformidade, venho conceder-vos o prazo máximo de 10 (dez) dias, a contar da recepção da presente carta, para procederem à reparação ou eliminação dos defeitos das obras que fizeram no imóvel, bem como a ressarcir-me dos prejuízos causados, conforme supra mencionado, sob pena de não o fazendo, considerar não cumpridas as vossas obrigações, com perda do interesse na vossa prestação, e consequente recurso aos meios judiciais para ser indemnizado de todos os prejuízo sofridos em consequência da vossa atitude.»
49. Em resposta, a autora remeteu ao réu, carta registada, datada de 04-04-2019, cujo aviso de recepção foi assinado em 11-04-2019, por …, por via da qual comunicou «Para que possamos ver e analisar os defeitos que V. Exa. diz ter na obra, pois alguns não se percebe o que expõe, outros desconhecemos por completo a que se refere, propomos uma vistoria à mesma no dia 15-04-2019, pelas 11h00. Os defeitos que nos comprometemos a analisar a fim de os corrigir, caso existam, são sobre os trabalhos contemplados no contrato. Caso também existam algumas correcções nos trabalhos a mais só os faremos após o pagamento dos mesmos.»
50. A autora emitiu a factura n.º 1/156, no valor de 19.026,87€, com vencimento em 23-05-2019, dirigida ao réu, havendo remetida a mesma por carta registada, cujo aviso de recepção foi assinado em 29-05-2019, pelo réu.
51. O réu confiou na autora por a mesma lhe ter sido recomendada por CC, pessoa da sua confiança, que lhe referiu a seriedade e competência do trabalho realizado pela mesma.
52. Alguns azulejos de uma das casas de banho da moradia em causa encontram-se sujos com argamassa.
53. A chaminé da casa apresenta um buraco na sua estrutura.
54. Algumas das paredes da moradia têm fendas.
55. A autora não colocou o tampo em pedra na ilha instalada na cozinha.
56. O réu despendeu a quantia de 246,00€ na aquisição do referido tampo.
57. A campainha instalada na moradia não funciona.
58. A autora não procedeu à pintura da parte de trás da moradia intervencionada, nem à pintura total da moradia geminada.
59. A autora colocou portas de pinho na moradia intervencionada.
60. EE emitiu a factura com o n.º 260, datada de 04-01-2019, referente a «alteração do ramal existente para portinhola no muro a cabo 4x16, caixa contador electricidade, tubo corrugado 50, cabo xv 2x10, batentes 50 para ligação da Portinhola ao quadro da moradia do lado direito e mão de obra», no valor de 1.340,70€, dirigida ao réu.
61. Autora e réu acordaram em rasurar os exemplares do contrato de empreitada em causa, apondo 7 traços sobre a redacção da cláusula 8.ª, com o intuito de dar a mesma sem efeito, constando daquela a seguinte redacção: «Se na execução da empreitada ora contratada, o Empreiteiro se atrasar em relação ao prazo previsto, por motivo que lhe seja imputável, o Dono De Obra terá direito a aplicar uma multa diária no valor de 1% do valor do contrato.»
62. A autora executou trabalhos no valor de 3.500,00€ respeitante à instalação da cozinha.
63. O orçamento inicial contempla a execução da rede eléctrica existente no interior da vivenda intervencionada até ao quadro eléctrico.
64. Pelo menos, a partir do envio da carta referida em 48), o réu passou a recusar a entrada do legal representante da autora na obra.
65. Em 14-01-2012, os réus contraíram casamento civil sob a forma religiosa, sob o regime imperativo da separação de bens.
66. Por ocasião dos factos acima descritos, o réu sentiu angústia, sofrimento psicológico, tristeza e desgosto de ver a sua casa nas condições descritas.»

FACTOS NÃO PROVADOS
«a) A partir do episódio mencionado em 14) a 17) dos factos provados, o réu tornou-se crescentemente desagradável no trato, dizendo frequentemente ao legal representante da autora: «Você não diga que não me faz isto!» e «Eu tenho dinheiro para lhe pagar».
b) A autora e réu acordaram, no âmbito do contrato de empreitada em causa, que o prazo de execução da obra seria de dois meses a contar da data da celebração do contrato (23-07-2018) e que, por cada dia de atraso na sua execução, a autora pagaria ao réu uma multa diária no valor de 1% do valor do contrato.
c) A autora não acabou a obra e, a partir de Janeiro, nunca mais lá voltou, sem dar qualquer justificação ao réu.
d) Por estranhar a ausência da autora na obra, o réu contactou-a por diversas vezes a reclamar os defeitos existentes e a solicitar o acabamento da obra.
e) Existem vidros rachados e partidos na moradia, o que sucedeu durante a execução da obra.
f) Verifica-se a falta dos canhões que existiam nas portas da moradia.
g) A autora não colocou as placas de pladur conforme o acordado com o réu.
h) A parede do muro exterior da vivenda em causa encontra-se com buracos.
i) A tinta que a autora aplicou na moradia é de má qualidade e está toda a descascar.
j) A autora, ao contrário do acordado com o réu, não colocou as loiças das casas de banho da marca Roca, só o bidé.
k) A chaminé não foi rebocada pela autora.
l) O lavatório e o armário das casas de banho não estão em conformidade com o acordado.
m) A casa de banho pequena tem um buraco destapado no sistema de esgoto.
n) O portão exterior não abria, tendo o réu mandado rasgar o muro para o poder abrir e fechar, havendo despendido a quantia de cerca de 300,00€ para o efeito.
o) Os portões e o gradeamento do muro não correspondem ao que ficou acordado entre a autora e o réu.
p) As escadas não estão acabadas, existindo fendas e buracos que não foram reparados.
q) Existem buracos nas pedras junto às portas.
r) Não foi pintada uma parede do exterior, conforme acordado entre a autora e o réu.
s) As tampas dos esgotos do quintal encontram-se partidas, sendo de má qualidade e desadequadas.
t) Durante a execução da obra, a autora partiu várias telhas das moradias ao lado (n.º 36) com a colocação dos andaimes.
u) A autora colocou uma caixa na parede com fios eléctricos que não corresponde ao combinado entre a autora e réu.
v) A autora não transformou a parte da antiga casa de banho em despensa.
w) A autora não fez chaminé para saída dos gases do esquentador.
x) A cabine do duche está mal colocada, permitindo que a água saia para o exterior, molhando todo o chão.
y) A cabine de duche foi comprada e paga pelo réu, apesar de ter sido acordado que fazia parte do valor indicado no orçamento inicial.
z) A autora concordou em pintar de amarelo a parte de trás da moradia intervencionada e proceder à pintura total da moradia geminada.
aa) A autora e o réu acordaram em colocar portas de correr, cor pingo de mel.
bb) O réu referiu à autora que as portas colocadas foram trazidas em bruto, havendo sido reparadas e pintadas na moradia do mesmo.
cc) Face à recusa da autora, o réu pagou a luz e a água para a obra a uma vizinha, no valor de 194,64€.
dd) Uma vez que as paredes interiores da moradia não foram forradas a pladur, as caixas de electricidade ficaram saídas cerca de 2cms, tendo a autora colocado uma moldura em madeira para disfarçar tal defeito.
ee) A autora deu descaminho ao gradeamento e portão já existentes na moradia e que bem sabia que o réu queria manter.
ff) De igual modo, autora deu descaminho ao esquentador existente na casa.
gg) A conduta descrita da autora, acima descrita em ee) e ff), causou um prejuízo ao réu na ordem dos 5.000,00€.
hh) A autora colocou também, sem conhecimento e à revelia do réu, entulho de outras obras no logradouro de sua casa.
ii) Para reparar os trabalhos mal executados pela autora e os trabalhos não executados pela autora, inicialmente acordados, o réu terá de despender a quantia de 8.777,00€, acrescida de IVA.
jj) A autora retirou uma torneira existente no quintal da moradia, havendo o réu despendido a quantia de 50,00€ com a sua substituição.»

C- Do Conhecimento das questões colocadas no Recurso
1. Questão prévia: rejeição das «novas» Conclusões por (in)cumprimento do convite ao aperfeiçoamento
Invoca a recorrida no requerimento onde respondeu às «novas» Conclusões que as mesmas não deram cumprimento ao convite ao aperfeiçoamento devendo ser rejeitadas.
De acordo com o disposto no artigo 639.º, n.º 3, do CPC, a rejeição, total ou parcial, do conhecimento do recurso depende da reação posterior do recorrente em relação ao convite ao aperfeiçoamento, que tanto pode traduzir-se em pura inércia, como na apresentação de nova peça processual sobre a qual, depois da eventual resposta do recorrido, incidirá a análise do Relator, a fim de verificar se os vícios apontados foram ou não corrigidos.
No caso em apreciação, ficou consignado no despacho de convite ao aperfeiçoamento que resultava da «leitura das conclusões que as mesmas, na sua esmagadora maioria, repetem de forma extensa e prolixa o corpo da alegação, limitando-se, nalguns casos, a mera aglutinação de parágrafos do corpo da alegação, chegando, inclusivamente, a transcrever excertos dos depoimentos de parte e dos depoimentos testemunhais, motivação de facto, etc.».
As Conclusões inicialmente apresentadas espraiavam-se pelas letras do alfabeto enumeradas de a) a hh), embora a detetada prolixidade não decorresse tanto do número das Conclusões, mas do seu extenso conteúdo e repetição do corpo da alegação nos termos identificados no despacho supra referido.
Nas novas Conclusões apresentadas, verifica-se que as mesmas foram enumeradas de a) a m), o que significa objetivamente uma significativa redução em termos de extensão.
Todavia, não se pode deixar de constatar que se continuou a aglutinar sob a mesma letra vários parágrafos, o que acontece, por exemplo, com a Conclusão d) onde se inseriu toda a impugnação dos pontos provados, repetindo-se o procedimento em relação à impugnação dos factos não provados na Conclusão sob a alínea c), o que, poderia suscitar a questão da sintetização ser meramente formal.
Todavia, como se sublinha no Acórdão do STJ, de 30-03-2023[1], o cumprimento do ónus de sintetização não depende da «maior ou menor extensão das conclusões do recorrente», pois o que releva é o «juízo de adequação face à própria extensão e complexidade das questões suscitadas.»
No caso, apesar do acima referido, deteta-se um esforço de sintetização das questões suscitadas no recurso e já não se verifica a prolixidade que decorria da transcrição dos depoimentos e até de referências jurisprudenciais, pelo que, se não plenamente, mas de forma razoável, foi dado cumprimento ao fim almejado pelo convite ao aperfeiçoamento, expurgando-se o que era de todo desnecessário, pelo que se considera que não existe fundamento jurídico para se rejeitar, total ou parcialmente, o recurso ao abrigo do artigo 639.º, n.º 3, do CPC.
Como se refere no Acórdão do STJ de 18-02-2021[2].
«I. O não conhecimento do recurso, deve ser usado com parcimónia e moderação, devendo ser utilizado, tão só, quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior ou ainda quando a síntese ordenada se não faça de todo», jurisprudência a que se adere por dar prevalência aos valores da justiça material, da celeridade e da eficácia em detrimento dos aspetos de natureza formal.
Nestes termos, decide-se não rejeitar o recurso em face das Conclusões aperfeiçoadas.

2. Do mérito do recurso:
Antes de analisarmos o objeto do recurso, impõe-se que sumariamente se mencione o seguinte:
Na alínea a) das Conclusões do recurso, os apelantes invocam, para além do mais, violação de normas jurídicas referindo-se expressamente aos artigos 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) e artigo 616.º, n.º 2, alínea a), do CPC.
Estes preceitos regulam, respetivamente, as nulidades da sentença e a reforma da sentença.
Em ambos os casos, havendo recurso da sentença, como é o caso, a arguição de nulidades e o pedido de reforma é feito nas alegações do mesmo (cfr. artigo 615.º, 4, e artigo 616.º, n.º 3, do CPC).
Apesar da referida menção, os recorrentes não arguiram nem a nulidade da sentença, nem a reforma da mesma, como se verifica em face da leitura do corpo alegatório e das Conclusões.
Quer a nulidade da sentença por desrespeito das alíneas do n.º 1 do artigo 615.º do CPC mencionadas pelos recorrentes, quer a sua reforma, não é matéria de conhecimento oficioso.
Nestes termos, não se conhece dos referidos vícios por os mesmos não se encontrarem inseridos no objeto do recurso.

2.1. Impugnação da decisão de facto
(…)
Em face de todo o exposto, improcede totalmente a impugnação da decisão de facto.

2.2. Falta de pagamento dos trabalhos a mais e taxa dos juros de mora
Nas conclusões f), g), h) e k), os recorrentes insurgem-se contra a sentença por os ter condenado a pagar à Autora, pelos trabalhos a mais realizados, a quantia de €19.026,87, acrescida dos juros moratórios, contabilizados desde 29-05-2019, com base na taxa supletiva relativa a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, a que corresponde a taxa de 7%.
Alegam, em suma, que pagaram os trabalhos a mais que pediram; que o valor inicialmente apresentado pela Autora é diverso do valor da fatura; que os juros de mora não são devidos desde a data referida na sentença e também não são devidos à taxa comercial.
Na sentença recorrida sobre estas questões consta a seguinte fundamentação:
«(…) a relação jurídica subjacente aos presentes autos assenta na celebração de um contrato de empreitada, titulado pela autora, na qualidade de empreiteiro.
O artigo 1154.º do C.C. define o contrato de prestação de serviço como aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com o ou sem retribuição.
Por seu turno, o contrato de empreitada, modalidade do contrato de prestação de serviço, encontra-se caracterizado no artigo 1207.º do C.C., como o «contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço».
(…)
[a] celebração do contrato de empreitada gera, em relação ao dono da obra, o dever de «executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato» - cfr. art. 1208.º do C.C.
Correlativamente, penderá sobre o dono da obra a obrigação de liquidar o preço correspondente – cfr. 1207 e 1211.º do mesmo código legal.
(…)
Da matéria de facto decorre que a autora emitiu e remeteu a factura 1/156, dirigida ao réu, no valor de 19.026,87€, correspondente a trabalhos solicitados e não contemplados no orçamento inicial – cfr. pontos 7), 14), 18), 20), 23), 28), 29) a 32) 42), 43) e 50).
A aludida factura foi recebida pelo réu em 29-05-2019.
Sucede que, a factura em causa ainda não foi liquidada pelo réu.
Pois bem, conforme já tivemos o ensejo de referir, decorre do art. 1207.º e 1211.º que pende sobre o dono da obra a obrigação do pagamento do preço, no acto da aceitação da obra, que no caso, ocorreu em finais de Janeiro – cfr. ponto 34).
Por conseguinte, ao abrigo do acima expendido e com arrimo no enquadramento legal convocado, conclui-se que pende sobre o réu a obrigação de pagar a quantia de 19.026,87€ à autora.
*
Ademais, de acordo com o §3º, do artigo 102.º do Código Comercial, «Os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.»
Por outro lado, dispõe o artigo 99.º do mesmo código normativo, «Embora o acto seja mercantil só com relação a uma das partes será regulado pelas disposições da lei comercial quanto a todos os contratantes, salvo as que só forem aplicáveis àquele ou àqueles por cujo respeito o acto é mercantil, ficando, porém, todos sujeitos à jurisdição comercial.»
Por conseguinte, uma vez que a autora é uma sociedade comercial, a obrigação em causa corresponde a um acto de comércio unilateral, sendo-lhe aplicável a taxa de juros comerciais prevista no § 3.º do art 102.º.
Desta feita, conforme o peticionado pela autora, à quantia de 19.026,87€, acrescem juros de mora, contabilizados desde 29-05-2019, data da efectivação da interpelação [vide ponto 50)], até ao integral pagamento, contabilizado à taxa supletiva relativa a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, a que corresponde a taxa de 7% (cfr. artigos 559.º, n.º1, 804.º, 805.º, n.º 1 e 806.º, n.ºs 1 e 2, todos do C.C. e 102.º do C.Com., Aviso n.º 2553/2019 - 1.º Semestre, Aviso n.º 11571/2019 - 2.º Semestre, Aviso n.º 1568/2020 - 1.º Semestre, Aviso n.º 10974/2020 - 2.º Semestre, Aviso n.º 2239/2021, Aviso n.º 1535/2022 - 1.º Semestre).»

O decidido e a respetiva fundamentação não merece qualquer censura.
Os recorrentes questionam o decidido à revelia dos factos provados no que concerne à realização de trabalhos a mais solicitados à Autora, que os realizou, encontrando-se em dívida a quantia a que se reporta a fatura por liquidar. De acordo com os factos provados é esse o valor devido e não qualquer outro que, eventualmente, tenha sido aventado pela Autora em sede de resolução extrajudicial do litígio, que, aliás, os Réus também não aceitaram pagar.
A data do vencimento da fatura emitida pela Autora e não paga pelos Réus determinou o incumprimento do contrato e a entrada em mora dos mesmos como decorre dos artigos 798.º, 804.º, n.º 1, 805.º, n.º 1, n.ºs 1 e 2, alínea a), 806.º, n.ºs 1 e 2, 559.º, do Código Civil.
No que concerne à taxa de juros, sendo a Autora uma sociedade comercial, por força do artigo 99.º e § 3.º do artigo 102.º do Código Comercial, como bem referido na decisão recorrida, a taxa de juros aplicável é a comercial e não a civil.
Quanto à absolvição do pedido reconvencional no segmento relacionado com o pedido de condenação da Autora na penalização pelo atraso no cumprimento do prazo da execução dos trabalhos, também nenhuma censura merece a sentença uma vez que se provou a eliminação da cláusula que previa tal sanção (cfr. ponto 61 dos factos provados e improcedência da sua impugnação).

2.3. Litigância de má-fé
A sentença condenou os Réus como litigantes de má-fé, com a seguinte fundamentação:
«Cotejada a decisão de facto acima exposta, verifica-se que a versão apresentada pelos réus não encontrou qualquer conforto na prova produzida, defluindo dela manifestamente que: (i) o 1.º réu não permitiu a entrada do legal representante da autora na obra, o que afasta a tese do abandono e (ii) as partes acordaram em dar sem efeito a cláusula que continha a sanção pelo atraso na execução da obra - cfr pontos 61) e 64) dos factos provados.
Por outro lado, tratam-se de factos pessoais dos réus, dos quais os mesmos não podiam deixar de ter conhecimento, uma vez que foram praticados e presenciados pelos próprios.
Desta feita, a conduta processual dos réus acima descrita consubstancia a previsão legal da norma contida no artigo 542.º n.º 2 al. a) e b) do C.P.C., porquanto os mesmos deduziram pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar, alterando a verdade dos factos.
Diga-se, ainda, que a condenação da parte como litigante de má-fé não depende exclusivamente de uma conduta processual dolosa, bastando para o efeito a demonstração de que a parte estava obrigada a ter consciência dos factos em causa – conforme sucede manifestamente nos presentes autos.
(…)
Face ao exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 542.º, n.ºs 1 e 2, al.s. a) e b) do C.P.C. e 27.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais, deverão os réus ser considerados litigantes de má-fé, devendo, em consequência ficar obrigado ao pagamento de uma multa no valor de 20 (vinte) UC, o que perfaz a quantia de 2.040,00€ (dois mil e quarenta euros), atendendo ao valor dos bens jurídicos em causa e ao grau de ilicitude e culpa da conduta em censura.»

Na Conclusão i), alegam os recorrentes, em desacordo com a sentença, que não litigam de má-fé, «(…) pois não deduzem pretensão cuja falta de fundamento ignoram, nem fazem do processo um uso anormal e abusivo, como decorre do que se deixou dito supra quanto ao contrato de empreitada assinado pelo R. marido e alteração unilateral do mesmo pela A. sem qualquer consentimento ou acordo do R. e o facto de ele não ter junto a cópia do contrato que tinha por não a encontrar não deve contribuir para que daí se retire a conclusão de que está a ocultar factos ao processo, já que, como se referiu supra ele reiterou que o contrato assinado não estava rasurado, resultando das regras da experiência comum que ninguém assina um contrato rasurado sem que ressalve tal facto.»
Vejamos, então, se lhes assiste razão.
Na atuação processual estão as partes vinculadas aos deveres de probidade e de cooperação, agindo de boa-fé, com brevidade e eficácia, de forma a alcançar-se a justa composição do litígio (artigos 7.º a 9.º do CPC).
A condenação da parte como litigante de má-fé obedece aos pressupostos legais mencionados no artigo 542.º, n.º 2, alíneas a) a d), do CPC, abrangendo a sanção tanto o dolo como a negligência grave, aí se encontrando contempladas várias situações subsumíveis ao conceito de litigância de má-fé, violadoras dos referidos deveres.
Assim, atua com má-fé material/substancial a parte que, com dolo ou negligência grave, viola conscientemente o dever de verdade, ao deduzir pretensão ou oposição que sabe ou não podia deixar de saber, ser ilegítima, distorce ou deturpa a realidade de si conhecida ou omite factos relevantes, também por si conhecidos, para a decisão; atua com má-fé instrumental a parte que fizer do processo uso manifestamente reprovável, visando um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Todavia, não corresponde a litigância de má-fé a dedução de pretensão ou oposição em que se decaí por mera fragilidade da prova ou por não lograr-se convencer o tribunal de determinada realidade trazida a julgamento, bem como as situações que resultam de discordâncias na interpretação e aplicação da lei aos factos.
Assim, a proposição de uma ação, a apresentação de uma contestação, a dedução de reconvenção ou a interposição de um recurso, com fundamento jurídico que não se conseguiu demonstrar, não constituiu uma atuação dolosa ou mesmo gravemente negligente da parte, considerando as inúmeras variáveis em confronto, posto que não se apure uma postura da parte conscientemente infundada.
Todavia, a litigância de má-fé não se pode afastar quando a parte deduz pretensão cuja falta de fundamento não podia razoavelmente ignorar, impondo-se-lhe a obrigação de previamente tentar indagar do fundamento alegado. Muito menos quando conscientemente altera a realidade dos factos, alegando-os de forma deturpada ou omitindo alguns dos aspetos revelantes da realidade alegada.
Como se refere no Acórdão do STJ 02-02-2023 (analisando a evolução normativa da previsão sobre a litigância de má-fé):
«Da redacção do referido artº 456º CPCiv anterior à revisão de 95 do Código, para a actual redacção, a expressão “que não devia ignorar” inculca que se passou de um regime de intenção maliciosa ou gravemente negligente (regime de 61 – má fé em sentido psicológico) para um regime que abrange na respectiva previsão a leviandade ou a imprudência manifestas (má fé em sentido ético).
Trata-se assim, no fundo de um regresso à concepção de má fé originária, do Código de Processo Civil de 1939, o qual, na ideia de J. Alberto dos Reis, sancionava a pretensão ou oposição cuja falta de fundamento “o agente não pudesse razoavelmente desconhecer” (assim, Menezes Cordeiro, Litigância de Má Fé e Abuso de Direito de Acção, 2006, pg. 23).»
Nesta linha de análise, refere-se no Acórdão do STJ de 12-04-2023[3]:
«Por conseguinte, a lei tipifica as situações objectivas de má fé, exigindo-se simultaneamente um elemento subjectivo, já não no sentido psicológico, mas ético-jurídico. Por isso, actua de má fé não apenas a parte que tem consciência da falta de fundamento da pretensão ou oposição, como aquela que, muito embora não tenha tal consciência, deveria ter agido com o dever de cuidado. Acresce que o dever de verdade processual (alínea b)) pressupõe que a parte tem a obrigação de indagar a realidade em que funda a sua pretensão ( dever de pré-indagação).»
No caso, o tribunal a quo reconduziu a situação à previsão normativa do n.º 2, alíneas a) e b) do artigo 542.º, do CPC, que dispõem do seguinte modo:
«2. Diz-se litigante de má-fé que, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa.»
Da análise dos articulados não nos suscita dúvida que os Réus litigam de má-fé por terem, simultaneamente, alterado e omitido parte dos factos relevantes para a boa decisão da causa e, com base nesse comportamento, terem deduzido uma pretensão cuja falta de fundamento sabiam, ou não podiam ignorar, reconduzindo-se tal comportamento processual à situação prevista no normativo acima referido.
No caso, deduzindo reconvencional alegando factos que não correspondem à realidade e omitindo outros que não podiam desconhecer.
Concretizando.
A causa de pedir do pedido reconvencional assenta nos seguintes fundamentos: (i) a Autora incorreu na penalização prevista no contrato por ter excedido o tempo de execução da obra; (ii) a Autora abandonou a obra não eliminando os defeitos; (iii); A conduta da Autora causou aos Réus danos de natureza não patrimonial.
Ora, se em relação aos fundamentos referidos em (i) e (iii), os Réus alegaram factos que vieram a provar-se não corresponder à realidade, mas que, ainda assim, pode tal resultar de dificuldades de prova não se podendo, com segurança, enquadrar a situação numa atuação intencionalmente dolosa ou gravemente negligente da parte, já em relação à factualidade referida em (ii) a questão coloca-se de modo diverso, uma vez que os Réus alegaram o abandono da obra e a não eliminação de defeitos por causa imputável à Autora, omitindo parte da realidade, ou seja, que foi o Reu quem impediu a Autora de entrar na obra a fim de verificar os defeitos (cfr. artigo 53.º da contestação), o que veio a ficar provado (cfr. ponto 64 dos factos provados).
Sublinhe-se que em relação a esta factualidade não se trata de falta ou de dificuldade de prova, mas sim de omissão pura e simples de alegação da factualidade relevante com o gravame de ter sido alegada realidade diversa. Sendo que o impedimento oposto pelo Réu à Autora para esta entrar na obra são factos de natureza pessoal que os Réus não podiam ignorar, nem desconhecer, e muito menos fundamentar o pedido reconvencional com base numa alegação deturpada da realidade.
Ou seja, os Réus não só omitiram factos, como os alteraram, deduzindo uma pretensão cuja falta de fundamento não podiam razoavelmente ignorar, visando, dessa forma, que deles sejam extraídas consequências jurídicas em termos de condenação da Autora numa indemnização, enquadrando-se essa situação, como bem refere a sentença recorrida, na previsão do n.º 2 do artigo 542.º, alíneas a) e b), do CPC.
Nestes termos, nenhuma censura merece a sentença recorrida no concernente à condenação dos Réus como litigantes de má-fé.

Dado o decaimento, as custas ficam a cargo dos Réus/apelantes (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.


III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 14-09-2023
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
Florbela Moreira Lança (1.ª Adjunta)
Albertina Pedroso (2.ª Adjunta)

__________________________________________________
[1] Proc. n.º 351/16.2T8CTB.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[2] Proc. n.º 18625/18.6T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[3] Proc. n.º 1915/11.6TBALM-A.L1.S1 (Jorge Arcanjo), em www.dgsi.pt