Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2584/16.2T8PTM.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
REVELIA OPERANTE
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
PRECLUSÃO
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
i) o regime previsto no n.º 2 do art.º 99.º do CPC constitui uma manifestação prática e concreta do princípio da economia processual, aproveitando-se os articulados e os atos processuais que eles impliquem, como seja a citação e a notificação.

ii) declarada a incompetência absoluta do tribunal cível e a absolvição da ré da instância, findos os articulados, e requerida pela autora, sem oposição, a remessa do processo ao tribunal competente do trabalho, aproveitam-se os articulados e os atos já praticados, nomeadamente a citação e os efeitos produzidos em caso de não contestação da ré.

iii) se a ré regularmente citada para contestar não o fez no prazo legal, consideram-se confessados os factos alegados pela autora na petição inicial e é proferida sentença conforme for de direito.

iv) a remessa dos autos para o tribunal do trabalho competente nos termos referidos, não faz renascer o direito da ré contestar a ação, pois o direito de o fazer mostra-se precludido.

v) nestes termos, são nulos os despachos que concederam à ré novo prazo para contestar, bem como os atos subsequentes, à exceção da audiência de partes e respetiva convocação.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: É… (autora).

Apelada: S… (ré).

Tribunal do Trabalho da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho de Portimão, J2.

1. A A. intentou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra a R. no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Instância Local de Portimão, pedindo que, pela procedência da mesma, seja esta condenada a pagar-lhe a quantia de € 10 000, a título de danos não patrimoniais, acrescida da quantia que se vier a liquidar a título de danos patrimoniais causados pelo seu comportamento enquanto trabalhadora ao serviço da ré.

Para o efeito alegou ter contratado a ré, com a categoria profissional de empregada de balcão, para exercer tais funções no estabelecimento da ré sito na Praia da Rocha, sendo que, a partir do início de 2016, a ré passou a ter uma relação com um indivíduo que trabalhava como «stripper» e, por via desse relacionamento, deixou de ser a habitual pessoa afável e simpática, passando a desleixar-se na sua prestação laboral, chegando sistematicamente atrasada ao trabalho, ausentando-se sem informar a autora, o que levou a manifestações de desagrado dos clientes desta. Acresce que o indivíduo em causa e os respetivos amigos passaram a frequentar o estabelecimento, interagindo com a ré de forma desadequada, o que afastou os clientes habituais da loja.

Conclui a autora que, em função do comportamento da ré, a rentabilidade do seu estabelecimento diminuiu, além de ocorrerem danos patrimoniais consequentes da perda de clientela e, por isso, pretende ser indemnizada pela sua ex-trabalhadora, pelos prejuízos alegadamente sofridos.

A ação foi distribuída ao Juízo Local Cível, J2, da Instância Local referida.

A ré foi citada e não contestou a ação.

De seguida, foi proferido o despacho seguinte:

“Na essência do invocado na petição inicial estamos perante uma ação em que se discute o comportamento da R. num contexto laboral que terá prejudicado a A. Nessa linha, em face do previsto no art.º 126.º n.º 1, al. b), da LOSJ (Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, com as alterações da Lei n.º 40-A/2016, de 22 de dezembro), convocando-se a incompetência material do presente Juízo Local Cível, determina-se a notificação da autora para, querendo, se pronunciar. Prazo: 10 dias”.

A A. respondeu e concluiu do modo seguinte:

“Nesta conformidade, mantém-se a posição assumida quanto à competência do douto Tribunal para a tramitação da presente ação, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos até final.

Quando assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se concebe, sempre deverão os presentes autos, em caso de verificação da incompetência material do Tribunal, ser remetidos ao Tribunal competente, aproveitando-se os atos já praticados em benefício do princípio da economia processual, na vertente da economia de atos e formalidades”.

O Juízo Local Cível conheceu da incompetência material e proferiu a decisão seguinte:

“Nos termos expostos, julga-se o presente Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Cível de Portimão, totalmente incompetente em razão da matéria e, em consequência, absolve-se a ré da instância”.

Notificada, a A. veio “requerer a remessa dos autos ao tribunal considerado competente, Juízo de Trabalho de Portimão, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 99.º do CPC, aproveitando-se os autos no estado em que se encontram, uma vez que se mostram findos os articulados”.

Nessa sequência, foi proferido o despacho seguinte: “Remeta ao Juízo tido por competente”.

Em cumprimento do despacho, o processo foi transferido eletronicamente “para distribuição ao Juízo do Tribunal do Trabalho de Portimão”.

Recebidos os autos neste último tribunal, foi aqui proferido o despacho seguinte: “Ao abrigo do disposto no artigo 54.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, convida-se a autora a completar/aperfeiçoar a petição inicial, indicando por que modo terminou a relação laboral descrita, designadamente, se à ré foi movido qualquer processo disciplinar e se, na sequência do mesmo, lhe foi aplicada qualquer sanção, maxime, o despedimento.

Convida-se, igualmente, a autora a concretizar os prejuízos sofridos, nomeadamente, em que medida foi afetado o seu volume de negócios – indicando dados precisos.

Prazo: 10 dias”.

A A. veio em requerimento esclarecer o seguinte: “Não foi movido qualquer processo disciplinar à R. porquanto a mesma resolveu o contrato por sua iniciativa antecipadamente.

Tendo em conta que a documentação referente a danos patrimoniais (volume de negócios) é de caráter contabilístico e ainda não foi possível obter a documentação correspondente, requer o período de 5 dias para poder responder cabalmente neste particular”.

Foi proferido um despacho a conceder um prazo adicional de cinco dias.

A A. veio dizer o seguinte: “Não obstante as diligências desenvolvidas não foi possível elaborar apreciação contabilística no tempo disponível, dado estar-se dependente de entidade externa para fazer a imputação dos resultados à presença da trabalhadora de forma rigorosa. Donde ter-se já ab initio requerido a liquidação de sentença, em matéria de danos patrimoniais, e tendo-se apenas liquidado um valor a título de danos não patrimoniais, mantendo-se o pedido como até aqui”.

De seguida foi proferido o despacho seguinte: “Para a audiência de partes a que alude o artigo 54.º n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, a realizar neste Tribunal, designa-se o próximo dia 24 de janeiro de 2018, pelas 10h00.

Notifique a autora e cite a ré, nos termos e com as formalidades previstas nos n.ºs 3 e 4 do citado artigo 54.º do Código de Processo do Trabalho, para comparecerem, pessoalmente, ou, em caso de justificada impossibilidade de comparência, se fazerem representar por mandatário judicial com poderes especiais para confessar, desistir ou transigir – cf. nº 3 do mesmo artigo e com a expressa advertência de que o faltoso fica sujeito às sanções previstas para o litigante de má-fé (pagamento de multa e indemnização à parte contrária, se esta a pedir), caso não justifique a falta.

Juntamente com a citação deve a ré ser notificada, com cópia deste despacho, de que, caso não compareça pessoalmente à audiência de partes ora designada (pois que qualquer das partes apenas se pode fazer representar por mandatário com poderes especiais para confessar, desistir ou transigir no caso de justificada impossibilidade de comparência), deve considerar-se notificada para os efeitos previstos no artigo 56.º alínea a) e n.º 1 do artigo 57.º, ambos do Código de Processo do Trabalho, ou seja, para contestar a ação em 10 (dez) dias, iniciando-se este prazo no dia imediatamente a seguir ao designado para a audiência de partes, com a advertência expressa de que não o fazendo, se consideram confessados os factos articulados pela autora e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito”.

A A. veio arguir a nulidade deste despacho proferido em 04.01.2018, tendo sido proferido o despacho seguinte:

“Veio a autora, através do requerimento de fls. 51 e ss., arguir a nulidade do despacho que designou data para a realização de audiência de partes e ordenou a citação da ré para os termos do processo, com fundamento em que a ré já fora citada para a ação quando a mesma se encontrava a correr termos no juízo local cível, pelo que a repetição de tal ato, do ponto de vista da autora, se configura como inadmissível.

Vejamos:

É verdade que a autora intentou, inicialmente, a presente ação sob a forma declarativa comum, apresentando-a no juízo local cível, o que determinou que a ré fosse citada para os termos da mesma (já que, naquela forma de processo, a citação não está dependente de despacho judicial).

No entanto, não obstante a falta de contestação, foi julgada verificada a exceção de incompetência absoluta, em razão da matéria, daquele Tribunal e a ré absolvida da instância, vindo a autora, posteriormente, requerer a remessa dos autos ao Tribunal competente, no caso, o Juízo do Trabalho de Portimão.

É também certo que, nos termos do disposto no artigo 99.º n.º 2 do Código de Processo Civil, «se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada».

Porém, não menos verdade é que o processo comum no foro laboral tem especialidades relativamente ao processo comum declarativo do foro cível, sendo uma das mais evidentes a circunstância de se iniciar sempre com a realização de audiência de partes – prévia ao início do prazo para a contestação – diligência que é obrigatória, não estando na disponibilidade do Tribunal dispensá-la (cf. artigo 54º, nº 2 do Código de Processo do Trabalho).

Por assim ser, é evidente que não podiam ser aproveitados os atos praticados posteriormente à apresentação da petição inicial, por incompatíveis com a forma de processo que os autos devem passar a seguir (cf. artigo 193.º n.º 1 do Código de Processo Civil).

Nestes termos, cabe concluir não ter sido cometida nulidade alguma (a qual, aliás, não se acha legalmente prevista), mostrando-se regular o processado adotado, em vista das normas aplicáveis do Código do Processo do Trabalho (que configura lei especial relativamente ao Código de Processo Civil), pelo que se indefere a arguição de nulidade em apreço”.

A R. contestou e invocou a exceção de abuso de direito e impugnou os factos alegados pela autora, designadamente, no que se refere aos comportamentos que lhe são imputados.

Conclui pedindo a sua absolvição dos pedidos formulados pela autora e, ainda, que a mesma seja condenada como litigante de má-fé.

A autora apresentou resposta, sustentando a improcedência da exceção invocada pela ré e reiterando a posição expressa na petição inicial.

O tribunal proferiu o despacho seguinte: “Ao abrigo do disposto no artigo 61.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, convida-se a ré a aperfeiçoar a sua contestação, esclarecendo se o pedido que pretende deduzir contra a autora é formulado com fundamento em litigância de má-fé (o que, sendo o caso, deverá ser expressamente indicado) ou a título de reconvenção (que também deve ser expressamente identificada e deduzida separadamente – e para a qual se verificam as limitações decorrentes do disposto no artigo 30º do Código de Processo do Trabalho).

Prazo: 10 dias”.

A R. apresentou nova contestação.

Foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador, tendo-se dispensado a enunciação dos temas da prova.

Procedeu-se a audiência de julgamento como consta da ata respetiva.

Após, foi proferida sentença com a decisão seguinte:

Pelo exposto, julga-se a presente ação declarativa improcedente, por não provada, e improcedente também o pedido de condenação da autora como litigante de má-fé e, em conformidade, decide-se:

1. Absolver a ré S… dos pedidos formulados pela autora É…; e

2. Absolver a autora E… do pedido de condenação como litigante de má-fé.

2. Inconformada, veio a A. interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações e conclusões nos seguintes termos:

a) O tribunal a quo não esclarece como alcançou dar como provados os factos de 11 a 18 dos factos provados, pois que se limitou a desvalorizar os depoimentos das testemunhas arroladas pela A. e a sobrevalorizar as testemunhas arroladas pela ré;

b) Com a agravante de que as testemunhas arroladas pela R. ora recorrida são meras testemunhas de ouvir dizer ou que apenas estiveram de “visita” à R., e por isso não sendo possível que se pronunciassem de forma cabal sobre os factos;

c) Não é minimamente aceitável que se afirme que as testemunhas da A. “mais do que relatarem factos exprimiram opiniões e formularam juízos de valor” e que aludiram vagamente a atrasos da R. na abertura da loja (fls. 4 Vs.), sem se concretizar ou perceber a que se refere a sentença;

d) Até o depoimento da testemunha M…, que descreveu de forma consistente a forma negligente e desleixada em que a trabalhadora se apresentava na loja, e o que foi corroborado pela testemunha Sérgio, foi completamente ignorado ao ponto de se darem por não provados os factos de o) a r);

e) Não existe na sentença justificação para se ter dado por provado que a A. nunca chamou a R. à atenção (19) e que nunca lhe forneceu farda (20). Aliás, a propósito desta última questão, não concebemos o que se quer dizer com “não mereceram da autora qualquer oposição” – a alegação. Com efeito tal alegação teria de ser provada pela R. que a invocou, pois que não o tendo feito em defesa por exceção não se poderia a A. pronunciar em sentido contrário.

f) Assim como se rejeita e se repugna que se utilize o facto de não ter sido movido processo disciplinar à trabalhadora para qualquer justificação em favor da tese de que nada se passou;

g) Com efeito a inexistência de processo pode dever-se às mais variadas razões, por exemplo, como aconteceu in casu e o tribunal ocultou da sentença, a cessação do contrato pela trabalhadora antes de a entidade patronal ter tido conhecimento cabal dos factos;

h) Assim como gravoso e desconcertante é dizer-se que como a A. não deu início a processo disciplinar não pode agora vir num momento em que as infrações estariam prescritas e em que o vínculo laboral já se teria dissolvido, vir reclamar o ressarcimento de prejuízos causados no exercício de funções.

i) O facto é que, tratando-se o estabelecimento de uma loja aberta ao público em que se passaram factos como os descritos a 6 e 8 dos factos provados, pelo menos, pois mais do que isso se passou e foi relatado pelas testemunhas e não considerado pelo tribunal, bastar-se-ia tal circunstância para considerar a existência de cabal ofensa ao bom nome e reputação da A.;

j) Bem como não podia chegar atrasada e determinar a intervenção de outro trabalhador para assegurar o funcionamento da loja, sem atentar contra o bom nome e reputação da recorrente. É de senso comum tal perceção, tendo em conta as responsabilidades de um trabalhador perante a entidade patronal e perante a própria clientela;

k) Praticou atos suficientemente idóneos a atentar contra a dignidade e bom nome da entidade patronal que devem ser apreciados e valorados de forma justa e ponderada;

l) Violou a sentença recorrida o disposto no art.º 607.º, 615.º, 20.º da CRP.

Da impugnação da decisão intercalar proferida em despacho de 4/01/2018, com a referência 107883765

m) O despacho recorrido nos presentes autos determina a marcação de audiência de partes e citação da ré, com a advertência de que se não comparecer e não contestar no prazo de dez dias após a referida audiência, serão considerados confessados os factos e julgada a causa conforme for de direito;

n) Acontece que antes da remessa dos autos à presente instância havia a R. sido já citada para contestar e tendo-lhe sido concedido um prazo de 30 dias, o triplo daquele que lhe seria concedido se a instância inicial tivesse sido a do processo de trabalho;

o) Este despacho viola de forma grosseira o estatuído no n.º 2 do art.º 99.º do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi art.º 1.º do CPT, que determina o aproveitamento dos articulados com a remessa ao tribunal competente;

p) Manifestação do princípio da economia processual, na vertente de economia de atos e formalidades processuais, devendo aproveitar-se “os articulados e os atos processuais que eles impliquem (citações do réu, notificações, eventual despacho liminar ou pré-saneador)”.

q) Deveria o tribunal a quo, ao invés de fazer tábua rasa dos atos processuais anteriormente praticados, fazer prosseguir os autos nos termos do disposto no art.º 57.º do Código de Processo de Trabalho;

r) Violou ainda o despacho recorrido, o princípio da adequação formal previsto no art.º 547.º do CPC, colocando em apuro a garantia de um processo equitativo;

s) Apenas conseguindo um desequilíbrio em desfavor da A. contra todas expetativas decorrentes do direito e da lei de processo e promovendo a desigualdade de armas entre as partes;

t) Por outro lado, ficaria a A. altamente penalizada e descrente na justiça, quando sabendo da revelia da R. e do necessário aproveitamento dos atos do processo, se via agora confrontada com uma nova oportunidade concedida à incúria da R., em prejuízo daquela A., do seu interesse e do seu património, quando foi a mesma R. que não contestou a ação por opção;

u) Ou seja, admitir-se a marcação de audiência de partes e “recitação” da R., estar-se-ia a praticar um ato ilegal e a violar também o princípio da igualdade das partes no processo civil e na constituição;

v) Foram violadas as normas dos art.ºs 99.º, 130.º, 131.º, 219.º, 547.º, do Código de Processo Civil, 57.º do CPT e 13.º da Constituição.

Da impugnação da decisão intercalar de 24/01/2018, proferida na ata com a referência 108258497w)

O despacho que ora se impugna indefere a reclamação a arguir a nulidade e renova a marcação de audiência de partes e citação da R., e notificação desta para contestar com a advertência de que se não comparecer e não contestar no prazo de dez dias após a referida audiência, serão considerados confessados os factos e julgada a causa conforme for de direito;

x) Acontece que antes da remessa dos autos à presente instância havia a R. sido já citada para contestar e tendo-lhe sido concedido um prazo de 30 dias, o triplo daquele que lhe seria concedido se a instância inicial tivesse sido a do processo de trabalho;

y) Não assiste qualquer razão ao tribunal a quo ao defender que o processo teria de iniciar-se inelutavelmente com a audiência de partes, ao invés de procurar adequá-lo à nova realidade, e erra grosseiramente ao afirmar que os atos posteriores à petição inicial são incompatíveis com a forma de processo, ignorando mais uma vez em absoluto o princípio da adequação formal;

z) Este despacho viola de forma grosseira o estatuído no n.º 2 do art.º 99.º do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi art.º 1.º do CPT, que determina o aproveitamento dos articulados com a remessa ao tribunal competente;

aa) Manifestação do princípio da economia processual, na vertente de economia de atos e formalidades processuais, devendo aproveitar-se “os articulados e os atos processuais que eles impliquem (citações do réu, notificações, eventual despacho liminar ou pré-saneador)”.

bb) Deveria o tribunal a quo, ao invés de fazer tábua rasa dos atos processuais anteriormente praticados, fazer prosseguir os autos nos termos do disposto no art.º 57.º do Código de Processo de Trabalho;

cc) Violou clamorosamente, o despacho recorrido, o princípio da adequação formal previsto no art.º 547.º do CPC, colocando em apuro a garantia de um processo equitativo;

dd) Apenas conseguindo um desequilíbrio em desfavor da A. contra todas expectativas decorrentes do direito e da lei de processo;

ee) Por outro lado, ficaria a A. altamente penalizada e descrente na justiça, quando sabendo da revelia da R. e do necessário aproveitamento dos atos do processo, se via agora confrontada com uma nova oportunidade concedida à incúria da ré, em prejuízo daquela A., do seu interesse e do seu património, quando foi a mesma R. que não contestou a ação por opção;

ff) Ou seja, admitir-se a marcação de audiência de partes, “recitação” da R. e repetir a notificação para contestar, com novo prazo, estar-se-ia a praticar um ato ilegal e a violar também o princípio da igualdade das partes no processo civil e na constituição;

gg) Mas ainda que se admitisse ser de todo impossível dispensar a audiência de partes, porque não convocá-la então apenas para tentativa de conciliação, em vez de se citar a R. já citada e de notificá-la para praticar um ato cujo direito de exercício se mostra já precludido;

hh) Não aceitamos que não se possam aproveitar os atos posteriores à petição inicial violando-se expressamente o disposto no art.º 193.º, n.º 1 do CPC: não explica o despacho que antecede porque não aproveitar o ato da citação para contestar; não explica o douto despacho que antecede porque aproveitando a citação para contestar resulta a diminuição de garantias para a Ré, porque não resulta efetivamente;

ii) Pois mesmo que fosse impossível dispensar a audiência de partes, nunca seria impossível marcá-la dispensando nova citação e nova notificação para contestar, pois a lei não o impede, admitindo, de resto a marcação de audiência preliminar nos termos do art.º 62.º do CPT;

jj) Não cumpre, de todo, o tribunal a quo o princípio da adequação formal, e preferindo enveredar por violação do princípio da igualdade,

kk) Mostra-se, assim, ainda violado também o princípio da preclusão processual, previsto no art.º 573.º do CPC, pois concede-se à R. a possibilidade de praticar um ato cujo exercício voluntariamente deixou precludir;

ll) Foram violadas as normas dos arts.º 99.º, 130.º, 131.º, 193.º, n.º 1, 219.º, 547.º e 573.º do Código de Processo Civil, 57.º do CPT e 13.º da Constituição.

Termos em que, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser considerado procedente o presente recurso da decisão final incluindo a impugnação das decisões intercalares identificadas e assim:

i. Deve ser considerado procedente o recurso na parte da impugnação da decisão intercalar com referência ao despacho proferido a 4/01/2018, com a referência 107883765, e em consequência revogar-se o despacho recorrido, e anular-se o processado posterior, aproveitando-se o ato de citação da requerida e decurso do prazo de contestação decorrido na instância cível;

ii. Deve ser considerado procedente o recurso na parte da impugnação da decisão intercalar com referência ao despacho proferido em 24/01/2018, proferido na ata com a referência 108258497, determinando-se a declaração de nulidade invocada com respeito ao despacho de 4/01/2017, dando sem efeito a determinação de nova citação da R. e notificação da A. para audiência de partes, bem como notificação da R. para contestar, e considerar-se ilegal porque contrário à lei e ao direito a repetição do despacho que determina a notificação da A. e a citação da R. para audiência de partes proferido na ata de 24 de janeiro, bem como a nova notificação da R. para contestar;

a. E em consequência da impugnação de tais despachos, deve sempre revogar-se a sentença substituindo-a por outra em que se dê provimento às impugnações recursórias supra, revogando-se os despachos recorridos e anulando-se o processado posterior, e em que se determine a condenação da R. com base no disposto no art.º 57.º do Código de Processo de Trabalho, ou em que se determine o prosseguimento dos autos para prévia tentativa de conciliação seguida de sentença, caso aquela se frustre, nos termos sobreditos do referido art.º 57.º, com condenação da R. por confessar os factos alegados pela A;

E sempre considerando que a procedência de qualquer uma destas impugnações recursórias sobre decisões intercalares pode modificar/revogar em definitivo a decisão final.

iii. Assim não se entendendo, sem conceder, dever-se-á declarar a nulidade da sentença recorrida com as legais consequências, nos termos acima requeridos no requerimento de interposição de recurso;

iv. Sem conceder e quando assim se não entenda, dever-se-á revogar a sentença recorrida e substituindo-a por outra em que, nos termos supra-expostos, seja condenada a R. ora recorrida no valor que se entender adequado ao ressarcimento dos danos sofridos pela recorrente na sequência dos seus comportamentos ilícitos.

3. A R. não respondeu.

4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de que deve ser mantida a sentença recorrida.

5. Notificadas as partes deste parecer, a R. veio dizer que o subscreve.

6. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

7. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.

As questões a decidir são as seguintes:

1. A nulidade da sentença

2. A nulidade dos despachos que ordenaram de novo a citação da R. e a admissão da sua contestação.

3. Aplicar o direito, conforme o que se decidir nos pontos anteriores

II - FUNDAMENTAÇÃO

A) Factos provados

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:

1. A autora, no âmbito da sua atividade comercial, abriu um estabelecimento de venda de produtos alimentares regionais e cafetaria, sito na Rua … Praia da Rocha. (artigo 1º da p.i.)

2. A ré prestou trabalho à autora no referido estabelecimento entre junho de 2015 e 08 de abril de 2016, como empregada de balcão, sendo na prática a ré quem fazia a gestão do referido estabelecimento. (artigos 2º e 3º da p.i.)

3. A autora forneceu alojamento e alimentação à ré. (artigo 5º da p.i.)

4. Quando a ré ingressou na empresa autora era especialmente dedicada e empenhada, tendo feito um esforço acrescido para o arranque da loja. (artigo 9º da p.i.)

5. A partir de data não concretamente apurada, a ré passou a manter um relacionamento com um indivíduo que trabalhava como «stripper» no R…, na Praia da Rocha, o qual frequentava o estabelecimento da autora. (artigos 10º e 18º da p.i.)

6. Esse indivíduo e outros colegas do mesmo frequentavam com regularidade o estabelecimento da autora, aí permanecendo durante períodos de tempo não concretamente apurados, em ambiente de festa e descontração, rindo e falando alto. (artigo 21º da p.i.)

7. Após o verão, o número de pessoas que frequentavam o estabelecimento da autora diminuiu. (artigo 22º da p.i.)

8. Em algumas ocasiões, em número não concretamente apurado, o funcionário Sérgio, que se ocupava da fabricação do pão vendido no estabelecimento e no hotel pertencente ao mesmo empregador, chamou o funcionário Ó…, polivalente, para abrir a loja, por não estar a ré presente à hora de abertura (07h30). (artigo 27º da p.i.)

9. Correu termos no Juízo do Trabalho de Portimão do Tribunal Judicial da Comarca de Faro o processo nº 1596/16.0T8PTM, em que foi autora S… e ré É…a, no qual foi proferida sentença em 20.02.2017, que julgou a ação parcialmente procedente, constando do respetivo dispositivo que “reconhecendo-se a justa causa para a autora resolver o contrato de trabalho, condena-se a ré É… a pagar à autora S…: a quantia líquida de € 3 590, a título de indemnização e a quantia ilíquida de € 2 892,64, a título de pagamento de trabalho suplementar”; desta decisão foi interposto recurso, decidido por acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26.10.2017, com o seguinte segmento dispositivo “Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência revogam a sentença recorrida quanto à condenação da ré no pagamento da indemnização no valor de € 2 000, a título de danos não patrimoniais, absolvendo a ré deste pedido. No mais confirma-se a sentença da 1ª instância” – cf. certidão de fls. 158 e seguintes, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (artigo 11º da contestação)

10. A ré trabalhou num outro estabelecimento pertencente aos sócios da autora, em Oliveira do Hospital, durante alguns anos, antes de vir trabalhar para a autora no Algarve. (artigo 18º da contestação)

11. A ré veio para o Algarve com várias promessas da autora, nomeadamente, um apartamento para viver (ao invés, foi alojada no hotel pertencente aos respetivos sócios), veículo (atribuído inicialmente e depois retirado), transporte e/ou deslocações a Oliveira do Hospital. (artigo 20º da contestação)

12. Foi com base em tais promessas que a ré aceitou vir de Oliveira do Hospital, onde trabalhava para uma outra sociedade do mesmo grupo da autora, para o Algarve, para a abertura da loja «gourmet» da autora. (artigo 21º da contestação)

13. A ré, enquanto trabalhadora, já era conhecida, há vários anos, dos legais representantes da autora e dos sócios das empresas pertencentes aos mesmos. (artigo 24º da contestação)

14. A ré era considerada uma trabalhadora zelosa, cumpridora, responsável e empenhada. (artigo 25º da contestação)

15. O indivíduo referido em 5. também era amigo do padeiro S…, empregado da autora. (artigo 26º da contestação)

16. O aludido indivíduo ajudava a ré a carregar as mesas e cadeiras para a esplanada do estabelecimento da autora, já que aquela ali estava sozinha. (artigo 27º da contestação)

17. Como estava sozinha no estabelecimento, a ré não tinha pausa para almoço, sendo-lhe levada comida por um funcionário do hotel pertencente ao mesmo empregador. (artigo 28º da contestação)

18. A autora nunca instaurou qualquer procedimento disciplinar contra a ré. (artigo 29º da contestação)

19. A ré nunca foi chamada à atenção verbalmente ou por escrito, pela autora. (artigo 30º da contestação)

20. A autora nunca forneceu farda à ré, que trabalhava com a sua própria roupa, sendo-lhe apenas fornecidos aventais. (artigo 32º da contestação)

21. A loja da autora está inserida na Praia da Rocha, zona sobretudo turística, com grande afluxo de turistas na época alta (verão), o qual diminui gradualmente nos restantes períodos do ano. (artigo 35º da contestação)

B) APRECIAÇÃO

As questões a decidir são as que já referimos.

Razão de ordem

A A. vem arguir a nulidade da sentença por falta de fundamentação na resposta dada a determinados factos.

A verdade, porém, é que se forem revogados os despachos recorridos e anulado o processado posterior, fica sem efeito a audiência de julgamento e toda a prova aí produzida.

Assim, conheceremos em primeiro lugar do recurso na parte respeitante aos despachos recorridos.

B1) Os despachos recorridos

O art.º 99.º do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º n.º 2, alínea a), do CPT, prescreve que a verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar (n.º 1).

Se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada (n.º 2).

Não se aplica o disposto no número anterior nos casos de violação de pacto privativo de jurisdição e de preterição do tribunal arbitral (n.º 3).

O regime previsto no n.º 2 deste artigo constitui uma manifestação prática e concreta do princípio da economia processual. Aproveitam-se os articulados e os atos processuais que eles impliquem, como seja a citação e a notificação[1].

No caso dos autos, o Juízo Cível, findos os articulados, declarou a sua incompetência absoluta por entender que se discute matéria para a qual o tribunal competente é o do trabalho e absolveu a R. da instância.

A A. veio requerer, nessa sequência, que os autos fossem remetidos ao tribunal do trabalho com aproveitamento dos atos já praticados. Não houve oposição da ré.

Os autos foram remetidos para o tribunal do trabalho e este passou a tramitar a ação como se só tivesse havido a petição inicial e como se a ré não tivesse sido citada para contestar.

A R. foi citada regularmente na sua pessoa, na pendência da ação no Juízo Cível, para contestar no prazo de 30 dias, com a advertência de que “Nos termos do disposto no art.º 228.º do Código de Processo Civil, fica V. Ex.ª citado para, no prazo de 30 dias, contestar, querendo, a ação acima identificada com a advertência de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo(s) autor(es)”.

A R. não contestou.

O art.º 567.º do CPC prescreve que se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor (n.º 1);

O processo é facultado para exame pelo prazo de 10 dias, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para alegarem por escrito, e em seguida é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito (n.º 2).

Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado (n.º 3).

Por sua vez, o art.º 54.º do CPT prescreve que recebida a petição, se o juiz nela verificar deficiências ou obscuridades, deve convidar o autor a completá-la ou esclarecê-la, sem prejuízo do seu indeferimento nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 234.º-A do Código de Processo Civil (n.º 1).

Estando a ação em condições de prosseguir, o juiz designa uma audiência de partes, a realizar no prazo de 15 dias (n.º 2).

O autor é notificado e o réu é citado para comparecerem pessoalmente ou, em caso de justificada impossibilidade de comparência, se fazerem representar por mandatário judicial com poderes especiais para confessar, desistir ou transigir (n.º 3).

O art.º 56.º do CPT prescreve que frustrada a conciliação, a audiência prossegue, devendo o juiz ordenar a notificação imediata do réu para contestar no prazo de 10 dias (alínea a) e determinar a prática dos atos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações, depois de ouvidas as partes presentes (alínea b).
O art.º 57.º do mesmo diploma legal prescreve que se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito (n.º 1).
Se a causa se revestir de manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado; se os factos confessados conduzirem à procedência da ação, a fundamentação pode ser feita mediante simples adesão ao alegado pelo autor (n.º 2).
No processo declarativo comum regulado no CPC não há audiência de partes. Recebida a petição inicial, o réu é citado para contestar no prazo de 30 dias.
No processo declarativo comum laboral é aberta conclusão ao juiz, o qual analisa a petição inicial e se entender que a ação é de prosseguir designa data para a audiência de partes. Se esta se frustrar, o réu é notificado para contestar no prazo de 10 dias.
Em termos de citação e em caso de não contestação, verificamos que os efeitos são iguais quanto aos factos alegados: consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.
Enquanto no processo cível o juiz concede 10 dias a cada uma das partes para se pronunciar por escrito e depois é proferida sentença conforme for de direito, no processo laboral é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.
Esta diferença de regime antes da prolação da sentença, poderá encontrar o seu fundamento no facto de já ter havido a possibilidade das partes debaterem o objeto da ação na audiência de partes. No caso de frustração da conciliação, o oferecimento da contestação reconduz-se à apresentação neste articulado da visão do demandado sobre o objeto do processo e das razões que determinam em seu entender a improcedência da ação.
Este articulado e a petição inicial constituirão, em regra, se não houver resposta ou articulado superveniente, a fonte donde promanam os factos que constituirão a base instrutória.
Do cotejo destes dois regimes, constatamos que os efeitos substantivos da falta de contestação são iguais. A única diferença é que o processo civil reforça os princípios da audição e do contraditório após o termo da fase dos articulados, ao prever a pronúncia das partes antes de ser proferida a sentença, enquanto no processo laboral estes princípios são realizados entre os articulados – entre o oferecimento da petição inicial e antes da contestação – e a sentença é proferida de imediato, julgando a causa conforme for de direito, tal como no processo cível.
Para efeitos de se poderem aproveitar os articulados no tribunal para onde o processo é remetido, é essencial apurar se no primeiro tribunal foram observadas todas as garantias para que as partes se pudessem pronunciar.
Analisada a tramitação do processo na fase dos articulados no processo comum civil, verificamos que a ré teve um prazo três vezes maior para organizar a sua defesa. A advertência para a falta de contestação foi efetuada em termos idênticos àquela que é efetuada no processo comum laboral. Esta análise permite concluir que a ré teve todas as condições para se defender e poder apresentar, querendo, a contestação no processo que decorreu sob a forma de processo comum na instância cível.
A citação aí efetuada observou as mesmas regras daquela que é prevista no processo laboral.
A única diligência não prevista no processo comum civil é a audiência de partes que é prévia à notificação para contestar.
A ré foi citada no Juízo Cível e não veio invocar a competência do tribunal de trabalho em detrimento da do tribunal cível e não arguiu a nulidade decorrente da não realização da audiência de partes, como poderia, caso assim o entendesse.
Em qualquer caso, o tribunal do trabalho supriu essa falta ao realizar a audiência de partes. Esta audiência permitiu que as partes pudessem conciliar-se e debater o objeto da ação antes de ser proferida a sentença, realizando uma função equivalente à notificação das partes para se pronunciarem por escrito no prazo de 10 dias prevista no CPC.
O tribunal do trabalho convidou a A. a aperfeiçoar a petição inicial, mas a parte não correspondeu ao convite, como consta do relatório, tendo apenas referido que não houve procedimento disciplinar em virtude da trabalhadora ter feito cessar o contrato de trabalho, pelo que o processo prosseguiu com a petição inicial sem qualquer alteração que justificasse a contestação da ré ou um articulado de resposta.
Neste contexto, por um lado, mostram-se preenchidos os requisitos previstos no art.º 99.º do CPC e por outro, os autos evidenciam que foram observadas as garantias de defesa da ré, pelo que devem aproveitar-se os articulados oferecidos e a citação desta para contestar, bem como os efeitos decorrentes da falta de contestação, decorrido que foi o prazo para a oferecer.
A R. não contestou porque não quis. A fase dos articulados estava finda quando os autos foram transferidos para o tribunal do trabalho, pelo que, nos termos referidos, não pode ser de novo reaberta esta fase e ser dada nova oportunidade à ré para contestar, uma vez que este direito se mostra validamente precludido.
Nestes termos, procede a apelação quanto à nulidade dos despachos que ordenaram nova citação da ré e notificação para contestar, revogam-se os despachos recorridos e os atos subsequentes, à exceção da convocação e realização da audiência de partes, devendo ser proferida sentença sobre o mérito da causa com os efeitos decorrentes da falta de contestação.
Em face do decidido, fica prejudicado o conhecimento da nulidade da sentença.

B2) A falta de contestação e a aplicação do direito

Como já referimos, a falta de contestação da ré tem como consequência considerarem-se confessados os factos articulados pela autora, sendo logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.

Realça-se que não se consideram provados os factos que só podem ser provados por documento escrito ou relativos a direitos indisponíveis (art.º 568.º do CPC, aplicável ex vi art.ºs 49.º n.º 2 e 1.º n.º 2, alínea a), do CPT).

Nos termos do art.º 57.º n.º 1 do CPT, consideram-se provados os factos seguintes alegados pela A. na petição inicial, excluindo-se os que forem de direito ou conclusivos:

1. A autora no âmbito da sua atividade comercial abriu um estabelecimento de venda de produtos alimentares regionais e cafetaria, na R. … Praia da Rocha;

2. A R. prestou trabalho à A. no referido estabelecimento entre junho de 2015 e 8 de abril de 2016, como empregada de balcão;

3. Sendo na prática a R. quem fazia a gestão do referido estabelecimento;

4. A autora sempre ajudou a R. e lhe deu todas as condições de trabalho;

5. Dando-lhe alojamento e alimentação gratuitamente, além do subsídio que recebia;

6. Dando-lhe transporte ou pagando-lhe as deslocações a Oliveira do Hospital, de onde é oriunda;

7. Quando a trabalhadora ingressou na empresa, era especialmente dedicada e empenhada, tendo feito um esforço acrescido para o arranque da loja, o que sempre foi reconhecido por todos e devidamente compensado;

8. A partir do fim do ano de 2015 e início do corrente, passou a ter uma relação de caráter pessoal com um indivíduo que trabalhava como stripper no R…, na Praia da Rocha;

9. A partir daí deixou de ser a habitual pessoa afável e simpática, passando para um estado em que nem cumprimentava os colegas quando entrava no trabalho;

10. Houve dias que não compareceu ao serviço sem dar qualquer aviso ou justificação, apresentando apenas justificações de baixa-médica dias depois, como aconteceu em 15 e 27 de março de 2016;

11. Durante os meses de janeiro, fevereiro e março de 2016 chegava atrasada ao trabalho entre uma hora ou duas horas;

12. Ausentou-se várias vezes por 4 ou 5 dias sem informar a A., alegando mais tarde que ia para consultas médicas, chegando a ser vista nesses períodos em Oliveira do hospital;

13. Tais comportamentos, mormente de faltas e ausências, levavam a atrasos na abertura da loja ou prestação de serviços;

14. O que originou manifestação de desagrado de alguns clientes, por várias vezes;

15. A pessoa referida em 8. permanecia na loja, durante o seu período de abertura, sempre em interação com a R. e com a conivência desta;

16. Falavam alto, com gritos e gargalhadas, sentados horas a fio com outros colegas, provocando mal-estar e desconforto nos clientes que ali entravam, sempre com a concordância e participação da R., responsável pela loja;

17. Por via de tal facto, começaram os clientes habituais a frequentar mais raramente a loja;

18. Mais tarde, sobretudo já no decurso dos primeiros meses deste ano, as gargalhadas passaram a grandes discussões e distúrbios que levaram a que os clientes continuassem a afastar-se;

19. O referido indivíduo e a R. discutiam em frente aos clientes e praticamente se agrediam, o que acontecia quase todos os dias;

20. Chegando mesmo o indivíduo a ameaçar a R. com uma faca e a espetá-la com violência numa mesa;

21. A R. passou a chegar atrasada ou a faltar sem avisar;

22. Tendo muitas vezes o colega S… que pedir ajuda a um outro trabalhador da empresa, Ó…, para estar na abertura da loja, pois que a R. se atrasava sistematicamente entre uma a duas horas;

23. Pelo que a loja passou a ser conhecida na vizinhança como um lugar não próprio e não recomendável;

24. Desde logo porque pouco arrumado e cuidado;

25. Começando depois a ser comentário comum na localidade e imediações, referindo-se as pessoas de forma depreciativa em relação à empresa ora A., nomeadamente dizendo que o negócio agora era de “boîtes”;

26. Mais correndo o comentário de que os proprietários não eram gente séria e que a loja não tinha qualquer qualidade;

27. Bem como o hotel nas imediações, propriedade da T…, grupo de que a A. faz parte, que segundo corria e ainda corre deve ser um lugar a evitar;

28. Ficou assim a A., em virtude do comportamento da trabalhadora, que era o rosto da A., com a sua imagem prejudicada;

29. A A. e os seus representantes eram conhecidos no local e pautando o seu desempenho profissional e comercial pelo rigor e seriedade;

30. Viu assim a A. o seu bom nome, reputação, imagem, prestígio e credibilidade afetados, pois que tais comportamentos foram colados à empresa;

31. E os clientes a afastarem-se cada vez mais, em consequência;

32. Mesmo os clientes habituais se afastaram ou passaram a ir ao estabelecimento menos frequentemente;

33. E a rentabilidade do estabelecimento diminuiu.

O direito

A A. pede a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 10 000, a título de danos não patrimoniais, acrescida da quantia que se vier a liquidar a título de danos patrimoniais causados pelo seu comportamento enquanto trabalhadora ao serviço da ré.

O art.º 483.º n.º 1 do Código Civil prescreve que aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

Entre a A. e a R., existiu um contrato de trabalho e a causa pedir funda-se em factos praticados pela trabalhadora durante a prestação de trabalho.

O art.º 126.º do CT prescreve que:

1. O empregador e o trabalhador devem proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações.

2 - Na execução do contrato de trabalho, as partes devem colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador.

Por sua vez, o art.º 128.º n.º 1 do CT prescreve que:

1. Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:

a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade;

b) Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade;

c) Realizar o trabalho com zelo e diligência.

Os factos provados mostram que a trabalhadora violou os deveres que mencionamos.

Esta violação causou danos na imagem da empresa e prejuízos patrimoniais, como resulta da diminuição de clientes.

O art.º 496.º do Código Civil prescreve que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (n.º 1).

O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º (n.º 4).

A violação pela trabalhadora dos deveres acima referidos, revestem gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito.

O comportamento da trabalhadora atingiu a imagem da empresa, o seu bom nome, o que constitui um dano imaterial, a compensar a título de danos não patrimoniais, e ao mesmo tempo provocou a diminuição de clientela, que constitui um dano patrimonial, suscetível de avaliação pecuniária.

No que concerne aos danos não patrimoniais, tendo em conta os critérios legais e os factos provados, a condição económica modesta da trabalhadora e a sua culpa, que nos parece leve se atentarmos ao contexto, até violento do companheiro que passou a frequentar o estabelecimento, afigura-se-nos que o montante de € 1 000, atualizado até esta data, é adequado a compensar este dano, considerando também que a diminuição da clientela será indemnizada pela via da prova do montante dos danos patrimoniais sofridos.

No que diz respeito aos prejuízos patrimoniais sofridos pela A., os factos provados não permitem liquidar o seu montante, pelo que se relega o seu apuramento para o incidente previsto nos art.ºs 358.º n.º 2 a 361.º do CPC.

Nesta conformidade, decidimos julgar a apelação procedente, revogar os despachos recorridos e anular os atos subsequentes, à exceção da audiência de partes realizada e respetiva convocação, e condenar a ré a pagar à autora:

1. A quantia de € 1 000 (mil euros), atualizada até esta data, a título de danos não patrimoniais.

2. A quantia que se vier a apurar no incidente de liquidação da sentença regulado nos art.ºs 358.º nº 2 a 361.º do CPC.

3. Absolver a ré do mais que é peticionado.


III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação procedente, revogar os despachos recorridos e anular os atos subsequentes, à exceção da audiência de partes realizada e respetiva convocação, e condenar a ré a pagar à autora a quantia de € 1 000 (mil euros), atualizada até esta data, a título de danos não patrimoniais, bem como a quantia que se vier a apurar no incidente de liquidação da sentença regulado nos art.ºs 358.º nº 2 a 361.º do CPC.

Absolver a ré do mais que é peticionado.

Custas pela apelante e apelada na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que esta beneficia.

Notifique.

(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 11 de abril de 2019.

Moisés Silva (relator)

Mário Branco Coelho

Paula do Paço

[1] Neste sentido, Freitas, José e Isabel Alexandre, Código de processo Civil Anotado, vol, 1.º, artigos 1.º a 361.º, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 230