| Acórdão do Tribunal da Relação de  Évora | |||
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| Relator: | ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO | ||
| Descritores: | EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA FORÇA PÚBLICA HABITAÇÃO | ||
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| Data do Acordão: | 10/02/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Sumário: | Não cabe ao Recorrido garantir ao Recorrente o direito constitucionalmente consagrado dos cidadãos à habitação condigna. | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Évora I – As Partes e o Litígio Recorrente / Executado: (…) Recorrida / Exequente: (…) – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Aberto Trata-se de uma execução para entrega de coisa certa, com fundamento em sentença, transitada em julgado, que condenou os RR a restituir ao A o prédio devidamente identificado, livre e devoluto de pessoas e bens, sob pena de ter lugar a entrega coerciva. Decorridos os trâmites processuais documentados nos autos, foi proferido despacho, a 19/04/2023, consignando que os Executados não beneficiam da proteção do regime legal previsto nas alíneas b) e c) do n.º 7 do artigo 6.º-E da Lei n.º 1-A/2020, dado que tal regime se destina apenas a proteger o executado se o imóvel lhe pertencer e for a sua casa de morada de família, ou quando esteja em causa uma situação jurídica de arrendamento e for demonstrada a situação de fragilidade do arrendatário ou ex-arrendatário, o que não se verifica no caso em apreço, determinando o prosseguimento da execução, concretizando-se a entrega judicial com requisição do auxílio da força pública, na medida do estritamente necessário à efetivação da diligência. II – O Objeto do Recurso O Agente de Execução apresentou-se a informar que o Executado não entregou voluntariamente o imóvel, requerendo, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 757.º e artigo 767.ºdo CPC, que seja autorizada a entrega com a intervenção da força pública de segurança competente. Foi proferido despacho, a 25/10/2023, declarando autorizar a requisição do auxílio da força pública, na medida do estritamente necessário à efetivação da diligência (artigos 626.º, n.º 3, 757.º, n.º 4 e 861.º, n.º 1, do CPC), mais determinando que, previamente à realização da entrega, seja observado o disposto no artigo 861.º do CPC. Inconformado, o Executado apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação do despacho recorrido, a substituir por outro que ordene a suspensão imediata dos autos de despejo. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes: «1.ª - O Estado deve promover a construção de habitação económica e social, estimulando a construção privada (subordinada ao interesse geral), o acesso à habitação própria ou arrendada e a criação de cooperativas de habitação e de autoconstrução. Também deve fomentar o estabelecimento de um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e o acesso à habitação própria. 2.ª - Sobressai em toda a sua importância o princípio da legalidade – a Administração está sujeita ao princípio da precedência da lei e tem de cumprir as leis que estabelecem os direitos a prestações, destacando-se o dever de emitir os regulamentos e praticar os atos necessários à respetiva execução. 3ª - Na sua vertente negativa, e conforme ensinam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, cit., pág. 834, em anotação ao artigo 65.º: “Consiste (…) no direito de não ser arbitrariamente privado da habitação ou de não ser impedido de conseguir uma; neste sentido, o direito à habitação reveste a forma de «direito negativo», ou seja, de direito de defesa, determinando um dever de abstenção do Estado e de terceiros, apresentando-se, nessa medida, como um direito análogo aos «direitos, liberdades e garantias» (cfr. artigo 17.º)”. 4ª - Por outro lado, a consagração de um direito fundamental à habitação não se compadece com soluções que admitam a privação arbitrária sem fundamento razoável, do direito a uma morada digna. 5ª - Com um regime de arrendamento que salvaguarda (ainda que de modo variável) o vínculo do contrato, impondo restrições ao proprietário privado, tais como a proibição de despejos sem motivo e a instituição de limites ao valor da renda – rendas apoiadas e condicionadas –, visando sempre a proteção dos cidadãos com menos possibilidades económicas. 6ª - O agregado familiar constituído pelo Recorrente, pela companheira e por 3 filhos menores de idade depositou toda a sua confiança no Estado Português que perante a existência de uma pandemia tudo iria fazer para preservar os cidadão de tal situação deveras clamorosa enquanto subsistir. 7ª - Os fundamentos da consagração da suspensão dos atos de execução do despejo basearam-se precisamente na subsistência da pandemia, a serem mantidos enquanto esta não cessar. 8ª - É natural que no Verão, tratando-se de uma gripe que só sobrevive com o frio, os efeitos tenham sido mitigados e daí que tivesse sido obtido consenso para a revogação da suspensão. 9ª - A questão que se coloca é a de saber se neste momento a pandemia continua ou não em processo de forte crescimento e na verdade é público e notório que tem vindo a ser imposto o uso de máscaras nas instituições hospitalares e o frio ainda nem sequer se tornou evidente. Coloca-se, pois, em causa o principio da legalidade pois que a um aumento da gravosidade da pandemia deveria corresponder um acréscimo na defesa da casa de morada de família, sobretudo quando como é o caso se trata de uma família sem recursos, tal como resulta da concessão do beneficio de apoio judiciário. 10ª - A colocação na rua faz com que os perigos para o agregado familiar sejam ainda mais gravosos, sendo certo que o Tribunal recorrido de forma inexplicável não se dignou proceder à marcação da inquirição das testemunhas arroladas, tudo se passando como se o concreto pedido de suspensão nunca tivesse sido formulado, com manifesto prejuízo para o Recorrente que assim se vê numa situação de inferioridade face aos Requerentes que tendo obtido a produção de tal podem continuar a sustentar a manutenção da medida enquanto se subsistam os pressuposto do agravamento causado pelo despejo. 11ª - Logo, terá de se concluir que levantamento da suspensão da execução do despejo é ilegal pois que contraria os fundamentos de tal medida no adiantar do Outono e progressivo agravamento do Covid 19. 12ª - Mais, é ainda inconstitucional no caso concreto ao colocar o agregado numa situação de perigo que faz piorar a fragilidade económica, ficando evidente uma discriminação em razão da origem. Naturalmente que tal exposição ao perigo choca face ao desejo de aumento exorbitante das rendas visto que foi o propósito do senhorio que alegou optar pelo despejo para alcançar uma renda superior. 13ª - De facto, o legislador que pretende efetivar os despejos estará a tratar de modo diverso os arrendatários, dado que não limita os aumentos de renda, nada justificando tal desigualdade de tratamento.» Não foram apresentadas contra-alegações. Cumpre apreciar se existe fundamento para obstar a diligência de entrega judicial mediante o auxílio da força pública, se necessário. III – Fundamentos A – Dados a considerar: os que decorrem do que acima se deixa exposto. B – A questão do recurso Consigna-se, desde já, que não temos em mãos a oposição à execução, nem o incidente de diferimento da desocupação do locado arrendado. O recurso reporta-se à autorização da efetivação da diligência de entrega mediante o auxílio de força pública, se necessário for. Por um lado, tal procedimento tinha já sido autorizado por despacho proferido a 19/04/2023, transitado em julgado. Por outro lado, nenhum argumento vem apresentado nas alegações de recurso que coloque em causa o acerto da autorização reiterada ao AE. Não cabe ao Recorrido garantir ao Recorrente o direito constitucionalmente consagrado dos cidadãos à habitação condigna. Não é indicado qualquer fundamento que evidencie que a entrega judicial foi ordenada “sem motivo.” Não estava em causa uma relação de arrendamento, pelo que não cabe chamar à colação as questões atinentes a limites de valor da renda, renda condicionada ou apoiada. O que, aliás, seria de suscitar em sede de oposição à execução, e não em reação ao despacho que autoriza o uso de auxílio de força pública. As questões atinentes a vírus que possam eventualmente afetar o agregado familiar do Recorrente não são aptas a colocar em causa a decisão de entrega com o auxílio de força pública. É manifesto que improcedem as conclusões da alegação do presente recurso, inexistindo fundamento para revogação da decisão recorrida. As custas recaem sobre o Recorrente, sem prejuízo do benefício ao apoio judiciário – artigo 527.º, n.º 1, do CPC. IV – DECISÃO Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida. Custas pelo Recorrente. * Évora, 2 de outubro de 2025 Isabel de Matos Peixoto Imaginário Anabela Raimundo Fialho Miguel Vieira Teixeira |