| Acórdão do Tribunal da Relação de  Évora | |||
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| Relator: | MANUEL BARGADO | ||
| Descritores: | MAIOR ACOMPANHADO IMPROCEDÊNCIA ILEGITIMIDADE | ||
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| Data do Acordão: | 10/16/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
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| Sumário: | I – Não estar suficientemente comprovado nos autos que o estado de saúde da requerida/beneficiária a incapacita de formular validamente a vontade, ou que exista fundamento atendível que justifique o suprimento do consentimento, é uma questão que tem a ver com o mérito da causa e não com a legitimidade ad causam da requerente. II – Na pureza da técnica jurídica, a questão da legitimidade do substituto e a questão da legitimidade do beneficiário não podem merecer respostas díspares por via da duplicidade de critérios utilizados. Se o próprio beneficiário requerer o acompanhamento de forma totalmente infundada quanto ao mérito, porque é patente estar lúcido e capaz, o juiz não extingue a instância por falta de legitimidade, mas julga a ação improcedente. III - Assim, porque no caso em apreço a questão decidenda se situa no plano do mérito da ação, tal implica necessariamente um juízo de improcedência desta, com a consequente absolvição da requerida/beneficiária do pedido e não da instância. | ||
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| Decisão Texto Integral: | Proc. nº 2492/24.3T8FAR.E1 Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO AA, invocando a sua qualidade de filha, veio requerer a aplicação do regime de acompanhamento à requerida BB, alegando, em resumo, que a mesma tem um comportamento instável, agressivo e conflituoso, constituindo perigo para pessoas e bens, e demonstra não ter orientação para gerir os bens pessoais, nomeadamente o prédio urbano de que é proprietária e onde a Requerente reside com o seu companheiro, revelando a Requerida comportamentos descontrolados em que tenta invadir a residência sem respeito pelos seus ocupantes, exigindo uma chave e frequentar a casa. Mais alega a Requerente que pretende ajudar a Requerida sua mãe, ao nível dos cuidados de saúde tal como na orientação e proteção do seu património, sendo manifesto que esta necessita de medidas de acompanhamento, mas que as rejeita ou não aceita pedi-las voluntariamente, não estando em condições de prestar livre e conscientemente a sua autorização. Para acompanhante da beneficiária a Requerente indica-se a si própria. A Requerida contestou. pugnando pela improcedência da ação por falta de fundamento, afirmando estar na posse das suas faculdades psíquicas e capaz de gerir a sua pessoa e bens. Foi elaborado o relatório pericial a que alude o art. 899º do CPC. Procedeu-se à audição pessoal e direta da beneficiária e da Requerente. De seguida foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: «Face às considerações jurídicas tecidas e à factualidade provada, julgo a Requerente parte ilegítima para a propositura destes autos e, em consequência, absolvo a Requerida BB da instância.» Inconformada, a Requerente apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que se transcrevem: «1. O tribunal pode suprir a falta de consentimento, caso haja um motivo ponderoso. Assim, deve entender-se que há um motivo ponderoso na situação em apreço em que a requerida apresenta um perfil de quem coloca os seus bens em risco, prosseguindo cegamente o intuito de perturbar a paz, privacidade e permanência da única filha na habitação em que residiu durante toda a vida, por forma a deixá-la desalojada e jamais lhe dar acesso a qualquer bem da sua propriedade. 2. Os meios usados pela Requerida para atingir os fins são todos e quaisquer se revelem possíveis, ainda que não sejam éticos nem respeitadores dos direitos de qualquer cidadão, tal como sucede in caso em que a requerida suspendeu o fornecimento de água à habitação onde a requerente reside. 3. Ficou provado no facto 21 que “A Requerida é possuidora de diagnóstico de Perturbação não Especificada de Personalidade, o que lhe determina um comportamento impulsivo e por vezes agressivo, desprezo por normas sociais e indiferença ou desrespeito pelos direitos e pelos sentimentos dos outros”. 4. Não seria expectável que a Requerida, prosseguindo os intuitos destrutivos da harmonia familiar e os interesses de se apoderar do património que tem demonstrado, viesse a consentir na instauração da presente ação. 5. Logo, no caso em apreço, deve a Requerente ser considerada parte legítima e deve o Tribunal suprir o consentimento da Requerida. 6. A ora Recorrente requereu que o acompanhamento se destinasse ao mínimo necessário, ou seja no que concerne à gestão do património. 7. Quanto a essa questão, o Tribunal a quo decidiu que as atitudes da Requerida constituem reação à iniciativa de mudança da fechadura levada a cabo pela Requerente. 8. Contudo, como foi explicitado pela Recorrente em audiência, a mudança de fechadura destinou-se a garantir a sua segurança e privacidade. Como se provou no ponto 21, a Requerida é uma pessoa agressiva que age por impulso, ignorando e desrespeitando os direitos e sentimentos dos outros. 9. Foi junta ao requerimento inicial como Doc. 1 a petição no processo de tratamento involuntário onde se alegou que a Requerida protagonizou desde cedo episódios de violência contra a sua filha, ora Recorrente e tentou invadir a sua privacidade baseada no facto da casa lhe pertencer. 10. A Requerida é a proprietária do imóvel onde reside a sua filha ora Recorrente. Contudo, o direito de propriedade da Requerida não é absoluto e a mesma está obrigada a respeitar a privacidade dos habitantes e não pode entrar no imóvel sem aviso prévio e justificativa, exceto em situações de emergência, tal como sucede na relação senhorio e inquilino. 11. Independentemente de ser contra a sua vontade que a filha habita a casa, é nessa mesma casa que a filha reside e onde tem direito à sua privacidade e segurança. 12. Os sintomas que a Requerida apresenta e resultaram provados (“desprezo por normas sociais e indiferença ou desrespeito pelos direitos e pelos sentimentos dos outros” e “comportamentos agressivos ou impulsivos”) fazem com que a autogestão da sua pessoa e bens da seja orientada de acordo com essa falta de valores. 13. Se o relatório de perícia psiquiátrica considerou que no caso vertente não estão preenchidos os pressupostos para o acompanhamento nas tarefas do dia a dia e nos cuidados de saúde, questão diversa é a gestão do património. 14. A lei protege os patrimónios mal geridos, impedindo o seu mau uso e o risco de delapidação 15. A Requerida não poupará esforços para privar a única filha de usufruir das condições mínimas de conforto que o seu património possa proporcionar. 16. A pretensão da Requerente é legítima e apenas pretende que seja dada a melhor e mais orientada utilidade ao património da Requerida, sem que os familiares mais próximos tenham que se sentir vítimas da sua conduta. 17. Caso não seja viável acompanhar a Beneficiária na gestão da sua pessoa, e considerando que o acompanhamento não tem necessariamente que ser totalmente impeditivo e limita-se ao necessário (artigo 145º, nº 1 do Código Civil), afigura-se que a decisão mais justa nos presentes autos seria a aplicação das alíneas c) e d) do nº 2 do citado artigo 145º do CC, bem como o nº 3 desse mesmo artigo. 18. Ou seja, deveria ser decretado o acompanhamento apenas no que se refere às decisões e pretensões da Requerida relativas à disposição de bens, e maxime em relação ao prédio descrito no artigo 12º do Requerimento inicial, que é a habitação da Requerente. Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente e assim deverá: 1º – A Recorrente considerar-se parte legítima nos presentes autos e deve o consentimento da Requerida ser judicialmente suprido; 2º – O Tribunal concluir no sentido de que se justifica o acompanhamento da Requerida nas questões relativas à gestão do património.» Não foram apresentadas contra-alegações. Cumpre apreciar e decidir. II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a única questão a decidir é a de saber se assiste legitimidade ad causam à Requerente e, em caso afirmativo, se se mostram preenchidos os requisitos legais do decretamento do acompanhamento de maior relativamente à beneficiária/requerida. III – FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos: 1- A Requerida BB nasceu em ........1976, em Faro, é filha de CC e de DD, é divorciada de EE desde ........2011, com quem se casou em ........1999. 2- A Requerida é mãe de AA, nascida em ........2001. 3- A Requerida é funcionária da Câmara Municipal de Cidade 1 há 22 anos, prestando serviço na área dos “Espaços Verdes” daquele município. 4- Mostra-se averbado em nome da Requerida, desde 16.06.2011, o veículo automóvel Ford Fiesta 1.1, com a matrícula ..-..-FI. 5- Mostra-se descrito sob o nº 5832/19990312 da Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 o prédio urbano sito na Rua 1, nº35, inscrito na matriz sob o artigo 2745, estando averbada a sua aquisição a favor da Requerida, por partilha subsequente a divórcio, pela ap. 2995 de 2011/06/16. 6- O referido prédio foi adquirido pela Requerida e ex-marido e nele sempre residiram com a Requerente, desde que esta tinha 1 ou 2 anos de idade, até ao divórcio dos primeiros e depois disso Requerente e Requerida continuaram a ali residir. 7- Naquele prédio também residiu durante vários anos, e desde data anterior ao divórcio da Requerida, o irmão desta FF. 8- Após o divórcio, o ex-marido da Requerida passou a residir no Sítio ..., Vila 1, Cidade 2. 9- Há cerca de 2 anos o namorado da Requerente GG passou a residir com esta naquele prédio. 10- A Requerida manifestou desacordo quanto à permanência dos dois no prédio e pediu à Requerente que encontrasse outro local para habitar com o namorado. 11- Depois do divórcio, a Requerida presta cuidados e ajuda ao ex-marido, que padece de vários problemas de saúde, sendo a Requerida que lhe confeciona a refeições, faz as compras e monitoriza a toma da medicação. 12- Por via da ajuda que presta ao ex-marido, a Requerida, desde há alguns anos, passou a pernoitar algumas vezes em casa daquele e, mais recentemente, pernoita com mais frequência. 13- Não obstante, pelo menos até 16 de Junho de 2024, a Requerida deslocava-se com regularidade ao prédio referido em 5, onde tem os seus pertences pessoais (vestuário, calçado, etc) e onde recebe a sua correspondência. 14- Em 16.06.2024 a Requerente e o namorado diligenciaram pela mudança de fechadura daquele prédio e recusam-se a entregar cópia da chave à Requerida, apesar desta o ter solicitado. 15- Na sequência do antes referido, a Requerida diligenciou pela suspensão dos contratos de fornecimento de eletricidade e água ao prédio identificado em 5. 16- A Requerente estabeleceu contrato de fornecimento de eletricidade ao prédio antes identificado. 17- Por FF foi intentado processo de tratamento involuntário relativo à Requerida, no âmbito do qual foi realizada avaliação clínica a esta. 18- Por relatório de avaliação clínico-psiquiátrica datado de 8.10.2024, os médicos psiquiatras que avaliaram a Requerida fizeram consignar que: (a Requerida) «não apresenta qualquer alteração compatível com Doença mental grave» e ainda «sem indicação para tratamento apurável» e «Não apuramos ideação auto e heteroagressiva», «ausência de doença mental ou psicopatologia apurável», «ausência de necessidade de tratamento por doença mental.» 19- Naquele processo foi proferida sentença, em 26.11.2024, pela qual foi decidido «não determinar o internamento, nem o tratamento involuntário em regime ambulatório de BB.» 20- A Requerida não outorgou testamento vital ou procuração para cuidados de saúde. 21- A Requerida é possuidora de diagnóstico de Perturbação não Especificada de Personalidade, o que lhe determina um comportamento impulsivo e por vezes agressivo, desprezo por normas sociais e indiferença ou desrespeito pelos direitos e pelos sentimentos dos outros. 22- O quadro clínico terá começado a ter impacto no funcionamento biopsicossocial da Requerida desde 1997 (aquando do seu internamento no Serviço de Psiquiatria no Hospital de Cidade 2), sendo o mesmo ligeiro. 23- A Requerida apresenta-se calma e colaborante e com aspecto cuidado e asseado. 24- A Requerida tem noção da sua localização espácio-temporal. 25- A Requerida apresenta um discurso coerente e conexo e compreende o que lhe é solicitado. 26- Neste momento, não se apura psicopatologia relevante, nomeadamente sintomatologia do foro depressivo, psicótico ou maniforme e não se apura ideação auto ou heteroagressiva. 27- A Requerida sabe ler e escrever. 28- A Requerida não evidencia défices cognitivos significativos. 29- A Requerida possui capacidade de pensamento abstrato. 30- A Requerida é capaz de cumprir ordens simples e de média complexidade e faz cálculos aritméticos simples. 31- A Requerida conhece o dinheiro e tem noção do seu valor, sendo capaz de realizar trocos simples. 32- A Requerida tem noção da proporção ou valor dos bens e serviços. 33- A Requerida tem capacidade para distinguir o bem/mal, lícito/ilícito, querer/poder e de se autodeterminar de acordo com essa avaliação. 34- A Requerida não concorda com a propositura desta ação. Mais se considerou que não ficaram por provar outros factos com interesse para a decisão da causa. O DIREITO Dispõe o nº 1 do art. 141º do Código Civil1, que «[o] acompanhamento é requerido pelo próprio ou, mediante autorização deste, pelo cônjuge, pelo unido de facto, por qualquer parente sucessível ou, independentemente de autorização, pelo Ministério Público. E dispõe o nº 2 do mesmo preceito que «[o] tribunal pode suprir a autorização do beneficiário quando, em face das circunstâncias, este não a possa livre e conscientemente dar, ou quando para tal considere existir fundamento atendível». Por último, o pedido de suprimento da autorização pode ser cumulado com o pedido de acompanhamento, devendo, nesse caso, o requerente alegar os factos que o fundamentam (art. 892º, nº 2, do Código de Processo Civil2). Têm assim legitimidade para requerer o suprimento o cônjuge, o unido de facto e qualquer parente sucessível. Lê-se, a este propósito, em Nuno Andrade Pissarra: Neste enquadramento, «estes sujeitos não litigam como substitutos processuais, mas sim como titulares diretos do objeto da lide, que se prende com a questão do suprimento. Uma vez que tais sujeitos carecem de autorização para instaurar a ação especial de acompanhamento, então tem de se lhes reconhecer legitimidade direta para solicitarem, em juízo, o suprimento da autorização de que precisam, e na medida em que ela seja precisa»3. O requerente do suprimento deve expor os factos que o fundamentam no requerimento inicial da ação (art. 892º, nº 2, do CPC). De acordo com o art. 141º, nº 2, do CC, o tribunal pode (deve) suprir a autorização do beneficiário quando: (i) este a não possa livre e conscientemente dar; (ii)ou haja fundamento atendível. Lê-se em Nuno Andrade Pissarra4. «São, portanto, os factos jurídicos concretos integrantes destes fundamentos que o requerente há de invocar e o juiz ponderar. Segue-se que, para efeitos da decisão do suprimento, os fundamentos para o decretamento do acompanhamento não relevam. Para obter o suprimento da autorização, o requerente não tem de provar, ainda que perfunctoriamente, os pressupostos positivos e negativos do acompanhamento, sob pena de se lhe estar a exigir que demonstre ter razão (vera ou aparente) quanto ao mérito no momento em que em cima da mesa está tão-somente posta a questão da sua legitimidade. O requerente há de provar os factos correspondentes às condições enunciadas no art. 141º, nº 2 – e nada mais do que isso. (…). Quando ocorre fundamento atendível? Suponha-se que o demandante alega que o maior beneficiário não pode livre e conscientemente autorizar a proposição da ação e que este, pela resposta e na sua audição, logra convencer o juiz de que está perfeitamente lúcido. Ou imagine-se que o requerente, sendo parente sucessível do beneficiário, se limita a alegar que este, sendo maior, conscientemente se recusa a autorizar a proposição da ação. Dir-se-ia: em nenhuma destas hipóteses há lugar ao suprimento.» No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.04.20225, transcreveu-se o seguinte trecho da decisão aí recorrida: «(…) aceitar-se que se verifica fundamento atendível para suprir a autorização do beneficiário em todas as situações em que este não autorize o acompanhamento mas seja, em maior ou menor medida, beneficiado por ou carecido dele configura, quanto a nós, a subversão da intenção legislativa e o esvaziamento da necessidade de autorização do próprio, reconduzindo-a a mera formalidade processual e substantivamente inconsequente». Segundo Nuno Andrade Pissarra6, «[e]sta passagem põe o dedo na ferida. Mas é replicável. Por um lado, a “intenção legislativa” coloca, neste particular, o interesse do beneficiário acima da respetiva vontade (…). O princípio da vontade não é soberano absoluto do novo regime do maior acompanhado: a conflituar com ele e a destroná-lo, está, às vezes o princípio do interesse (…). Disso é prova cabal a legitimidade independente do Ministério Público. Ao que acresce que o substituto processual, ainda que voluntário, não é representante do beneficiário e de sua vontade: é um instrumento que a lei impõe ao serviço do seu interesse. Por outro lado, a necessidade de autorização do beneficiário não fica reconduzida “a mera formalidade processual” desprovida de significado. No processo de suprimento, o julgador terá de verificar se o cônjuge é cônjuge, o unido de facto é unido de facto, o parente sucessível é parente sucessível, o beneficiário é maior e a autorização foi recusada. Seja como for, o principal é isto: só está em causa o pressuposto processual legitimidade. O substituto propõe a ação sem sequer alegar o básico do básico com respeito aos fundamentos do acompanhamento? A petição é inepta – mata-se o processo. O requerente alega o essencial? É parte legítima – sigam os autos. O que alega não tem fundamento? A ação improcede – o beneficiário vence». Revertendo ao caso concreto, verifica-se que a requerente, invocando a qualidade de filha da beneficiária instaurou a presente ação alegando, em síntese, que a beneficiária sua mãe tem um comportamento instável, agressivo e conflituoso, constituindo perigo para pessoas e bens, e demonstra não ter orientação para gerir os bens pessoais, nomeadamente o prédio urbano de que é proprietária e onde a Requerente reside com o seu companheiro. Lê-se na decisão recorrida: «Em face da factualidade apurada, importa concluir que a Requerida se encontra no normal uso das suas capacidades, dispondo de competências psíquicas para, de modo autodeterminado e consciente, conceder a autorização exigível para assegurar a legitimidade da Requerente. Como linearmente decorre daquela factualidade, a Requerida apresenta diagnóstico de Perturbação Não Especificada de Personalidade, que lhe determina um comportamento impulsivo, por vezes agressivo, desprezo por normas sociais e indiferença ou desrespeito pelos direitos e pelos sentimentos dos outros. Contudo, esse quadro não lhe retira a capacidade para distinguir o bem e o mal e para se autodeterminar de acordo com essa avaliação. Ou seja, a Requerida tem capacidade para, de modo autodeterminado, decidir sobre a concessão ou não da autorização que constitui pressuposto de legitimidade da Requerente. Assim, não está a Requerida impossibilitada de dar o seu consentimento para a propositura de uma acção com vista ao seu acompanhamento, caso assim o entendesse. Defende ainda a Requerente que a Requerida carece de acompanhamento na gestão do património por, na versão da Requerente, a Requerida pretender privar a Requerente do direito à habitação, pois impede-a de usufruir das condições mínimas de conforto, entendendo a Requerente que pode dar melhor e mais orientada utilidade ao património da Requerida. Como se retira da factualidade selecionada, o prédio onde a Requerente habita pertence exclusivamente à Requerida e esta manifestou não concordar com o facto de a sua filha residir naquele prédio com o namorado. As atitudes da Requerida identificadas no ponto 15, que não aprovamos, constituem reação à iniciativa de mudança da fechadura (ponto 14) levada a cabo pela Requerente, que também não podemos aprovar. Na medida em que o prédio em causa é propriedade da Requerida, esta tem o direito de autorizar ou não autorizar quem nele pode habitar. A Requerente não tem qualquer direito de impor à Requerida quem deve habitar no prédio. Não vislumbramos, por isso, que tenham ficado demonstrados comportamentos da Requerida que sejam danosos ou dissipadores do seu património. Assim, também não se considera estar demonstrado motivo que fundamente o suprimento da concessão da autorização para garantir à Requerente a legitimidade para requerer o acompanhamento, pelo que se impõe considerar a Requerente como parte ilegítima.» Porque reflete uma correta análise da situação em apreço, concordamos com este trecho da decisão recorrida, exceto quando, na parte final, se considera a requerente como parte ilegítima. É que o facto de não estar suficientemente comprovado que o estado de saúde da requerida a incapacita de formular validamente a vontade ou que exista fundamento atendível que justifique o suprimento do consentimento, tem a ver com o mérito da ação e não com a legitimidade ad causam da requerente. Na verdade, como explica Nuno Andrade Pissarra7, «[n]a pureza da técnica jurídica, a questão da legitimidade do substituto e a questão da legitimidade do beneficiário não podem merecer respostas díspares por mor da duplicidade de critérios utilizados. Se o próprio beneficiário requerer o acompanhamento de forma totalmente infundada quanto ao mérito, porque é patente estar lúcido e capaz, o juiz extingue a instância, por falta de legitimidade, ou julga a ação improcedente? A resposta é óbvia: improcede a ação». Assim, porque a questão dos autos se situa no plano do mérito da ação, e porque a factualidade provada não dá razão à pretensão da requerente/recorrente, tal implica necessariamente um juízo de improcedência da ação com a consequente absolvição da requerida/beneficiária do pedido e não da instância. Por conseguinte, ainda que por fundamentos não totalmente coincidentes, improcede o recurso. Vencida no recurso, suportaria a requerente/recorrente as respetivas custas, nos termos do art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC, beneficiando a mesma, porém, de apoio judiciário. Sumário: (…) IV – DECISÃO Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida, ainda que com fundamentação reforçada, e com o alcance de absolver a requerida do pedido. Custas nos termos sobreditos. * Évora, 16 de outubro de 2025 Manuel Bargado (relator) Susana da Costa Cabral Ana Pessoa 
 ________________________________________ 1. Doravante CC.↩︎ 2. Doravante CPC.↩︎ 3. Nuno Andrade Pissarra, Processo Especial de Acompanhamento de Maiores – Comentário aos artigos 891.º a 904.º do Código de Processo Civil, AAFDL Editora, Lisboa/2023, p. 58.↩︎ 4. Idem, pp. 59-60.↩︎ 5. Proc. 144/21.5T8PMS.C1, in www.dgsi.pt.↩︎ 6. Processo Especial de Acompanhamento de Maiores, cit., p. 68.↩︎ 7. Ibidem.↩︎ |