Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | PAULA DO PAÇO | ||
Descritores: | PODERES DE COGNIÇÃO PODERES DO JUIZ JUNÇÃO DE DOCUMENTOS | ||
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Data do Acordão: | 10/08/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | ii)- No âmbito do seu poder-dever de gestão processual, o juiz pode determinar a junção dos originais dos documentos letronicamente apresentados. ii)- As situações referidas na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º da Portaria n.º 280/2013, de 26-08 e no n.º 5 do artigo 144.º do Código de Processo Civil, são meramente exemplificativas de situações em que o juiz pode determinar a junção dos originais dos documentos. (sumário da relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Emília Ramos Costa; 2.ª Adjunto: Moisés Silva I. Relatório Na ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que A…(autora) move contra Santa Casa da Misericórdia do … (ré), aquela requereu ao tribunal de 1.ª instância que notificasse a ré para juntar aos autos os originais das atas apresentadas, considerando que as mesmas não estão impressas num livro de atas comum e as respetivas páginas não se mostram numeradas e rubricadas, como é habitual nos livros de atas. Na sequência, a 1.ª instância proferiu o seguinte despacho, datado de 13-03-2020: «Notifique a Ré para que, em 10 dias, proceda à junção aos autos dos originais das atas cujas cópias juntou no requerimento que antecede, conforme solicitado pela Autora.» Em 30-04-2020, foi proferido despacho com o teor que, seguidamente, se transcreve: «O artigo 7º da Lei nº 1-A/2020 de 19 de Março, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 4-A/2020 de 6 de Abril, veio regular prazos atos e diligências processuais no âmbito dos processos que corram termos nos tribunais judiciais durante o período em que se mantiverem em vigor as medidas restritivas adotadas durante de estado de emergência nacional motivado pela situação de pandemia mundial causada pelo vírus COVID -19. Considerando que os presentes autos revestem a natureza de processo urgente nos termos do artigo 26º do CPT, a sua tramitação processual deverá obedecer ao regime estabelecido no nº 7º do mencionado preceito legal, do qual resulta que “os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos”, sendo certo que apenas no que diz respeito à realização de diligência que impliquem a presença física dos intervenientes processuais o tribunal deverá indagar, contactando estes últimos, sobre a viabilidade da sua realização “através de meios de comunicação à distância adequados”, concretamente através da plataforma Webex disponibilizada pelo Ministério da Justiça. Clarificada a interpretação do normativo acima identificado, determino se notifique novamente a Ré para, no prazo de 8 dias, proceder à junção aos autos dos originais das atas, conforme lhe havia sido já determinado no despacho precedente.» Em 18-05-2020, a 1.º instância proferiu o despacho que se transcreve: «Considerando o teor da informação supra lavrada, determino se notifique novamente a Ré, desta feita advertindo-a que, caso não proceda à junção dos documentos em falta num último prazo de 8 dias que agora se concede, o tribunal avançará para o início da produção de prova na audiência final, considerando-se precludida a possibilidade de apresentação dos mesmos em momento posterior e assacando-se as legais consequências à inexistência de tais documentos para efeitos de legitimação do procedimento disciplinar sindicado os presentes autos.» Posteriormente, em 04-06-2020, mediante informação prestada pela secretaria de que a ré não havia apresentado os originais dos documentos no prazo concedido para o efeito, foi decidido o seguinte: «Considerando o teor da informação supra lavrada a atendendo à cominação efetuada no despacho precedente, considera-se precludida a possibilidade de apresentação dos documentos em falta em momento posterior e assacar-se-ão as legais consequências à inexistência de tais documentos para efeitos de legitimação do procedimento disciplinar sindicado os presentes autos. (…)» Não se conformando com tal decisão, veio a ré interpor recurso da mesma, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: «1) Veio o Tribunal “a quo” a, no douto despacho ora posto em crise, decidir que: “Considerando o teor da informação supra lavrada a atendendo à cominação efetuada no despacho precedente, considera-se precludida a possibilidade de apresentação dos documentos em falta em momento posterior e assacar-se-ão as legais consequências à inexistência de tais documentos para efeitos de legitimação do procedimento disciplinar sindicado os presentes autos.” Tal douto despacho, vem na sequência do proferido em 13/03/2020, com o seguinte teor:” Notifique a Ré para que, em 10 dias, proceda à junção aos autos dos originais das atas cujas cópias juntou no requerimento que antecede, conforme solicitado pela Autora.” 2) Ora, sendo que este último a que nos referimos veio na sequência do peticionado pela A, sendo o pedido da A. feito por articulado de 12/03/2020, e a decisão tomada por despacho de 13/03/2020, logo, sem respeito pelo prazo de exercício do contraditório que a R. poderia querer exercer, o que, fere de nulidade o douto despacho. Contudo, é verdade que a R. não arguiu-se no prazo geral tal nulidade e por isso, entende que a mesma se encontra sanada, ainda que persista como irregularidade. 3) Sucede que, a douta decisão aqui recorrida é ilegal, como a seguir se demonstrará, devendo por isso ser o douto despacho que a contém revogado. 4) Com a desmaterialização dos processos, a Portaria n.º 2808/2013, de 26/08, publicada no DR n.º 163/2013, Série I de 2013-08-26, vem determinar a dispensa de apresentação de originais, sendo que diz o seu artigo 4.º sob o título “Apresentação de peças processuais e documentos por via eletrónica”: “1 – A apresentação de peças processuais e documentos por transmissão eletrónica de dados dispensa a remessa dos respetivos originais, duplicados e cópias, nos termos da lei. 2 - O disposto no n.º 1 não prejudica: a) O dever de exibição das peças processuais em suporte de papel e dos originais dos documentos juntos pelas partes por transmissão eletrónica de dados, sempre que o juiz o determine, designadamente, quando: i) Duvidar da autenticidade ou genuinidade das peças ou dos documentos; ii) For necessário realizar perícia à letra ou assinatura dos documentos. b) Que, nos processos penais e tutelares educativos, sejam integrados no suporte físico do processo os originais das peças e documentos apresentados nessa forma pelo Ministério Público. 3 - A apresentação de peças processuais e documentos pelos magistrados do Ministério Público é efetuada por transmissão eletrónica de dados, através de módulo específico do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.” 5) Ora, à R. não competia apresentar quaisquer originais, exceto se perante uma das 2 situações concretas identificadas na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º da citada Portaria, a saber: “o juiz o determine, designadamente, quando: i) Duvidar da autenticidade ou genuinidade das peças ou dos documentos; ii) For necessário realizar perícia à letra ou assinatura dos documentos.” 6) Assim, a obrigação da R. apenas existe se o juiz o determinar fundamentando com uma das 2 situações que a lei indica. 7) Sucede que, o Tribunal ”a quo” limita-se a determinar a junção dos originais, sem contudo fundamentar se põe em causa a autenticidade ou genuinidade ou se pretende submeter as peças a perícia. 8) Assim, porque omitiu tal formalidade, não pode aplicar sanções ou cominações à não entrega dos originais, quando, formal e legalmente, a R. não estava obrigada à entrega destes. 9) Pelo que, o douto despacho ora recorrido se encontra ferido de ilegalidade, e porque também ele não fundamenta a razão pela qual foi determinada a junção dos originais é nulo e deverá por isso ser revogado.» Contra-alegou a autora, propugnando pela improcedência do recurso. A 1.ª instância admitiu o recurso de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo. O valor da ação está fixado em € 37.687,77. Tendo o recurso subido à Relação, o Ministério Público emitiu o seu parecer, que foi no sentido da manutenção da decisão recorrida. Não foi oferecida resposta. Mantido o recurso e dispensados os vistos legais com a anuência dos Exmos. Adjuntos, cumpre apreciar e decidir. * II. Objeto do RecursoÉ consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho). Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são as seguintes: 1.ª Nulidade do despacho de que se recorre. 2.ª Ilegalidade do despacho recorrido. * III. Matéria de FactoA matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para a qual remetemos, sem necessidade da sua repetição. * IV. Nulidade do despacho recorridoNo recurso interposto, a recorrente arguiu a nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação. Pode ler-se na conclusão 9 do recurso que por não fundamentar a razão pela qual foi determinada a junção dos originais dos documentos (atas), o despacho é nulo. A falta de fundamentação, é uma das causas de nulidade legalmente previstas para a nulidade da sentença – artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral. Tal causa de nulidade mostra-se aplicável, com as necessárias adaptações, aos despachos judiciais – artigo 613.º, n.º 3 do Código de Processo Civil. De harmonia com o preceituado no n.º 1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. É consabido que a referida causa de nulidade apenas se verifica quando existe uma absoluta falta de fundamentação. Apreciemos, então, o despacho recorrido: «Considerando o teor da informação supra lavrada a atendendo à cominação efetuada no despacho precedente, considera-se precludida a possibilidade de apresentação dos documentos em falta em momento posterior e assacar-se-ão as legais consequências à inexistência de tais documentos para efeitos de legitimação do procedimento disciplinar sindicado os presentes autos.» Recordemos que a anteceder este despacho existia uma informação prestada pela secretaria, que referia que a ré não havia apresentado os originais dos documentos no prazo que lhe havia sido concedido para o efeito. Resulta do teor do despacho, inequivocamente, que o tribunal fundamentou a decisão assumida: - em virtude da ré não ter apresentado os originais dos documentos no prazo que lhe foi concedido para o efeito e tendo em consideração a cominação efetuada no anterior despacho, considerou-se precludida a possibilidade de apresentação dos documentos (originais das atas), sem prejuízo das legais consequências derivadas da inexistência de tais documentos para efeitos de legitimação do procedimento disciplinar que se aprecia nos autos. As razões do decidido mostram-se claramente expostas, pelo que não se verifica a invocada falta de fundamentação e a arguida nulidade do despacho. Acrescenta-se apenas, em jeito de esclarecimento, que o recurso interposto apenas permite sindicar o despacho de que se recorre e não qualquer outro despacho anteriormente proferido nos autos. Concluindo, improcede o primeiro fundamento do recurso apresentado. * V. Ilegalidade do despacho recorridoA recorrente pretende que o despacho recorrido seja revogado por ser, no seu entender, manifestamente ilegal. Nas alegações e conclusões do recurso sustenta, em breve síntese, que tal ilegalidade deriva da circunstância de não estar obrigada, por lei, a juntar os originais dos documentos. Cumpre apreciar a questão. Em primeiro lugar, parece-nos ser relevante contextualizar a apresentação das atas cujos originais a ré não juntou aos autos, não obstante a notificação nesse sentido, determinada por despacho judicial. Pela consulta eletrónica do processo principal, apercebemo-nos que por despacho proferido em 15-01-2019 (cfr. ata de audiência final da mesma data), a 1.ª instância determinou a notificação da ré para proceder à junção aos autos das atas das reuniões de direção da ré onde foram tomadas decisões relativas: - À instauração do procedimento prévio de inquérito; - À nomeação das instrutoras do processo; - À conversão do procedimento prévio de inquérito em procedimento disciplinar. No aludido despacho é expressamente referido: Tais documentos (…) revelam-se imprescindíveis para legitimar todo o procedimento disciplinar». Juntas as atas ao processo, via Citius, e notificada a autora do teor das mesmas, surge então o requerimento a que se alude no início do relatório deste acórdão, a pedir a notificação da ré para juntar aos autos os originais das atas. Seguiu-se a sequência processual que se mostra, também, supra relatada. Quid júris? O artigo 144.º do Código de Processo Civil O artigo contém as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 97/2019, de 26 de julho., aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho, estipula, com relevância para o caso que se aprecia, o seguinte: «1. Os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição. 2. A apresentação de peça processual nos termos do número anterior abrange também os documentos que a devam acompanhar, ficando a parte dispensada de remeter os respetivos originais, exceto quando o seu formato ou a dimensão dos ficheiros a enviar não permitirem o seu envio eletrónico, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º. (…) 4. Os documentos apresentados nos termos previstos no n.º 2 têm a força probatória dos originais, nos termos definidos para as certidões. 5. O disposto no n.º 2 não prejudica o dever de exibição das peças processuais em suporte de papel e dos originais dos documentos juntos pelas partes por via eletrónica, sempre que o juiz o determine nos termos da lei de processo, designadamente quando: a) Duvidar da autenticidade ou genuinidade das peças ou dos documentos; b) For necessário realizar perícia à letra ou assinatura dos documentos. (…).» A tramitação eletrónica dos processos judiciais é regulamentada pela Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto – artigo 1.º, n.º 1 do diploma. Prescreve o n.º 1 do artigo 4.º da portaria que a apresentação de peças processuais e documentos por transmissão eletrónica de dados dispensa a remessa dos respetivos originais, duplicados e cópias, nos termos da lei. Estipula o n.º 2 do artigo que o disposto no número anterior não prejudica: a) O dever de exibição das peças processuais em suporte de papel e dos originais dos documentos juntos pelas partes por transmissão eletrónica de dados, sempre que o juiz o determine, designadamente, quando: i) Duvidar da autenticidade ou genuinidade das peças ou dos documentos; ii) For necessário realizar perícia à letra ou assinatura dos documentos. b) Que nos processos penais e tutelares educativos, sejam integrados no suporte físico do processo os originais das peças e documentos apresentados nessa forma pelo Ministério Público. Tendo em consideração o estipulado nos dois diplomas legais, é possível concluir que não obstante a regra geral que impõe a apresentação eletrónica dos documentos pelas partes, o juiz pode sempre determinar, nos termos da lei de processo, a junção dos originais dos documentos. A circunstância da lei prever que tal poderá ser determinado designadamente, quando o juiz duvidar da autenticidade ou genuinidade das peças ou dos documentos ou for necessário realizar perícia à letra ou assinatura dos documentos, não impede que outras razões, suportadas pela lei adjetiva, conduzam à decisão judicial de notificar a parte para junção dos originais dos documentos. Assim o revela a utilização do advérbio “designadamente”, que é sinónimo de “especialmente”, “nomeadamente” Cfr. https://dicionario.priberam.org/designadamente e https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/designadamente, por exemplo.. Por curiosidade, pode ler-se no “Guia prático de regras a observar na redação de atos normativos da Assembleia da República” Link: https://www.parlamento.pt/DossiersTematicos/Documents/Reforma_Parlamento/guialegisticaformal.pdf. que a utilização do advérbio “designadamente” tem uma função exemplificativa. Deste modo, não assiste razão à recorrente quando refere que a lei apenas permite que o juiz determine a junção dos originais dos documentos nas duas situações expressamente previstas na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º da Portaria n.º 280/2013. No caso concreto, face aos elementos fornecidos pelos autos, é possível concluir que a Meritíssima Juíza a quo acolheu as razões apresentadas pela autora para justificar o requerimento a solicitar a notificação da ré para juntar os originais. São elas: não estarem as atas eletronicamente apresentadas impressas num livro de atas comum; e, não estarem as respetivas páginas numeradas e rubricadas, como é habitual nos livros de atas. Tais razões parecem emergir da existência de dúvidas sobre a autenticidade ou genuinidade dos documentos. Seja como for, o tribunal a quo considerou tais razões relevantes para, no âmbito do seu poder-dever de gestão processual, determinar a junção dos originais das atas. O despacho que assim decidiu é legal. A aplicação da cominação efetuada no despacho precedente também se mostra conforme à lei, pois as partes têm o dever de cooperar para a descoberta da verdade material, nomeadamente, facultando o que lhes for requisitado e praticando os atas que forem determinados – artigo 417.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. A recusa de colaboração é suscetível de ser sancionada – artigo 417.º, n.º 2 e 430.º, ambos do Código de Processo Civil. Em suma, o despacho recorrido não é ilegal, o que conduz à improcedência do recurso quanto ao fundamento agora analisado. Concluindo, há que julgar totalmente improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida. * V. DecisãoNestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso manifestamente improcedente, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida. Custas do recurso pela recorrente – artigo 4.º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais. Notifique. Évora, 8 de outubro de 2020 Paula do Paço (relatora) Emília Ramos Costa Moisés Silva |