Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1607/17.2T8ENT-D.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: VENDA
IRREGULARIDADE
ARGUIÇÃO DE IRREGULARIDADES
REMIÇÃO
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – Qualquer irregularidade do acto da venda está sujeita ao regime estabelecido no artigo 195.º do Código de Processo Civil pelo que a sua invocação, susceptível de prejudicar a venda, tem que ser efectuada no prazo de 10 dias a contar do seu conhecimento, sob pena de a mesma ficar sanada e precludir assim hipótese de impugnar a existência de qualquer vício.
2 – Apesar de se ter oposto à realização dessa transacção, a executada não goza de qualquer direito de veto sobre a venda, quando o valor da alcançado é superior àquela que consta do valor base anunciado, o agente de execução pode aceitar a proposta de mais valor mais alto apresentada.
3 – A lei processual civil estabelece taxativamente no n.º 1 do artigo 839.º, os casos em que a venda executiva fica sem efeito, neles não se incluindo a venda do imóvel efectuada pelo agente de execução por preço inferior ao seu real valor ou por falta de consentimento do executado ou de autorização do tribunal.
4 – No pedido de remição, perante a falta de pagamento, dado que se trata de uma condição sine qua non da perfeição negocial, o agente de execução está legitimado a concluir o acto de venda.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1607/17.2T8ENT-D.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Execução do Entroncamento – J3
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
Na presente acção executiva proposta por “(…) – Mármores e Granitos, Lda.” contra (…), esta veio interpor recurso do despacho que julgou improcedente diversas nulidades suscitadas.
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O despacho recorrido tinha o seguinte conteúdo:
«A executada (…) veio invocar nulidades processuais, em virtude de, em suma:
- o prazo de pronúncia para a adjudicação ter terminado a 30-05-2022 e a adjudicação ter sido nessa mesma data;
- se ter oposto à adjudicação a 02-12-2021;
- a decisão do valor do imóvel adjudicada não ter sido fundamentada;
- a 13-06-2022, a filha ter exercido o seu direito de remição, o que não foi atendido;
- os créditos ao Estado não se encontrarem pagos;
- a venda deveria ter sido suspensa, por estar em causa a casa de morada de família.
Para decisão quanto às questões colocadas, importa ter presente o seguinte:
- a 02-11-2020, a executada, na pessoa da Ilustre Mandatária que a representava, foi notificada da decisão de venda do bem, assim como o valor do mesmo, nada tendo solicitado ou requerido;
- a 21-10-2021, a executada, na pessoa da Ilustre Mandatária que a representava, foi notificada para se pronunciar se aceitava a proposta de compra do bem no valor de € 268.500,00 (duzentos e sessenta e oito mil e quinhentos euros), tendo a 04-11-2021 recusado tal proposta;
- a, pelo menos, 13-05-2022, depois da rectificação de um lapso do sr. Agente de Execução, a executada, na pessoa da Ilustre Mandatária que a representava, foi notificada para se pronunciar se aceitava a proposta de compra do bem já no valor de € 297.100,00 (duzentos e noventa e sete mil e cem euros), nada tendo dito ou solicitado (sendo certo que apenas recusou expressamente a proposta no valor de € 297.000,00 (duzentos e noventa e sete mil euros), mesmo depois de ser notificada a 30-05-2022 da decisão de adjudicação pela proposta de € 297.100,00 (duzentos e noventa e sete mil e cem euros);
- a 14-06-2022, a filha da executada manifestou interesse em exercer o direito de remição, referindo não poder depositar de imediato o preço por estar infetada com Covid, não há porém indicação de que até ao momento tenha depositado esse mesmo preço;
- a 22-07-2022, o sr. Agente de Execução informou o processo de que:
«(…), Agente de Execução nos presentes autos vem informar estado das diligências nos presentes autos:
... Apesar de notificada para o efeito, a sra. (…) que veio exercer a remição não apresentou cheque visado ou bancário.
Irei efectuar titulo de transmissão a favor de (…), credor, conforme já havia antes decidido.
A AE».
- a 06-09-2022, a executada veio arguir as nulidades agora em apreciação.
Cumpre decidir.
As nulidades de processo, importando a anulação do processado, são desvios do formalismo processual: prática de um acto proibido, omissão de um acto prescrito na lei e a realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
Nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
A nulidade tem, assim, dois elementos. O primeiro elemento é a existência de uma irregularidade, a qual ocorre quando foi praticado um acto que a lei não admita ou quando foi omitido um acto ou uma formalidade que a lei prescreva. O segundo elemento é que a irregularidade seja expressamente qualificada como nulidade ou possa influir no exame ou na decisão da causa.
Quanto à primeira questão colocada pela executada, julga-se que a requerente carece de razão. De facto, ainda que se admita que o prazo para pronúncia terminou a 30-05-2022, não há nulidade, porquanto não foram preteridos direitos de defesa da executada e, logo, não há o influir na decisão da causa. Com efeito, a executada nada fez até 06-09-2022, sendo certo que poderia / deveria ter reagido mais cedo (em dez dias) à decisão de adjudicação, se se achava lesada nos seus direitos.
Quanto à segunda questão, como se pode ver pela factualidade acima referida, a executada apenas se opôs a uma proposta de valor inferior, nada tendo dito quanto à proposta de valor superior. Neste âmbito, importa dizer que não eram duas propostas iguais, porquanto o valor das mesmas é distinto. Carece, por isso, também aqui de razão a executada requerente.
Quanto à terceira questão suscitada, mais uma vez se pode ver que os direitos da executada não estão lesados, já que a mesma não reagiu atempadamente, nem requereu oportunamente uma avaliação do prédio, se discordava do valor que lhe foi atribuído.
Improcede, por conseguinte, esta alegação.
Quanto à quarta questão, pode dizer-se que é até abusivo da parte da executada vir agora invocar nulidades processuais quanto à venda, já que, ao admitir que a sua filha exercesse o direito de remição, conformou-se e concordou com a venda tal qual esta foi efectuada. De todo o modo, nos termos do artigo 843.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o pedido de remição deveria ter sido acompanhado, no caso, pelo depósito do preço, o que não sucedeu. A executada refere que a sua filha estava impossibilitada de fazer o depósito, por estar com Covid. Porém, é do conhecimento público que a infecção por Covid, à excepção de casos extremos, não dura por tempo indeterminado. Não havendo notícia de que a filha da executada tenha padecido de Covid na sua manifestação mais extrema, não se percebe porque é que até ao momento o depósito não foi feito. De todo o modo, sempre se diga que era possível à filha da executada solicitar a alguém da sua confiança, até ao Ilustre Mandatário da mãe, que diligenciasse por esse depósito, sem que a própria se tivesse de deslocar a algum sítio para o efeito. São até conhecidos modos de efectuar alguns dos actos necessários para o efeito de forma não presencial, mas por via electrónica. Por aqui mais uma vez se julga que carece de razão a executada requerente.
Quanto ao não pagamento do Estado, carece a executada de legitimidade para arguir esta questão, pois não é à mesma que incumbe tutelar os direitos do Estado, que de todo o modo não se afiguram, no caso, desprotegidos.
Quanto à última questão, importa referir que o regime excecional relacionado com o Covid está, nesta parte, revogado (cfr. Lei n.º 31/2023, de 04/07), pelo que improcede igualmente uma qualquer pretensão associada a esta matéria.
Em função do exposto, improcedem as nulidades invocadas.
Custas pelo incidente a cargo da executada arguente das nulidades, fixando-se no mínimo as custas».
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A recorrente não se conformou com a referida decisão e na peça de recurso apresentou as seguintes conclusões:
«I – Em 06/09/2022 a executada ora recorrente (…) apresentou no Tribunal a quo um requerimento arguindo uma série de nulidades.
II – A 23/10/2024 aconteceu um Despacho do douto Tribunal a quo que em resposta julgou improcedentes as nulidades invocadas.
III – Quanto à casa de morada de família importa dizer que no momento da junção ao processo do requerimento de arguição de nulidades, 06/09/2022, ainda estava em vigor a Lei n.º 13/B, 20/21, de 05/04, e assim sendo, aqueles actos praticados pela agente de execução, nunca deveriam ter sido praticados no momento em que o foram, e de forma precipitada e pouco avisada, diga-se.
IV – Tinha, por conseguinte, plena acuidade o argumentário da executada ora recorrente a esse respeito.
V – Tal Lei também se encontrava em vigor no dia 10/09/2022, dia em que a sra. Agente Execução notificou a executada para entregar as chaves do imóvel penhorado.
VI – Importando referir que esse dia era um sábado e, como indica o artigo 137.º do C.P.C., não se podem praticar actos processuais.
VII – Sabedores que como refere o douto despacho em análise esse regime excepcional, sobre essa matéria se encontra naturalmente revogado, entendemos enfatizar essa situação, porque foi mais uma actuação anómala a juntar a todas as que ora se nos impõe alertar e esclarecer.
VIII – Quanto ao prazo de pronúncia e à respectiva oposição à adjudicação do imóvel urge referir que a sra. Agente de Execução veio em 30/05/2022, proferir decisão de adjudicação do imóvel, á credora reclamante (…), com dispensa de pagamento do preço, num tempo em que decorria ainda o prazo para a Executada se poder pronunciar sobre aquela decisão.
IX – O prazo para essa pronúncia terminava precisamente nesse dia 30/05/2022! Conforme se demonstrou no aludido requerimento e por consulta dos autos.
X – Não há dúvidas quanto á notória precipitação da sra. Agente de Execução, e que nessa particular decisão, nesse momento preciso do processo, foi preterido o direito da Executada se pronunciar sobre uma decisão que a afectava.
XI – Urge ainda enfatizar que estando ainda em vigor o artigo 6.º-E, n.º 7, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, todas estas diligências, que implicavam a entrega do imóvel, que constituía e constitui a casa de morada de família, deveriam estar suspensas, sem qualquer restrição ou condição.
XII – Acresce e importa realçar pela extrema importância que adquire o facto de a sra. Agente de Execução ter sido informada através de documento enviado via citius com a Ref.ª 40645579 e constante do processo, em que a executada peremptoriamente não concordava com a proposta de venda no montante de € 297.100,00, comunicação à Agente de execução datada de 02-12-2021, na sequência aliás de recusas anteriores às ofertas de € 268.500,00 (recusa de 04/11/2021) e à oferta de € 297.000,00 que naturalmente também recusou, vide referências de documentos 6891005 e 8243545, e disso ter feito letra morta, é factor de preocupação.
XIII – Na verdade a sra. Agente de Execução bem sabia que, não só tal proposta de € 297.100,00, tinha sido declinada expressamente pela executada, como tinha perfeita consciência dos motivos inerentes a essas sucessivas recusas! É que o imóvel em apreço valia muito mais! Talvez o dobro! Ou ainda mais.
XIV – Contudo e a despeito de tudo isto, a tal adjudicação foi feita e no exacto dia 30-05-2022, a decorrer ainda o prazo para a executada se pronunciar sobre a mesma!
XV – Tais actos e circunstâncias não podem ser considerados regulares e nesse sentido a Executada/Recorrente ao invés continua a entendê-los e a considera-los como irregulares e passíveis de configurar nulidades processuais.
XVI – Para a Executada e ora Recorrente, estamos mesmo face a actuações lesivas dos seus interesses e consubstanciam efectivas nulidades processuais, na medida em que influem directamente na decisão desta questão e, consequentemente, da causa. Terá sido violado precisamente o artigo 195.º do Código do Processo Civil, por errada interpretação deste preceito por parte do douto Tribunal a quo quando desconsiderou estas situações de irregularidades. Violação essa que aqui e agora arguimos.
XVII – Considerando a Executada/Recorrente que a decisão de recusar a proposta de € 297.100,00, feita por si em documento que enviou via citius à sra. Agente Executada, em 02/12/2021 era objectiva, lógica, natural, definitiva e irretratável, não pode deixar de estranhar toda a situação da apressada adjudicação por aquele preço naquela data, sendo que para mais com a citada Lei n.º 1-A/2020, de 19/05, maxime o seu artigo 6.º-E, n.º 7, alínea b), ainda em vigor na altura.
XVIII – Em 13/06/2022 a filha da executada ora Recorrente (…) comunicou por email, à sra. Agente de Execução, informando a sua intenção de exercer o direito de remição. Estava na altura infectada com Covid 19, e por via disso, manifestou a sua dificuldade em tratar da questão com as entidades bancárias.
XIX – Em 14/06/2022, a Agente de Execução, veio junto do Tribunal a dizer ou pronunciar-se “No dia de ontem, 13/06/2022, recebo por email, um pedido de remissão exercido pela filha dos Executados. Aguardo pronúncia do Juiz se a mesma deverá ser pronunciada, uma vez que não acompanha com cheque visado, nem bancário, também a considero extemporânea”.
XX – A remidora chegou inclusivamente a solicitar à Agente de Execução o envio das referências de pagamento, para efectuar o depósito do preço, mas a referida Agente de Execução não só não forneceu os dados solicitados como em total revelia do douto Tribunal, e consequentemente em clara violação das normas processuais decidiu efectuar o título de transmissão a favor da (…), ora recorrida.
XXI – Nem sequer aguardou pela pronúncia da Executante, ora recorrida, nem mesmo por uma decisão do Tribunal, que a mesma tinha solicitado.
XXII – A despeito dos doutos considerandos do Tribunal a quo, sobre esta matéria e do respeito que é muito, importa dizer que o direito de remição, maxime artigo 843.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do C.P.C., aplicando se ainda em qualquer caso o artigo 827.º do C.P.C., poderá ser exercido até ao momento da entrega do bem, o que ainda não sucedeu.
XXIII – Nesse sentido, entendemos que a remidora, até por tudo o que atrás expendemos, e pela própria Lei em vigor que já enunciamos, poderá ainda, se o entender, exercer o seu direito de remição.
XXIV – Por via disso entendemos igualmente que foi também mal interpretado e nessa conformidade violado o assinalado artigo 843.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do CPC.
XXV – Assim, como requerer de igual forma a nulidade da presente despacho por tudo o supra aduzido e pela violação do artigo 195.º, n.º 1 e artigo 843.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do Código de Processo Civil..
Termos em que devem V/Exas. decidir no sentido do alegado, alterando o douto despacho recorrido nas questões submetidas à apreciação, assim se fazendo a costumada Justiça».
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Não foi apresentada resposta ao recurso apresentado.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.

II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da existência de nulidades do acto de venda e adjudicação e, em caso afirmativo, das consequências de tal omissão venda realizada.
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III – Matéria de facto:
Os factos interesse para a justa decisão do recurso constam do relatório inicial.
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IV – Fundamentação:
As nulidades processuais estão previstas artigo 195.º[1] do Código de Processo Civil[2] e as mesmas são relevantes quando a sua inobservância é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa[3].
Por nulidades do processo entendem-se quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, a que esta faça corresponder, embora não de forma expressa, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais[4].
Da análise do histórico do processo resulta que, apesar de surgirem etiquetadas como nulidades do processo, nenhum dos vícios invocados corresponde a uma verdadeira nulidade processual, antes, em tese, a existirem, poderiam integrar vícios procedimentais e substantivos relacionados com a fase de venda e de adjudicação do bem vendido.
Por nulidades do processo entendem-se quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, a que esta faça corresponder, embora não de forma expressa, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais[4].
Da análise do histórico do processo resulta que, apesar de surgirem etiquetadas como nulidades do processo, nenhum dos vícios invocados corresponde a uma verdadeira nulidade processual, antes, em tese, a existirem, poderiam integrar vícios procedimentais e substantivos relacionados com a fase de venda e de adjudicação do bem vendido.
Qualquer irregularidade do acto da venda está sujeita ao regime estabelecido no artigo 195.º do Código de Processo Civil pelo que a sua invocação, susceptível de prejudicar a venda, tem que ser efectuada no prazo de 10 dias a contar do seu conhecimento (artigos 195.º, n.º 1, 199.º, n.º 1, 149.º, n.º 1 e 839.º, n.º 1, alínea c), do mesmo diploma).
E isto seria suficiente para, por intempestividade, julgar, na totalidade, o presente recurso improcedente, uma vez que as questões suscitadas não o foram em tempo útil, tal como é assinalado no despacho recorrido.
Ainda assim se dirá o seguinte.
As modalidades da venda estão provisionadas no artigo 811.º[5] do Código de Processo Civil e a regulação da determinação da modalidade de venda e do valor base dos bens tem assento no artigo 812.º[6] do mesmo diploma.
A lei exige que a decisão sobre a modalidade da venda, cabe ao agente de execução, ouvidos o exequente e o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender, mas esta decisão mostra-se perfeitamente consolidada e não há qualquer sinal de a mesma ter sido objecto de reclamação para o juiz.
Igualmente inatacável, neste momento, é a decisão sobre o valor base dos bens a vender, não existindo qualquer possibilidade de, nesta fase do processo, haver lugar a qualquer avaliação do bem transacionado, em ordem a considerar que o valor da venda é substancialmente inferior ao de mercado.
Apesar de se ter oposto à realização dessa transacção, a executada não goza de qualquer direito de veto sobre a venda, quando o valor da alcançado é superior àquela que consta do valor base anunciado. O agente de execução podia assim aceitar a proposta de mais valor mais alto apresentada.
A lei processual civil estabelece taxativamente no n.º 1 do artigo 839.º[7] os casos em que a venda executiva fica sem efeito, neles não se incluindo a venda do imóvel efectuada pelo agente de execução por preço inferior ao seu real valor ou por falta de consentimento do executado ou de autorização do tribunal. Não existe qualquer vício deliberativo sobre o acto de venda.
Quanto à questão da notificação num sábado para a entrega da chave não houve qualquer decisão da Primeira Instância sobre essa matéria, sendo que os Tribunais da Relação não conhecem deste tipo de matéria ex novo e a possibilidade de contestar a referida decisão em sede de recurso está assim precludida.
No que concerne à questão de a decisão de adjudicação ter sido proferida no último do prazo para a executada se pronunciar, nesse momento – e não agora – é que a recorrente deveria ter suscitado a referida violação do princípio do contraditório, a qual, não tendo sido arguida no tempo e termos adequados, mostra-se sanada.
Mais, ainda que assim não fosse, numa leitura integrada com outros elementos contidos nos autos, a decisão de adjudicação contém a fundamentação mínima necessária para a compreensão do motivo da aceitação da proposta por parte de qualquer destinatário normal.
Avançando, a matéria das respostas legais à situação de epidemiológica provocada pelo Coronavírus SARS-Cov-2 perdeu toda a acuidade e a legislação correspondente mostra-se revogada, não tendo sido afectada a posse sobre a casa de morada de família. E, assim, na actualidade, nenhum efeito se pode retirar desse hipotético facto violador em termos de anulação do acto da venda, à luz do disposto no artigo 839.º do Código de Processo Civil.
Por último, a remidora teve intervenção directa nos autos e prontificou-se a exercer o direito de remição. Contudo, não procedeu ao pagamento do preço. O momento limite para o exercício do direito de remição é variável.
No caso da venda por propostas em carta fechada, a remição pode ter lugar até à emissão do título de transmissão de bens a favor do proponente (artigo 827.º[8]). Se, porém, ocorrer falta de depósito do preço ou do seu remanescente pelo proponente, o direito de remição pode ser exercido nos 5 dias seguintes ao termo do prazo para tal (artigo 825.º, n.º 3[9]). Nas outras modalidades de venda, o exercício do direito de remição deverá ocorrer até ao momento da entrega dos bens (artigo 830.º[10]) ou da assinatura do título que documenta a venda (alínea b) do n.º 1), abarcando aqui a venda em leilão electrónico, em depósito público, em estabelecimento de leilão e por negociação particular, sendo certo que, no caso de venda de imóveis, o momento a considerar é o da escritura pública ou de documento particular autenticado (artigo 875.º[11] do Código Civil)[12].
Feita a enunciação do regime legal, é de concluir que a remidora não cumpriu as exigências de pagamento do preço nem o tempo estipulado para o embolso dessas verbas e não há registo comprovado de qualquer impossibilidade absoluta de o fazer.
Assim, não ocorrendo o pagamento, dado que se trata de uma condição sine qua non da perfeição negocial, a remidora perdeu o direito a fazer sua a coisa que estava integrada no património da recorrente. No pedido de remição, perante a falta de pagamento, o agente de execução está legitimado a concluir o acto de venda. A par disto, quanto ao interesse em agir, a violação de direito do remidor deve ser impulsionada por este e não pelo executado.
Não existe qualquer outro argumento recursivo com a virtualidade de infirmar o decidido em 1ª Instância, validando-se assim o despacho prolatado pelo Juízo de Execução do Entroncamento.
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IV – Sumário: (…)
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V – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante, atento o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 02/10/2025
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
Mário João Canelas Brás


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[1] Artigo 195.º (Regras gerais sobre a nulidade dos atos):
1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
3 - Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo.
[2] A prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
[3] Teixeira de Sousa, Os princípios estruturantes da nova legislação processual civil, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa 1996, pág. 48.
[4] Anselmo de Castro, «Direito Processual Civil Declaratório», vol. III, pág. 103.
[5] Artigo 811.º (Modalidades de venda):
1 - A venda pode revestir as seguintes modalidades:
a) Venda mediante propostas em carta fechada;
b) Venda em mercados regulamentados;
c) Venda direta a pessoas ou entidades que tenham direito a adquirir os bens;
d) Venda por negociação particular;
e) Venda em estabelecimento de leilões;
f) Venda em depósito público ou equiparado;
g) Venda em leilão eletrónico.
2 - O disposto no artigo 818.º, no n.º 2 do artigo 827.º e no artigo 828.º para a venda mediante propostas em carta fechada aplica-se, com as necessárias adaptações, às restantes modalidades de venda e o disposto nos artigos 819.º e 823.º aplica-se a todas as modalidades de venda, excetuada a venda direta.
[6] Artigo 812.º (Determinação da modalidade de venda e do valor base dos bens):
1 - Quando a lei não disponha diversamente, a decisão sobre a venda cabe ao agente de execução, ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender.
2 - A decisão tem como objeto:
a) A modalidade da venda, relativamente a todos ou a cada categoria de bens penhorados;
b) O valor base dos bens a vender;
c) A eventual formação de lotes, com vista à venda em conjunto de bens penhorados.
3 - O valor de base dos bens imóveis corresponde ao maior dos seguintes valores:
a) Valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efetuada há menos de seis anos;
b) Valor de mercado.
4 - Em relação aos bens não referidos no número anterior, o agente de execução fixa o seu valor de base de acordo com o valor de mercado.
5 - Nos casos da alínea b) do n.º 3 e do número anterior, o agente de execução pode promover as diligências necessárias à fixação do valor do bem de acordo com o valor de mercado, quando o considere vantajoso ou algum dos interessados o pretenda.
6 - A decisão é notificada pelo agente de execução ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender, preferencialmente por meios eletrónicos.
7 - Se o executado, o exequente ou um credor reclamante discordar da decisão, cabe ao juiz decidir; da decisão deste não há recurso.
[7] Artigo 839.º (Casos em que a venda fica sem efeito):
1 - Além do caso previsto no artigo anterior, a venda só fica sem efeito:
a) Se for anulada ou revogada a sentença que se executou ou se a oposição à execução ou à penhora for julgada procedente, salvo quando, sendo parcial a revogação ou a procedência, a subsistência da venda for compatível com a decisão tomada;
b) Se, tendo corrido à revelia, toda a execução for anulada nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 851.º, salvo o disposto no n.º 4 do mesmo artigo;
c) Se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195.º;
d) Se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono.
2 - Quando, posteriormente à venda, for julgada procedente qualquer ação de preferência ou for deferida a remição de bens, o preferente ou o remidor substituem-se ao comprador, pagando o preço e as despesas da compra.
3 - Nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, a restituição dos bens tem de ser pedida no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva, devendo o comprador ser embolsado previamente do preço e das despesas de compra; se a restituição não for pedida no prazo indicado, o vencedor só tem direito a receber o preço.
[8] Artigo 827.º (Adjudicação e registo):
1 - Mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente ou preferente, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor, no qual se identificam os bens, se certifica o pagamento do preço ou a dispensa do depósito do mesmo e se declara o cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais, bem como a data em que os bens foram adjudicados.
2 - Seguidamente, o agente de execução comunica a venda ao serviço de registo competente, juntando o respetivo título, e este procede ao registo do facto e, oficiosamente, ao cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado, nos termos do n.º 2 do artigo 824.º do Código Civil.
[9] Artigo 825.º (Falta de depósito):
1 - Findo o prazo referido no n.º 2 do artigo anterior, se o proponente ou preferente não tiver depositado o preço, o agente de execução, ouvidos os interessados na venda, pode:
a) Determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, perdendo o proponente o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
b) Determinar que a venda fique sem efeito e efetuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente ou preferente remisso a adquirir novamente os mesmos bens e perdendo o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
c) Liquidar a responsabilidade do proponente ou preferente remisso, devendo ser promovido perante o juiz o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal e sendo aquele, simultaneamente, executado no próprio processo para pagamento daquele valor e acréscimos.
2 - O arresto é levantado logo que o pagamento seja efetuado, com os acréscimos calculados.
3 - O preferente que não tenha exercido o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas pode efetuar, no prazo de cinco dias, contados do termo do prazo do proponente ou preferente faltoso, o depósito do preço por este oferecido, independentemente de nova notificação, a ele se fazendo a adjudicação.
[10] Artigo 830.º (Bens vendidos em mercados regulamentados):
São vendidos em mercados regulamentados os instrumentos financeiros e as mercadorias que neles tenham cotação.
[11] Artigo 875.º (Forma)
Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado.
[12] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. II – Processos de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 270.