Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL BARGADO | ||
Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM RESPONSABILIDADE CIVIL EMERGENTE DE CRIME PRAZO DE PRESCRIÇÃO DANOS NÃO PATRIMONIAIS DANO BIOLÓGICO | ||
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Data do Acordão: | 06/12/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - Os limites da condenação contidos no artigo 609º, nº 1, do Código de Processo Civil, têm de ser entendidos como referidos ao valor do pedido global e não às parcelas em que aquele valor se desdobra, sendo esta a orientação assumida como válida na solução de casos em que o efeito jurídico pretendido se apresenta como indemnização decorrente de um único facto ilícito, traduzindo-se o total do pedido na soma dos valores de várias parcelas, que correspondem, cada uma delas, a certa espécie ou classe de danos, componentes ou integrantes do direito cuja tutela é jurisdicionalmente solicitada. II - O prazo prescricional a que alude o artigo 498º, nº 3, do Código Civil aplica-se aos responsáveis civis, sejam, ou não, agentes do crime. III - Ponderadas adequadamente as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente o período de internamento da autora, as intervenções cirúrgicas a que foi submetida, as sequelas de que ficou a padecer, inclusive sequelas psicológicas que implicam perda de autoestima e sentimentos de inibição, levando a alteração do padrão de vida pessoal e social, o quantum doloris em grau 5 numa escala de a 1 a 7, o dano estético permanente fixado no grau 4 de uma escala de 7 e a culpa exclusiva do segurado da ré no acidente, bem como os critérios jurisprudenciais que - numa jurisprudência atualista - devem ser seguidos na concretização do juízo de equidade, entendemos como justo e adequado o montante de € 40.000,00 atribuídos à autora na sentença recorrida. IV - Consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão direta no exercício da profissão habitual. Estamos no domínio dos danos patrimoniais indetermináveis, cuja reparação deve ser fixada segundo juízos de equidade. V - Considerando que à data do acidente a autora tinha 50 anos de idade, ficou em consequência do mesmo com um défice funcional permanente e definitivo de vinte e três pontos, o que implica restrições à realização dos atos normais da vida corrente, familiar e social e são causa de sofrimento, que a mesma necessita de medicamentos do foro psiquiátrico e de consultas regulares de psiquiatria e tem uma esperança de vida até aos 82 anos, mostra-se adequada a indemnização de € 60.000,00 fixada pela 1ª instância pelo dano biológico da autora. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO BB instaurou a presente ação declarativa contra CC - Companhia de Seguros, S.A., a qual entretanto mudou a sua denominação para CC - Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de € 347.657,23 (trezentos e quarenta e sete mil, seiscentos e cinquenta e sete euros e vinte e três cêntimos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora contados desde a citação até integral pagamento. Para tanto alegou, em síntese, que no dia 18 de Setembro de 2010 ocorreu um acidente de viação nas proximidades do Santuário de Fátima, perto da Igreja da Santíssima Trindade, na avenida D. José Alves C. da Silva, em que interveio o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …-CX-…, propriedade de “DD, Lda.” e conduzido por EE, o qual circulava com o dito veículo pela referida avenida no sentido Rotunda Sul – Rotunda Norte, a uma velocidade muito superior à permitida no local, que é de 50 quilómetros por hora, e com falta de cuidado e de atenção ao que se passava na via pública à sua frente, pelo que ao efetuar uma curva para a sua esquerda perdeu o controlo do veículo, o qual invadiu a berma e foi embater com a parte da frente do seu lado direito nos separadores do cimento amovíveis, do que resultou o rebentamento do pneu da frente do lado direito. O CX continuou a sua marcha a roçar pelo separador de cimento acabando por atropelar a autora e a sua companheira de viagem FF, que caminhavam junto àquele separador (a autora atrás e a FF à frente), atento o sentido de marcha do veículo, de que resultaram para a autora as lesões que descreve e das quais se quer ver ressarcida, sendo que à data do acidente a responsabilidade civil por danos ocasionados pela circulação do veículo CX se encontrava transferida para a ré. A ré contestou, invocando a exceção da prescrição do direito que a autora pretende fazer valer, sem prejuízo de aceitar que a responsabilidade pela eclosão do acidente se ficou a dever ao condutor do veículo CX. No mais, impugnou, por desconhecimento, as despesas alegadas pela autora e o nexo entre a necessidade de tais despesas com o acidente dos autos, acrescentando ainda serem excessivos os montantes peticionados a título de danos não patrimoniais. Foi realizada audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador no qual se relegou para decisão final o conhecimento da exceção de prescrição, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, sem reclamação. Instruído o processo, seguiram os autos para julgamento, sendo a final proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: «Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, decido: 6.1. – Condenar a ré CC - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. a pagar à autora BB, as seguintes quantias: 6.1.1. – A título de danos morais, € 40 000,00 (quarenta mil euros), acrescidos de juros de mora contados à taxa legal de 4% desde a presente data de prolação da sentença até integral pagamento; 6.1.2. – A título de dano biológico, € 60 000,00 (sessenta mil euros), de igual modo acrescidos de juros de mora contados à taxa legal de 4% desde a presente data de prolação da sentença até integral pagamento; 6.1.3. – A título de danos decorrentes da autora vir a ter necessidade de medicamentos regulares do foro psiquiátrico, analgésicos e anti – inflamatórios, de consultas regulares de psiquiatria e ocasionalmente de consulta de ortopedia e/ou fisiatria, € 7 500,00 (sete mil e quinhentos euros), acrescidos de juros de mora contados à taxa legal de 4% desde a presente data de prolação da sentença até integral pagamento; 6.1.4. – A título de danos patrimoniais decorrentes da necessidade de auxílio de terceira pessoa, € 40 000,00 (quarenta mil euros), acrescidos de juros de mora contados à taxa legal de 4% desde a presente data de prolação da sentença até integral pagamento; 6.2. – Condenar a ré CC - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. a pagar à autora BB a quantia que vier a liquidar-se em incidente de liquidação de sentença por danos patrimoniais com custos na operação que venha eventualmente a realizar-se ao tornozelo esquerdo. 6.3. – Absolver a ré CC - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. de tudo o demais contra a mesma peticionado pela autora BB.» Inconformada, a ré apelou do assim decidido, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: «1. A ora Recorrente interpõe o presente recurso por entender que a Sentença enferma de várias nulidades, extravasou e violou o principio do pedido e errou na interpretação e aplicação do Direito. 2. Os presentes autos têm a sua origem num conflito de interesses, cabendo às partes o enquadramento fáctico do processo e a alegação dos factos relevantes que serão tidos em conta (artigo 5º/1 e artigo 552.º/1/ al. d), ambos do CPC) e, como tal, seja por consequência do princípio do dispositivo ou do princípio do pedido, é nos articulados que os factos essenciais ao processo têm de ser alegados. 3. Sendo que nos termos do artigo 609.º/1, do CPC “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”, prevalecendo no âmbito do direito processual civil o princípio da autonomia da vontade, compatibilizado com o princípio do dispositivo e sendo vedado que a Sentença condene em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir, sob pena de a mesma se revestir de nulidade. 4. Compete às partes a definição do objeto do litígio, não cabendo ao juiz o poder de se sobrepor à vontade das partes, não sendo razoável que o demandado fosse surpreendido com uma condenação mais gravosa do que a pretendida pelo autor. 5. In casu, pese embora o pedido pela Autora, a verdade é que o Tribunal a quo ao apreciar as questões que foram submetidas à sua análise e que lhe cabia solucionar, condenou em quantidade superior do pedido, pois julgou condenar a Ré no pagamento de €7.500,00, a título de necessidade de medicamentos, cremes para a pele seca e consultas regulares, de acordo com um juízo de equidade, sendo certo que a Autora apenas peticionou o valor de € 3.033,00 a título de medicamentos e de cremes para a pela seca (nada peticionando quanto a eventuais consultas). 6. Os artigos 609.º/1, e 615.º/1/al. e), ambos do CPC ao proibirem condenações superiores ou distintas do pedido têm de ser entendidos como referentes a cada uma das parcelas que, individualmente consideradas, compõem o pedido global e não apenas ao limite do valor global. 7. De outro modo, deixaria de fazer sentido e ter efeito prático a identificação e contabilização de pedidos individualizados, antes se bastando com a indicação dos danos (ou vários tipos de danos) e a atribuição de um valor global, deixando para a equidade (ou livre arbítrio) do Tribunal concretizar o que correspondente a cada parcela, permitindo ao julgador além de julgar possuir amplos poderes da configuração (ou reconfiguração) das ações e dos pedidos apresentados em Tribunal, o que origina um claro desequilíbrio de armas entre Autores e Réus. 8. Desta forma, a Sentença recorrida é nula, nos termos e por força do disposto no artigo 615.º/1/e) do CPC, por condenar em quantia superior ao pedido, já que decidiu atribuir à Autora uma indemnização por necessidade de medicamentos, cremes e consultas regulares no valor de € 7.500,00, acima (em mais do que o dobro) do valor peticionado pela Autora. 9. Por outro lado, na presente demanda, pese embora o pedido pela Autora, a verdade é que o Tribunal a quo ao apreciar as questões que foram submetidas à sua análise e que lhe cabia solucionar, condenou em objeto diverso do pedido, na medida em que julgou condenar a Ré no pagamento de €60.000,00, a título de danos decorrente do défice funcional da integridade físico-psíquica, sem que tal tenha sido peticionado pela Autora (o que inclusivamente é reconhecido pela Sentença recorrida). 10. Note-se que a atribuição de indemnização pelo dano biológico nem sequer se encontrava contemplada em sede de pedido/valor parcelar dentro do valor global. E isto porque tal dano não foi, de todo, peticionado. 11. In casu¸ a Autora em sede de PI peticionou a atribuição de uma indemnização por danos patrimoniais (auxílio de terceira pessoa, medicamentos, cremes e outras despesas) e por danos morais (no âmbito dos quais indica o quatum doloris, o dano estético, a IPP que lhe foi atribuída, entre outros), contudo, em momento algum do seu articulado a Autora peticiona uma indemnização por dano biológico. 12. Assim, andou mal o Tribunal a quo ao entender in casu que a atribuição de uma indemnização a título de dano biológico se encontra dentro dos limites impostos pelo artigo 609.º/1, do CPC, quando, efetivamente, tal dano não foi peticionado pela Autora. 13. No limite, tal interpretação levaria a deixar de ser exigível aos Autores subsumirem a realidade fáctica a determinada norma ou instituto jurídico, bastando-lhe apenas alegar os factos essenciais, indicar um pedido global e o Tribunal (salvo o devido respeito), faria o resto – em evidente desequilíbrio de armas entre Autor e Réu, manifesta violação do princípio da igualdade e chegando a configurar uma decisão surpresa para a ora Recorrente. 14. Assim, a Sentença recorrida é nula, nos termos e por força do disposto no artigo 615.º/1/d) e e), do CPC, extravasando os poderes de pronuncia e condenando em objeto diverso, já que decidiu atribuir à Autora uma indemnização por dano biológico no valor de € 60.000,00, sem que tal tenha sido peticionado. 15. No que diz respeito à prescrição julgou o Tribunal pela sua improcedência na medida em que se os factos em que se baseiam os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos forem suscetíveis de constituir um crime seria de aplicar o prazo alargado previsto no artigo 498.º/3, do CC, in casu, o prazo de cinco anos, considerando que o prolongamento do prazo de prescrição previsto no artigo 498.º/3, do CC, seria aplicável aos responsáveis meramente civis. 16. Acontece que, e ao contrário do julgado pelo Tribunal a quo, o alargamento do prazo previsto no artigo 498.º/3, do CC não é passível de ser aplicável aos responsáveis meramente civis – como é o caso das seguradoras – sendo apenas aplicável ao responsável criminal. 17. Desde logo, o alongamento do prazo de prescrição do direito à indemnização estabelecido no artigo 498.º/3, do CC, assenta numa base de carácter inegavelmente pessoal, radicando na gravidade do facto ilícito danoso praticado pelo agente, o legislador só pretendeu regular a prescrição da obrigação de indemnizar a cargo do autor do facto ilícito criminoso. 18. É porque o facto ilícito imputado ao lesante constitui crime (e crime de gravidade tal que para o respetivo procedimento judicial se estabelece um prazo superior ao da prescrição da responsabilidade civil) que a lei admite a exigibilidade da indemnização cível para além do prazo de 3 anos. 19. Acresce que, as pessoas coletivas - artigo 11.º do Código Penal, à contrário - não são suscetíveis de responsabilidade penal, pelo que, a hipotética possibilidade de aplicação do prolongamento do prazo de prescrição penal, em termos teóricos, não se aplicaria à ora Recorrente. 20. Ou seja, o artigo 498.º/3, do CC e o correspondente alargamento do prazo de prescrição é inaplicável ao caso sub judice, porque, embora o facto ilícito em causa no processo crime seja suscetível de em abstrato constituir crime para o qual a lei penal estabelece prescrição sujeita a prazo mais longo o certo é que em relação à ora Recorrente - uma vez que por imperativo legal não pode ser responsabilizada penalmente - tal hipótese nunca poderia verificar-se. 21. Nestes termos, o prazo de prescrição aplicável será o constante do artigo 498.º/1, do CC, ou seja, 3 anos, e não o prazo de prescrição da lei penal, porque em relação à ora Recorrente não estamos perante um ilícito (que também pode ser) criminal. 22. Neste sentido veja-se o entendimento do Professor Vaz Serra que entende que “o direito de indemnização, não contra o autor do facto, mas contra as pessoas obrigadas à vigilância dele, não tem que prescrever no prazo da prescrição penal, pois essas pessoas não respondem pelo crime, mas só pela indemnização” (Boletim do Ministério da Justiça 87, 60 e 61). 23. In casu, o acidente ocorreu no dia 18.09.2010, prescrevendo, portanto, o direito da Autora no dia 18.09.2013, por aplicação do prazo de três anos previsto no artigo 498.º/1, do CC, em data muito anterior à data de entrada em juízo da petição inicial, ocorrida no dia 30.07.2015. 24. Pelo que, ao julgar como julgou a Sentença recorrida fez uma incorreta interpretação do artigo 498.º/1 e 3, do CC, quando deveria ter julgado prescrito direito de indemnização invocado pela Autora, em virtude do decurso do prazo de 3 anos desde a data do acidente. 25. No âmbito dos danos morais o Tribunal a quo julgou, com base em critérios de equidade, pela atribuição à Autora de uma indemnização no valor de €40.000,00, contudo, o valor indicado não se encontra conforme com a jurisprudência dos casos análogos, a bem da uniformização de critérios na aplicação do Direito. 26. Resulta do supramencionado relatório pericial a atribuição de um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 23 pontos, tendo em conta as seguintes repercussões físicas e psíquicas: - Período de Défice Funcional Temporário Total sendo assim fixável num período de 69 dias. - Período de Défice Funcional Temporário Parcial sendo assim fixável num período de 1307 dias. - Não há repercussão temporária na atividade profissional, quer total quer parcial. - Não há repercussão permanente na atividade profissional. - Quantum Doloris fixável no grau 5/7. - Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 23 pontos. - Dano estético Permanente de 4/7. - Repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 2/7 27. Tem, ainda, relevo, para a análise, que a Recorrida à data do sinistro tinha 50 anos, e padecia de hipoacusia e acufenos. 28. Feita uma resenha de acórdãos sobre a matéria, depressa se constata que os valores apurados são inferiores ao valor arbitrado na Sentença a quo! 29. O Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão proferido em 19.04.2018, no âmbito do Processo 196/11, na situação de uma lesada que à data do acidente tinha 43 anos de idade (mais nova que a ora Recorrida) e detinha uma IPP de 49.º (claramente superior que à da Recorrida), julgou atribuir uma indemnização a título de danos morais no valor de €45.000,00. 30. Veja-se que, pese embora o valor de indemnização atribuído pelo douto STJ seja superior, a verdade é que não só a IPP é mais alta do que a da Recorrida como a lesada naquele caso era mais nova que a Recorrida. 31. Ademais, sabendo de antemão que o Tribunal a quo deve socorrer-se de juízos de equidade para o arbitramento das indemnizações por danos não patrimoniais, tal juízo não pode depender (tão-só) das conclusões do Tribunal, devendo o juiz a quo atender à lei, à prova produzida e à jurisprudência que tem vindo a ser proferida a este título. 32. Pelo exposto, deve a sentença a quo, no que aos danos não patrimoniais diz respeito, ser substituída por outra que reduza o quantum indemnizatório arbitrado em €40.000,00 para um montante não superior a €20.000,00. 33. Termos em que, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 8.º/3 e 496º, ambos do Código Civil 34. No âmbito do dano biológico o Tribunal a quo julgou, com base em critérios de equidade, pela atribuição à Autora de uma indemnização no valor de €60.000,00. 35. Ora, quanto à atribuição à Autora de uma indemnização a título de dano biológico, sem que esta o tenha peticionado, remetemos para o alegado supra entendendo a ora Recorrente que a Sentença padece de nulidade nos termos e para os efeitos dos artigos 609.º/1 e615.º/2/al, d) e e), do CPC. 36. Contudo, e caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, sempre se diga que não se concorda com o entendimento nem com o valor atribuído que não se encontra conforme com a jurisprudência dos casos análogos, a bem da uniformização de critérios na aplicação do Direito. 37. O Tribunal a quo atribuiu indemnização à Recorrente a título de dano biológico valorando, entre outros, o défice funcional permanente da integridade físico psíquica que foi fixado em 23%, a idade da Autora, o facto de vir a necessitar de medicamentos e consultas regulares, entre outros (cf. págs. 48 e 49 da Sentença recorrida). 38. Sucede que, já anteriormente, em sede de atribuição de indemnização por danos morais, o Tribunal a quo valorou as lesões da Autora, as intervenções e internamentos a que foi sujeita, as sequelas de que ficou a padecer – entre as quais o défice funcional permanente da integridade físico psíquica (cf. págs. 33 e 36 da Sentença recorrida). 39. Resulta da fundamentação que o Tribunal a quo valorizou a mesma factualidade – o défice funcional permanente da integridade físico psíquica ou IPP – para efeitos de atribuição tanto da indemnização dos danos morais como em sede de atribuição de dano biológico. 40. Acontece que, não se pode com base nos mesmos factos atribuir compensação por dano biológico e por dano patrimonial, ou por dano biológico e por dano não patrimonial, uma vez que nessas circunstâncias estamos a valorar a mesma factualidade duplamente para efeitos indemnizatórios, podendo tal conduzir a uma situação de enriquecimento sem causa. 41. Pelo que, já tendo a Sentença recorrida valorado o défice funcional permanente da integridade físico psíquica em sede de danos morais não poderia, agora, valorar essa mesma factualidade em sede de dano biológico. 42. Sem prejuízo, sempre se diga que o valor atribuído pelo Tribunal a quo encontra-se inflacionado e desconforme com a jurisprudência dos casos análogos. 43. O Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão proferido em 28.01.2016, no âmbito do Processo 7793/09.8T2SNT.L1.S1, no caso de um lesado que à data do acidente tinha 17 anos de idade (muito mais novo que a ora Recorrida) e detinha uma IPP de 23.º (igual à da Recorrida), julgou atribuir uma indemnização de €50.000,00€. 44. Veja-se que, o valor de indemnização atribuído pelo douto STJ, é inferior ao que foi atribuído pelo Tribunal a quo e, ainda, tratando-se de um lesado mais novo que a Recorrida e com a mesma IPP, pelo que considerando a jurisprudência supra mencionada, forçoso é concluir que o quantum indemnizatório ali arbitrado é inferior à indemnização fixada a quo. 45. Pelo exposto, deve a Sentença a quo, no que ao dano biológico diz respeito – e sem prejuízo da arguição da nulidade e da alegação de erro de julgamento por valorizar duplamente a mesma factualidade, caso assim não se venha a entender -, ser substituída por outra que reduza o quantum indemnizatório arbitrado em €60.000,00 para um montante não superior a €25.000,00. 46. No âmbito dos danos patrimoniais o Tribunal a quo julgou, com base em critérios de equidade, pela atribuição à Autora de uma indemnização no valor de €40.000,00. 47. Sendo certo que o Tribunal a quo entendeu que: “Sucede que se provou que a autora não necessita de apoio permanente de terceira pessoa, admitindo-se que possa necessitar esporadicamente, pelo que se entende que a contratação de uma empregada com presença diária em sua casa não é uma ocorrência direta dos danos sofridos com o acidente”. 48. Efetivamente, de acordo com a prova produzida nos presentes autos a Autora não precisa de apoio permanente de auxílio de terceira pessoa, mas apenas esporadicamente. 49. O Tribunal, com base em critérios de equidade, determinou a atribuição de indemnização no valor de €40.000,00, com fundamento em que o auxilio esporádico de terceira pessoa, in casu, se traduziria numa média de um período de seis horas semanais, a cinco euros por hora, e atendendo à esperança média de vida da autora. 50. Ora, o conceito de esporádico define-se como algo que acontece de forma rara e sem nenhum padrão de regularidade. 51. Nesta medida, será de concluir que a atribuição de indemnização no valor de €40.000,00, a título de auxílio esporádico de terceira pessoa se encontra inflacionada. 52. Pelo exposto, deve a Sentença a quo, ser substituída por outra que reduza o quantum indemnizatório arbitrado em €40.000,00 para um montante não superior a €15.000,00, referente a cerca de 2 horas semanais. NESTES TERMOS, Deve ser concedido provimento ao Recurso, revogando-se a Sentença recorrida, com as legais consequências, pois só assim decidindo, será feita JUSTIÇA!». A autora contra-alegou, defendendo a manutenção do julgado. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), são as seguintes as questões a decidir: - nulidade da sentença; - prescrição do direito da autora; - quantum indemnizatório pelos danos não patrimoniais; - atribuição de indemnização pelo dano biológico; - atribuição de indemnização pela necessidade de terceira pessoa para auxiliar a autora; III – FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS A 1ª instância considerou provados os seguintes factos: 1. No dia 18 de setembro de 2010, cerca das 12,30 horas, ocorreu um acidente de viação nas proximidades do Santuário de Fátima, perto da Igreja da Santíssima Trindade, na avenida D. José Alves C. da Silva, em Fátima, Ourém, em que interveio o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …-CX-…, propriedade de “DD, Lda.” e conduzido por EE. 2. O veículo de matrícula …-CX-… circulava pela referida avenida no sentido Rotunda Sul – Rotunda Norte, a velocidade superior à permitida no local, que é de 50 quilómetros por hora, pois trata-se da própria cidade de Fátima. 3. Conduzindo com falta de cuidado e de atenção ao que se passava na via pública à sua frente. 4. Por isso, ao efectuar uma curva para a sua esquerda não dominou o veículo que conduzia, perdeu o seu controlo e permitiu que invadisse a berma e que fosse embater com a parte da frente do lado direito do veículo de matrícula …- CX-… nos separadores do cimento, amovíveis, e de que resultou o rebentamento do pneu da frente do lado direito do referido veículo. 5. Depois disso continuou a sua marcha a roçar pelo separador de cimento acabando por atropelar a autora e a sua companheira de viagem FF, que caminhavam junto ao separador de cimento (a autora atrás e a FF à frente), conforme o sentido do veículo. 6. Em consequência do atropelamento a autora sofreu: a) Traumatismo crânio – encefálico, com cefaleias e alterações do equilíbrio; b) Traumatismo do tórax, com fratura do 4.º e do 5.º arcos costais à esquerda; c) Traumatismo do membro inferior esquerdo, com fratura exposta de grau II da tíbia e peróneo (diáfise distal) e fratura bimaleolar, compromisso de tecidos moles ao nível do foco de fratura (1/3 distal da perna) que vieram a necrosar; d) Traumatismo do joelho e pé direitos, com contusão e ferida lacero - contusa do dorso do pé. 7. Foi inicialmente assistida no Hospital de Leiria e depois transferida para o Hospital de Braga, da área da sua residência, onde foi internada no serviço de Ortopedia com apoio das especialidades de Cirurgia Geral e Cirurgia Plástica. 8. No Hospital de Braga e durante o seu internamento hospitalar foi submetida a: a) Em 4 de outubro de 2010, osteotaxia dos ossos da perna esquerda com fixador externo. b) Em 1 de novembro de 2010, a extracção daquele fixador externo seguido de osteosíntese da tíbia com vareta metálica (encavilhamento anterógrado com UTN). c) Em 12 de novembro de 2010, a desbridamento cirúrgico de tecidos necrosados e desvitalizados da perna esquerda (1/3 distal) e plastia com retalho cutâneo de rotação lateral (por Cirurgia Plástica). 9. Em 16 de novembro de 2010, teve alta do internamento hospitalar medicada, com indicação para manter o membro elevado, os tratamentos (pensos) e foi orientada para a Consulta Externa naquele Hospital. 10. Em 16 de dezembro de 2010, foi novamente internada no Hospital de Braga por úlcera na região postero - interna distal da perna esquerda, tendo sido operada nesse mesmo dia e submetida a desbridamento cirúrgico seguido de plastia com enxerto de pele retirado da coxa esquerda. 11. Em 20 de dezembro de 2012, teve alta do internamento hospitalar para o domicílio e transitou para a Consulta Externa naquele Hospital. 12. Durante o follow - up na Consulta externa, foi observada por Neurologia, ORL e Psiquiatria, por apresentar queixas de cefaleias e desequilíbrio, agravamento da surdez e acufenos e queixas do foro psiquiátrico com ansiedade e défice cognitivo. 13. Em consulta de neurologia efectuou TAC cerebral e posteriormente RMN cerebral que revelaram pequenas hipodensidades sugestivas de lesões isquémicas sequelares, mas não revelaram alterações de causa central que justificassem as vertigens. 14. Em consulta de ORL, concluiu-se que a autora tinha antecedente de hipoacusia e acufenos em 2006. 15. Após a realização de audiograma e videonistagmografia foram verificadas a existência de surdez neurosensorial bilateral moderada simétrica associada a trauma acústico e hiporeflexia vestibular esquerda de 40%. 16. Na especialidade de psiquiatria, apresentava em 16 de outubro de 2011 reacção de tipo ansioso e défice cognitivo ligeiro; foi medicada com Rivotril e Citicolina. 17. Em 13 de janeiro de 2013 foi suspenso o Rivotril e manteve a Citicolina. 18. A partir de 2 de agosto de 2011, a autora passou também a ser assistida no Hospital de St.ª Maria no Porto, em regime ambulatório, a cargo da ré, ali sendo acompanhada por Ortopedia, Neurologia, Psiquiatria e ORL. 19. Foram-lhe prescritos entre vários medicamentos, ansiolíticos e anti-depressivos bem como antivertiginosos: Victan, Cipralex, ADT e Betaserc. 20. Em 27 de março de 2012, teve alta definitiva dos Serviços Clínicos da ré. 21. Atualmente mantem-se medicada com anti - depressivo e ansiolítico. 22. Em 26 de outubro de 2017, a autora apresentava essencialmente humor depressivo, discurso centrado em sentimentos de incapacidade, verbalizando queixas de irritabilidade fácil, cansaço e insónia recorrente, mantendo acompanhamento em consulta de psiquiatria. 23. Como causa direta do acidente a autora ficou com uma perturbação persistente do humor. 24. A autora já extraiu o material de osteossíntese. 25. Em consequência do acidente, a autora ficou com as seguintes sequelas: a) Ansiedade e depressão; b) No membro inferior esquerdo anquilose subastragalina; rigidez na flexão dorsal - faz 0 graus - e plantar - faz 30 graus (à direita 10 graus de flexão dorsal e 40 graus de flexão plantar); mancha cicatricial extensa na perna, envolvendo o terço inferior, mais notória na face posterior, associada a deformidade por perda de massa muscular, interessando uma área de 14 x 16 centímetros, uma parte da qual aparenta pele atrófica; a atrofia muscular tem a maior expressão de 4 centímetros, quando comparado o perímetro na perna com o lado oposto, na transição do terço médio para o terço inferior; cicatriz infrarrotuliana, vertical, nacarada, mediana, com 6 centímetros de comprimento. 26. A consolidação médico – legal das lesões que a autora sofreu em consequência do acidente foi fixada em 24 de junho de 2014. 27. A autora sofreu um período de Défice Funcional Temporário Total situado entre 18 de setembro de 2010 e 16 de novembro de 2010, entre 16 de dezembro de 2010 e 20 de dezembro de 2010 e entre 22 de abril de 2014 e 25 de abril de 2014, fixável num período de 69 dias. 28. A autora sofreu um período de Défice Funcional Temporário Parcial situado entre e 17 de novembro de 2010 e 15 de dezembro de 2010, entre 21 de dezembro de 2010 e 21 de abril de 2014 e entre 26 de abril de 2014 e 24 de junho de 2014, fixável num período de 1307 dias. 29. Não há repercussão temporária na actividade profissional, quer total, quer parcial. 30. A repercussão permanente ao nível das actividades desportivas e de lazer, fixou-se no grau 2 (dois) de uma escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente. 31. O quantum doloris fixou-se no grau 5 (cinco) de uma escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente. 32. O dano estético permanente sofrido pela autora foi fixado no grau 4 (quatro) de uma escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente. 33. O défice funcional permanente da integridade físico – psíquica da autora foi fixado em 23 pontos. 34. A autora vai necessitar de medicamentos regulares do foro psiquiátrico, analgésicos e anti – inflamatórios. 35. A autora gasta cerca de € 150,00 mensais em medicamentos e cremes para evitar a pele seca. 36. A autora vai necessitar de consultas regulares de psiquiatria e ocasionalmente de consulta de ortopedia e/ou fisiatria. 37. A autora vai eventualmente necessitar de ser operada ao tornozelo esquerdo tendo em conta o agravamento progressivo previsível da artrose em evolução, com custos não apurados. 38. Por norma a autora desloca-se em cadeira de rodas não podendo estar mais do que entre meia hora e uma hora de pé. 39. A autora é capaz de passar a roupa a ferro, por períodos curtos, atentas as suas limitações. 40. A autora tem dificuldades em fazer as camas. 41. A autora toma banho sozinha. 42. A autora tem dificuldades em se ajoelhar e impossibilidade de estar de cócoras. 43. A autora não pode tratar dos animais (frangos, coelhos, patos, galinhas). 44. A autora tem dificuldades em cozinhar. 45. A autora tem dificuldades em subir e descer escadas. 46. A autora não necessita de apoio permanente de terceira pessoa, admitindo-se que possa necessitar esporadicamente. 47. Nos primeiros tempos, após a alta clínica, a autora foi assistida pelo marido e pela filha Juliana. 48. A partir de março de 2012, uma terceira pessoa passou a auxiliar a autora, seis horas por dia, de segunda a sexta – feira, e três horas ao sábado, pagando a autora cinco euros (€ 5,00) à hora. 49. A partir de inícios de 2015, o marido da autora por estar incapacitado por doença da coluna, deixou de poder ajudá-la como até aí, pelo que a terceira pessoa passou a auxiliar a autora entre 6 a 7 horas por dia, de segunda a sexta – feira, e três horas ao sábado, pagando a autora os mesmos cinco euros (5,00 €) à hora. 50. Antes do acidente a autora era bem - disposta, dinâmica e trabalhadora. 51. A autora teve um cancro da mama em 2010, tendo sido tratada no Hospital de Braga, com mastectomia total, QT, estando livre da doença em maio de 2010. 52. O proprietário do veículo de matrícula …-CX-… havia transferido a responsabilidade pelos danos causados a terceiros resultantes de acidente para a ré, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 0045.80.568421. E considerou não provado que: - A autora teve despesas € 7 370,41, € 69,97, em medicamentos e € 28,85 no Hospital de Braga, cujos comprovativos enviou para a Companhia de Seguros mas não lhe foram pagas. O DIREITO Da nulidade da sentença A autora pediu a condenação da ré no pagamento da quantia de € 347.657,23, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora contados desde a citação até integral pagamento. A sentença recorrida fixou a indemnização global devida à autora em € 147.500,00 (€ 40.000,00 a título de danos não patrimoniais; € 60.000,00 a título de dano biológico; € 7.500,00 a título de danos decorrentes da autora vir a ter necessidade medicamentos regulares, de consultas de psiquiatria e ocasionalmente de consulta de ortopedia e/ou fisiatria; € 40.000,00 a título de danos patrimoniais decorrentes da necessidade de auxílio de terceira pessoa). Diz a recorrente que a sentença recorrida é nula numa dupla vertente: i) por condenar em quantia superior ao pedido, visto ter atribuído à autora uma indemnização por necessidade de medicamentos, cremes e consultas regulares no valor de € 7.500,00, acima (em mais do que o dobro) do valor peticionado; ii) por ter decidido atribuir à autora uma indemnização por dano biológico no valor de € 60.000,00, sem que tal tenha sido pedido. Vejamos, pois, se lhe assiste razão. Para que ocorra a nulidade da sentença por condenação além do pedido e em objeto diverso do pedido, e ainda por exceder o âmbito da pronúncia [art. 615º, nº 1, alínea e), do CPC], terá de haver desrespeito pelo princípio do nº 1 do artigo 609º, do CPC, segundo o qual a sentença não pode exceder os limites quantitativos e qualitativos do pedido A nulidade em causa deriva, assim, da conformidade com o princípio da coincidência entre o teor da sentença e o objeto do litígio (a pretensão formulada pelo autor, que se identifica pela providência concretamente solicitada pelo mesmo e pelo direito que será objeto dessa tutela), o qual, por sua vez, constitui um corolário do princípio do dispositivo (art. 3º, nº 1, do CPC)[1]. Escreveu-se no Acórdão do STJ de 25.03.2010[2]: «Encontra-se, há muito, firmado na jurisprudência o entendimento segundo o qual os limites da condenação contidos no artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, têm de ser entendidos como referidos ao valor do pedido global e não às parcelas em que aquele valor se desdobra. Esta orientação tem sido assumida como válida na solução de casos em que o efeito jurídico pretendido se apresenta como indemnização decorrente de um único facto ilícito, traduzindo-se o total do pedido na soma dos valores de várias parcelas, que correspondem, cada uma delas, a certa espécie ou classe de danos (v.g. danos patrimoniais e danos não patrimoniais, danos emergentes e lucros cessantes, danos presentes e danos futuros), componentes ou integrantes do direito cuja tutela é jurisdicionalmente solicitada. Compreende-se que assim seja nos casos em que, com base na descrição de uma situação de facto, se afirma a titularidade de um direito que se pretende ver tutelado mediante a declaração da sua existência e a concretização em valor único da sua dimensão global, porque, então, se trata de pedido unitário, decomposto ou desdobrado em parcelas que integram um só efeito jurídico, com a mesma e única causa de pedir. Com efeito, na definição legal (artigo 498.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a acção, traduzindo uma pretensão decorrente de uma causa, a causa de pedir, consubstanciada em factos concretos [artigos 467.º, alínea d), e 498.º, n.º 4, 1.ª parte, do Código de Processo Civil], sendo, pois, os dois elementos (pedido e causa de pedir) indissociáveis, como elementos identificadores da acção e delimitadores do seu objecto, do que resulta que o pedido se individualiza como a providência concretamente solicitada ao tribunal em função de uma causa de pedir». No caso concreto, o pedido de indemnização formulado pela autora diz respeito a um único facto ilícito, traduzindo-se o total do pedido na soma dos valores de várias parcelas, que correspondem, cada uma delas, a certa espécie ou classe de danos. Ora, não será pelo facto de os pedidos de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais terem sido deduzidos parcelarmente, que não se atenderá ao entendimento vertido no excerto do Acórdão do STJ de 25.03.2010 acabado de transcrever. Assim, no que à indemnização atribuída a título de necessidade de medicamentos e consultas regulares, no montante de € 7.500,00, (mais do dobro do valor pedido), não se mostra violado o princípio do pedido, já que estamos perante um valor parcelar da indemnização global e a limitação quantitativa da condenação implícita no artigo 609º, nº 1, do CPC reporta-se ao valor global e não ao das concretas parcelas que integram o valor total do pedido. O mesmo se diga relativamente à atribuição de uma indemnização a título de dano biológico no montante de € 60.000,00, uma vez que, independentemente do que se dirá infra a propósito deste dano, o certo é que a afetação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. É certo que a autora não pediu expressamente indemnização a título de dano biológico, mas como bem se diz na sentença recorrida, alegou os factos que integram a correspondente incapacidade, sendo que o princípio do dispositivo se basta com a alegação e prova desses factos para que a respetiva indemnização deva ser arbitrada[3]. Por outro lado, o facto de se arbitrar uma quantia a título de dano biológico não autonomizada pela autora, não viola o princípio do nº 1 do art.º 609º do CPC que, quantitativamente, apenas se refere ao pedido considerado como um todo, impondo apenas ao tribunal que se mantenha dentro do valor peticionado, como se viu supra. A este propósito, com inteira aplicação ao caso dos autos, escreveu-se no Acórdão da Relação de Coimbra de 21.03.2013: «(…), ainda que os danos revistam uma natureza diferenciada – como por exemplo, a decorrente da fundamental dicotomia entre dano patrimonial e não patrimonial – e, por isso, o cálculo da respectiva indemnização obedeça a parâmetros distintos, os recorrentes não ficam investidos em vários direitos de crédito – tantos quantas as parcelas em que, para a determinação do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do dano – mas num único direito de crédito. É justamente isto que explica, v.g., que os limites da condenação, ditados pelo princípio da disponibilidade objectiva, se entendem referidos ao pedido global e não às parcelas em que, para a determinação do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do dano (artº 661 nº 1 do CPC), e que a proibição da reformatio in mellius – que é um simples consequência da vinculação do tribunal ad quem à impugnação do recorrente, que vincula a que esse tribunal não pode conceder a essa parte mais do que ela pede no recurso interposto – não seja violada pela circunstância de o tribunal de recurso confirmar a procedência do quantitativo total do pedido do autor, ainda que com diferentes montantes de cada uma das parcelas. Se, por exemplo, o autor pede uma determinada indemnização para pagamento dos vários prejuízos decorrentes de um acidente de viação, o tribunal de recurso pode considerar a acção totalmente procedente, ainda que faça uma diferente avaliação de cada um desses prejuízos. Identicamente, o tribunal ad quem pode julgar o recurso procedente, quantificando diferentemente os diversos danos que devem ser reparados ou compensados». Assim, contrariamente ao defendido pela recorrente, a sentença recorrida não extravasou os poderes de pronúncia[4] nem condenou em objeto diverso. Em suma, a sentença recorrida não enferma de nenhuma das nulidades que lhe são apontadas pela recorrente. Da prescrição do direito da autora Diz a recorrente nas conclusões 16ª e seguintes, que ao contrário do decidido, «o alargamento do prazo previsto no artigo 498.º/3, do CC não é passível de ser aplicável aos responsáveis meramente civis – como é o caso das seguradoras – sendo apenas aplicável ao responsável criminal». Embora reconheça que o facto ilícito em causa é «suscetível de em abstrato constituir crime para o qual a lei penal estabelece prescrição sujeita a prazo mais longo», entende a recorrente «que por imperativo legal não pode ser responsabilizada penalmente» e, por isso, «tal hipótese nunca poderia verificar-se». Estriba a recorrente esta sua posição no artigo 11º do Código Penal, a contrario, e cita na conclusão 22ª o Prof. Vaz Serra: «o direito de indemnização, não contra o autor do facto, mas contra as pessoas obrigadas à vigilância dele, não tem que prescrever no prazo da prescrição penal, pois essas pessoas não respondem pelo crime, mas só pela indemnização” (Boletim do Ministério da Justiça 87, 60 e 61)». Está assim apenas em causa saber se o prazo de 5 anos previsto no nº 3 do artigo 498º do Código Civil se aplica também aos responsáveis civis. Respondendo afirmativamente, escreveu-se na sentença recorrida: «As razões para tal entendimento podem ser alinhadas, nos seguintes termos: Em primeiro lugar, porque existe responsabilidade solidária entre o(s) autor(es) do crime e o responsável civil, por via do processo causal subjacente ao dano, que a todos une no resultado. Para além disso, porque resulta da ratio legis do n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil, que o alongamento do prazo prescricional está directamente relacionado com a especial gravidade do facto ilícito, que determina, quer a sua tipificação como ilícito penal e a instauração do respectivo procedimento criminal, quer o alargamento do prazo prescricional previsto na norma cível, permitindo, desse modo, que a obrigação de indemnizar decorrente da aplicação das normas de direito civil não prescreva em momento anterior àquele em que pode se pode apurar a responsabilidade criminal. Consequentemente, e tal como se escreveu no acórdão do STJ, de 9.03.1999, “…o acolhimento do prazo mais longo de prescrição criminal, nos termos do n.º 3 do artigo 498.º do C. Civil, depende da qualificação do facto ilícito como criminoso e da gravidade dos danos sofridos pelo lesado.” Acresce, ainda, que a letra do referido preceito não permite que sejam aplicados os diferentes prazos prescricionais em função do tipo de responsáveis, privilegiando, assim, as razões gerais subjacentes ao instituto da prescrição – certeza e segurança jurídicas e reacção contra a inércia e desinteresse do titular do direito – mas também razões de fundo, que radicam, essencialmente, na unidade do sistema jurídico (aplicar a todos os responsáveis o mesmo prazo de prescrição – artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil), coadjuvada pela ideia que o legislador soube exprimir correctamente o seu pensamento quando apenas estabeleceu como único pressuposto do alargamento do prazo prescricional, a natureza criminal do facto (artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil), sendo certo que onde a lei não distingue, também o intérprete não deve distinguir. Por outro lado, é também inquestionável, tal como tem sido decidido de forma consensual em termos doutrinários e jurisprudenciais, que o alongamento do prazo prescricional não depende do exercício do direito de queixa, nem a amnistia do crime, o perdão, o arquivamento do processo - crime, etc., se reflete negativamente na sua verificação (são inúmeros os acórdãos sobre esta questão, pelo que, exemplificativamente, apenas referenciamos os acórdãos do STJ, de 20.02.2001, proc. 00A3621 e de 12.11.2009, proc. 258/04.6TBMRA.E1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.). Por fim, sublinhar, que a prova dos factos a realizar pelo autor, em ação de responsabilidade civil intentada contra a seguradora, não é a prova do processo penal, mas sim a do processo civil, isto é, apenas os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, desde que eles sejam susceptíveis de constituírem crime». Subscrevemos integralmente esta posição que é também a que recolhe largo consenso jurisprudencial, de que destacamos, entre muitos, os acórdãos do STJ de 31.01.2007 e de 22.05.2013[5]. Escreveu-se neste último aresto: «Segundo o nº1 do art. 498 do C. Civil “ o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete … . Porém, se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.( cfr. nº3 do art. 498 do C. Civil) Desde que se admita a possibilidade de o facto para efeito de responsabilidade penal, ser apreciado em juízo para além dos três anos transcorridos sobre a data da sua verificação, nada justifica que análoga possibilidade se não ofereça à apreciação da responsabilidade civil ( cfr. Antunes Varela in Das Obrigações em geral , 9ª ed. Pag. 651. Tanto mais que segundo o próprio art. 73 nº1 do CPP podem e devem ser demandados em sede de acção civil enxertada no processo crime as pessoas civilmente responsáveis, sejam elas os agentes de crime ou não. Significa que, no caso em apreço, o prazo de prescrição para a presente acção cível segue o prazo da prescrição do crime em conformidade com o nº3 do art. 498 do CC. E este prazo é aplicável também à sociedade Ré GG Ldª porque seguindo a posição explanada no Ac. deste Supremo de 30.1.1985 publicado in RLJ nº 3790 que considera que o prazo prescricional do nº3 do art. 498 do C. Civil é extensivo aos meros responsáveis civis, porque o aludido preceito ao estabelecer prazo prescricional alongado, apenas o faz depender da natureza criminal do ilícito cometido, não estabelecendo qualquer distinção entre os vários tipos civilmente responsáveis. Efectivamente, como adianta o citado Acórdão do STJ “seria inteiramente aberrante sujeitar-se o lesado à contingência de intentar contra cada um dos co-responsáveis civis pelo ressarcimento dos prejuízos resultantes do ilícito criminal, acções em separado, conforme entendesse que , em relação a uns, o seu direito prescreveria mais cedo, prescrevendo mais tarde em relação a outros.”. Isto para dizer que também relativamente à responsável civil, a sociedade GG Ldª, é de observar o prazo prescricional a que alude o citado nº3 do art.. 498 do C. Civil». Assim, à ré/apelante, demandada nestes autos na qualidade de seguradora para a qual se encontrava transferida a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo CX, é aplicável a extensão do prazo de prescrição nos termos do nº 3 do artigo 498º do Código Civil. Ora, tendo o acidente dos autos ocorrido em 18.09.2010, quando a autora instaurou a ação em 30.07.2015, não havia ainda decorrido o prazo de 5 anos, pelo que, contrariamente ao defendido pela recorrente, não prescreveu o direito que autora pretende fazer valer. Improcede também neste segmento o recurso. Do quantum indemnizatório pelos danos não patrimoniais No caso vertente é pacífico que, pela sua gravidade, os danos sofridos pela autora em consequência do acidente dos autos, merecem ser indemnizados. Está apenas em causa o montante de € 40.000,00 fixado na sentença a título de danos não patrimoniais, que segundo a recorrente deve ser fixado em quantia não superior a € 20.000,00[6]. Estabelece o artigo 496º, nº 4, que «o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º”. Isto é, a indemnização por danos não patrimoniais, deve ser fixada de forma equilibrada e ponderada, atendendo em qualquer caso (quer haja dolo ou mera culpa do lesante) ao grau de culpabilidade do ofensor; à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, como por exemplo, o valor atual da moeda. Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela, «o montante de indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vida»[7]. Como tem sido entendido de forma uniforme, o valor de uma indemnização neste âmbito, deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico[8]. A indemnização por danos não patrimoniais é, mais propriamente, uma verdadeira compensação: segundo a lei, o objetivo que lhe preside é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos, e não o de o recolocar “matematicamente” na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e nessa exata medida, irreparáveis) é uma reparação indireta, comandada por um juízo equitativo que deve atender às circunstâncias referidas no art. 494º.[9] Este recurso à equidade não afasta, porém, «a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso»[10]. Neste âmbito, resultou provado que em consequência do seu atropelamento a autora sofreu: - Traumatismo crânio-encefálico, com cefaleias e alterações do equilíbrio; - Traumatismo do tórax, com fratura do 4.º e do 5.º arcos costais à esquerda; - Traumatismo do membro inferior esquerdo, com fratura exposta de grau II da tíbia e peróneo (diáfise distal) e fratura bimaleolar, compromisso de tecidos moles ao nível do foco de fratura (1/3 distal da perna) que vieram a necrosar; - Traumatismo do joelho e pé direitos, com contusão e ferida lacero-contusa do dorso do pé, tendo inicialmente assistida no Hospital de Leiria e depois transferida para o Hospital de Braga, da área da sua residência, onde foi internada no serviço de Ortopedia com apoio das especialidades de Cirurgia Geral e Cirurgia Plástica. - No Hospital de Braga e durante o seu internamento hospitalar foi submetida a: a) Em 4 de outubro de 2010, osteotaxia dos ossos da perna esquerda com fixador externo. b) Em 1 de novembro de 2010, a extracção daquele fixador externo seguido de osteosíntese da tíbia com vareta metálica (encavilhamento anterógrado com UTN). c) Em 12 de novembro de 2010, a desbridamento cirúrgico de tecidos necrosados e desvitalizados da perna esquerda (1/3 distal) e plastia com retalho cutâneo de rotação lateral (por Cirurgia Plástica). - Em 16 de novembro de 2010, teve alta do internamento hospitalar medicada, com indicação para manter o membro elevado, os tratamentos (pensos) e foi orientada para a Consulta Externa naquele Hospital e em 16 de dezembro de 2010, foi novamente internada no Hospital de Braga por úlcera na região postero-interna distal da perna esquerda, tendo sido operada nesse mesmo dia e submetida a desbridamento cirúrgico seguido de plastia com enxerto de pele retirado da coxa esquerda. - Em 20 de dezembro de 2012, teve alta do internamento hospitalar para o domicílio e transitou para a Consulta Externa naquele Hospital. - Durante o acompanhamento na Consulta externa, foi observada por Neurologia, ORL e Psiquiatria, por apresentar queixas de cefaleias e desequilíbrio, agravamento da surdez e acufenos e queixas do foro psiquiátrico com ansiedade e défice cognitivo. - Em consulta de neurologia efectuou TAC cerebral e posteriormente RMN cerebral que revelaram pequenas hipodensidades sugestivas de lesões isquémicas sequelares, mas não revelaram alterações de causa central que justificassem as vertigens e na especialidade de psiquiatria, apresentava em 16 de outubro de 2011 reacção de tipo ansioso e défice cognitivo ligeiro, tendo sido medicada com Rivotril e Citicolina, mantendo atualmente medicada com anti-depressivo e ansiolítico. - Em 26 de outubro de 2017, a autora apresentava essencialmente humor depressivo, discurso centrado em sentimentos de incapacidade, verbalizando queixas de irritabilidade fácil, cansaço e insónia recorrente, mantendo acompanhamento em consulta de psiquiatria. - Em consequência do acidente, a autora ficou com as seguintes sequelas: a) Ansiedade e depressão; b) No membro inferior esquerdo anquilose subastragalina; rigidez na flexão dorsal - faz 0 graus - e plantar - faz 30 graus (à direita 10 graus de flexão dorsal e 40 graus de flexão plantar); mancha cicatricial extensa na perna, envolvendo o terço inferior, mais notória na face posterior, associada a deformidade por perda de massa muscular, interessando uma área de 14 x 16 centímetros, uma parte da qual aparenta pele atrófica; a atrofia muscular tem a maior expressão de 4 centímetros, quando comparado o perímetro na perna com o lado oposto, na transição do terço médio para o terço inferior; cicatriz infrarrotuliana, vertical, nacarada, mediana, com 6 centímetros de comprimento. - A autora sofreu um período de Défice Funcional Temporário Total de 69 dias e um período de Défice Funcional Temporário Parcial de 1307 dias. - A repercussão permanente ao nível das actividades desportivas e de lazer, fixou-se no grau 2 (dois) de uma escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente e o quantum doloris fixou-se no grau 5 (cinco) de uma escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente. O dano estético permanente sofrido pela autora foi fixado no grau 4 (quatro) de uma escala de 7 (sete) graus de gravidade crescente e o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica da autora foi fixado em 23 pontos. - Por norma a autora desloca-se em cadeira de rodas não podendo estar mais do que entre meia hora e uma hora de pé. - A autora tem dificuldades em fazer as camas e em se ajoelhar e impossibilidade de estar de cócoras; não pode tratar dos animais (frangos, coelhos, patos, galinhas), tem dificuldades em cozinhar e tem dificuldades em subir e descer escadas. - A autora tinha 50 anos de idade à data do acidente. Ponderadas adequadamente tais circunstâncias do caso concreto, nomeadamente o período de internamento da autora, as intervenções cirúrgicas a que foi submetida, as sequelas de que ficou a padecer, inclusive sequelas psicológicas que implicam perda de autoestima e sentimentos de inibição, levando a alteração do padrão de vida pessoal e social, o quantum doloris em grau 5 numa escala de a 1 a 7, o dano estético permanente fixado no grau 4 de uma escala de 7 e a culpa exclusiva do condutor do veículo seguro no acidente, bem como os critérios jurisprudenciais que - numa jurisprudência atualista[11] - devem ser seguidos na concretização do juízo de equidade, entendemos como justo e adequado o montante de € 40.000,00 atribuídos à autora na sentença recorrida. Do dano biológico e respetivo montante indemnizatório Pretende a recorrente a revogação da sentença no que toca à indemnização nela fixada a título do dano biológico, reduzindo-se o quantum indemnizatório de € 60.000,00 para um montante não superior a € 25.000,00, quantia que no seu entender se encontra mais conforme “com a jurisprudência dos casos análogos”. Escreveu-se na sentença recorrida: «A autora sofreu uma irreversível limitação funcional tendo-lhe sido fixado um défice funcional permanente da integridade físico – psíquica de 23 pontos. Por isso que não pode deixar de ser indemnizada autonomamente pelo correspondente dano biológico, com vista a compensá-lo adequadamente dessa perda de capacidades, independentemente de implicar ou não perda da capacidade de ganho, já o dissemos. E que, aliás, no caso concreto nem se provou. A lesão à integridade psicofísica, o “dano biológico”, é independente da sua incidência na capacidade de produção de rendimentos do lesado (…) e, como tal, justificadora de uma indemnização autónoma. (…). A fixação da indemnização pelo dano biológico deve fazer-se sempre com recurso à equidade, nas fronteiras dos art.ºs 564.º, n.º 2, 566.º, n.º 3, 496.º, n.º 3 e 494.º, todos do Código Civil, como vem sendo entendimento unânime da jurisprudência (ver, entre outros, os acórdãos do STJ de 06.07.00 e 25.06.02, CJ/STJ, Ano 2000, T. II, p. 144 e Ano 2002, T. II, p. 128, respectivamente; e de 30.10.01, 15.06.04 e 11.01.05, www.dgsi.pt.)». Afigura-se correto este entendimento, já que não deixou a sentença recorrida de analisar a lesão corporal sofrida pela autora como constituindo em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”. Trata-se de um “dano primário”, do qual podem derivar, além das incidências negativas não suscetíveis de avaliação pecuniária, a perda ou diminuição da capacidade do lesado para o exercício de atividades económicas, como tais suscetíveis de avaliação pecuniária[12]. Nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de 28.01.2016[13], «[a] afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais (neste sentido, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015 (proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 7 de Maio de 2014 (proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 10 de Outubro de 2012 (proc. nº 632/2001.G1.S1), e de 20 de Outubro de 2011 (proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1), todos em www.dgsi.pt.)». Escreveu-se, mais à frente, no mesmo aresto: «Para além dos danos patrimoniais consistentes em perda de rendimentos laborais da profissão habitual, segue-se a orientação deste Supremo Tribunal, supra referida, de procurar ressarcir as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade laboral para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais. Trata-se das consequências patrimoniais do denominado “dano biológico”, expressão que tem sido utilizada na lei, na doutrina e na jurisprudência nacionais com sentidos nem sempre coincidentes. Na verdade, a lesão físico-psíquica é o dano-evento, que pode gerar danos-consequência, os quais se distinguem na tradicional dicotomia de danos patrimoniais e danos não patrimoniais (cfr. tratamento mais desenvolvido pela relatora do presente acórdão, Responsabilidade Civil – Temas Especiais, 2015, págs. 69 e segs.). Com esta precisão, a indemnização pela perda da capacidade de ganho, tem a seguinte justificação, nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, cit.: “a compensação do dano biológico [dentro das consequências patrimoniais da lesão físico-psíquica] tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.” Entende-se que o aumento da penosidade e esforço para realizar as tarefas diárias pode ser atendido no âmbito dos danos patrimoniais (e não apenas dos danos não patrimoniais), na medida em que se prove ter como consequência provável a redução da capacidade de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas. “A perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe [ao lesado], de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais” (acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, cit.).» Escreveu-se, por sua vez, no acórdão do STJ de 25.05.2017[14]: «Nestes termos, consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão directa no exercício da profissão habitual. Estamos no domínio dos danos patrimoniais indetermináveis, cuja reparação deve ser fixada segundo juízos de equidade (cfr. art. 566º, nº 3, do Código Civil). Ora, como tem sido considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr., por exemplo, o acórdão de 6 de Abril de 2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para o acórdão de 28 de Outubro de 2010, proc. nº 272/06.7TBMTR.P1.S1, e para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, proc. nº 381/2002.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt), em princípio, “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça “a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”. Para além disso, a sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade (ao abrigo do regime do art. 13º da Constituição e do art. 8º, nº 3, do Código Civil), o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto.» No caso dos autos, está provado que a autora contava 50 anos de idade à data do acidente, por força das lesões sofridas viu a sua integridade física atingida, ficando a padecer de um défice funcional que implica algumas restrições à realização dos atos normais da vida corrente, familiar e social e são causa de sofrimento (cfr. pontos 38 a 45 dos factos provados). Assim, considerando a natureza das lesões, o grau de incapacidade (23 pontos) e, bem assim, o seu impacto nas condições de vida da autora, a idade desta e a sua esperança de vida[15], considera-se justa e equitativa a atribuição da indemnização de € 60.000,00 fixada na sentença. Da indemnização por danos patrimoniais decorrentes da necessidade de auxílio de terceira pessoa A sentença recorrida fixou a quantia de € 40.000,00, a título de danos patrimoniais correspondentes ao custo do auxílio de terceira pessoa, pretendendo a recorrente que a indemnização a este título seja fixada em € 15.000,00, correspondente a cerca de duas horas semanais. Com interesse para a fixação desta parcela indemnizatória resultou provada a seguinte factualidade: - Por norma a autora desloca-se em cadeira de rodas não podendo estar mais do que entre meia hora e uma hora de pé. - A autora é capaz de passar a roupa a ferro, por períodos curtos, atentas as suas limitações. - A autora tem dificuldades em fazer as camas. - A autora tem dificuldades em se ajoelhar e impossibilidade de estar de cócoras. - A autora não pode tratar dos animais (frangos, coelhos, patos, galinhas). - A autora tem dificuldades em cozinhar. - A autora tem dificuldades em subir e descer escadas. - A autora não necessita de apoio permanente de terceira pessoa, admitindo-se que possa necessitar esporadicamente. - Nos primeiros tempos, após a alta clínica, a autora foi assistida pelo marido e pela filha Juliana. - A partir de março de 2012, uma terceira pessoa passou a auxiliar a autora, seis horas por dia, de segunda a sexta – feira, e três horas ao sábado, pagando a autora cinco euros (5,00 €) à hora. - A partir de inícios de 2015, o marido da autora por estar incapacitado por doença da coluna, deixou de poder ajudá-la como até aí, pelo que a terceira pessoa passou a fazer a auxiliar a autora entre 6 a 7 horas por dia, de segunda a sexta – feira, e três horas ao sábado, pagando a autora os mesmos cinco euros (5,00 €) à hora. Escreveu-se na sentença recorrida: «Não podemos concordar com os valores a que chega a autora quanto ao pagamento de uma empregada doméstica. Admite-se que nos primeiros tempos em que a autora esteve em casa, sem mobilização, possa ter necessitado de uma apoio mais permanente mas que no caso foi colmatado pelo marido e pela filha Juliana. A quantia pedida pela autora é a partir de 2012 (março) e até julho de 2015, que liquida em € 34 820,00. Sucede que se provou que a autora não necessita de apoio permanente de terceira pessoa, admitindo-se que possa necessitar esporadicamente, pelo que se entende que a contratação de uma empregada com presença diária em sua casa não é uma ocorrência direta dos danos sofridos com o acidente. E assim sendo, também não podemos recorrer a cálculos aritméticos tal como faz a autora. Entendemos que se deverá fixar um quantum indemnizatório que permita pagar a uma pessoa para a realização de tarefas quando a autora dela necessitar esporadicamente e que será calculada com recurso à equidade e uma média de um período de seis horas semanais, a cinco euros por hora, e atendendo à esperança média de vida da autora. Neste conspecto, fixa-se tal indenização em € 40 000,00 (quarenta mil euros)». Ora, ficou provado que “[a] partir de março de 2012, uma terceira pessoa passou a auxiliar a autora, seis horas por dia, de segunda a sexta - feira, e três horas ao sábado, pagando a autora cinco euros (5,00 €) à hora”, que “[a] partir de inícios de 2015, o marido da autora por estar incapacitado por doença da coluna, deixou de poder ajudá-la como até aí, pelo que a terceira pessoa passou a auxiliar a autora entre 6 a 7 horas por dia, de segunda a sexta – feira, e três horas ao sábado, pagando a autora os mesmos cinco euros (5,00 €) à hora”. Assim, considerando esta factualidade e atendendo à esperança de vida da autora, descontando ainda o benefício da autora receber a totalidade da quantia antecipadamente, poderia fazer-se certo reparo quanto à valoração do dano em equação, cujo valor peca por escasso. Porém, como não foi interposto recurso, ainda que subordinado, pela autora, terá aquele valor de manter-se intocado, ex vi do princípio ínsito no artigo 635º, nº 5, do CPC (proibição da reformatio in pejus), já que há que impedir que a posição do recorrente seja agravada por força do recurso que interpôs, garantindo-lhe, outrossim, a consolidação das decisões não postas em crise. Ou, como refere o Prof. M. Teixeira de Sousa, «a decisão do tribunal de recurso não pode ser mais desfavorável ao recorrente do que a decisão impugnada»[16]. Improcedem, assim, na sua essência, as conclusões constantes das alegações da apelação da ré. Vencida no recurso, suportará a recorrente as respetivas custas – artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC. Sumário: I - Os limites da condenação contidos no artigo 609º, nº 1, do Código de Processo Civil, têm de ser entendidos como referidos ao valor do pedido global e não às parcelas em que aquele valor se desdobra, sendo esta a orientação assumida como válida na solução de casos em que o efeito jurídico pretendido se apresenta como indemnização decorrente de um único facto ilícito, traduzindo-se o total do pedido na soma dos valores de várias parcelas, que correspondem, cada uma delas, a certa espécie ou classe de danos, componentes ou integrantes do direito cuja tutela é jurisdicionalmente solicitada. II - O prazo prescricional a que alude o artigo 498º, nº 3, do Código Civil aplica-se aos responsáveis civis, sejam, ou não, agentes do crime. III - Ponderadas adequadamente as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente o período de internamento da autora, as intervenções cirúrgicas a que foi submetida, as sequelas de que ficou a padecer, inclusive sequelas psicológicas que implicam perda de autoestima e sentimentos de inibição, levando a alteração do padrão de vida pessoal e social, o quantum doloris em grau 5 numa escala de a 1 a 7, o dano estético permanente fixado no grau 4 de uma escala de 7 e a culpa exclusiva do segurado da ré no acidente, bem como os critérios jurisprudenciais que - numa jurisprudência atualista - devem ser seguidos na concretização do juízo de equidade, entendemos como justo e adequado o montante de € 40.000,00 atribuídos à autora na sentença recorrida. IV - Consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão direta no exercício da profissão habitual. Estamos no domínio dos danos patrimoniais indetermináveis, cuja reparação deve ser fixada segundo juízos de equidade. V - Considerando que à data do acidente a autora tinha 50 anos de idade, ficou em consequência do mesmo com um défice funcional permanente e definitivo de vinte e três pontos, o que implica restrições à realização dos atos normais da vida corrente, familiar e social e são causa de sofrimento, que a mesma necessita de medicamentos do foro psiquiátrico e de consultas regulares de psiquiatria e tem uma esperança de vida até aos 82 anos, mostra-se adequada a indemnização de € 60.000,00 fixada pela 1ª instância pelo dano biológico da autora. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas pela recorrente. * Évora, 12 de Junho de 2019 Manuel Bargado Albertina Pedroso Tomé Ramião __________________________________________________ [1] Cfr. Acórdão do STJ de 08.02.2018, proc. 633/15.0T8VCT.G1.S1, disponível, como os demais citados sem menção de origem, em www.dgsi.pt. [2] Proc. 1052/05.2TTMTS.S1. [3] Cfr. o Acórdão do STJ de 25.11.2009, proc. 397/03.0GEBNV.S1 - também citado na sentença – e a vasta jurisprudência aí referida. [4] Nem muito menos conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, como parece resultar da referência na conclusão 14ª à alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, o que só pode atribuir-se a um qualquer lapso da recorrente. [5] Processos 06A4620 e 2024/05.2TBAGD.C1.C1, respetivamente. [6] Diz a recorrente na conclusão 28ª que “feita uma resenha de acórdãos sobre a matéria, depressa se constata que os valores apurados são inferiores ao valor arbitrado na Sentença a quo”. Porém, na conclusão 29ª limita-se a indicar um acórdão do STJ de 19.04.2018 onde terá sido atribuída uma indemnização de € 45.000.00, a uma lesada com 43 anos de idade e uma IPP de 49%. [7] Código Civil Anotado, Volume I, 3ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, p. 474. [8] Cfr., inter alia, o Ac. do STJ de 19.04.2012, proc. 3046/09.0TBFIG.S1. [9] Cfr. Ac. do STJ de 14.09.2010, proc. 267/06.0TBVCD.P1.S1,citando o Ac. do STJ de 09.10.2008 (Proc. 2430/07). [10] Ac. do STJ de 03.02.2011, proc. 605/05.3TBVVD.G1.S1. [11] De que é exemplo a citada na sentença recorrida. [12] Cfr., a este propósito, as doutas considerações do Ac. do STJ de 21.03.2013, proc. 565/10.9TBVL.S1. [13] Proc. 7793/09.8T2SNT.L1.S1, retomadas nos acórdãos de 07.04.2016, proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1 e de 14.12.2016, proc. 37/13.0TBMTR.G1.S1. [14] Proc. 2028/12.9TBVCT.G1.S1. [15] A esperança média de vida da população portuguesa, fixada, por referência ao ano de 2010, e tendo em conta os dados constantes de www.pordata.pt e atualizados em 31.05.2019, é para as mulheres de 82,4 anos. [16] Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 465. |