Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1153/22.2Y2STR.E1
Relator: JORGE ANTUNES
Descritores: MEDIDAS TUTELARES EDUCATIVAS
Data do Acordão: 01/28/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Através das medidas tutelares educativas, o Estado intervém perante comportamentos disruptivos por parte de jovens que, tendo já alguma maturidade intelectual e emocional, não perfizeram ainda, à data dos factos, a idade a partir da qual respondem criminalmente (face ao disposto no artigo 16º do Código Penal), carecendo, porém, de serem advertidos do desvalor de tais comportamentos e de serem educados para a necessidade de se absterem de os empreender e repetir e, ao invés, para o imperativo de adotarem condutas consentâneas com os valores vigentes na comunidade.

Sendo a educação para a vida normativa em sociedade uma tarefa que é habitualmente desempenhada pelas famílias, a ingerência (intrusão) do sistema de justiça é tão mais premente quanto maior for o défice de supervisão parental e familiar, havendo, em regra, uma correlação direta e proporcional entre ambos os vetores.

Sendo variável o grau de intervenção necessária consoante o caso, e privilegiando-se o princípio basilar da intervenção mínima do Estado, indispensável à consecução do assinalado objetivo, o artigo 4º discrimina o leque de medidas tutelares educativas aplicáveis, que assumem contornos variados, visando dar resposta a uma multiplicidade de situações que as reclamam.

Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

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I – RELATÓRIO

1. No Juízo de Família e Menores de …– Juiz …, no âmbito do processo tutelar educativo nº 1153/22.2Y2STR, por acórdão de 9 de julho de 2024, foi decidido:

“Nestes termos e sem necessidade de maiores considerações, acordam os Juízes que compõem o Tribunal Colectivo aplicar aos jovens:

a medida tutelar de internamento em centro educativo, pelo período 18 meses para o menor AA e dois anos para BB, a executar em regime semi-aberto, pela prática de factos qualificados como:

a AA nascido em … de 2009, natural de …, filho de CC e de DD, residente na rua …, …,

- um crime de coacção, na forma tentada, previstos pelo artº 154º , nºs 1 e 2, do C.Pena!;

- crime de detenção de arma proibida, previsto pelo art.º 86.º nº 1, alínea d), da Lei nº 5/2006, de 23-02, por referência aos artigos 2.º, n.º 1, alíneas m), av), 3º, nº 2, al. e)

- dois crimes de crimes de ameaça agravado, previsto pelos art.ºs 153º n.º l e 155.º nº 1, al. c), do C.Penal.

- dois crimes de injúria agravada, previsto pelos art.ºs 181.º n.º 1 e 184, do C. Penal

- Um crime de dano qualificado, previsto pelos art.ºs 212º n.º l e 213º, nº 1 , al. c), do C.Penal, punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.

- Um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto pelo art, 347º nº 1 do Código Penal, e punido com pena de prisão de um a cinco anos.

- um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143 do CP;

A BB, nascido em … de 2007, natural da …, filho de CC e de DD, residente na rua …, …:

- um crime de coacção, na forma tentada, previstos pelo art.º 154º nºs l e 2, do C.Penal

- Um crime de detenção de arma proibida, previsto peio art.º 86.º n.º 1 , alínea d), da Lei n 5/2006, de 23-02, por referência aos artigos 2º n.º 1, alíneas m), av), 3º nº 2, al. e), todos do mesmo diploma legal.

- dois crimes de ameaça agravado, previsto pelos art.ºs 153º nº 1 e 155º nº 1, al. c), do C.Penal

- Um crime de dano qualificado, previsto pelos artºs 212º nº 1 e 213º nº 1, al. c), do C.Penal.

- Um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto pelo art. 347º nº 1 do Código Penal.

- Um crime de furto qualificado, previsto pelo artigo 204º nº 1, al. b) do Código Penal, com referência ao artigo 203.º n.º 1, todos do Código Penal.

- Um crime de ameaça agravado, previsto pelos artºs 153º n.º l e 155º nº 1, al. a), do C.PenaI.

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Não são devidas custas.

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Declaro perdidos a favor do Estado dos objetos apreendidos, nos termos do art. 109º nº 1 do Código Penal, aplicável subsidiariamente por via do disposto no art. 128º da LTE.

Fixo ainda em cinquenta e um euros e cinco cêntimos, o montante das ajudas de custo a cada um dos juízes sociais (decisão apenas da responsabilidade do presidente), a suportar peto Instituto de Gestão Financeira e de Infraestruturas da Justiça I.P. (artigos 9º nºs 1 e 3 do Decreto-Lei 156/78, de 30 de Maio, 38º do Decreto-Lei nº 106/98, de 24 de Abril, 2º, alínea iii), da Portaria nº 1553-D/2008, de 31 de Dezembro, e 16º nº 1, alínea i), do Regulamento das Custas Processuais).

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Após trânsito, remeta boletins ao registo de menores (artigos 214º da Lei Tutelar Educativa e 2º e 3º do Decreto-Lei nº 323-E/2000, de 20 de Dezembro).

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Comunique o conteúdo do presente acórdão à Direcção-Geral de Reinserção Social, incumbindo-se esta entidade de acompanhar e assegurar a execução da medida tutelar e solicite ainda a oportuna elaboração de projecto educativo pessoal dos jovens, informando que a execução da medida se inicia com o trânsito em julgado (artigos 129º, 130º, 142º, 143º, 144º, nº 1, 145º, alínea a), e 146º, todos da Lei Tutelar Educativa).

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Oportunamente, proceda-se ao depósito do presente acórdão (artigo 113º, nº 5 da Lei Tutelar Educativa).

Notifique”.

2. Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso os dois jovens visados.

2.1. O jovem AA peticiona a revogação do “Acórdão recorrido, e em consequência, (…) a substituição da medida tutelar aplicada ao menor/recorrente (…) por outra, designadamente a decorrente do disposto no artigo 16º, com remissão, para o artigo 14º, nº 2, al. a) e c), ambos da Lei Tutelar Educativa”. Apresentou a seguinte síntese conclusiva:

“I-O douto Tribunal “a quo”, aplicou ao menor AA, medida tutelar de internamento em centro educativo, pelo período de 18 meses, a executar em regime semi-aberto,

II- Pela prática de factos qualificados como um crime de coação, na forma tentada, previsto pelo artigo 154.º, nºs 1 2 2, do Código Penal; um crime de detenção de arma proibida, previsto pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 5/2006, de 23-02, por referência aos artigos 2.º, n.º 1, alíneas m), av), 3.º, n.º 2, al. e); dois crimes de ameaça agravada, previso pelos artigos 153.º, nº 1 e 155.º, n.º 1 al. c), do Código Penal; dois crimes de injuria agravada, previsto pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184, do Código Penal;

III- um crime de dano qualificado, previsto pelos artigos 212.º, n.º 1 e 213.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias; um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto pelo artigo 347.º n.º 1 do Código Penal, e punido com pena de prisão de um a cinco anos; um crime de ofensa à integridade física simples, p.e p. pelo artigo 143.º do Código Penal.

IV- O Tribunal a quo, deu como PROVADOS, os factos constantes do PONTOS II – I - FACTOS PROVADOS (cfr. douto Acórdão – FUNDAMENTOS DE FACTO /FACTOS PROVADOS.

V- O Tribunal a quo, entendeu, também, que “Não se provaram nem se consideram com interesse os seguintes factos: -

- AA e BB, seguiam, também de bicicleta, no mesmo local (...)

- AA e BB abordaram EE, FF e GG, e perseguiram-nas durante uns momentos

- A dada altura, BB tirou do bolso uma navalha tipo borboleta e entregou-a a AA.

- AA empunhou a navalha na direção das meninas e disse para EE, FF e GG seguirem em direção ao Bar …, sito no Jardim …, em …, tendo afirmado “espeto a faca se não forem nessa direção”, “ se nos chatearem muito, nós vamos usar isto”.

- As meninas, aterrorizadas, separaram-se, e deslocaram-se para casa, tendo, durante uns momentos, sido seguidas durante alguns momentos por AA e BB.

- AA desferisse um soco na face de HH.

- O jovem AA estava consciente do problema de saúde do menino HH.”- (cfr. douto Acórdão - FACTOS NÃO PROVADOS).

VI- Ao menor/recorrente, AA, como consequência, da sua conduta foi determinado o Tribunal recorrido, aplicar-lhe medida tutelar de internamento em centro educativo, pelo período de 18 (dezoito) meses a executar em regime semi-aberto,

VII- Ou seja, exatamente a mesma medida que havia sido proposta pelo Ministério Público, e relativamente a um conjunto de crimes mais abrangente, os quais não vieram a ser provados, designadamente, - três crimes de coação na forma tentada; - dois crimes de ameaça agravada; um crime de injuria agravada e um crime de ofensa à integridade física qualificada, crime este que veio a cair na sua qualificativa.

VIII- Mal andou o Tribunal a quo ao aplicar ao menor AA, a medida tutelar de internamento em centro educativo, pelo período de 18 meses, a executar em regime semi-aberto-, porquanto, aplicados os princípios processuais penais, a medida tutelar aplicada, é manifestamente excessiva, desproporcional e desnecessária aos efeitos que se pretendem obter, designadamente a ressocialização do menor, tendo em conta que o mesmo é de “tenra” idade, e o facto de ser primário.

IX As medidas tutelares educativas têm subjacente a ideia de responsabilização do menor, mostrando-lhe que a prática de condutas que consubstanciam ilícitos criminais, porque violadoras de bens essenciais da comunidade, não são toleradas pela sociedade em que se insere, de modo que a sua personalidade (em formação) interiorize o respeito por essas normas fundamentais.

X-Para estabelecer a medida tutelar a aplicar o tribunal tem de ter em consideração a culpa e as exigências de prevenção geral e de prevenção especial de socialização e integração, que no caso de menores tem por maior relevância por serem futuros adultos em formação, mais que punir é necessário reabilitar.

XI- A aplicação ao menor/recorrente da medida tutelar de internamento em centro educativo por um período de 18 meses, ainda que em regime semi-aberto, não é proporcional na necessidade de educação do menor para o direito uma vez que cria no Recorrente a certeza de que a lei e as instituições jurídicas não o protegem, enquanto criança, e apenas o punem cegamente.

XII- Nos termos do art.º 6º nº 1 da LTE, o tribunal deve dar preferência entre as que se mostrem adequadas e suficientes, a medida que represente menor intervenção na autonomia de decisão e condução da vida do menor, e que seja suscetível de obter a sua maior adesão e adesão dos pais, sendo a medida de internamento a última “ratio” da política criminal em relação aos menores, devendo dar-se preferência a quaisquer outras, que assegurem as respetivas finalidades.

XIII- Teria, pois, sido mais adequado, a aplicação ao menor/recorrente de uma medida de acompanhamento educacional e ter-lhe sido dada essa oportunidade, uma vez que a medida de acompanhamento educativo é a medida que é suscetível de gerar maior adesão do menor e melhor adesão dos pais.

XIV-Face a todo o circunstancialismo, afigura-se que o menor/recorrente, AA, necessita de acompanhamento efetivo, junto da família, designadamente da sua mãe, conferindo-lhes todos os apoios e acompanhamento permanente necessários e indispensáveis, designadamente através da elaboração por parte dos Serviços de Reinserção Social de um projeto educativo pessoal que abranja as áreas de intervenção fixadas pelo Tribunal (cfr. artº 16º, nº 1 a 6 da LTE).

XV-Não se vê em que aspeto a imposição de uma medida de internamento, ainda que em regime semi-aberto, fora do meio de origem, de um jovem de 14 anos, como é o caso de AA, possa colher melhores frutos do que o acompanhamento educativo prolongado.

XVI-“A institucionalização de um menor é sempre uma moeda de duas faces: uma positiva, de reintegração e outra extremamente negativa, de eventualidade de contacto com jovens com comportamentos mais desajustados, alguns portadores de distúrbios de personalidade normalmente associados a grande capacidade de manipulação pelo simples gosto de exercer poder sobre terceiros, fazendo com que se corra o risco de piorar a influência de terceiros junto do jovem, em lugar de a melhorar.”. Neste sentido, veja-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (Proc. 7257/22.4T9SNT.L1-3, de 20-03-2024

XVII- In casu, uma medida de ACOMPANHAMENTO EDUCATIVO, (artigo 16º da LTE, e, remissão para o Artº 14º, nº 2, al. a e c), com objetivos e regras bem definidos, permitirá reforçar no menor AA, o respeito pelos valores ético-jurídicos fundamentais da comunidade e continuar a adquirir recursos que lhe permitam concretizar uma forma vida de modo socialmente responsável.

XVIII- Ou seja, uma medida de Acompanhamento Educativo, mediante a imposição de obrigações de frequência de um estabelecimento de ensino com sujeição a controlo de assiduidade e aproveitamento e frequência de sessões de orientação em instituição psicopedagógica e seguir as diretrizes que lhe forem fixadas.

XIX-A qual será suficiente, adequada e proporcional, justificando as necessidades de prevenção geral e especial, cumprindo-se efetivamente e com propriedade os fins consagrados na Lei Tutelar Educativa,

XX- Visando a educação do jovem para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade (Artigo 2º, nº 1), devendo recair a medida adotada (Artigo 4º), preferencialmente, naquela que se mostre adequada e suficiente e represente a menor intervenção na autonomia de decisão e de condução de vida do jovem e que seja suscetível de maior adesão dos pais (Artigo 6º). Devendo ser orientada pelo interesse do jovem (Artigo 6º, nº 3).

A sentença recorrida violou assim os artigos 2º, nº 1, 4º, 6º e 7º, nº 1 ,17.º (aplicação indevida), 16.º (omissão de aplicação) da Lei Tutelar Educativa (Lei nº 166/99 de 14 de Setembro) e o disposto no artigo 19.1 das Regras de Beijing.”

2.2. O jovem BB peticiona a revogação do “Acórdão recorrido, e em consequência, (…) a substituição da medida tutelar aplicada ao menor/recorrente (…) por outra, designadamente a decorrente do disposto no artigo 16º, com remissão, para o artigo 14º, nº 2, al. e), ambos da Lei Tutelar Educativa”. Apresentou, após convite para esse efeito, a seguinte síntese conclusiva:

“I - Ao menor, BB, ora Recorrente foi aplicada a medida tutelar de internamento em centro educativo, pelo período de 2 (dois) anos a executar em regime semi-aberto, pela prática de factos qualificados como: (cfr. DECISÃO):

- Um crime de coação, na forma tentada, previsto pelo artigo 154º nºs 1 e 2 do Código Penal.

- Um crime de detenção de arma proibida, previsto pelo artigo 86º nº 1, alínea d) da lei número 5/2006 de 23-2 com referência aos artigos 2º, nº 1, alíneas m), av), 3º , nº2, alínea e), todos do mesmo diploma legal.

- Dois crimes de ameaça agravada, previsto pelo artigo 153º, nº1 e 155º nº1, alínea c), do Código Penal

- Um crime de dano qualificado, previsto pelos artigos 212º, nº1 e 213º, nº1, alínea c), do Código Penal

- Um crime de resistência e coação sobre funcionário previsto pelo artigo 347º, nº1 do Código Penal

- Um crime de furto qualificado, previsto pelo artigo 204º nº1, alínea b) do Código Penal com referência ao artigo 203º, nº1, todos do Código Penal

- Um crime de ameaça agravado, previsto pelos artigos 153º nº1 e 155º, nº1 alínea a), do Código Penal

II - Porquanto, o Tribunal «a quo», deu como PROVADOS, a matéria de facto constante dos PONTOS: 3) a 27), - designadamente, e, para o que releva e para efeitos do objecto do presente recurso, a matéria de facto constante dos PONTOS: 3) a 27) - (cfr. douto Acórdão – FUNDAMENTOS DE FACTO /FACTOS PROVADOS

III - Também, com relevância, para efeitos do objecto do presente recurso, o Tribunal «a quo», relativamente à MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA, entedeu que “Não se provaram nem se consideram com interesse os seguintes factos:-

- AA e BB, seguiam, também de bicicleta, no mesmo local (...)

- AA e BB abordaram EE, FF e GG, e perseguiram-nas durante uns momentos.

- A dada altura, BB tirou do bolso uma navalha tipo borboleta e entregou-a a AA.

- (...).

- As meninas, aterrorizadas, separaram-se, e deslocaram-se para casa, tendo, durante uns momentos, sido seguidas durante alguns momentos por AA e BB.

-(...), -(...).”- (cfr. douto Acórdão - FACTOS NÃO PROVADOS).

IV - Compulsado todo o processo, constata-se, desde logo, que tal media havia sido já proposta pelo Ministério Público, mas na sequência de imputar ao menor/recorrente a prática de um maior número de crimes, mais concretamente 8 (oito), que não foram provados, designadamente: 3 (três) crimes de coação, 2 (dois) crimes de ameaça agravada e 3 (três) crimes de Injuria, ao que acresce que, os crimes que acabaram por ser demonstrados (provados) em sede de Audiência de Julgamento, foram exactamente aqueles que o menor/recorrente, desde logo admitiu ter praticado, isto é, confessou, quando em 11/11/2022 prestou declarações perante magistrado do Ministério Público (Refª …), sendo certo que naquela mesma ocasião, negou perentoriamente a prática dos restantes ilicitos, ou seja, exactamente, a conduta que lhe era imputada referente à prática daqueles, supra identificados 8 (oito) crimes, que não admitiu, por não os ter praticado.

V - Acresce ainda, que, salvo o devido respeito, no que concerne à imputação ao menor/recorrente da prática do crime de ameaça agravado, previsto pelos artigos 153º nº1 e 155º, nº1 alínea a), do Código Penal, na pessoa de II (cfr. Factos provados rr), ss) e tt), supra descritos), afigura-se-nos que o Tribunal recorrido incorreu em manifesto erro notório na apreciação da prova, em violação do disposto no art. 410º, nº 2, alínea c) do CPP), porquanto, em sede de Audiência de Julgamento o menor/recorrente negou a prática daqueles factos e contrariou perentoriamente a versão dada ao Tribunal dada pelo ofendido II, tendo apresentado a sua versão dos factos, do efetivamente sucedido, bem assim como a eventual motivação para a denuncia apresentada nos autos por parte do ofendido, designadamente o intenso conflito deste com a sua família, e, com relevância para a decisão a proferir, relativamente a esta questão, nada mais foi apurado pelo Tribunal recorrido, como resulta alías, claramente da respectiva (aliás, parca) fundamentação: (III -MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO) – “h”)

VI - Assim, salvo o devido respeito o Tribunal a quo na perspectiva do recorrente, não fez um correcto exame crítico das provas como estava obrigado, deixando-se influenciar por suposições e convicções, que não têm qualquer suporte probatório sólido, tendo retirado conclusões absolutamente infundadas e arbitrárias, como sejam, designadamente, as constantes das supra alineas rr), ss), tt), dos factos dados como provados, pelo que, não foram, assim, correctamente valoradas, por parte do Tribunal recorrido, as provas produzidas em audiência de julgamento.

VII - De facto, partindo-se, como aliás se impunha, de uma correcta aplicação das pertinentes regras processuais penais, e respectivos Princípios Constitucionais aplicáveis, os factos supra mencionados [alineas rr), ss) e tt)] com remissão para o douto Acordão recorrido), deveriam, na verdade, ter sido dados por não provados.

VIII - Assim, face a tudo o acima referido, em nossa opinião e, salvo o devido respeito, o Tribunal «a quo» incorreu manifestamente, em erro notório na apreciação da prova, circunstância que consubstancia e que é fundamento do presente recurso (art. 410º, nº 2, alínea c) do CPP) e, mais, constata-se, ainda, e face a tudo o acima referido, que é bem patente, a violação do disposto nos artigos 127º do CPP e 205º, nº 1, da CRP.

IX - Parece-nos indiscutível que face ao depoimento contraditório das partes envolvidas, em sede de audiência de julgamento, conjugado com a completa ausência de demais prova produzida relativamente à questão em apreço, o Tribunal recorrido nunca poderia ter dado como provado que o menor/Recorrente, cometeu o crime em causa, pois, resulta claramente de tudo o atrás expandido que o Tribunal “a quo” devia ter valorado de forma diferente, elementos de prova que lhe foram dados a conhecer, ou in casu mais propriamente, a ausência de tais elementos de prova directa ou indirecta dos factos, que foram imputados ao ora Recorrente, o que não fez. (art. 412º, nº 3, al. b), do CPP), ou, no mínimo, coloca-se a dúvida insanável quanto à alegada prática do crime em causa, dúvida que, em decorrência do Princípio “in dubio pro reo” , teria que ser resolvida a favor do aqui Recorrente, e não contra ele.

X - Por outro lado, e como resulta aliás do douto Acórdão, ora recorrido, o menor/recorrente, BB é um jovem facilmente manipulável, sem tolerância para com a autoridade, que padece de com deficit cognitivo e hiperatividade, tendo sido acompanhado em pasiquiatria no Hospital Distrital de …(Drª JJ) cumprido durante algum tempo medicação, sendo que, da avaliação efetuada, também se observam reduzidas capacidades cognitivas que lhe comprometem a utilização de noções básicas necessárias à sua vida diária, e, também conceitos necessários em contextos de maior complexidade ou vulnerabilidade, que são demonstrativos pela sua necessidade de adotar comportamentos desafiadores e agressivos para com os outros, pelo que, face a todo o circunstancialismo supra descito, afigura-se que o menor/recorrente, BB, necessida sim, de acompanhamento efectivo, por parte dos competentes serviços do Estado, mas junto da sua família, designadamente da sua mãe, conferindo-lhes todos os apoios e acompanhamento permanente necessários e indispensáveis, designadamente através da elaboração por parte dos Serviços de Reinserção Social de um projecto educativo pessoal que abranja as áreas de intervenção fixadas pelo Tribunal (cfr. artº 16º, nº 1 a 6 da LTE).

XI - Ora, uma medida tutelar, privativa da liberdade, como a ora aplicada pelo Tribunal recorrido, nada de bom ou positivo poderá trazer para o futuro do menor/recorrente, pois que, como resulta dos próprios autos, foi já adoptada no passado, sem quaisquer resultados e, presentemente, apenas se revela apta a conferir mais frustação, abandono, e descrença por parte do menor no outro (sociedade e instituições), acrescendo ainda que a aplicação de tal medida tutelar, será inerteriorizada pelo menor, como tratando-se de uma medida de efectivo castigo e retaliação ,que criará sentimentos de ainda maior revolta e progressivo afastamento da procura de regras de conduta adequadas.

XII - Assim, a medida que se nos afigura necessária, adequada e proporcional a aplicar ao menor/recorrente é a de Acompanhamento Educativo, que decorre do disposto no artigo 16º da LTE, e, designadamente do seu nº 7, - remissão para o Artº 14º, nº 2, al. e), da mesma Lei, ou seja: “Submeter-se a programas de tratamento médico, médico-psiquiátrico, médico-psicológico ou equiparado junto de entidades ou de instituição oficial ou particular, em reigime ambulatório”, pois que, só assim se cumpre efectivamente e com propriedade os fins consagrados na Lei Tutelar Educativa, designadamente que visem a educação do jovem para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade (Artº 2º, nº 1), devendo recair a medida adoptada (Artº 4º), preferencialmente naquela que se mostre adequada e suficiente e represente a menor intervenção na autonomia de decisão e de condução de vida do jovem e que seja susceptível de maior adesão dos pais (Artº 6º). Devendo ser orientada pelo interesse do jovem (Artº 6º, nº 3).

XIII - Foram assim violados pelo Tribunal recorrido, os arts. 127º , 410º, nº 2, alínea c) e 412º, nº 3, al. b) do Código de Processo Penal, e 32º, nº 2, e 205º, nº 1, da Lei Fundamental, bem assim como, foram igualmente violados os artigos 17º (por aplicação indevida), 16º (por omissão de aplicação) e, em consequência, também, os artigos 2º, nº1, 4º, 6º e 7º, nº 1, todos da LTE (Lei nº 166/99 de 14 de Setembro).

3. Os referidos recursos foram admitidos, por legais e tempestivos.

4. O Ministério Público apresentou resposta aos recursos interpostos, pugnando pela sua improcedência. Formulou as seguintes conclusões:

4.1. Quanto ao recurso apresentado pelo jovem BB:

“1ª –O recorrente não formulou quaisquer conclusões.

2ª- Tendo em conta o disposto no artº 414º, nº 2 do C.P.P. deverá o Recorrente ser convidado a formular conclusões, sob pena de não o fazendo, o presente recurso não ser admitido.

3ª- Tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova, bem andou o tribunal ao tomar em consideração o depoimento do ofendido II, por ter sido credível, e bem assim em considerar provados os factos qualificados pela lei penal como integrando o crime de ameaça agravado.

4ª- Deste modo, não se verifica erro notório na apreciação da prova.

5ª- Tendo em conta os factos cometidos pelo jovem BB, as suas condições vivenciais e o facto de anteriormente já lhe ter sido aplicada a medida tutelar de Obrigação de Imposições, conclui-se à saciedade que a única medida tutelar educativa que lhe pode ser aplicada é a medida de internamento em centro educativo.

6ª- O presente recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se o Acórdão recorrido, o qual não violou nenhuma das normas indicadas pelo recorrente, nem qualquer outra.

4.2. Quanto ao recurso apresentado pelo jovem AA:

“1ª – Tendo em conta o consignado no Acórdão recorrido acerca das condições vivenciais do António, e bem assim a avaliação psicológica a que foi submetido, conclui-se que a única medida adequada é a medida tutelar de internamento em centro educativo, em regime semiaberto, conforme foi decidido pelo tribunal a quo.

2ª- Na verdade, há que atender aos factos mencionados no relatório da avaliação psicológica a que o jovem AA foi submetido, os quais permitem concluir à saciedade que o mesmo necessita veementemente de ser educado para o direito, o que somente é possível através da aplicação da medida de internamento em centro educativo.

3ª- O presente recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se o Acórdão recorrido, o qual não violou nenhuma das normas indicadas pelo recorrente, nem qualquer outra.

5. Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto apresentou parecer, no sentido da improcedência dos recursos.

6. Notificado o parecer aos recorrentes, nos termos do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

7. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.

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II – QUESTÕES A DECIDIR

Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»).

Com a conformação que é dada ao objecto dos recursos pelas respetivas conclusões apresentadas, as questões a apreciar são as seguintes:

1 – erro notório e violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo;

2 – escolha e determinação das medidas tutelares educativas.

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III – TRANSCRIÇÃO DOS SEGMENTOS RELEVANTES DA DECISÃO RECORRIDA.

O acórdão proferido tem, para além do mais, o seguinte teor:

“II - FUNDAMENTOS DE FACTO..- FACTOS PROVADOS

Da instrução e discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

(1153/22.2Y2STR/1154/22.OY2STR)

a) No dia 17.06.2022, pelas 19h30, na rua …, …, KK, nascida a ….2005, circulava apeada.

b) FF, GG e EE, menores de 18 anos de idade, circulavam de bicicleta, no mesmo local.

c) As meninas cruzaram-se com KK e avisaram-na que estavam a ser seguidas por AA e BB.

d) Nesse momento, AA e BB dirigiram-se a KK.

e) AA, acompanhado de BB, dirigiu-se a KK e disse "se fugires espeto-te a navalha"

f) A menor sentiu temor pela sua integridade física, face à conduta de BB e AA.

g) Ao agir como agiram, em comunhão de esforços e intentos, de forma livre e consciente, os jovens BB e AA quiseram ter consigo o objeto atrás descrito, cuja detenção sabiam ser proibida, e sem que tivessem alguma justificação para tais factos.

h) Os jovens BB e AA conheciam bem as características do mencionado objeto.

i) Pretendiam os jovens, com as descritas condutas, que KK não saísse do local Resultado que não aconteceu por motivo alheio à vontade dos jovens.

j) (1382/22.9Y2STR) No dia 04.07.2022, pelas 16h55, os Agentes da Polícia de Segurança Pública LL e MM, devidamente uniformizados e em exercício de funções, deslocaram-se na viatura da Polícia de Segurança Pública, de matrícula …, marca …, corretamente caracterizada, até à rua ….

k) Nesse local, BB e AA dirigiram-se ao veículo da Polícia de Segurança Pública.

I) No momento em que o Agente MM se encontrava no exterior do veículo, BB, empunhando um taco de basebol de cor branca, e AA com várias pedras da calçada nas mãos, dirigiram-se ao Agente MM e afirmaram "não tens vergonha. Ainda agora o levaram preso e já estão aqui outra vez.

m) Nesse momento, e perante a conduta dos jovens, com a convicção de que os jovens pretendiam atingir a integridade física dos agentes da Polícia de Segurança Pública, o Agente LL entrou no automóvel, e, via rádio, solicitou auxílio.

n) Momentos depois, AA dirigiu-se aos Agentes LL e MM e disse "Policia de merda, não prestam para nada, vou foder-vos todos um a um".

0) O Agente MM disse para BB e AA terem calma, ao que AA arremessou várias pedras na direção do Agente, e BB empunhando o taco de basebol aproximou-se dos Agentes da Polícia de Segurança Pública LL e MM,

p) Nesse momento, e devido a tais circunstâncias, o Agente LL empunhou a sua arma de serviço. De imediato, os jovens BB e AA encetaram fuga na direção da sua residência, onde entraram.

q) Momentos depois, os jovens saíram da residência,

r) BB dirigiu-se ao Agente que se encontrava no exterior e afirmou "esta noite a esquadra vai pelo ar, vou partir tudo", de forma intimidatória, e com várias pedras nas mãos,

s) Momentos depois, já na rua, AA passou de bicicleta junto do Agente e disse "policia de merda. Não prestam para nada. Vou foder-vos todos um a um", e seguiu na direção da Avenida ….

t) Tal afirmação foi audível por dois Agentes que se encontravam no local.

u) Devido aos pedidos de auxílio, compareceram no local os Agentes da Polícia de Segurança Pública, NN e OO, em viatura caracterizada, em exercício de funções, e devidamente uniformizados.

v) AA foi abordado pelo Agente Principal PP, para se identificar.

w) Ato contínuo, surgiu BB, com pedras na mão, tendo sido agarrado pelo Agente LL.

x) De imediato, surge CC, mãe de BB e AA.

y) Nesse momento, AA libertou-se e correu para o interior da sua habitação.

z) BB foi algemado pelos Agentes da Polícia de Segurança Pública, LL e OO, enquanto CC gritava, tendo comparecido no local várias pessoas.

aa) Sem que nada o fizesse prever, AA saiu de casa, dirigiu-se ao local, empunhando uma navalha aberta, na direção do Agente OO, com o intuito dê obstar a que BB fosse algemado.

bb) Os Agentes da Polícia de Segurança Pública, NN que ali se encontravam conseguiram retirar a navalha da mão de AA.

cc) Enquanto os Agentes da Polícia de Segurança Pública tentavam colocar BB dentro da viatura policial, BB desferiu vários pontapés no veículo.

dd) AA, de igual modo, desferiu um pontapé na porta da frente e lado direito do veiculo automóvel, estragando o veículo.

ee) Quando BB estava dentro do automóvel, os Agentes colocaram o automóvel em marcha. Nesse momento, AA arremessou diversas pedras contra o veículo, destruindo o vidro do para-brisas e a chapa da matricula da frente.

ff) A navalha empunhada por AA foi apreendida. Possui 8 cm de cabo e 6,5 cm de lâmina.

gg) Foi, ainda, partida a antena do veículo automóvel, durante a algemagem do jovem BB, devido aos esforços do jovem para evitar ser algemado.

hh) A reparação viatura ligeira de passageiros com a matrícula …, propriedade da Polícia de Segurança Pública teve o custo de 86422 € (oitocentos e sessenta e quatro euros e vinte e dois cêntimos).

ii) Ao proferir as palavras acima descritas, bem como ao empunhar as pedras, navalha e taco de basebol, os jovens atuaram com o propósito de provocar medo e inquietação aos Agentes da Polícia de Segurança Pública, cientes de que tais condutas eram adequadas a alcançar tal resultado, o que quiseram e conseguiram.

jj) Ao proferir as palavras acima referidas, os jovens atuaram com o propósito concretizado de ofender os Agentes da Polícia de Segurança Pública na respetiva honra e consideração que lhe eram devidas como pessoas e agentes de força de segurança policial, sabendo os jovens aquelas idóneas a alcançar tal resultado, o que quiseram e conseguiram.

kk) Os jovens bem sabiam que o veículo supra descrito era pertença do Estado Português, e que ao amolgá-lo e partir, atuavam sem o consentimento do seu legítimo dono e contra a vontade deste. Atuaram de forma voluntária, livre e consciente, com o propósito de causar prejuízo patrimonial, como de facto causaram, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

ll) Atuaram, ainda, os jovens, com o intuito de evitar que o jovem BB fosse algemado e conduzido ao posto da Polícia de Segurança Pública, de forma a opor-se a que aqueles elementos das forças de segurança praticassem ato relacionado com as suas funções.

mm) (1477/22.9Y2STR)No dia 21.08.2022, pelas 0lh40, na Cerca …, BB, acompanhado de QQ, abriram o capot do veiculo ligeiro de mercadorias, marca …, matricula …, e retiraram as baterias do referido automóvel, tendo para tal cortado o suporte em ferro colocado sobre as baterias, Para tal tiveram de destruir parte do capot do veículo.

nn) Depois colocaram as baterias dentro de mochilas que tinham consigo.

oo) Ao avistarem Agentes da Polícia de Segurança Pública, colocaram-se em fuga, abandonando as mochilas.

pp) No interior das mochilas encontravam-se uma chave inglesa, uma chave de fendas, um torquês de corte, quatro alicates, uma tesoura, e duas baterias de marca e modelo ….

qq) O jovem sabia que os bens de que se apropriou lhe não pertenciam e que atuava contra a vontade do respetivo dono.

rr) (1856/22 1Y2STR) No dia 20.10.2022, pelas 19h00, na rua …, em …, encontrava-se II.

ss) Sem que nada o fizesse prever, BB, empunhando uma faca dirigiu-se a II, ao mesmo tempo que afirmava "vou te matar, vou te matar" com o intuito de agredir este, não o logrando conseguir, pois que II agarrou a mão de BB e empurrou o jovem, tendo, de imediato, II abandonado o local.

tt) Ao proferir as palavras acima descritas, bem como ao empunhar a faca, o jovem atuou com o propósito de provocar medo e inquietação ao ofendido, ciente de que tais condutas eram adequadas a alcançar tal resultado.

uu) (600/23.OY2STR)HH padece de hemofilia A grave.

vv) A hemofilia A é uma doença congénita, resultante de uma anomalia funcional e fisiológica na produção do FVIII que é essencial na coagulação sanguínea. Nesta situação ocorrem com frequência hemorragias espontâneas ou traumáticas. Mais raramente podem ocorrer hemorragias que, pela sua localização, podem atingir gravidade e pôr em risco a vida do ofendido se não forem tratadas correta e prontamente.

ww) No início do ano letivo de 2022/2023, foi realizado um trabalho de inclusão e de explicação da sua problemática de saúde de HH aos seus pares. A Diretora de Turma deu a conhecer desde o início do ano letivo a problemática de saúde do aluno e em todas as reuniões os docentes aferiram estratégias de apoio pedagógico e de proteção à sua integridade física, o que já tinha acontecido nos anos anteriores.

xx) O aluno HH é sempre o último a entrar e a sair da sala de aula/pavilhão desportivo para evitar possíveis acidentes. Nas aulas de Educação Física todas as modalidades desportivas são adaptadas de forma a evitar o risco de traumatismo, as tarefas atribuídas não envolvem contacto, recorrendo a ações de oposição passiva. Na área desportiva existe um Kit de IPS Socorros com gelo.

yy) Na aula de Educação Visual não são permitidos objetos cortantes e o x-ato não é permito na escola.

zz) A utilização do compasso só foi efetuada com a orientação e supervisão da docente da disciplina.

aaa) Em todas as atividades da turma, saídas/visitas de estudo, os docentes responsáveis têm os cuidados necessários à problemática do aluno, zelando pela sua integridade física, promovendo uma inclusão positiva, adaptando as atividades/tarefas à sua funcionalidade.

bbb) No dia ……………………………………………....2023, peias 10h51, no interior do estabelecimento de ensino Escola …, sita em …, AA desferiu uma chapada/bofetada na face de HH.

ccc) O jovem AA agiu com o propósito concretizado de molestar o ofendido HH no respetivo corpo e saúde, movido por mero prazer pessoal e a descoberto de qualquer motivo.

ddd) Em todas as supras descritas condutas, os jovens AA e BB agiram com consciência e livremente, sabendo que as suas condutas não são permitidas e são censuráveis,

eee) Dos condições socio económicas e avaliação psicológica de AA AA integra o agregado familiar da progenitora CC (desempregada) e dois irmãos. A mãe tem outro filho menor com cerca de 18 meses.

fff) O menor não tem qualquer contacto com o pai, que estará preso; também o padrasto.com quem tem vivido nos últimos anos se encontra preso por prática de crime de roubo;

ggg) A família não tem residência fixa, alternando o seu paradeiro entre o bairro de …, o centro da cidade de … ou a zona de …. Atualmente a mãe de AA verbaliza residir numa casa arrendada (por 150€), com 2 assoalhadas e razoáveis condições de habitabilidade.

hhh) O jovem partilha quarto com o seu irmão BB, de 15 anos e o irmão consanguíneo RR, de 9 anos de idade.

iii) A progenitora é beneficiária de RSI, auferindo de uma prestação no valor de 424,15€ e recebe em abonos de família cerca de 140€, referindo que o agregado familiar vive com algumas dificuldades financeiras, conseguindo, no entanto, satisfazer as necessidades básicas.

jjj) A dinâmica familiar caracteriza-se por dificuldades no exercício das responsabilidades parentais por parte da progenitora.

kkk) O jovem apresenta dificuldade em cumprir regras, adotando constantemente um comportamento desafiador perante os pares e figuras de autoridade, nomeadamente contra forças de segurança pública, sendo normalmente desculpabilizado no seio familiar.

lll) A situação familiar é acompanhada pela CPCJ de …, com medida de promoção e proteção de apoio junto da mãe.

mmm) O jovem frequenta o 5.º ano de escolaridade, inserido numa turma bilingue (tem algumas disciplinas em inglês) na escola básica ….

nnn) Segundo o diretor de turma, à data do relatório, o professor SS, o jovem apresenta muitas dificuldades de aprendizagem, não sabendo ler.

ooo) Apresenta desde o início do ano letivo um grande número de faltas injustificadas.

ppp) No que se refere ao comportamento dentro da sala de aula não tem tido muitos problemas com os colegas e/ou professores. No entanto nos intervalos tem revelado agressividade com alguns colegas de turma, agredindo-os facilmente sem justificação para tal.

qqq) ………………integra um grupo de pares com comportamentos referenciados pela prática de ilícitos.

rrr) O jovem, bem como os seus pares são conhecidos da população de …, em geral e "temidos".

sss) Durante a entrevista, AA não revelou qualquer interesse em responder a nenhuma pergunta, nem revelou preocupação com o presente processo e eventuais consequências para si próprio e para a sua família, negando a ocorrência de todos os factos

ttt) O jovem parece revelar fraca capacidade de descentração assim como parece não apresentar competências para ajuizar as consequências dos seus atos.

uuu) No que concerne aos factos descritos, o jovem não apresentou capacidade crítica face aos mesmos, apresentando alguns sinais de adesão a um estilo de vida pautado por comportamentos desviantes. A mãe, por seu lado verbaliza que o jovem tem de se defender, desculpabilizando o seu comportamento.

vvv) É um jovem que evidencia alguns problemas e relevantes fatores de risco favoráveis à delinquência e prática criminal.

www) O presente processo é o primeiro contacto formal do jovem com o Sistema da Justiça.

xxx) AA beneficiaria com acompanhamento médico/psiquiátrico.

yyy) AA não sabe ler nem escrever.

zzz) O jovem e a mãe nem sempre cumpriram com os agendamentos, nem com os horários marcados, para a aplicação dos testes psicológicos, apresentando uma postura pouco séria e imponderada relativamente ao presente processo;

aaaa) No que diz respeito ao MACI - Inventário Clínico para Adolescentes de Millon, AA considerou ser demasiado extenso e, como tal, optou por não fazer o teste.

bbbb) O agregado familiar de AA tem ausência de hábitos de trabalho relativamente aos adultos, sobrevivendo através dos apoios económicos da Segurança Social.

cccc) Segundo a mesma fonte de informação, corria o ano de 2019 quando foram reguladas as Responsabilidades Parentais de AA, o jovem ficou com residência junto da mãe, sendo esta decisão vista pelos diversos técnicos da área social que acompanham a referida família, uma decisão polémica, tendo em conta, a falta de capacidade parental desta mãe, nomeadamente no que toca à incapacidade para prestar cuidados básicos, especificamente na higiene, na alimentação, na saúde, no acompanhamento escolar e, principalmente na formação e educação, tendo como resultado um jovem incapaz de cumprir regras, adotando constantemente um comportamento desafiador e sendo, constantemente desculpabilizado pelos seus atos, no seio familiar.

dddd) Nas entrevistas conjuntas com o jovem, e com a mãe, foi manifesta a relação afetiva disfuncional, sem respeito e educação, entre os mesmos, assim como, também foi percetível que, a mãe não admite os factos alegadamente praticados peio filho, acrescentando determinadas vezes, que o filho é vítima de calúnias e perseguição por parte das forças de segurança desta cidade.

eeee) Relativamente ao pai, AA não se exprimiu, assim como, também não se manifestou, na maioria, das questões colocadas no decorrer da avaliação psicológica, adotando uma atitude passiva perante o presente processo tutelar educativo, não exprimindo qualquer opinião sobre o assunto, nem manifestando qualquer sentimento de preocupação pela existência do processo. Apresentou um discurso simples e escasso, revelador de imaturidade e de fraca compreensão, mesmo tendo em conta a sua idade.

ffff) O jovem frequentou no passado ano letivo o 5º ano do ensino básico no Agrupamento de Escolas …, em …, tendo, reprovado.

gggg) AA é um aluno que não apresenta interesse nas disciplinas teóricas, no entanto, nas aulas mais práticas consegue realizar algumas das tarefas. Não é um jovem que apresente mau comportamento em contexto escolar, no entanto, tem por hábito esconder-se para não ir às aulas, sendo, muitas vezes, colocado dentro da sala de aula pelas auxiliares de educação.

hhhh) Foi sujeito a um procedimento disciplinar no decorrer do ano letivo que terminou, recentemente, por agressão a outro colega. No que concerne ao relacionamento com os professores, é um jovem cordial, assim como, no que toca à sua inserção no grupo de pares, AA, segundo o professor, na maioria das vezes, limita-se a querer dormir, durante as aulas, assim como, apresentou uma assiduidade irregular.

iiii) Em termos de aproveitamento, AA apresenta algumas retenções no seu percurso escolar.

jjjj) Relativamente ao tempo que passa fora da escola, AA, habitualmente vagueia pelas ruas da cidade, acompanhado pela sua família, nomeadamente pelo irmão que, também está indiciado no presente processo e que, para o jovem, é tido como um ídolo.

kkkk) AA apresentou fraca colaboração no processo de recolha de dados necessários à elaboração da avaliação psicológica, tendo respondido, de uma forma pouco empenhada, às diferentes tarefas que lhe foram propostas, havendo alguns indicadores de pouca adesão em contexto de entrevista.

llll) Manteve durante o decorrer da avaliação uma postura de inibição, manifestando dificuldades em se expressar revelando um vocabulário pobre, para além de se mostrar muito retraído na exposição da sua trajetória de vida e da dinâmica familiar de origem. Em termos de aparência, AA apresentava-se com vestuário pouco cuidado, assim como, na sua higiene pessoal.

mmmm) AA obteve uma pontuação total de 16, ou seja, deu um total de 16 respostas certas num conjunto de 60 exercícios (pontuação máxima de 60 pontos), distribuídos por 5 séries de 12 exercícios, resultando num percentil de 10. Se tivermos por referência um grupo de sujeitos na faixa etária dos 12-17 anos, verificamos que a pontuação obtida se encontra bastante abaixo do intervalo de valores correspondentes a um nível médio de funcionamento cognitivo.

nnnn) Questionário de Agressividade de Buss & Perry — AQ:Para este teste apresentam-se os valores: Agressividade Física (11); Agressividade Verbal (II); Ira/ Raiva (14); Hostilidade (21). Os resultados obtidos têm um score de 57 pontos, num total possível de 145 pontos, o que significa que quanto mais elevada é a pontuação, maior é a expressividade e, de acordo com c modelo teórico subjacente, maior o nível de agressividade que apresenta. No que toca aos resultados obtidos nos quatro parâmetros da percepção da agressividade que o questionário avalia, tendo em conta, a média esperada para o sexo masculino: agressividade física - 11 pontos numa escala em que o valor médio é de 28,0; agressividade verbal — 11 pontos numa escala em que o valor médio é de 17; raiva — 14 pontos numa escala em que o valor médio é de 17,67; hostilidade — 21 pontos numa escala em que o valor médio é de 23,30. Todos os valores obtidos situam-se abaixo dos correspondentes valores médios, definidos petos respectivos desvios padrão, isto é, os resultados indiciam baixos níveis de agressividade. O jovem apresenta um moderado nível de risco (15) de delinquência geral. Com relevância para valores mais elevados nas seguintes áreas: Contexto Familiar/Práticas Parentais; Educação/Emprego; Relação com os Pares; Tempos Livres; Personalidade e Comportamento e Atitudes/Orientação.

oooo) Desde o nascimento AA tem mantido residência, junto da mãe e irmãos, até à presente data não conhece o progenitor, no entanto a mãe nunca se apresentou como uma solução positiva, visto não possuir capacidades parentais que lhe permitam colmatar as necessidades básicas do jovem.

pppp) Da avaliação efetuada, verifica-se que para além dos cuidados básicos em termos de alimentação, higiene e conforto, AA não usufruiu de formação e educação ao longo da sua infância, apesar da frequência escolar, levando-o, hoje em dia, a adotar comportamentos não aceites pela sociedade, como se pode verificar através da avaliação efetuada, onde se observa que as capacidades cognitivas adquiridas são muito frágeis e que não lhe permitiram adquirir conceitos básicos necessários à sua vida diária, revelando dificuldades, em contextos de maior complexidade ou vulnerabilidade, tendo em conta a sua necessidade de adotar comportamentos, não previstos como positivos pela sociedade.

qqqq) No que toca ao relacionamento interpessoal, AA, funciona com grandes dificuldades para com os outros, nomeadamente com figuras de autoridade, experienciando sentimentos de ansiedade persistentes, que, aparentemente o impedem/limitam na sua capacidade de se relacionar de uma forma mais satisfatória, acabando por reagir intempestivamente.

rrrr) Das condições socio económicas e da avaliação psicológica de BB - BB foi alvo de intervenção anterior no âmbito de processo Tutelar Educativo, com Imposição de Obrigações (proc. n.9 911/18.7… na sequência de prática de factos ilícitos qualificados peia lei penal como crimes contra a integridade física, incumprindo o mesmo).

ssss) BB integra o agregado familiar da progenitora — CC (desempregada) e três irmãos uterinos mais novos.

tttt) O jovem apresenta dificuldade em cumprir regras, adotando constantemente um comportamento desafiador perante os pares e figuras de autoridade, sendo normalmente desculpabilizado no seio familiar.

uuuu) Em bom rigor passa maioritariamente o tempo sem controlo de figura parental de referência.

vvvv) O pai do jovem vive em … e será um pai ausente sem qualquer contacto com o jovem.

wwww) Atualmente encontra-se também preso.

xxxx) O jovem beneficiou em 2019 de uma medida de Acolhimento Institucional aplicada pela CPCJ de …, tendo estado institucionalizado no CAT de …, de onde fugiu duas vezes.

yyyy) Apesar de verbalizar concordância com as entidades de 1.ª linha em matéria de infância e juventude que acompanham a família, nomeadamente com a escola, no quotidiano a mãe do jovem revela incapacidade para contribuir para a alteração do comportamento deste,

zzzz) No presente ano letivo está inserido numa turma de ensino especial, tendo excedido o limite de faltas. O último dia em que o aluno frequentou a escola foi em 28 de setembro de 2022.

aaaaa) Segundo o diretor de turma, à data do relatório, prof. TT, ao nível comportamental não tem informações recentes, porquanto o aluno se encontrava em abandono desde o início do ano,

bbbbb) De acordo com as informações constantes no seu processo individual existente na DGRSP, relativas ao ano letivo passado, o jovem tende a ser desafiador tanto na sala de aula como no espaço escolar, apresenta e exibe comportamentos perturbadores, com agressividade física e verbal quer com pares quer com pessoal docente.

ccccc) Estes comportamentos perturbam o normal funcionamento das aulas e o relacionamento interpessoal tanto com pares como com adultos. Tais comportamentos determinaram ainda a instauração de procedimentos disciplinares, como suspensão, no passado ano letivo.

ddddd) De referir que o jovem não sabe ler, escrever nem contar. Terá, pois, graves dificuldades de aprendizagem.

eeeee) O jovem apresenta dificuldades em estabelecer relações sociais com pares, aspeto que poderá resultar de uma baixa autoestima e de sentimentos de insegurança.

fffff) Perante situações de stresse, contrariedade ou frustração, reage impulsiva e agressivamente, o que acentua o seu isolamento social.

ggggg) Não são identificados amigos com quem conviva pessoalmente, relacionando-se, sobretudo, com homens adultos pertencentes à sua comunidade étnica de origem e com os seus irmãos.

hhhhh) BB integra um grupo de pares adultos com comportamentos referenciados pela prática de ilícitos; a informação disponível sugere haver consumo pontual de álcool ou drogas.

iiiii) Durante a entrevista, BB não revelou qualquer interesse em responder a nenhuma pergunta, nem revelou preocupação com o presente processo e eventuais consequências para si próprio e para a sua família, negando a ocorrência de todos os factos.

jjjjj ) No que concerne aos factos descritos, o jovem não apresentou capacidade crítica face aos mesmos.

kkkkk) O jovem parece revelar fraca capacidade de descentração, assim como parece não apresentar competências para ajuizar as consequências dos seus atos.

lllll) A mãe refere que ao jovem foi diagnosticado, durante a infância, com deficit cognitivo e hiperatividade, tendo sido acompanhado em psiquiatria no Hospital Distrital de … (Dr. JJ), cumprindo durante algum tempo medicação.

mmmmm) Abandonou, entretanto, as consultas e a medicação, facto confirmado pela técnica da EMAT que contactou o hospital.

nnnnn) BB tende a reagir impulsivamente em ambientes formais (escola, segurança social, serviços de reinserção) ou experimentados como hostis, com recurso a um estilo de comunicação confrontativo e insolente.

ooooo) Quando contrariado reage com agressividade.

ppppp) É temperamental e com facilidade perde o controlo, tendo já assumido vários episódios de acessos de cólera, nomeadamente em contexto escolar.

qqqqq) O jovem mostra-se relutante em cooperar com as intervenções técnicas, apresentando dificuldade em reconhecer a necessidade de ajuda.

rrrrr) Apresenta uma postura de desafio perante as figuras de autoridade nos diversos contextos onde interage e parece demonstrar pouca consideração pelos sentimentos e bem-estar dos outros, não conseguindo adotar estratégias de contenção pessoal.

sssss) Neste momento, o jovem recusa frequentar a escola, optando por ficar em casa ou deambular pela cidade de …, onde é bastante conhecido.

ttttt) O percurso de vida do jovem é marcado por dificuldades de adaptação e integração nos contextos educativos. Não obstante a intervenção do Sistema de Promoção e Proteção no sentido da modificação das situações de risco identificadas, o jovem tem vindo a desenvolver um padrão comportamental que se vem agravando. Manifesta baixa resistência à frustração, agressividade física quando confrontado ou contrariado, episódios de cólera e revela dificuldade em acatar a autoridade.

uuuuu) Mostra-se pouco preocupado com os outros e tendencialmente indiferente às tentativas de ajuda institucional Recusa frequentar a escola, onde não comparece desde finais de setembro passado

vvvvv) Estes aspetos suscitam reservas quanto à capacidade de integração social e de assimilação das regras básicas de vida em sociedade, parecendo-nos importante uma intervenção que proporcione formação escolar adequada e alguma contenção comportamental.

wwwww) Não foi possível avaliar com rigor a capacidade critica do jovem face às circunstâncias que estão na origem da instauração do presente inquérito tutelar educativo devido à sua atitude passiva e desinteressada que inviabilizou a entrevista, respondendo a sua mãe por ele.

xxxxx) BB não sabe ler nem escrever.

yyyyy) O jovem e a mãe nem sempre cumpriram com os agendamentos, nem com os horários marcados, para a aplicação dos referidos testes, apresentando uma postura pouco séria e imponderada relativamente ao presente processo;

zzzzz) No que diz respeito ao MACI - Inventário Clínico para Adolescentes de Millon, BB optou por não fazer o teste.

aaaaaa) BB é um jovem marcado pelo abandono por parte do pai, que, apenas conheceu em bébé, e pela falta de competências parentais da mãe, a diversos níveis, nomeadamente, alimentação, higiene, formação e educação, indispensáveis ao seu crescimento e desenvolvimento biopsicossocial, resultando num jovem com alterações de comportamento, nomeadamente sobretudo ao nível relacional.

bbbbbb) A mencionada técnica acrescentou, ainda que a referida família é conhecida pela difícil relação que mantém com os elementos da comunidade, nomeadamente com as forças de segurança e com os técnicos da área social,

cccccc) É, também esta família conhecida pelo elevado absentismo escolar, no que toca às crianças, assim como, pela ausência de hábitos de trabalho relativamente aos adultos, vivendo com o apoio de subsídios da Segurança Social.

dddddd) Nas entrevistas conjuntas com o jovem, e com a mãe, foi manifesta a relação afetiva disfuncional, sem respeito e educação, entre os mesmos, assim como, também foi percetível que, a mãe não acredita nos factos alegadamente praticados pelo filho, acrescentando algumas vezes no seu discurso, que o filho é vítima de calúnias e perseguição por parte das forças de segurança da cidade.

eeeeee) Relativamente ao pai, BB não manifestou qualquer emoção, assim como, também não se manifestou, na maioria, das questões colocadas no decorrer da avaliação psicológica, adotando uma atitude passiva, até displicente, perante o presente processo tutelar educativo, não exprimindo qualquer opinião sobre o assunto, nem manifestando qualquer sentimento de preocupação peia existência do processo. Apresentou um discurso simples e escasso, revelador de imaturidade e de fraca compreensão, mesmo tendo em conta a sua idade.

ffffff) BB, no ano letivo terminado recentemente, permaneceu em abandono escolar durante o ano inteiro, segundo a informação recolhida junto da referida escola.

gggggg) No entanto, a última informação escolar que consta do Dossier Individual da DGRSP, refere que, BB é um jovem com grandes dificuldades de aprendizagem, desafiador no contexto escolar e com comportamentos agressivos dirigidos a professores e, também ao grupo de pares, perturbando o funcionamento normal das aulas.

hhhhhh) No que concerne ao relacionamento com os pares, BB, segundo o que consta no Dossier Individual existente nesta Equipa, é um jovem com dificuldade em estabelecer relações afetivas, preferindo acompanhar com adultos referenciados na comunidade pela pratica ilícita, assim como é habitualmente visto a vaguear pelas ruas da cidade, juntamente com mãe e irmãos.

iiiiii) BB, segundo a progenitora, outrora foi acompanhado em consulta de pedopsiquiatria, no Hospital Distrital de …, mas por sua iniciativa abandonou o acompanhamento médico e, também a toma de fármacos prescrevidos, por, alegadamente padecer de perturbação do desenvolvimento intelectual e por perturbação de comportamento, sem haver, até à presente data, um diagnóstico concreto.

jjjjjj) BB apresentou escassa colaboração no processo de recolha de dados necessários à elaboração da avaliação psicológica, tendo respondido, de uma forma pouco empenhada, às diferentes tarefas que lhe foram propostas, havendo alguns indicadores de fraca adesão em contexto de entrevista, designadamente na recusa de responder ao MACI.

kkkkkk) Manteve durante o decorrer da avaliação uma postura de inibição, manifestando dificuldades em se expressar revelando um vocabulário pobre, para além de se mostrar muito retraído na exposição da sua trajetória de vida e da dinâmica familiar de origem

llllll) Em termos de aparência, BB apresentou-se com vestuário pouco cuidado, assim como, na sua higiene pessoal,

mmmmmm) BB obteve uma pontuação total de 7, ou seja, deu um total de 7 respostas certas num conjunto de 60 exercícios (pontuação máxima de 60 pontos), distribuídos por 5 séries de 12 exercícios, resultando num percentil de 5. Se tivermos por referência um grupo de sujeitos na faixa etária dos 12-17 anos, verificamos que a pontuação obtida se encontra bastante abaixo do intervalo de valores correspondentes a um nível médio de funcionamento cognitivo MACI Inventário Clínico para Adolescentes de Milton:

nnnnnn) Relativamente ao presente inventário clínico, não se apresenta resultados pela recusa de BB.

oooooo) Questionário de Agressividade de Buss & Perry — AQ: Para este teste apresentam-se os valores: Agressividade Física (10); Agressividade Verbal (11); Ira/Raiva (17); Hostilidade (23). Os resultados obtidos têm um score de 61 pontos, num total possível de 145 pontos, o que significa que quanto mais elevada é a pontuação, maior é a expressividade e, de acordo com o modelo teórico subjacente, major o nível de agressividade que apresenta, No que toca aos resultados obtidos nos quatro parâmetros da perceção da agressividade que o questionário avalia, tendo em conta, a média esperada para o sexo masculino: agressividade física - 10 pontos numa escala em que o valor médio é de 28,0; agressividade verbal 11 pontos numa escala em que o valor médio é de 17; raiva — 17 pontos numa escala em que o valor médio é de 17,67; hostilidade — 23 pontos numa escala em que o valor médio é de 23,30. Verifica-se que os valores obtidos nas primeiras duas escalas situam-se abaixo dos correspondentes valores médios, definidos pelos respetivos desvios padrão, no entanto, nas duas últimas os valores estão dentro da média, isto é, os resultados indiciam medianos níveis de agressividade.

pppppp) Teste Casa — Arvore — Pessoa: No que diz respeito à avaliação dos desenhos elaborados pelo jovem, constata-se que, BB apresenta traços de imaturidade afetiva, assim como, um padrão de comportamentos impulsivos onde procura satisfazer de forma imediata os seus impulsos e as suas necessidades.

qqqqqq) Denota-se também alguns indicadores de agressividade quase de natureza patológica. Acrescenta-se, ainda que os desenhos efetuados correspondem a uma idade mental muito abaixo da idade cronológica do jovem em apreço.

rrrrrr) Youth Level of Service / Case Management Inventory: O jovem apresenta um alto nível de risco (34) de delinquência geral. Com efeito, verifica-se um valor alto na maioria das áreas de avaliação do risco e das necessidades contempladas no Inventário (áreas consideradas como fatores de risco de delinquência gera).

ssssss) BB esteve, desde sempre, exposto a um modelo familiar disfuncional e de práticas parentais desadequadas, onde as suas necessidades de proteção foram negligenciadas por aqueles que tinham como função dar-lhe afeto, proteção e estabilidade emocional, assim como, educação e formação, levando-o a possuir comportamentos antissociais, decorrentes dessa disfuncionalidade familiar.

tttttt) Da avaliação efetuada, também se observam reduzidas capacidades cognitivas que lhe comprometem a utilização de noções básicas necessárias à sua vida diária, e, também conceitos necessários em contextos de maior complexidade ou vulnerabilidade, que são demonstrativos pela sua necessidade de adotar comportamentos desafiadores e agressivos para com os outros.

uuuuuu) No que toca ao relacionamento interpessoal, BB, tendo em conta a avaliação psicológica efetuada, funciona com os outros, nomeadamente com figuras de autoridade, de uma forma agressiva e impulsiva, de forma a satisfazer os seus impulsos, e as suas necessidades, mais prementes, sem ter em conta os sentimentos dos outros. De facto, os resultados obtidos nos instrumentos de avaliação revelam um jovem primário ao nível intelectual, assim como, sem controlo nas suas emoções, apesar da conduta adotada por BB ser tida como normal e adequada pela mãe que distorce as informações externas ao ambiente familiar.

vvvvvv) O jovem BB foi alvo de intervenção anterior no âmbito de processo Tutelar Educativo, com Imposição de Obrigações (proc. n.2 911/18.7… na sequência de prática de factos ilícitos qualificados pela lei penal como crimes contra a integridade física, incumprindo o mesmo).

wwwwww) Na PSP de … constam os seguintes inquéritos/participações em seu nome:- NUIP 455909/…, Crimes contra a integridade física, - NPP 485978/…, Crimes contra a liberdade pessoal- NPP 545285/…, Crimes contra a liberdade pessoal- NPP 3368/…, Crimes contra a integridade física- NPP 243402/…, Crimes contra a propriedade- NPP 397455/…, Crimes contra a integridade física- NPP 56002/…, Crimes contra a integridade física- NPP 237648/…, Crimes contra a integridade física- NPP 251241/…, Crimes contra a integridade física- NPP 454098/…, Crimes contra a propriedade- NPP 296278/…, Crimes contra a autoridade pública- NPP 362362/…, NUIPC 000585/…, Crimes contra a propriedade - NPP 384647/…, Crimes contra a propriedade NPP 484929/…, NUIPC 001856/…, Crimes contra a integridade física.

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II-II - FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram nem se consideram com interesse os seguintes factos:

- AA e BB, seguiam, também de bicicleta, no mesmo local. AA circulava numa bicicleta todo o terreno de cor azul, - AA e BB abordaram EE, FF e GG, e perseguiram-nas durante uns momentos.

- A dada altura, BB tirou do bolso uma navalha tipo borboleta e entregou-a a AA empunhou a navalha na direção das meninas e disse para EE, FF e GG seguirem em direção ao Bar …, sito no jardim …, em …, tendo afirmado "espeto a faca se não forem nessa direção", "se nos chatearem muito, nós vamos usar isto".

- As meninas, aterrorizadas, separaram-se, e deslocaram-se para casa, tendo, durante uns momentos, sido seguidas durante alguns momentos por AA e BB.

- AA desferisse um soco na face de HH.

- O jovem AA estava consciente do problema de saúde do menino HH.

*

II-III- MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

I - A convicção do Tribunal, quanto à matéria de facto provada, assentou na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em audiência; em concreto, o Tribunal teve em consideração: -

a) prova documental: certidões de nascimento Refª …/ Refª …, Boletim de Medidas Tutelares Educativas de BB — Refª …, Boletim de Medidas Tutelares Educativas de AA — Refª … , Relatório da DGRSP – Refª …, Relatório da DGRSP Refª …, RELATÓRIO SOCIAL COM AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA – Refª …, RELATÓRIO SOCIAL COM AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA – Refª …;

b) Prova documental relativa aos inquéritos (…) Auto de noticia – Refª …, auto de denúncia – Refª …, Aditamento – Refªs …, …, Expediente – Refª …; (…) Oficio – Refª … Email da Polícia de Segurança Pública, Auto de Peritagem e de avaliação de danos, Reportagem fotográfica — Refª … Expediente referente ao inquérito …, que corre termos no DIAP de …, … secção — Refª … Certidão extraída do processo de …, que corre termos no DIAP de …, … secção Refª …; (…) Participação por factos ilícitos – refª …, Auto de Noticia, Auto de apreensão, fotografias, aditamento – Refª …, …; (…) Expediente remetido pela Polícia de Segurança Pública — Refª … ; (…) Declaração médica Refª … Informação do Agrupamento de Escolas … Refª … Oficio da Polícia de Segurança Pública – Refª …;

c) Prova testemunhal (…) A doutrina e a jurisprudência dividem-se quanto ao valor probatório do auto de notícia de crime — há quem entenda que se integra no âmbito do artigo 169º do Código de Processo Penal, de forma a atribuir-lhe um valor qualificado por via da sua equiparação a documento autêntico, nos termos dos artigos 363º n.º 2, e 369º do Código Civil, e quem entenda que não tem a força probatória que o artigo 169º do Código de Processo Penal confere aos documentos autênticos e autenticados extra processo, é tão só um documento intra-processo, fundamental no processo penal porque traz a notícia de um crime, mas com um valor probatório muito limitado e sujeito à livre apreciação do julgador; O auto de notícia, exarado com as formalidades legais, por autoridade pública nos limites da competência que lhe é atribuída por lei constitui um documento autêntico (art.º 363º n.º 2, do Código Civil). Não pode, porém, confundir-se a natureza do documento com o problema da sua fé em juízo, no específico âmbito do processo penal e por força dos princípios acolhidos no art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa, atinentes às garantias da defesa. Isto, naturalmente, sem prejuízo de os documentos autênticos só fazerem prova plena dos factos atestados com base nas perceções do documentador e dos que se passam na sua presença (art.º 371º n.º 1, do Código Civil) e de, no que se refere ao processo penal, ser admitido o contraditório (artigos 165º, n.º 2, e 327º nº 2, do Código de Processo Penal), inquestionável, portanto, é que o valor probatório do auto de notícia, como documento autêntico nos termos das disposições conjugadas dos artigos 169º do Código de Processo Penal e 371º nº 1, do Código Civil/ se circunscreve aos comportamentos presenciados e ao que foi percecionado diretamente pela autoridade policial, não se estendendo a outros contributos, mormente às declarações de terceiros aí eventualmente vertidas, nomeadamente as referentes ao relato dos eventos, por parte do queixoso, do suspeito ou de testemunhas. De resto, a valoração de declarações e depoimentos (formalmente) produzidos, na qualidade de lesado, de arguido ou de testemunha, antes da audiência de julgamento, e aqui reproduzidos, apenas pode ocorrer nos casos expressamente previstos e desde que verificados os necessários pressupostos, conforme estipulado nos artigos 355º, 356º e 357º do Código de Processo Penal. Neste sentido, a nossa convicção negativa sobressai quanto aos crimes de coacção na forma tentada nas ofendidas EE, FF e GG já que as suas declarações foram parcas, hesitantes (quiçá pelo evento traumático) e pouco claras quanto à identificação dos jovens e aos actos praticados por aqueles.

d) Diferentemente, a testemunha KK relatou de forma precisa a forma como foi abordada pelos menores, identificando-os em função da estatura física e idade aparente, percebendo que o “o mais novo” (AA) empunhou a navalha que o “mais velho" trazia no bolso (BB). Não hesitou em descrever os factos e a intimidação com aquela arma dizendo para dali não sair, não se mexer senão espetavam-lhe a "navalha". Embora não tenha conhecimentos técnicos sobre armas, não temos dúvidas que se trataria de uma arma designada comummente naqueles termos. Descreveu com credibilidade as circunstâncias de tempo e lugar e bem assim o modo como os menores a abordaram, circulando de bicicleta. Também confirmou que a amiga EE é que lhe pediu ajuda por estar a ser intimidada pelos mesmos menores mas a nada assistiu.

e) UU e VV Agentes da Polícia de Segurança Pública não tem conhecimento directo de nenhum facto a não ser, o primeiro, atestar a documentação sobre os danos no veículo policial (…);

f) (…) LL, MM, Agentes da Polícia de Segurança Pública, descreveram as circunstâncias de tempo e lugar dos factos provados sendo que o primeiro por estar apeado quando se dirigia junto à residência dos menores, acabou por mostrar a pistola fruto dos insultos dirigidos por BB. Embora se tenham deslocado àquela zona a pedido de uma vizinha e para averiguar a existência de plantas suspeitas numa quinta pediram auxílio ao comando " pelas movimentações". AA passou de bicicleta insultando com " policias de merda" e outras expressões camo consta do auto. BB apareceu munido de um taco também insultando do mesmo modo e dirigiu-se de forma violenta aos dois agentes pelo que decidiram algemar BB. Acto continuo, a mãe também muito violenta e agressiva vem na defesa dos filhos e AA consegue libertar-se regressando com uma "faca aberta" que foi buscar à residência. Foi direito a um dos agentes. Para além destes factos, atirou pedras ao veículo policial e BB vários pontapés. Os menores irritados porque horas antes familiar fora levado pela polícia, questionaram se teriam vergonha de ali aparecer outra vez... A testemunha MM, que acompanhava agente LLr, mas conduzindo o veículo, quando chegou ao local já BB estava com um taco nas mãos e AA atirando pedras ao veículo policial. AA gritava que matava os agentes e os fodia todos conforme consta do auto que confirma na integra. Só se apercebeu que AA empunhava uma navalha depois de alertado pelo colega. Os agentes OO e NN foram em auxílio de LL e MM e chegaram ao local encontrando-se os dois colegas no chão, com a mãe dos menores em cima dos agentes e AA a tentar desferir facadas no agente com a navalha protegido pela mãe. NN tratou do perímetro de segurança tendo o colega OO, LL e MM algemado BB. Não se apercebeu de danos no veículo pois estava concentrado em proteger os colegas e os cidadãos à volta;

g) (…) XX, Agente da Polícia de Segurança Pública, tem conhecimento directo dos factos por ter interpelado BB e outro individuo constatando que no saco que transportavam estavam ferramentas utlizadas para retirar a bateria de um veículo que também identificou conforme, aliás, consta do auto que confirmou em audiência.

h) (…) II relatou os factos de forma clara e expressiva notando-se que existe clima de conflito com família de BB já que, apesar de serem familiares, tem outras quezílias. BB apenas quis prestar declarações quanto a esta testemunha negando os factos porque o ofendido estaria a mentir. Tal não resulta das declarações de II que foi espontâneo ao descrever este episodio e as expressões a si dirigidas por BB "vou te matar" empunhando uma navalha. Refere que teve de fugir no táxi que o transportara apercebendo-se que a mãe de BB também ia no seu encalce com um barrote.

i) (…) YY é pai de HH, ofendido, menor que frequentava o estabelecimento de ensino de AA. HH referiu que foi abordado sem motivo aparente e AA lhe desferiu urna chapada de mão aberta sem mais. O pai de HH confirmou que a escola tem conhecimento da situação de saúde do filho e da sua gravidade mas desconhece se AA o saberia, o que, neste particular, impede que se considere provado o seu conhecimento.

j) Declarações prestadas por AA prestadas perante magistrado do Ministério Público — Refª …, … e Declarações prestadas por BB prestadas perante magistrado do Ministério Público — Refª ….

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III - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III - I - QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS

O Ministério Público Imputa factos susceptíveis de consubstanciar a prática dos seguintes crimes que analisaremos em relação a cada um dos menores.

AA

Quatro crimes de coacção, na forma tentada, previstos pelo art.º 154.º n.ºs 1 e 2, do C.Penal, e punido cada um com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, especialmente atenuada (cfr. art.ºs 22.º, e 23.º n.ºs 1 e 2, do Código Penal).

Artigo 154º

Coacção

1 - Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

2 - A tentativa é punível,

Não resultando provados factos que permitam concluir que o menor praticou pelo menos 3 dos 4 crimes que vem acusado, apenas vingam aqueles respeitantes à ofendida KK pois estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime em apreço provocando medo à destinatária, com a intenção de a determinar a não alertar as autoridades competentes dizendo que lhe espetariam uma faca se fugisse...

Quem envergava a "navalha" era este menor actuando em conjugação de esforços com BB,

Assim, verifica-se a prática de um crime de coacção, na forma tentada, previstos pelo art.º 154.º, nºs 1 e 2, do C.Penal pelo menor AA na pessoa de KK.

crime de detenção de arma proibida, previsto pelo artº 86.º n.º 1, alínea d), da lei n.º 5/2006, de 23-02, por referência aos artigos 2.2 n.2 1, alíneas m)/ av), 3.Q n.g 2, ala e), todos do mesmo diploma legal, e punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.

Artigo 86.º

Detenção de arma proibida e crime cometido com arma

1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, exportar, importar, transferir, guardar, reparar, desativar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou transferência, usar ou trouxer consigo:

d) Arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática ou ponta e mola, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, cardsharp ou cartão com lâmina dissimulada, estrela de lançar ou equiparada, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados corno arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, as armas brancas constantes na alínea ah) do n.º 2 do artigo 3.º, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão elétrico, armas elétricas não constantes da alínea b) do nº 7 do artigo 3º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-artifício das categorias FI, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho, e bem assim as munições de armas de fogo constantes nas alíneas q) e r) do n.º 2 do artigo 3º é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias;

Artigo 2º

Definições legais

Para efeitos do disposto na presente lei e sua regulamentação, entende-se por.

1 - Tipos de armas:

m) «Arma branca» todo o objeto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante ou corto-contundente, de comprimento superior a 10 cm, as facas borboleta, as facas de abertura automática ou de ponta e mola, as facas de arremesso, as estrelas de lançar ou equiparadas, os cardsharp ou cartões com lâmina dissimulada, os estiletes e todos os objetos destinados a lançar lâminas, flechas ou virotões;

av) «Faca de borboleta» a arma branca, ou instrumento com configuração de arma branca, composta por uma lâmina articulada num cabo ou empunhadura dividido longitudinalmente em duas partes também articuladas entre si, de tal forma que a abertura da lâmina pode ser obtida instantaneamente por um movimento rápido de uma só mão;

Artigo 3º

Classificação das armas, munições e outros acessórios

2 - São armas, munições e acessórios da classe A:

e) As facas de abertura automática ou ponta e mola, estiletes, facas de borboleta, facas de arremesso, estrelas de lançar ou equiparadas, cardsharps e boxers;

Resultou provado que o menor empunhou arma com as características assinaladas aos senhores agentes da PSP no dia 17.06.2022 sabendo que tal não era permitido pela lei penal e era punido pela mesma.

Verifica-se a prática do crime em apreço pelo menor.

(…)

Quatro crimes de ameaça agravado, previsto pelos artºs 153.º, n.º 1 e 155º nº 1, al. c), do C.Penal, punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

Artigo 153.º

Ameaça

1 - Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.

Artigo 155.º

Agravação

I - Quando os factos previstos nos artigos 153.º a 154º-C forem realizados:

k) Contra uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132º, no exercício das suas funções ou por causa delas.

Da prova produzida, concluiu-se que o menor AA dirigiu as ameaças aos agentes LL e MM no exercício das suas funções como agentes da PSP, ameaças essas contra a integridade física daqueles bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida.

Não restam dúvidas que praticou dois crimes de ameaça agravado e não quatro, devendo ser condenado nestes termos.

Resulta da matéria provada que AA dirigiu as expressões ameaçadoras contra a integridade física [vida dos agentes LL e MM não se extraindo da matéria provada a prática de 4 crimes mas antes 2 crimes já que sabia tratarem-se de agentes de autoridade no exercício de funções,

Cometeu dois crimes de crimes de ameaça agravado, previsto pelos art.ºs 153º nº 1 e 155.º, n.º 1, al. c), do C.Penal.

Três crimes de injúria agravada, previsto pelos artºs 181º n.º 1 e 184, do C.Penal, punido com pena de prisão até 4 meses e 15 dias ou com pena de multa até 180 dias.

Artigo 181.º injúria

1 - Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias

Artigo 184º

Agravação

As penas previstas nos artigos 180º, 181º e 183º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea l) do nº 2 do artigo 132.º no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.

Do mesmo modo, se dirá, como referido supra que as injúrias "policias de merda" foram dirigidas aos agentes LL e MM no seu exercício de funções, facto que AA sabia e ainda assim quis proferir contra os mesmos as expressões provadas razão pela qual cometeu dois (e não três) crimes de injúria agravada, previsto pelos art.ºs 181.º e 184, do C.Penal.

Um crime de dano qualificado, previsto pelos art.ºs 212.º n.º 1 e 213º nº 1, al, c), do C. Penal, punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.

Artigo 212.º

Dano

1 - Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa ou animal alheios, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa,

Artigo 213º

Dano qualificado

1 - Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável:

l) Coisa ou animal destinados ao uso e utilidade públicos ou a organismos ou serviços públicos.

Consta dos factos provados que o menor AA atirou pedras ao veículo policial bem sabendo tratar-se de um veiculo daquela natureza provocando danos no mesmo.

Neste particular, também, se considera que praticou o crime imputado.

Um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto pelo art. 347º nº 1 do Código Penal, e punido com pena de prisão de um a cinco anos.

Artigo 347º

Resistência e coacção sobre funcionário

1 - Quem empregar violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física, contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique ato relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique ato relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres, é punido com pena de prisão de um a cinco anos.

Da análise da prova produzida, é forçoso concluir que nas circunstâncias de tempo e lugar, o AA actuou com violência tentando desferir facadas num agente da PSP de modo a impedir que algemassem o seu irmão BB

Praticou este crime ciente da sua gravidade e com conhecimento pleno que a pessoa visada que exercia funções de como agente de autoridade.

(…)

Um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto pelo art.º 145º n.ºs 1, al. a) e 2, com referência ao art.º 132.º n.º 2, al. e), todos do Código Penal/ punido com pena de prisão até 4 (quatro) anos.

Artigo 145º

Ofensa à integridade física qualificada

1 - Se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido:

a) Com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143.º;

2 - São susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132º

Artigo 132.º

Homicídio qualificado

2 - E susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente:

e) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil;

No que respeita à prática deste crime dir-se-á que não resultou da prova produzida que o menor AA tivesse conhecimento efectivo da condição médica do ofendido HH, razão pela qual, forçosamente tem de cair a qualificativa.

Neste sentido, a bofetada /chapada desferida no ofendido consubstancia a prática de um crime de ofensa à integridade física simples p.e p. pelo arrigo 143 do CP e cuja subsunção dos factos provados à norma legal permitem concluir a sua prática.

BB

(…)

Quatro crimes de coação, na forma tentada, previstos pelo art.º 154.º, nºs 1 e 2, do C,Penal, e punido cada um com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, especialmente atenuada (cfr. artºs 22º e 23.º nºs 1 e 2, do Código Penal).

Artigo 154.º

Coacção

1 - Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa,

2 - A tentativa é punível,

Não resultando provados factos que permitam concluir que o menor praticou pelo menos 3 dos crimes que vem acusado, apenas vingam aqueles respeitantes à ofendida KK pois estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime em apreço provocando medo à destinatária, com a intenção de a determinar a não alertar as autoridades competentes dizendo que lhe espetariam uma faca se fugisse...

Quem envergava a navalha" era o menor AA actuando em conjugação de esforços com BB.

Assim, verifica-se a prática de um crime de coacção, na forma tentada, previstos pelo art.º 154.º, nºs 1 e 2, do C.Penal pelo menor BB.

. Um crime de detenção de arma proibida, previsto pelo art.º 86º n.º 1, alínea d), da Lei nº 5/2006, de 23-02, por referência aos artigos 2º, n 1, alíneas m), av), 3º, n.º 2, al. e), todos do mesmo diploma legal, e punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.

Artigo 86.º

Detenção de arma proibida e crime cometido com arma

1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, exportar, importar, transferir, guardar, reparar, desativar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou transferência, usar ou trouxer consigo:

d) Arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática ou ponta e mola, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, cardsharp ou cartão com lâmina dissimulada, estrela de lançar ou equiparada, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, as armas brancas constantes na alínea ab) do nº 2 do artigo 3.º aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão elétrico, armas elétricas não constantes da alínea b) do nº 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho, e bem assim as munições de armas de fogo constantes nas alíneas q) e r) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias;

Artigo 2.º

Definições legais

Para efeitos do disposto na presente lei e sua regulamentação, entende-se por:

1 - Tipos de armas:

m) «Arma branca» todo o objeto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante ou corto-contundente, de comprimento superior a 10 cm, as facas borboleta, as facas de abertura automática ou de ponta e mola, as facas de arremesso, as estrelas de lançar ou equiparadas, os cardsharp ou cartões com lâmina dissimulada, os estiletes e todos os objetos destinados a lançar lâminas, flechas ou virotões;

av) «Faca de borboleta» a arma branca, ou instrumento com configuração de arma branca, composta por uma lâmina articulada num cabo ou empunhadura dividido longitudinalmente em duas partes também articuladas entre si, de tal forma que a abertura da lâmina pode ser obtida instantaneamente por um movimento rápido de uma só mão;

Artigo 3.º

Classificação das armas, munições e outros acessórios

2 - São armas, munições e acessórios da classe A:

e) As facas de abertura automática ou ponta e mola, estiletes, facas de borboleta, facas de arremesso, estrelas de lançar ou equiparadas, cardsharps e boxers.

Não resultou provado que BB empunhasse a arma à ofendida KK mas era quem, segundo a mesma a teria no bolso, transportando-a/detendo-a, pelo que, neste particular, e actuando em co-autoria o menor BB praticou este crime.

Sabia que este comportamento era proibido e punido peta lei penal e quis fazê-lo.

(…)

Quatro crimes de ameaça agravado, previsto pelos art.ºs 153º n.º 1/ al. c), do C.Penal, punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

Artigo 153º

Ameaça

1 Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal/ a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.

Artigo 155º

Agravação

1 - Quando os factos previstos nos artigos 153º a 154º-C forem realizados:

c) Contra uma das pessoas referidas na alínea l) do nº 2 do artigo 132º no exercício das suas funções ou por causa delas;

Da leitura dos factos provados (o que transparecia já da leitura da abertura da fase jurisdicional) não se vislumbram factos como subsumíveis à prática de 4 crimes de ameaça agravados até porque o comportamento de BB empunhando taco de basebol ou expressando que iria partir tudo, na esquadra, foi dirigido aos agentes LL e MM.

A ameaça perpetrada por BB nas circunstâncias de tempo e lugar era de molde a causar receio aos agentes (que inclusive pediram auxílio ao comando) sabendo BB que tal conduta era proibida e punida.

Todavia, praticou dois crimes de ameaça agravado, previsto pelos art.ºs 153 nº 1 e 155º n.º 1, al. c), do C.Penal, na pessoa destes dois senhores agentes.

Três crimes de injúria agravada, previsto pelos art.ºs 181º, n.º 1 e 184º, do C. Penal, punido com pena de prisão até 4 meses e 15 dias ou com pena de multa até 180 dias.

Artigo 181º

Injúria

1 - Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias

Artigo 184

Agravação

As penas previstas nos artigos 180º 181º e 183º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea l) do nº 2 do artigo 132º, no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.

Não se encontram provados factos que imputem ao BB a prática destes crimes porquanto as expressões ofensivas que constam da acusação foram efectuadas por AA não tendo relevância criminal a expressão "não tens vergonha, ainda agora o levaram preso e já estão aqui outra vez”.

Assim, nenhuma responsabilidade se assaca a BB quanto a estes crimes.

Um crime de dano qualificado, previsto pelos art.ºs 212º n.º 1 e 213.º nº 1, al. c), do C. Penal, punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.

Artigo 212.º

Dano

1 - Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa ou animal alheios, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

Artigo 213.º

Dano qualificado

1 - Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável:

b) Coisa ou animal destinados ao uso e utilidade públicos ou a organismos ou serviços públicos;

A 04.07.2022 BB com pontapés danificou um veículo policial sabendo tratar-se de um veículo daquela natureza e que este seu comportamento era proibido e punido.

Fê-lo de forma consciente provocando vários danos no mesmo.

Praticou o crime em apreço

Um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto pelo art. 347º nº 1 do Código Penal, e punido com pena de prisão de um a cinco anos.

Artigo 347.º

Resistência e coacção sobre funcionário

1 - Quem empregar violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física, contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique ato relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique ato relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres, é punido com pena de prisão de um a cinco anos.

Resulta provado que BB resistiu à sua detenção após envergar um taco na direcção dos agentes da PSP que bem sabia tratarem-se de agentes de autoridade.

Fê-lo com violência física contra os agentes e bens do Estado, sabendo que a sua conduta era proibida e punida.

Praticou o crime em apreço.

(…)

Um crime de furto qualificado, previsto pelo artigo 204.º n.º 1, al. b) do Código Penal, com referência ao artigo 203º n.º 1, todos do Código Penal, punido com pena até 5 anos de prisão ou com pena de multa até 600 dias.

Furto qualificado

1 - Quem furtar coisa móvel ou animal alheios:

c) Colocada ou transportada em veículo ou colocada em lugar destinado ao depósito de objectos ou transportada por passageiros utentes de transporte colectivo, mesmo que a subtracção tenha lugar na estação, gare ou cais.

No dia 21.08.2022, BB acompanhado de outro individuo, conforme resulta da matéria provado, retirou de um veículo automóvel, as baterias daquele cortando o suporte e destruindo parte do capot do mesmo.

Sabia que o veículo era de terceira pessoa, agiu contra a vontade do proprietário fazendo suas as mesmas até ser interceptado por agente da PSP colocando-se em fuga e deixando saco com as baterias e ferramentas.

Praticou o crime que vem imputado.

(…)

. Um crime de ameaça agravado, previsto pelos art.ºs 153.º n.º l e 155º. n.º 1, al. a), do C. Penal, punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias,

Artigo 153º

Ameaça

1 - Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias,

Artigo 155.º

Agravação

1 - Quando os factos previstos nos artigos 153.º a 154.º-C forem realizados:

d) Contra uma das pessoas referidas na alínea l) do nº 2 do artigo 132.º no exercício das suas funções ou por causa delas,

Conforme consta da matéria provada, nas circunstâncias de tempo e lugar identificadas, BB empunhando uma navalha dirigiu-se a II, ofendido, dizendo: “vou te matar" só não concretizando os seus intentos porque foi empurrado pelo ofendido que fugiu do local.

Tinha o propósito concretizado de provocar medo no ofendido, o que fez sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei não se coibindo de o fazer da forma descrita.

III - II - NECESSIDADE DE APLICAÇÃO DA MEDIDA TUTELAR

As medidas tutelares educativas têm subjacente a ideia de responsabilização do menor, mostrando-lhe que a prática de condutas que consubstanciam ilícitos criminais, porque violadoras de bens essenciais da comunidade, não são toleradas pela sociedade em que se insere, de modo a que a sua personalidade (em formação) interiorize o respeito por essas normas fundamentais.

Estas medicas visam, por isso, a educação do jovem para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade (artigo 2º n.º 1 da Lei Tutelar Educativa),

É ponto assente que a aplicação de qualquer medida tutelar educativa tem como pressuposto a prática de facto qualificado pela lei penal como crime e a necessidade da educação do jovem para o direita ou seja, a prática por jovem com a idade compreendida entre os 12 e os 16 anos, de facto qualificado pela lei como crime e a necessidade, subsistente no momento da decisão, de educação do jovem para o direito, bem como a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade (artigo 4.º, n.º 1 da Lei Tutelar Educativa).

Como estão em causa jovens cuja personalidade ainda está em formação, as medidas tutelares têm uma finalidade socializadora, no sentido da interiorização pelo mesmo dos valores e das normas jurídicas, e protectora.

A sujeição de um jovem a medidas tutelares pressupõe a prática por este de factos qualificados pela lei como crime e, desta forma, a violação de deveres jurídicos fundamentais, visando assim a sua educação para o direito de forma a que a sua personalidade em formação interiorize o respeito pelas normas e valores fundamentais da sociedade em que está inserido (neste sentido, Souto Moura, A Tutela Educativa: Factores de Legitimação e Objectivos, Revista Infância e Juventude, n.º 4/2000, pgs. 37 e 38).

Os requisitos de forma e de substância da decisão de aplicação de medida cautelar em processo tutelar educativo são necessariamente menos exigentes do que os que se encontram previstos para a sentença, atendendo à sua provisoriedade intrínseca.

A aplicação de qualquer medida cautelar a menor no âmbito de processo tutelar educativo pressupõe, desde logo, a verificação de um juízo de indiciação da prática de factos qualificados pela lei penal como crime e visa exclusivamente satisfazer exigências cautelares ou preventivas e estritamente processuais, visando estas últimas não só garantir a averiguação dos factos, mas também acautelar as necessidades educativas do menor.

Resulta demonstrado que cometeram vários factos qualificados pela lei penal como crime seja contra as pessoas seja contra o património.

Os factos cometidos assumem bastante gravidade, não apenas porque atingem bens fundamentais mas também porque as motivações relacionadas com a prática dos mesmos reflectem desintegração dos padrões éticos e morais sobre a forma de aquisição de bens junto dos jovens e evidenciam justificado alarme social por conduzirem a sentimentos de insegurança junto da comunidade.

Na escolha das medidas tutelares previstas no artigo da Lei Tutelar Educativa, o tribunal deve dar preferência àquela que se mostre adequada e suficiente e represente menor Intervenção na autonomia de decisão e de condução de vida do jovem e que seja susceptível de maior adesão dos pais (artigo 6º da referida Lei).

Por seu turno, a escolha da medida tutelar é orientada pelo interesse do jovem (artigo 6., nº 3, da mesma Lei)

Na determinação da duração concreta das medidas, há que observar os critérios de proporcionalidade e necessidade de correcção da personalidade do menor manifestada na prática do facto e que subsista no momento da decisão (artigo 7.º nº 1 da Lei Tutelar Educativa).

Com efeito, a Lei Tutelar Educativa busca uma solução harmoniosa entre a salvaguarda dos interesses e direitos dos menores (em consonância com as convenções internacionais que o Estado Português ratificou) e a satisfação das necessidades sociais relativamente aos menores agentes de infracções.

Nas suas linhas gerais, propõe um modelo responsabilizador e educativo, rejeitando claramente o direito penal e, no aspecto educativo, procura auxiliar a integração social do menor e tende à sua protecção contra uma futura intervenção penal, visando assegurar um desenvolvimento equilibrado da sua personalidade e dar resposta às exigências sociais de segurança,

O objectivo e fundamento da aplicação de qualquer medida tutelar é a educação para o direito e não a retribuição pelo facto pelo que a aplicação de medida tutelar não terá lugar se não se concluir, em concreto, pela necessidade de corrigir a personalidade do menor no plano do dever ser jurídico.

Assim, na fixação da duração da medida concretamente aplicada, o tribunal deve ter em conta a gravidade do facto cometido, a necessidade de correcção da personalidade do menor manifestada na prática do facto e a actualidade dessa necessidade de correcção; observados tais limites, mostra-se respeitada a proporcionalidade da duração da medida.

A gravidade do facto funciona também como um limite à duração da medida, assim como a medida da culpa funciona como limite à medida da pena criminal (artigo 40.º n.º 2 do Código Penal).

A gravidade do facto afere-se, nomeadamente, pela violação concreta dos bens jurídicos e moldura penal aplicável ao facto típico e ilícito, suas consequências, modo de execução, intensidade da vontade no seu cometimento e grau de participação na prática do facto e que, no caso concreto, não reveste particular relevância, apesar dos factos provados evidenciarem forte necessidade de educação de ambos os jovens para os valores da ordem jurídica,

Com efeito, se a aplicação de qualquer medida tutelar depende necessariamente da prática de facto ilícito típico, é ainda necessário que, tendo em vista a finalidade da intervenção tutelar na educação do menor para o direito e não a retribuição pelo crime, se conclua, em concreto, pela necessidade de corrigir a personalidade do menor no plano do dever-ser jurídico manifestado na prática do facto e a ser aferida no momento da decisão, de acordo com outro princípio da intervenção tutelar (princípio da actualidade da necessidade de correcção na personalidade do menor).

O Ministério Público propõe a aplicação de medida tutelar de internamento em centro educativo em regime semi aberto por 18 meses para AA e dois anos para BB.

Vejamos,

A medida de internamento visa proporcionar ao menor, por via do afastamento temporário do seu meio habitual e da utilização de programas e métodos pedagógicos, a interiorização de valores conformes ao direito e a aquisição de recursos que lhe permitam, no futuro, conduzir a sua vida de modo social e juridicamente responsável (artigo 17.º, nº 1 da Lei Tutelar Educativa).

Esta medida, sendo a mais grave porque representa maior intervenção na autonomia da decisão e de condução de vida do menor, está reservada para os casos mais problemáticos e em que se torne necessário um afastamento temporário do menor do seu meio habitual e destina-se a menores cuja necessidade educativa, evidenciada na prática do facto, deva ser satisfeita mediante um afastamento temporário do seu meio habitual e com recurso a específicos programas e métodos pedagógicos, constituindo, por isso, a ultima ratio da intervenção tutelar.

Resulta do relatório social e da avaliação psicológica que os mesmos são jovens envolvidos em ilícitos criminais, o agregado familiar evidencia dificuldades de supervisão e desvaloriza a prática dos crimes notando-se a falta de referências parentais; o percurso escolar dos menores é marcado por diversas retenções e problemáticas comportamentais em contexto escolar conotados pela comunidade pelas sucessivas condutas transgressivas.

Por outro lado, não aceitam as orientações que lhe vão sendo transmitidas, não aceitam a existência de opiniões e perspectivas diferentes das suas, encarando-as de forma hostil, particularmente quando provindas de adultos ou professores, desrespeitando a diferenciação de papéis docente-discente, procurando ainda efectuar um exercício de liderança dos pares pela negativa; não reconhecem responsabilidade nem as consequências das suas acções, sendo revelador de fragilidades ao nível das competências pessoais e sociais, reagindo de forma agressiva e disruptiva faca a situações de frustração das suas intenções e interesses, com baixa tolerância cm lidar com contextos de frustração, passando facilmente ao acto e com dificuldades em pensar sobre o outro em termos relacionais, sendo difícil estabelecer uma relação de confiança com adultos, o que tem prejudicado uma intervenção adequada em meio escolar, com vista a alterar a sua conduta; a família não se tem constituído como suporte contentor, sendo permissiva face aos comportamentos e não lhe impondo limites.

Necessitam ainda de obter um conjunto de valores, de instrumentos e de referências que permitam ajudá-los a tornarem-se adultos minimamente responsáveis e parece evidente que apenas uma supervisão e controlo externos efectivos permite garantir a obtenção das mesmas.

Com efeito, não evidenciam dispor de figuras adultas de referência que consigam conter os conflitos com outros jovens e adultos e evitar os seus problemas de agressividade e de conflituosidade, da passagem para o acto, carecendo ainda de medida tutelar que os orientem para o cumprimento das normas jurídicas e para a respectiva inserção na sociedade, apenas passível da ser alcançada mediante a medida de internamento em regime semi aberto, em centro educativo por período que se fixa em 18 meses para o menor AA e dois anos para BB.

(…)”.

IV – FUNDAMENTAÇÃO.

IV.I – DO ERRO NOTÓRIO E DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA E DO IN DUBIO PRO REO.

O recorrente BB invocou a ocorrência do vício decisório de erro notório, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:

“V - Acresce ainda, que, salvo o devido respeito, no que concerne à imputação ao menor/recorrente da prática do crime de ameaça agravado, previsto pelos artigos 153º nº1 e 155º, nº1 alínea a), do Código Penal, na pessoa de II (cfr. Factos provados rr), ss) e tt), supra descritos), afigura-se-nos que o Tribunal recorrido incorreu em manifesto erro notório na apreciação da prova, em violação do disposto no art. 410º, nº 2, alínea c) do CPP), porquanto, em sede de Audiência de Julgamento o menor/recorrente negou a prática daqueles factos e contrariou perentoriamente a versão dada ao Tribunal dada pelo ofendido II, tendo apresentado a sua versão dos factos, do efetivamente sucedido, bem assim como a eventual motivação para a denuncia apresentada nos autos por parte do ofendido, designadamente o intenso conflito deste com a sua família, e, com relevância para a decisão a proferir, relativamente a esta questão, nada mais foi apurado pelo Tribunal recorrido, como resulta alías, claramente da respectiva (aliás, parca) fundamentação: (III -MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO) – “h”)

VI - Assim, salvo o devido respeito o Tribunal a quo na perspectiva do recorrente, não fez um correcto exame crítico das provas como estava obrigado, deixando-se influenciar por suposições e convicções, que não têm qualquer suporte probatório sólido, tendo retirado conclusões absolutamente infundadas e arbitrárias, como sejam, designadamente, as constantes das supra alineas rr), ss), tt), dos factos dados como provados, pelo que, não foram, assim, correctamente valoradas, por parte do Tribunal recorrido, as provas produzidas em audiência de julgamento.

VII - De facto, partindo-se, como aliás se impunha, de uma correcta aplicação das pertinentes regras processuais penais, e respectivos Princípios Constitucionais aplicáveis, os factos supra mencionados [alineas rr), ss) e tt)] com remissão para o douto Acordão recorrido), deveriam, na verdade, ter sido dados por não provados.

VIII - Assim, face a tudo o acima referido, em nossa opinião e, salvo o devido respeito, o Tribunal «a quo» incorreu manifestamente, em erro notório na apreciação da prova, circunstância que consubstancia e que é fundamento do presente recurso (art. 410º, nº 2, alínea c) do CPP) e, mais, constata-se, ainda, e face a tudo o acima referido, que é bem patente, a violação do disposto nos artigos 127º do CPP e 205º, nº 1, da CRP.

IX - Parece-nos indiscutível que face ao depoimento contraditório das partes envolvidas, em sede de audiência de julgamento, conjugado com a completa ausência de demais prova produzida relativamente à questão em apreço, o Tribunal recorrido nunca poderia ter dado como provado que o menor/Recorrente, cometeu o crime em causa, pois, resulta claramente de tudo o atrás expandido que o Tribunal “a quo” devia ter valorado de forma diferente, elementos de prova que lhe foram dados a conhecer, ou in casu mais propriamente, a ausência de tais elementos de prova directa ou indirecta dos factos, que foram imputados ao ora Recorrente, o que não fez. (art. 412º, nº 3, al. b), do CPP), ou, no mínimo, coloca-se a dúvida insanável quanto à alegada prática do crime em causa, dúvida que, em decorrência do Princípio “in dubio pro reo”, teria que ser resolvida a favor do aqui Recorrente, e não contra ele.”.

O recorrente invoca a ocorrência do vício decisório de erro notório na apreciação da prova, por violação do princípio do in dubio pro reo e do princípio de livre apreciação da prova.

Invoca como suporte da sua pretensão, no mesmo passo do recurso, o preceituado na al. c) do n.º 2 artigo 410º do Código de Processo Penal, o estabelecido no artigo 127º do mesmo código e, por outro lado, o que decorre do 412 n.º 3 do CPP, para argumentar que ocorre erro notório em relação aos factos relacionados com o ofendido II.

As vias de impugnação da matéria de facto são duas – revista alargada e impugnação ampla da matéria de facto – e em face do modo como o recorrente aborda a questão, impõe-se fazer um ponto de ordem.

O regime dos vícios decisórios está definido no artº 410º/2, do CPP.

Como o normativo esclarece, a apreciação acerca da existência de vícios é restrita ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras de experiência comum. Significa isto que jamais será fundamento de vício qualquer apreciação que extravase do domínio da literalidade da sentença, ou seja, que implique, por exemplo, a apreciação da prova produzida no processo, documental ou testemunhal.

O erro notório na apreciação da prova é o vício que tem a ver com a aptidão da fundamentação da aquisição probatória à consideração de que determinados factos se encontram provados, ou não provados. Ocorre sempre que, considerado o texto da decisão recorrida, por si, ou conjugado com as regras de experiência comum, se evidencia um erro de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum ou do jurista com normal preparação profissional.

Verifica-se quando se dão por provados factos que, face às regras de experiência comum e à lógica normal, revelem distorções de ordem lógica entre os fundamentos e os factos provados ou não provados, entre os próprios factos provados ou os não provados, entre os provados e os não provados; ou seja, quando a factualidade assente se traduza numa apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, insustentável, e por isso incorreta – verifica-se sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no art.127º do CPP, quando afirma que a prova é apreciada segundo as regras da experiência.

Este vício prende-se com os limites a que está sujeito o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º do CPP, que não pode ser entendida como uma operação puramente subjetiva, emocional e, portanto, imotivável: há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objetivar a apreciação dos factos, requisitos necessários para uma efetiva motivação da decisão.

O princípio da livre apreciação da prova serve para não aprisionar o juiz em critérios preestabelecidos pela lei para formar a sua convicção, mas não para o isentar de obediência às regras da experiência e aos critérios da lógica. Neste sentido, um elemento de legalidade entra de novo no problema da apreciação da prova. Ainda que não fixadas pela lei, ele implica, na verdade, que certas regras de direito (nas quais podem transformar-se as leis da lógica e da experiência) presidam à avaliação da prova pelo juiz, mesmo onde falamos de livre convicção. Ideia que implica, por um lado, a possibilidade de apreciar em via de recurso a violação de tais leis na apreciação da prova e, por outro lado, conduz à necessidade de motivar as decisões em matéria de facto.

Em processo penal e em processo tutelar educativo1 figura como critério positivo de prova de um facto o parâmetro da prova além da presunção de inocência, vindo do direito processual anglo-saxónico, entendido como prova para além de toda a dúvida razoável.

Articula-se com o princípio da livre convicção como se fossem «dois círculos concêntricos de salvaguarda que o sistema processual penal/tutelar educativo coloca em defesa do cidadão inocente para não correr o risco de ser condenado. Ambos incidem sobre o momento da valoração da prova pelo juiz; momento verdadeiramente crucial para tornar efetivo o direito individual a ver reconhecida a própria inocência, se não resultar provada a sua culpa. O primeiro círculo, com a afirmação do princípio da livre convicção, coloca o momento da valoração da prova a coberto dos efeitos devastadores produzidos pelo sistema precedente da prova legal. O acusado, com efeito, não pode sofrer condenação em resultado do emprego de regras probatórias formais, como as que resultam do modelo aritmético da prova e tem, sem dúvida, o direito de exigir que a garantia da sua presunção de inocência seja efetivamente acionada no caso concreto colocado à valoração do juiz. Com o segundo círculo de salvaguarda, procura evitar-se que a livre valoração do juiz se transforme em arbítrio. O juiz não está sujeito a vínculos normativos externos, mas deve chegar à formação da sua convicção através do emprego de critérios racionais, próprios da lógica, da ciência e do conhecimento comum. A certeza probatória que desse modo o juiz alcança constitui, naturalmente, uma certeza lógica, aplicada ao caso concreto e modelada segundo um itinerário argumentativo objetivamente suscetível de controlo.

Funciona também como base ou pressuposto do princípio in dubio pro reo. Ao pedir-se ao juiz, para prova dos factos, uma convicção objetivável e motivável, está-se a impedi-lo de decidir quando não tenha chegado a esse convencimento; ou seja: quando possa objetivar e motivar uma dúvida. Espera-se deste modo que a decisão convença. Convença o juiz no seu íntimo, mas contenha em si igualmente a virtualidade de convencer o arguido/visado e, nele, a inteira comunidade jurídica. O princípio da livre apreciação da prova, entendido como esforço para alcançar a verdade material, como tensão de objetividade, encontra assim no in dubio pro reo o seu limite normativo: ao mesmo tempo que transmite o carácter objetivo à dúvida que aciona este último. Livre convicção e dúvida que impede a sua formação são face e contra-face de uma mesma intenção: a de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objetiva.

O princípio in dubio é uma regra de decisão, que funciona na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos. Assim o impõe o processo penal da presunção de inocência, verdadeira base da confiança legítima dos cidadãos nas decisões dos Tribunais.

A sua aplicação desdobra-se em dois momentos: no da avaliação probatória direta, imediata, em primeira instância ou em sede de efetiva reapreciação de prova, na fase de recurso e no da apreciação do processo de aquisição processual da prova fixada, na vertente da avaliação sobre a existência ou não de vício de erro na sua apreciação. Numa primeira fase «o universo fáctico – de acordo com o «pro reo» passar a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos que lhe são desfavoráveis. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para prova dos segundos se exige certeza. Numa segunda fase, funciona aquando da sua aplicação em Tribunal de recurso: sempre que resulta do texto da decisão recorrida a existência de dúvida sobre factos desfavoráveis ao arguido, ou ainda que não constando, ocorra que a dúvida se instala, quando apreciado o iter cognitivo do julgador.

Entendidos, assim, objetivamente, os princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo, sempre será de considerar este princípio violado quando o tribunal dá como provados factos duvidosos desfavoráveis ao arguido, mesmo que o tribunal não tenha manifestado ou sentido a dúvida que, porém, resulta de uma análise e apreciação objetiva da prova produzida à luz das regras da experiência e/ou de regras legais ou princípios válidos em matéria de direito probatório (cfr art. 127º do CPP).

O preceituado no artº 127º/CPP deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objeto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, onde não se vislumbre qualquer assomo de arbítrio na apreciação da prova, considerando que o objeto da prova tanto inclui os factos probandos (prova direta) como factos diversos do tema de prova, mas que permitam, com o auxilio das regras de experiência, uma ilação quanto a estes (prova indireta ou indiciária).

Feito este ponto de ordem, cumpre avançar já para a conclusão – na decisão recorrida, analisada nos seus termos e à luz dos dados da experiência comum, não se deteta qualquer erro notório na apreciação da prova, nem tão-pouco se constata que o Tribunal a quo tenha desfavorecido o jovem BB, dando como provados factos relativamente aos quais se confrontou com uma dúvida inultrapassável.

Dos termos vertidos na decisão recorrida (e é com esses que temos de lidar na busca de solução para a questão da ocorrência do vício), não decorre que o Tribunal a quo se tenha confrontado com o problema que inquieta o recorrente.

Invocando que ocorre o vício decisório de erro notório, argumenta o recorrente que o Tribunal a quo ultrapassou os limites da livre apreciação da prova, e contra o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal, decidiu erradamente “porquanto, em sede de Audiência de Julgamento o menor/recorrente negou a prática daqueles factos e contrariou perentoriamente a versão dada ao Tribunal dada pelo ofendido II, tendo apresentado a sua versão dos factos, do efetivamente sucedido, bem assim como a eventual motivação para a denuncia apresentada nos autos por parte do ofendido, designadamente o intenso conflito deste com a sua família”.

A linha argumentativa do recorrente procura apoio na prova produzida e, especificamente, no sentido das declarações prestadas pelo jovem BB, que contrariaram o depoimento da testemunha II e que, no entender da defesa, deveriam ter merecido maior crédito por parte do Tribunal a quo.

Ista nada tem a ver com a invocação de que a matéria dada como assente corresponda a algo patentemente errado, tal como não corresponde à alegação de que de qualquer um facto provado se tenha retirado uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, e menos ainda se prende com a invocação de violação das regras da prova vinculada, das regras da experiência, das legis artis ou do afastamento pelo tribunal dos juízos de peritos.

Esqueceu o recorrente que este vício, previsto na al. c) do nº 2 do art. 410º do CPP, como todas as situações no âmbito da denominada revista alargada, tem de resultar do próprio texto da decisão, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, mas sem recurso a elementos estranhos a ela, ainda que constantes do processo, e verifica-se quando existir irrazoabilidade da matéria de facto passível de ser patente a qualquer observador comum, por se opor à normalidade dos comportamentos e às regras da experiência comum [cfr. Prof. Germano Marques da Siva, in Curso de Processo Penal, III, 367, e os Acs. STJ de 06.04.00., in BMJ nº 496, p. 169 e de 04.12.2003, in verbojuridico.com/jurisprudência/stj].

A mera alusão a estas exigências, postas pela lei na conformação do vício decisório de erro notório na apreciação da prova, torna absolutamente evidente o naufrágio da sua invocação pelo recorrente.

A argumentação do recorrente força-nos a sair dos limites da decisão, para ir apreciar as declarações e depoimentos prestados, à procura das infundadas suposições a que o recorrente se refere.

O recorrente apelida de “conclusões absolutamente infundadas e arbitrárias” as circunstâncias vertidas nos pontos rr), ss) e tt) dos factos provados. Tais circunstâncias são, recorde-se:

“rr) (…) No dia 20.10.2022, pelas 19h00, na rua …, em …, encontrava-se II.

ss) Sem que nada o fizesse prever, BB, empunhando uma faca dirigiu-se a II, ao mesmo tempo que afirmava "vou te matar, vou te matar" com o intuito de agredir este, não o logrando conseguir, pois que II agarrou a mão de BB e empurrou o jovem, tendo, de imediato, II abandonado o local.

tt) Ao proferir as palavras acima descritas, bem como ao empunhar a faca, o jovem atuou com o propósito de provocar medo e inquietação ao ofendido, ciente de que tais condutas eram adequadas a alcançar tal resultado.”.

Ao contrário do que afirma o recorrente, não se encontram ali vertidas quaisquer conclusões, mas sim factos concretos que o Tribunal a quo julgou provados. E a divergência do recorrente tem precisamente a ver com a circunstâncias de ele próprio ter negado a prática daqueles factos e contrariado a versão apresentada no depoimento do ofendido II.

Tanto basta para que, em face da motivação da decisão de facto apresentada pelo Tribunal a quo, se arrede a ocorrência de erro notório.

Efetivamente, nenhum erro notório se evidencia na decisão. Não só não resulta dos termos da própria decisão, por si ou conjugados com as regras da experiência comum, a ocorrência de qualquer erro na apreciação da prova, como menos ainda resulta um erro notório e que salte à vista de qualquer leitor, minimamente sagaz, algo de irrazoável e/ou incompatível com a normalidade. Nem mesmo o recorrente afirma que os factos dados como provados são incompatíveis com a normalidade, traduzindo uma irrazoável versão dos acontecimentos. O que o recorrente afirma é que o Tribunal a quo andou mal ao dar como provados os factos. Na sua perspetiva e de acordo com a sua própria apreciação probatória, não foi isso que se demonstrou. Sucede que esta linha argumentativa não releva na apreciação da ocorrência do vício.

Dos termos da decisão resulta, sem qualquer incongruência, o caminho lógico que levou o Coletivo julgador à demonstração dos factos, sem que se surpreenda na enumeração desses factos e na motivação algo de irracional ou de notoriamente errado.

E, na verdade, o recorrente não logrou evidenciar qualquer falha na lógica do raciocínio do julgador que resulte dos próprios termos da decisão, por si ou conjugados com os dados da experiência comum.

Do teor da decisão recorrida resulta claramente explicitado o fundamento do juízo probatório e, podemos desde já afirmar, não se deteta nesse juízo consignado na decisão qualquer irrazoabilidade da matéria de facto - e muito menos uma irrazoabilidade patente a qualquer observador comum – não se podendo afirmar que o raciocínio do julgador se opõe à normalidade dos comportamentos e às regras da experiência comum.

Não concorda o recorrente BB com o juízo probatório do Tribunal a quo. Mas isso constitui apenas uma discordância do recorrente face ao resultado da apreciação da prova. Aqui, já não estamos no âmbito do erro notório na apreciação da prova, que tem de resultar do próprio texto da decisão recorrida, o que no caso não se verifica, mas antes em contexto de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, com base em erro de julgamento, nos termos do preceituado no art. 412º nº 3 e 4, do C.P.P.

Observada a decisão recorrida, verifica-se que o texto se apresenta lógico e conforme às regras da experiência comum, não decorrendo qualquer erro, muito menos notório, suscetível de integrar o invocado vício.

A falta de razão do recorrente é manifesta e alcança-se, de imediato, pela simples leitura da motivação da decisão de facto, que supra transcrevemos, na qual o Tribunal recorrido não só identificou os meios de prova que sustentaram a sua convicção como, de forma objetiva, clara e coerente, explicitou o raciocínio subjacente à formulação do juízo probatório, revelando as razões pelas quais foi atribuído crédito ao depoimento do ofendido II, de modo a se ultrapassar a negação do jovem BB, acedendo à verdade dos factos para além de qualquer dúvida razoável2.

Quem ler a motivação ficará sem qualquer dúvida acerca do raciocínio do Tribunal a quo e, por outro lado, não se deparará com qualquer atropelo aos princípios que regem a apreciação probatória.

Estando apenas em causa, na argumentação do recorrente, uma interpretação diferente da prova produzida, somos remetidos para o regular funcionamento do princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador, consagrado no art.º 127.º do CPP, que impõe que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

Não se deixou de referir na decisão recorrida a oposição entre as versões do jovem BB e da Testemunha II. Mas essa oposição não fez germinar no espírito do Tribunal a dúvida sobre a ocorrência dos factos, nem dos autos resulta que isso devesse ter sucedido. Apreciado o depoimento do ofendido, o Tribunal considerou-o credível e explicou porquê.

Contra isso, de nada vale esgrimir, como faz o recorrente, com o sentido oposto da versão apresentada nas suas declarações. O recorrente argumenta que a simples oposição das versões determinaria a dúvida intransponível, por nenhuma delas merecer maior crédito que a outra. Mas esse exercício ensaiado pelo recorrente assenta apenas numa interpretação diferente da prova produzida e, consequentemente somos remetidos para o âmbito da livre apreciação da prova por parte do julgador, princípio consagrado no art.º 127.º do C.P.P. que impõe que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

De facto, é na atribuição, ou não, de credibilidade a determinado meio de prova que tem especial aplicação o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador vertido no citado art.º 127.º do C.P.P., princípio que, no entanto, não o desobriga de observar as regras da experiência comum e da normalidade da vida e de explicar de modo lógico, racional, claro e objetivo o percurso seguido na formação da sua convicção.

Impõe-se assim que a fundamentação seja compreensível, coerente e crítica, expondo de forma clara e segura as razões que suportam a opção fáctica, sendo que, mesmo que a prova produzida aponte em dois sentidos diferentes, opostos até, caberá ao julgador apreciar a prova de forma objetiva, com recurso às regras da experiência comum, expondo de forma clara e racional as razões que subjazem à opção que tomou.

O que se impõe é, pois, que o Tribunal espelhe a sua livre apreciação da prova com respeito pelas regras da normalidade da vida, fundamentando de forma lógica e racional a opção tomada de entre as soluções plausíveis.

Ora, é precisamente isso que se verifica no caso em apreço, sem que se evidencie qualquer erro. Igualmente não se vislumbra qualquer violação do princípio in dubio pro reo.

Como afirmámos, o que resulta deste princípio é que, quando o Tribunal fica na dúvida quanto à ocorrência de determinado facto, deve daí retirar a consequência jurídica que mais beneficie o arguido, sendo que, conforme refere Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, I, pág. 205, para que a dúvida seja relevante para este efeito há-de ser uma dúvida razoável, uma dúvida fundada em razões adequadas e não uma qualquer dúvida. Só haverá, pois, violação do mencionado princípio quando, perante uma dúvida sobre factos essenciais para a decisão da causa, venha o julgador a decidir em desfavor do arguido. Tal não ocorreu, manifestamente, no caso dos autos, mostrando-se a factualidade julgada provada estribada em prova dos autos e em consonância com essa prova. Não vislumbramos na decisão recorrida, quer na matéria de facto julgada provada, quer na sua fundamentação, que, ao fazer esta opção fáctica, o Tribunal a quo tivesse tido qualquer hesitação quanto à valoração da prova, não se vislumbrando também que, na concreta situação dos autos, devesse ter tido qualquer dúvida.

Deste modo, sendo os factos dados como provados na decisão recorrida conclusões lógicas das provas referidas e analisadas na motivação, a convicção assim formada pelo julgador não pode ser censurada, ser apelidada de notoriamente errada, sob pena de violação do princípio da livre apreciação da prova pelo julgador.

Resta, assim, concluir que a decisão recorrida não padece do vício tipificado no art. 410º, nº 2, al. c), do Código de Processo Penal, improcedendo nessa parte o recurso interposto por BB.

*

IV.II – DAS MEDIDAS TUTELARES.

Os Recorrentes AA e BB consideram que as medidas que foram determinadas são desadequadas, por serem exageradas, excessivas, demasiado severas.

Estabelece o artigo 1º da Lei Tutelar Educativa (LTE) que “[a] prática, por menor com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos, de facto qualificado pela lei como crime dá lugar à aplicação de medida tutelar educativa em conformidade com as disposições da presente lei”.

De acordo com o estatuído no artigo 2º, as medidas tutelares educativas visam a educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade, sendo as causas que excluem ou diminuem a ilicitude ou a culpa, consideradas para a avaliação da necessidade e da espécie de medida.

Através das medidas tutelares educativas, o Estado intervém perante comportamentos disruptivos por parte de jovens que, tendo já alguma maturidade intelectual e emocional, não perfizeram ainda, à data dos factos, a idade a partir da qual respondem criminalmente (face ao disposto no artigo 16º do Código Penal), carecendo, porém, de serem advertidos do desvalor de tais comportamentos e de serem educados para a necessidade de se absterem de os empreender e repetir e, ao invés, para o imperativo de adotarem condutas consentâneas com os valores vigentes na comunidade.

Sendo a educação para a vida normativa em sociedade uma tarefa que é habitualmente desempenhada pelas famílias, a ingerência (intrusão) do sistema de justiça é tão mais premente quanto maior for o défice de supervisão parental e familiar, havendo, em regra, uma correlação direta e proporcional entre ambos os vetores.

Sendo variável o grau de intervenção necessária consoante o caso, e privilegiando-se o princípio basilar da intervenção mínima do Estado, indispensável à consecução do assinalado objetivo, o artigo 4º discrimina o leque de medidas tutelares educativas aplicáveis, que assumem contornos variados, visando dar resposta a uma multiplicidade de situações que as reclamam.

Vigorando também neste domínio o princípio da legalidade ou da tipicidade, as medidas tutelares são as taxativamente elencadas nas als. a) a i) do artigo 4º: a)-a admoestação; b)-a privação do direito de conduzir ciclomotores ou de obter permissão para conduzir ciclomotores; c)-a reparação ao ofendido; d)-a realização de prestações económicas ou de tarefas a favor da comunidade; e)-a imposição de regras de conduta; f)-a imposição de obrigações; g)-a frequência de programas formativos; h) o acompanhamento educativo; i)-o internamento em centro educativo.

Perfilam-se, essencialmente, duas categorias: a institucional – internamento em centro educativo [em regime aberto, semiaberto ou fechado] – e as restantes, de natureza não institucional.

Sobre o critério de escolha das medidas dispõe o artigo 6º da LTE que “o tribunal dá preferência, de entre as que se mostrem adequadas e suficientes, à medida que represente menor intervenção na autonomia de decisão e de condução de vida do menor e que seja suscetível de obter a sua maior adesão e a adesão de seus pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto” [n.º 1] e “é orientada pelo interesse do menor”.

Visando a intervenção tutelar, através das medidas tutelares educativas, a educação do menor para o direito, que permitirá a sua integração social e a interiorização do desvalor das condutas desviantes, as medidas adotadas devem ser proporcionais “à gravidade do facto e à necessidade de educação do menor para o direito manifestada na prática do mesmo facto e subsistente no momento da decisão” [cfr. artigo 7º da Lei Tutelar Educativa].

O tribunal deve, em face do leque de medidas aplicáveis, escolher a que realize de forma adequada e suficiente as finalidades visadas com a aplicação, ou seja, a socialização do menor.

Como decorre da própria hierarquia estabelecida no artigo 4º, a lei atribui clara preferência pela medida não institucional relativamente à institucional, pois a medida de internamento é a que representa maior intervenção na autonomia de decisão e condução de vida do menor.

Na aplicação das medidas tutelares deverão observar-se os princípios da legalidade ou tipicidade, da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.

O acórdão Tribunal da Relação do Porto de 22.05.20133 contém uma síntese impressiva da arquitetura das medidas tutelares educativas, lendo-se no respetivo sumário:

«I - A intervenção tutelar educativa do Estado relativamente aos jovens justifica-se quando se tenha manifestado uma situação desviante que tome clara a rutura com elementos nucleares da ordem jurídica, legitimando-se o Estado para educar o jovem para o direito, mesmo contra a vontade de quem está investido das responsabilidades parentais.

II - São pressupostos da intervenção tutelar educativa: A existência de uma ofensa a bens jurídicos fundamentais traduzido na prática de um facto considerado por lei como crime; A exigência ao jovem do dever de respeito pelas disposições jurídico- penais essenciais à normalidade da vida em comunidade, conformando a sua personalidade de forma socialmente responsável - necessidade de ser educado para o direito; A idade mínima de 12 anos, fazendo coincidir o início da puberdade com o limiar da maturidade requerida para a compreensão do sentido da intervenção tutelar educativa.

III - E é ainda necessário que a necessidade de correção subsista no momento da decisão.

IV - Tal como acontece com as penas, exclui-se qualquer finalidade retributiva: as medidas tutelares não são um castigo, uma expiação ou compensação do mal do crime (punitur quia peccatum est), mas visam garantir que o desenvolvimento do menor ocorra de forma harmoniosa e socialmente integrada e responsável, tendo como referência o dever-ser jurídico consubstanciado nos valores juridicamente tutelados pela lei penal, enquanto valores mínimos e essenciais da convivência social

V - À semelhança do que sucede no processo penal, em que a tarefa primeira do juiz é a escolha da pena a aplicar, também no processo tutelar deve o julgador começar por ponderar e decidir qual a medida tutelar mais adequada, a que melhor serve o interesse do menor, dando-se preferência àquela que realize de forma adequada e suficiente a finalidade subjacente à sua aplicação, isto é, a socialização do menor.

VI - Na determinação da dosimetria concreta da medida a aplicar importa observar os critérios de proporcionalidade e necessidade de correção da personalidade do menor manifestada na prática do facto e que subsista no momento da decisão.

VII - Na fixação da duração da medida concretamente aplicada, o tribunal deve ter em conta a gravidade do facto cometido, a necessidade de correção da personalidade do menor, manifestada na prática do facto, e a atualidade dessa necessidade de correção.

VIII - O Tribunal deve dar preferência, de entre as medidas que se mostrem adequadas e suficientes, à medida que represente menor intervenção na autonomia de decisão e de condução de vida do jovem e que seja suscetível de obter a sua maior adesão e a adesão dos pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto.

IX - A escolha da medida tutelar aplicável é orientada pelo interesse do jovem (balizado pela proteção dos seus direitos fundamentais, assim se exigindo a observância no âmbito do processo tutelar educativo dos princípios da legalidade, tipicidade, oficialidade, obtenção da verdade material, contraditório, livre apreciação da prova e celeridade processual).

X - A medida, sempre de duração determinada, deve ser proporcionada à gravidade do facto e à necessidade de educação do jovem para o direito, manifestada na prática do facto e subsistente no momento da decisão.»

Considerando os critérios legais e ponderando os contornos das situações dos autos, considerando as concretas circunstâncias provadas, resulta evidente a adequação da medida tutelar aplicada a cada um dos jovens na decisão recorrida.

Com efeito, conforme supra se consignou, resulta da matéria assente (destacados nossos):

- Quanto ao jovem AA:

“eee) (…)AA integra o agregado familiar da progenitora CC (desempregada) e dois irmãos. A mãe tem outro filho menor com cerca de 18 meses.

fff) O menor não tem qualquer contacto com o pai, que estará preso; também o padrasto.com quem tem vivido nos últimos anos se encontra preso por prática de crime de roubo;

ggg) A família não tem residência fixa, alternando o seu paradeiro entre o bairro de …, o centro da cidade de … ou a zona de …. Atualmente a mãe de AA verbaliza residir numa casa arrendada (por 150€), com 2 assoalhadas e razoáveis condições de habitabilidade.

hhh) O jovem partilha quarto com o seu irmão BB, de 15 anos e o irmão consanguíneo RR, de 9 anos de idade.

iii) A progenitora é beneficiária de RSI, auferindo de uma prestação no valor de 424,15€ e recebe em abonos de família cerca de 140€, referindo que o agregado familiar vive com algumas dificuldades financeiras, conseguindo, no entanto, satisfazer as necessidades básicas.

jjj) A dinâmica familiar caracteriza-se por dificuldades no exercício das responsabilidades parentais por parte da progenitora.

kkk) O jovem apresenta dificuldade em cumprir regras, adotando constantemente um comportamento desafiador perante os pares e figuras de autoridade, nomeadamente contra forças de segurança pública, sendo normalmente desculpabilizado no seio familiar.

lll) A situação familiar é acompanhada pela CPCJ de …, com medida de promoção e proteção de apoio junto da mãe.

mmm) O jovem frequenta o 5.º ano de escolaridade, inserido numa turma bilingue (tem algumas disciplinas em inglês) na escola básica ….

nnn) Segundo o diretor de turma, à data do relatório, o professor SS, o jovem apresenta muitas dificuldades de aprendizagem, não sabendo ler.

ooo) Apresenta desde o início do ano letivo um grande numero de faltas injustificadas.

ppp) No que se refere ao comportamento dentro da sala de aula não tem tido muitos problemas com os colegas e/ou professores. No entanto nos intervalos tem revelado agressividade com alguns colegas de turma, agredindo-os facilmente sem justificação para tal.

qqq) AA integra um grupo de pares com comportamentos referenciados pela prática de ilícitos.

rrr) O jovem, bem como os seus pares são conhecidos da população de …, em geral e "temidos".

sss) Durante a entrevista, AA não revelou qualquer interesse em responder a nenhuma pergunta, nem revelou preocupação com o presente processo e eventuais consequências para si próprio e para a sua família, negando a ocorrência de todos os factos

ttt) O jovem parece revelar fraca capacidade de descentração assim como parece não apresentar competências para ajuizar as consequências dos seus atos.

uuu) No que concerne aos factos descritos, o jovem não apresentou capacidade crítica face aos mesmos,apresentando alguns sinais de adesão a um estilo de vida pautado por comportamentos desviantes. A mãe, por seu lado verbaliza que o jovem tem de se defender, desculpabilizando o seu comportamento.

vvv) É um jovem que evidencia alguns problemas e relevantes fatores de risco favoráveis à delinquência e prática criminal.

www) O presente processo é o primeiro contacto formal do jovem com o Sistema da Justiça.

xxx) AA beneficiaria com acompanhamento médico/psiquiátrico.

yyy) AA não sabe ler nem escrever.

zzz) O jovem e a mãe nem sempre cumpriram com os agendamentos, nem com os horários marcados, para a aplicação dos testes psicológicos, apresentando uma postura pouco séria e imponderada relativamente ao presente processo;

aaaa) No que diz respeito ao MACI - Inventário Clínico para Adolescentes de Millon, AA considerou ser demasiado extenso e, como tal, optou por não fazer o teste.

bbbb) O agregado familiar de AA tem ausência de hábitos de trabalho relativamente aos adultos, sobrevivendo através dos apoios económicos da Segurança Social.

cccc) Segundo a mesma fonte de informação, corria o ano de 2019 quando foram reguladas as Responsabilidades Parentais de AA, o jovem ficou com residência junto da mãe, sendo esta decisão vista pelos diversos técnicos da área social que acompanham a referida família, uma decisão polémica, tendo em conta, a falta de capacidade parental desta mãe, nomeadamente no que toca à incapacidade para prestar cuidados básicos, especificamente na higiene, na alimentação, na saúde, no acompanhamento escolar e, principalmente na formação e educação, tendo como resultado um jovem incapaz de cumprir regras, adotando constantemente um comportamento desafiador e sendo, constantemente desculpabilizado pelos seus atos, no seio familiar.

dddd) Nas entrevistas conjuntas com o jovem, e com a mãe, foi manifesta a relação afetiva disfuncional, sem respeito e educação, entre os mesmos, assim como, também foi percetível que, a mãe não admite os factos alegadamente praticados peio filho, acrescentando determinadas vezes, que o filho é vítima de calúnias e perseguição por parte das forças de segurança desta cidade.

eeee) Relativamente ao pai, AA não se exprimiu, assim como, também não se manifestou, na maioria, das questões colocadas no decorrer da avaliação psicológica, adotando uma atitude passiva perante o presente processo tutelar educativo, não exprimindo qualquer opinião sobre o assunto, nem manifestando qualquer sentimento de preocupação pela existência do processo. Apresentou um discurso simples e escasso, revelador de imaturidade e de fraca compreensão, mesmo tendo em conta a sua idade.

ffff) O jovem frequentou no passado ano letivo o 5º ano do ensino básico no Agrupamento de Escolas …, em …, tendo, reprovado.

gggg) AA é um aluno que não apresenta interesse nas disciplinas teóricas, no entanto, nas aulas mais práticas consegue realizar algumas das tarefas. Não é um jovem que apresente mau comportamento em contexto escolar, no entanto, tem por hábito esconder-se para não ir às aulas, sendo, muitas vezes, colocado dentro da sala de aula pelas auxiliares de educação.

hhhh) Foi sujeito a um procedimento disciplinar no decorrer do ano letivo que terminou, recentemente, por agressão a outro colega. No que concerne ao relacionamento com os professores, é um jovem cordial, assim como, no que toca à sua inserção no grupo de pares, AA, segundo o professor, na maioria das vezes, limita-se a querer dormir, durante as aulas, assim como, apresentou uma assiduidade irregular.

iiii) Em termos de aproveitamento, AA apresenta algumas retenções no seu percurso escolar.

jjjj) Relativamente ao tempo que passa fora da escola, AA, habitualmente vagueia pelas ruas da cidade, acompanhado pela sua família, nomeadamente pelo irmão que, também está indiciado no presente processo e que, para o jovem, é tido como um ídolo.

kkkk) AA apresentou fraca colaboração no processo de recolha de dados necessários à elaboração da avaliação psicológica, tendo respondido, de uma forma pouco empenhada, às diferentes tarefas que lhe foram propostas, havendo alguns indicadores de pouca adesão em contexto de entrevista.

llll) Manteve durante o decorrer da avaliação uma postura de inibição, manifestando dificuldades em se expressar revelando um vocabulário pobre, para além de se mostrar muito retraído na exposição da sua trajetória de vida e da dinâmica familiar de origem. Em termos de aparência, AA apresentava-se com vestuário pouco cuidado, assim como, na sua higiene pessoal.

(…)”;

- Quanto ao jovem BB:

“rrrr) (…) BB foi alvo de intervenção anterior no âmbito de processo Tutelar Educativo, com Imposição de Obrigações (proc. nº…. na sequência de prática de factos ilícitos qualificados peia lei penal como crimes contra a integridade física, incumprindo o mesmo).

ssss) BB integra o agregado familiar da progenitora — CC (desempregada) e três irmãos uterinos mais novos.

tttt) O jovem apresenta dificuldade em cumprir regras, adotando constantemente um comportamento desafiador perante os pares e figuras de autoridade, sendo normalmente desculpabilizado no seio familiar.

uuuu) Em bom rigor passa maioritariamente o tempo sem controlo de figura parental de referência.

vvvv) O pai do jovem vive em … e será um pai ausente sem qualquer contacto com o jovem.

wwww) Atualmente encontra-se também preso.

xxxx) O jovem beneficiou em 2019 de uma medida de Acolhimento Institucional aplicada pela CPCJ de …, tendo estado institucionalizado no CAT de …, de onde fugiu duas vezes.

yyyy) Apesar de verbalizar concordância com as entidades de 1.ª linha em matéria de infância e juventude que acompanham a família, nomeadamente com a escola, no quotidiano a mãe do jovem revela incapacidade para contribuir para a alteração do comportamento deste,

zzzz) No presente ano letivo está inserido numa turma de ensino especial, tendo excedido o limite de faltas. O último dia em que o aluno frequentou a escola foi em 28 de setembro de 2022.

aaaaa) Segundo o diretor de turma, à data do relatório, prof. TT, ao nível comportamental não tem informações recentes, porquanto o aluno se encontrava em abandono desde o início do ano,

bbbbb) De acordo com as informações constantes no seu processo individual existente na DGRSP, relativas ao ano letivo passado, o jovem tende a ser desafiador tanto na sala de aula como no espaço escolar, apresenta e exibe comportamentos perturbadores, com agressividade física e verbal quer com pares quer com pessoal docente.

ccccc) Estes comportamentos perturbam o normal funcionamento das aulas e o relacionamento interpessoal tanto com pares como com adultos. Tais comportamentos determinaram ainda a instauração de procedimentos disciplinares, como suspensão, no passado ano letivo.

ddddd) De referir que o jovem não sabe ler, escrever nem contar. Terá, pois, graves dificuldades de aprendizagem.

eeeee) O jovem apresenta dificuldades em estabelecer relações sociais com pares, aspeto que poderá resultar de uma baixa autoestima e de sentimentos de insegurança.

fffff) Perante situações de stresse, contrariedade ou frustração, reage impulsiva e agressivamente, o que acentua o seu isolamento social.

ggggg) Não são identificados amigos com quem conviva pessoalmente, relacionando-se, sobretudo, com homens adultos pertencentes à sua comunidade étnica de origem e com os seus irmãos.

hhhhh) BB integra um grupo de pares adultos com comportamentos referenciados pela prática de ilícitos; a informação disponível sugere haver consumo pontual de álcool ou drogas.

iiiii) Durante a entrevista, BB não revelou qualquer interesse em responder a nenhuma pergunta, nem revelou preocupação com o presente processo e eventuais consequências para si próprio e para a sua família, negando a ocorrência de todos os factos.

jjjjj ) No que concerne aos factos descritos, o jovem não apresentou capacidade crítica face aos mesmos.

kkkkk) O jovem parece revelar fraca capacidade de descentração, assim como parece não apresentar competências para ajuizar as consequências dos seus atos.

lllll) A mãe refere que ao jovem foi diagnosticado, durante a infância, com deficit cognitivo e hiperatividade, tendo sido acompanhado em psiquiatria no Hospital Distrital de …(Dr. JJ), cumprindo durante algum tempo medicação.

mmmmm) Abandonou, entretanto, as consultas e a medicação, facto confirmado pela técnica da EMAT que contactou o hospital.

nnnnn) BB tende a reagir impulsivamente em ambientes formais (escola, segurança social, serviços de reinserção) ou experimentados como hostis, com recurso a um estilo de comunicação confrontativo e insolente.

ooooo) Quando contrariado reage com agressividade.

ppppp) É temperamental e com facilidade perde o controlo, tendo já assumido vários episódios de acessos de cólera, nomeadamente em contexto escolar.

qqqqq) O jovem mostra-se relutante em cooperar com as intervenções técnicas, apresentando dificuldade em reconhecer a necessidade de ajuda.

rrrrr) Apresenta uma postura de desafio perante as figuras de autoridade nos diversos contextos onde interage e parece demonstrar pouca consideração pelos sentimentos e bem-estar dos outros, não conseguindo adotar estratégias de contenção pessoal.

sssss) Neste momento, o jovem recusa frequentar a escola, optando por ficar em casa ou deambular pela cidade de …, onde é bastante conhecido.

ttttt) O percurso de vida do jovem é marcado por dificuldades de adaptação e integração nos contextos educativos. Não obstante a intervenção do Sistema de Promoção e Proteção no sentido da modificação das situações de risco identificadas, o jovem tem vindo a desenvolver um padrão comportamental que se vem agravando. Manifesta baixa resistência à frustração, agressividade física quando confrontado ou contrariado, episódios de cólera e revela dificuldade em acatar a autoridade.

uuuuu) Mostra-se pouco preocupado com os outros e tendencialmente indiferente às tentativas de ajuda institucional Recusa frequentar a escola, onde não comparece desde finais de setembro passado

vvvvv) Estes aspetos suscitam reservas quanto à capacidade de integração social e de assimilação das regras básicas de vida em sociedade, parecendo-nos importante uma intervenção que proporcione formação escolar adequada e alguma contenção comportamental.

wwwww) Não foi possível avaliar com rigor a capacidade critica do jovem face às circunstâncias que estão na origem da instauração do presente inquérito tutelar educativo devido à sua atitude passiva e desinteressada que inviabilizou a entrevista, respondendo a sua mãe por ele.

xxxxx) BB não sabe ler nem escrever.

yyyyy) O jovem e a mãe nem sempre cumpriram com os agendamentos, nem com os horários marcados, para a aplicação dos referidos testes, apresentando uma postura pouco séria e imponderada relativamente ao presente processo;

zzzzz) No que diz respeito ao MACI - Inventário Clínico para Adolescentes de Millon, BB optou por não fazer o teste.

aaaaaa) BB é um jovem marcado pelo abandono por parte do pai, que, apenas conheceu em bébé, e pela falta de competências parentais da mãe, a diversos níveis, nomeadamente, alimentação, higiene, formação e educação, indispensáveis ao seu crescimento e desenvolvimento biopsicossocial, resultando num jovem com alterações de comportamento, nomeadamente sobretudo ao nível relacional.

bbbbbb) A mencionada técnica acrescentou, ainda que a referida família é conhecida pela difícil relação que mantém com os elementos da comunidade, nomeadamente com as forças de segurança e com os técnicos da área social,

cccccc) É, também esta família conhecida pelo elevado absentismo escolar, no que toca às crianças, assim como, pela ausência de hábitos de trabalho relativamente aos adultos, vivendo com o apoio de subsídios da Segurança Social.

dddddd) Nas entrevistas conjuntas com o jovem, e com a mãe, foi manifesta a relação afetiva disfuncional, sem respeito e educação, entre os mesmos, assim como, também foi percetível que, a mãe não acredita nos factos alegadamente praticados pelo filho, acrescentando algumas vezes no seu discurso, que o filho é vítima de calúnias e perseguição por parte das forças de segurança da cidade.

eeeeee) Relativamente ao pai, BB não manifestou qualquer emoção, assim como, também não se manifestou, na maioria, das questões colocadas no decorrer da avaliação psicológica, adotando uma atitude passiva, até displicente, perante o presente processo tutelar educativo, não exprimindo qualquer opinião sobre o assunto, nem manifestando qualquer sentimento de preocupação peia existência do processo. Apresentou um discurso simples e escasso, revelador de imaturidade e de fraca compreensão, mesmo tendo em conta a sua idade.

ffffff) BB, no ano letivo terminado recentemente, permaneceu em abandono escolar durante o ano inteiro, segundo a informação recolhida junto da referida escola.

gggggg) No entanto, a última informação escolar que consta do Dossier Individual da DGRSP, refere que, BB é um jovem com grandes dificuldades de aprendizagem, desafiador no contexto escolar e com comportamentos agressivos dirigidos a professores e, também ao grupo de pares, perturbando o funcionamento normal das aulas.

hhhhhh) No que concerne ao relacionamento com os pares, BB, segundo o que consta no Dossier Individual existente nesta Equipa, é um jovem com dificuldade em estabelecer relações afetivas, preferindo acompanhar com adultos referenciados na comunidade pela prática ilícita, assim como é habitualmente visto a vaguear pelas ruas da cidade, juntamente com mãe e irmãos.

iiiiii) BB, segundo a progenitora, outrora foi acompanhado em consulta de pedopsiquiatria, no Hospital Distrital de …, mas por sua iniciativa abandonou o acompanhamento médico e, também a toma de fármacos prescrevidos, por, alegadamente padecer de perturbação do desenvolvimento intelectual e por perturbação de comportamento, sem haver, até à presente data, um diagnóstico concreto.

(…)

llllll) Em termos de aparência, BB apresentou-se com vestuário pouco cuidado, assim como, na sua higiene pessoal,

(…)”.

Em face dos factos transcritos, é evidente a necessidade de intervenção do Estado junto dos jovens AA e BB, em medida tão intensa quanto profunda se revela a incapacidade da progenitora para assegurar a sua educação para a vida normativa em sociedade. Na verdade, a progenitora revela-se incapaz de desempenhar essa tarefa, sendo a carência de intrusão do sistema de justiça absolutamente premente.

Atentos os concretos contornos da atuação dos jovens (que preencheu, nos termos exarados na decisão recorrida, a multiplicidade de delitos ali referenciada) e do seu contexto familiar acima descrito, acrescendo quanto ao BB a circunstância de já ter sido alvo de medida de imposição de obrigações, é por demais evidente que as medidas não institucionais não se mostram adequadas a educá-los para respeitarem os mais elementares valores da vida em sociedade.

Perante a completa ausência de entorno familiar normativo, a intervenção do Estado tem que ser intensa, sob pena de se comprometer, ou mesmo perder, a hipótese de lhes proporcionar mínimos de educação para a vida normativa em sociedade.

Consequentemente, bem andou o Tribunal recorrido ao escolher a aplicação de medidas tutelares de internamento em centro educativo, sendo essa medida a única que se perfila como adequada e suficiente para alcançar as finalidades visadas quanto a qualquer dos dois jovens – educação para o direito e a inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade –, em conformidade com o disposto no artigo 138º, n.º 2, al. d), da LTE.

Improcede, pois, em absoluto a pretensão recursiva dos recorrentes, que sustentam que lhes deveriam ser aplicadas medidas de acompanhamento educativo.

A medida tutelar de acompanhamento educativo, perante a reiterada incursão em comportamentos delituosos, que assumiram já acentuada gravidade, revela-se inidónea e destituída de eficácia para se alcançar o objetivo supre referido. Assim não seria se o entorno familiar fosse outro, mas não é. Deparamo-nos com uma progenitora incapaz de assegurar a contenção dos jovens e que, pior do que isso, não critica o seu comportamento, antes o desculpando e justificando.

Deverá notar-se que o agregado familiar vem beneficiando de acompanhamento pela CPCJ de …, com medida de promoção e proteção de apoio junto da mãe. Não obstante, não foram constatados hábitos de trabalho nos elementos adultos do agregado familiar, inexistindo o mínimo investimento na educação dos jovens. O acompanhamento do agregado não chega para que a progenitora aprenda a trilhar um caminho em direção a uma vivência conforme aos valores jurídicos que imperam num estado de direito democrático e, como seria natural, passe esses mesmos valores aos jovens.

No caso concreto, os jovens estão abandonados aos seus ímpetos, sem qualquer imposição de regras e limites, imprescindíveis na fase de formação da personalidade e de consolidação dos valores ético jurídicos em que se encontram. É manifesta a incapacidade da progenitora para os educar para uma vida conforme ao Direito. E a convivência no seio familiar mostra-se efetivamente perniciosa, encarando o mais novo dos dois jovens o seu irmão mais velho como um ídolo, que acompanha num quotidiano desregrado.

Não se vislumbrando outra medida tutelar não institucional que seja apta a alcançar tal desiderato, mostra-se plenamente adequada a opção do Tribunal a quo pela medida institucional. Esta medida executa-se em ambiente mais contentor e controlado que o proporcionado pela progenitora, com imposição de regras e limites. Tal ambiente, apesar de limitativo da liberdade dos jovens (que, porém, em nada se assemelha a um estabelecimento prisional), mostra-se adequado e necessário, tanto mais que se optou pelo regime semiaberto.

Como se explicita no Acórdão da Relação de Lisboa de 24 de maio de 2023:

“Os centros tutelares educativos são os locais onde é cumprida a medida de internamento, que “visa proporcionar ao jovem, por via de afastamento temporário do seu meio habitual e da utilização de programas e métodos pedagógicos, a interiorização de valores conformes ao direito e a aquisição de recursos que lhe permitam, no futuro, conduzir a sua vida de modo social e juridicamente responsável” (cfr. artigo 17º, n.º 1, da LTE).

Estabelece o artigo 159º, nos seus n.ºs 1 e 2, que “[a] atividade dos centros educativos está subordinada ao princípio de que o menor internado é sujeito de direitos e deveres e de que mantém todos os direitos pessoais e sociais cujo exercício não seja incompatível com a execução da medida aplicada” e que “[a] vida nos centros educativos deve, tanto quanto possível, ter por referência a vida social comum e minimizar os efeitos negativos que o internamento possa implicar para o menor e seus familiares, favorecendo os vínculos sociais, o contacto com familiares e amigos e a colaboração e participação das entidades públicas ou particulares no processo educativo e de reinserção social”, estando os moldes de execução da medida de internamento em regime semiaberto definidos no artigo 168º.

Cada centro educativo dispõe de projeto de intervenção educativo próprio que deve permitir a programação faseada e progressiva da intervenção, diferenciando os objetivos a realizar em cada fase e o respetivo sistema de reforços positivos e negativos, dentro dos limites fixados pelo regulamento geral e de harmonia com o regulamento interno [artigo 162º] e para cada menor é elaborado um projeto educativo pessoal, no prazo de 30 dias após a sua admissão, tendo em conta o regime e duração da medida, bem como as suas particulares motivações, necessidades educativas e de reinserção social, devendo especificar os objetivos a alcançar durante o tratamento, sua duração, fases, prazos e meios de realização, nomeadamente os necessários ao acompanhamento psicológico, por forma a que o menor possa facilmente aperceber-se da sua evolução e que o centro possa avaliá-lo [artigo 164º, n.ºs 1 e 2].

A evolução do processo educativo do menor é monitorizada pelo tribunal, com base nos relatórios de execução da medida remetidos pelo diretor nos moldes previstos no artigo 154º da LTE.”.4

Por conseguinte, dúvidas não subsistem de que, em face das circunstâncias do caso, se justifica aplicar aos jovens AA e BB a medida tutelar de internamento em centro educativo em regime semiaberto, mostrando-se acertada a escolha do Tribunal a quo.

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Já no que respeita à duração da medida a aplicar a cada um dos jovens, entendemos ser necessário alterar a decisão recorrida.

O internamento em regime semi aberto é aplicável quando o jovem tiver cometido um facto qualificado como crime contra as pessoas ou dois ou mais factos qualificados como crimes a que correspondam pena máxima, abstratamente aplicável, superior a três anos. A medida de internamento em regime semiaberto tem a duração mínima de 6 meses e máxima de 2 anos.

O Tribunal a quo fixou a duração da medida tutelar de internamento em centro educativo em 18 meses para o jovem AA e em dois anos para o jovem BB.

Tendo em consideração que:

- o jovem AA não foi alvo da aplicação de qualquer medida tutelar educativa anterior;

- o jovem BB foi alvo de intervenção anterior no âmbito de processo Tutelar Educativo, com Imposição de Obrigações (proc. n.º …) na sequência de prática de factos ilícitos qualificados pela lei penal como crimes contra a integridade física;

não se revela necessária a fixação da duração das medidas tão próximo do limite máximo previsto na lei.

Efetivamente, será de esperar que a aplicação de medida com a duração de 9 meses para o jovem AA e de 15 meses para o jovem BB seja suficiente para alterar o respetivo percurso, mostrando tais períodos ser suficientes para a implementação de uma intervenção que lhes incuta os mínimos de educação para a vida normativa em sociedade.

Apenas nessa parte se alterará a decisão recorrida, mantendo-a em tudo o mais.

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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar apenas parcialmente procedentes os recursos interpostos por AA e BB e em consequência:

a) em alterar a decisão recorrida quanto à duração das medidas impostas, nos seguintes termos:

i. Fixar em 9 meses a duração da medida de internamento em centro educativo a executar em regime semi aberto aplicada ao jovem AA;

ii. Fixar em 15 meses a duração da medida de internamento em centro educativo a executar em regime semi aberto aplicada ao jovem BB;

b) em manter, no mais, a decisão recorrida.

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Sem tributação.

D.n.

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O presente acórdão foi elaborado pelo Relator e por si integralmente revisto (art. 94º, n.º 2 do C.P.P.).

Évora, 28 de janeiro de 2025

Jorge Antunes (Relator)

J. F. Moreira das Neves (1º Adjunto)

Anabela Cardoso (2ª Adjunta)

............................................................................................................................................1 O artº 128º da LTE (Lei 166/99, de 1 de Setembro) estabelece que o Código de Processo Penal se aplica subsidiariamente ao processo tutelar educativo.

2 O Tribunal a quo consignou que “II relatou os factos de forma clara e expressiva notando-se que existe clima de conflito com família de BB já que, apesar de serem familiares, tem outras quezílias. BB apenas quis prestar declarações quanto a esta testemunha negando os factos porque o ofendido estaria a mentir. Tal não resulta das declarações de II que foi espontâneo ao descrever este episodio e as expressões a si dirigidas por BB "vou te matar" empunhando uma navalha. Refere que teve de fugir no táxi que o transportara apercebendo-se que a mãe de BB também ia no seu encalce com um barrote”.

3 Cfr. Ac. da Relação do Porto de 22 de maio de 2013 – Relatora: Elsa Paixão – acessível em: https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/ff19ffd58241274780257b8e004c6851?OpenDocument

4 Cfr. Ac. TRL de 24 de maio de 2023, - Relatora : Isabel Gaio Ferreira de Castro – acessível em: https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/7cdbd218fec194ad802589bf004f7a76?OpenDocument