Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1286/22.5T8OLH.E1
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DANO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 02/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Na impugnação da decisão de facto visa-se obter uma reapreciação da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância de forma a apurar se determinados factos foram incorretamente julgados, ou por terem sido considerados assentes quando deveriam julgar-se não provados, ou por terem sido considerados não provados quando deveriam ter sido julgados assentes. Não basta, porém, que os meios de prova que fundamentam a impugnação tornem possível a solução preconizada pelo impugnante, sendo necessário que a imponham.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1286/22.5T8OLH.E1
(2.ª Secção)

Relatora: Cristina Dá Mesquita
Adjuntos: Maria Domingas Simões
Mário Branco Coelho


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
(…) e (…), autores na ação declarativa com processo comum que moveram contra (…), interpuseram recurso da sentença proferida pelo Juízo de Competência Genérica de Olhão, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o qual julgou a ação totalmente improcedente e, em conformidade, absolveu a ré do pagamento à autora da quantia peticionada nos autos.

Na ação os autores peticionaram que a ré fosse condenada a pagar-lhes a quantia total de € 12.084,00 a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vincendos calculados sobre aquele valor desde a data da citação e até integral pagamento. Para tal desiderato alegaram, em síntese, que ocorreram infiltrações de águas nas duas frações autónomas de que são proprietários – frações designadas pelas letras “A” e “B”, correspondentes, respetivamente, ao rés-do-chão direito e rés-do-chão esquerdo do prédio sito na Rua da (…), n.ºs 37A e 37B, freguesia e concelho de Olhão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo (…) – as quais tiveram origem numa fuga de água ocorrida na fração autónoma propriedade da Ré – fração autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao 1.º andar direito do prédio supra referido –, causando uma inundação nas frações dos autores e, consequentemente, danos nas mesmas, que consistiram em manchas de água e humidade com aparecimento de bolores nas paredes, tetos, pladurs, portas e descolamento de rodapés, cuja reparação ascendeu a € 11.720,00, sem IVA, para além de que sofreram, ainda, estragos num frigorífico, cuja reparação ascendeu a € 85,00 e num sofá, que tinha o valor de € 279,00.

I.2.
Os recorrentes formulam alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«1 - Vem o presente recurso interposto da douta decisão que absolveu a R, do pagamento aos AA, da quantia peticionada.
2 - Os Recorrentes entendem que a matéria fatual contida nas alíneas A), B), C) e D), foi incorretamente julgada, razão pela qual vai impugnada a douta decisão que sobre ela recaiu.
3 - O que se alega no parágrafo anterior resulta, além do mais, da conjugação da prova documental carreada aos autos com o depoimento das testemunhas que passamos a indicar.
4 - Do depoimento da Testemunha (…), que depôs no dia 23 de maio de 2023, encontrando-se o seu depoimento gravado através do sistema informático em uso no Tribunal, em suporte digital, dos 01:05:35 minutos até aos 01:18:37 minutos, e no que prestou o depoimento gravado aos minutos 01:11:31; 01:11:52; 01:14:18; 01:14:37; 01:14:44; 01:14:49; 01:15:18, cujas transcrições constam na motivação do presente recurso e que em sede destas conclusões se dão por integralmente reproduzidas.
Do conjunto de tais transcrições salientamos as seguintes: (Aos 01:11:31 minutos)
À pergunta: “O Sr. depois de falar com o Sr. (…) e de ter constatado que a água escorria nas frações dele, vai a sua casa, fecha a sua torneira de segurança e a água continua a correr,
quanto tempo é que isso esteve assim, a torneira de segurança fechada e a água a correr?”
Respondeu: “A primeira vez foi logo uma semana, e não tinha que correr como estava a correr.”
(Aos 01:11:52 minutos)
À pergunta: “Nessa semana com a torneira fechada a água continuava a pingar cá em baixo?”
Respondeu: “Exatamente.”
(Aos 01:15:18 minutos)
À pergunta: “O seu problema foi posterior ao problema das lojas do Sr. (…)?”
Respondeu: “É isso que eu estou a dizer, não foi no mesmo dia, não foi na mesma semana, foi uns meses a seguir.”
5 - Do depoimento da Testemunha (…), que depôs no dia 22 de setembro de 2023, encontrando-se o seu depoimento gravado através do sistema informático em uso no Tribunal, em suporte digital, com a duração de 00:27:39 minutos, e no que prestou o depoimento gravado aos minutos 00:02:13; 00:02:47; 00:03:21; 00:03:42; 00:04:58; 00:06:57; 00:07:26; 00:07:29; 00:08:07; 00:08:25; 00:08:55, cujas transcrições constam na motivação do presente recurso e que em sede destas conclusões se dão por integralmente reproduzidas.
Do conjunto de tais transcrições salientamos as seguintes:
(Aos 00:03:42 minutos)
À pergunta: “E o que é que verificou no interior do apartamento da D.ª (…)?”
Respondeu: “No interior do apartamento da D.ª (…) verifiquei que não havia vestígios de derrame de água, no entanto na análise que eu faço a nível de intervenção de peritagem tenho por hábito analisar o funcionamento do contador, através da análise do funcionamento do contador é percetível confirmar na maioria dos casos, se existe rutura ou não da canalização e à data foi feito uma verificação e concluiu-se que existia rutura na canalização do primeiro direito.”
(Aos 00:04:58 minutos)
À pergunta: “Como é que chegou à conclusão que havia ali rutura de água?”
Respondeu: “As canalizações de abastecimento de água funcionam sob pressão, é um circuito que funciona com pressão existente na rede. Se houver uma rutura, cada quantidade de água que sai dessa canalização, face à rutura ela vai ser automaticamente reposta pela rede e o contador vai registar esse consumo. Nem sempre se consegue perceber esse consumo, nomeadamente as pessoas menos entendidas nisso, só quem tem experiência e percebe como é que funciona um contador de água é que percebe quando é que há essa reposição, e é o que eu faço, no âmbito da minha atividade, é olhar para o contador com todas as torneiras fechadas, pontos de consumo fechados e com a torneira de segurança aberta verificar se o contador vai marcar aquela entrada mínima de água, que só se percebe quando se está a olhar algum tempo para o contador e se vê que há esse registo. Foi isso que eu fiz e conclui que existia consumo, não posso precisar onde é que se localizava a rutura, porque trata-se de uma canalização embutida nos pavimentos e paredes, concerteza que a água só vai aparecer nas frações inferiores.”
(Aos 00:07:29 minutos)
À pergunta: “As torneiras de consumo estavam todas fechadas?”
Respondeu: “Fechadas e a rede e o contador a registar entrada de água.
(Aos 00:08:07 minutos)
À pergunta: “O senhor diz aí que não era possível precisar onde é que era a rutura, então porque é que diz que era aqui no apartamento da Sra. (…)?”
Respondeu: “Porque o contador era o do apartamento. Eu só ligo a canalização do contador para a frente e a canalização pertence àquela fração.”
(Aos 00:08:55 minutos)
À pergunta: “Confrontou a Sra. (…), com a realidade?”
Respondeu: “Confrontei, confrontei-a com outras realidades, porque eu fui lá no âmbito de uma peritagem para a seguradora e eu ao analisar que existia a rutura na canalização estranhei o fato, porque uma rutura na canalização não aparece de um dia para o outro, estranhei o fato de a apólice ser recente, a apólice tinha início, salvo erro, a 16 de dezembro de 2019 e o sinistro foi participado como tendo ocorrido a 16 de janeiro de 2020, ou seja, 20 dias depois do início da apólice e a Sra. (…) disse-me que não possuía apólice anterior àquela que tinha início nessa data, o que na minha atividade pressupõe logo um alerta de possível fraude e foi isso que eu tentei esclarecer, se aquela situação era uma possível fraude ou não. Através de diligências junto do lesado, do Sr. (…), obtive a confirmação de um registo fotográfico dos danos dos repasses de água de 06 de dezembro, ou seja, 06 de dezembro de 2019 é anterior à data de início da apólice, só que conclui o seguinte, este sinistro não é para indemnizar ao abrigo desta apólice, porque a apólice é posterior ao sinistro. Logo estamos perante uma tentativa de fraude e confrontei a Sra. (…) com esta situação. Assinei uma ata de acordo a assumir que estes fatos com a Sra. (…) e também assinei um auto de vistoria com o Sr. João Ferro a declarar esta situação, que o sinistro era anterior à data do início da apólice. Para mim o processo está arrumado.”
6 – A dita testemunha (…), que depôs no dia 25 de janeiro de 2024, encontrando-se o seu depoimento gravado através do sistema informático em uso no Tribunal, em suporte digital, com a duração de 00:51:24 minutos, e no que prestou o depoimento gravado aos minutos 00:17:23; 00:17:47; 00:18:18; 00:20:36; 00:29:55; 00:34:39; 00:35:09; 00:35:12, cujas transcrições constam na motivação do presente recurso e que em sede destas conclusões se dão por integralmente reproduzidas.
Do conjunto de tais transcrições salientamos as seguintes:
(Aos 00:29:55 minutos)
À pergunta: “Se não fosse o caso do Sr. já saber que o sinistro era anterior à data da constituição da apólice, … aquilo que tinha sido o seu parecer era que a origem da infiltração que provocou os danos era do primeiro direito?”
Respondeu: “(…) o teste foi feito, a confirmação da rutura foi feita.
(Aos 00:34:39 minutos)
À pergunta: “Não fora a questão das datas da feitura da apólice e do acidente ocorrido, o Sr, emitia parecer para a seguradora assumir a responsabilidade pelo sinistro?” Respondeu: “No enquadramento, claramente que sim, e aí teríamos que apurar …
(Aos 00:35:09 minutos)
À pergunta: “Esse apuramento que o Sr. refere é a extensão dos prejuízos?”
Respondeu: “Para a extensão dos prejuízos.
(Aos 00:35:12 minutos) À pergunta:
“Não era para assumir a responsabilidade?” Respondeu: “A responsabilidade está assumida. Há rutura, está assumida.”
7 - Do depoimento das testemunhas supra identificadas, especialmente na parte transcrita em sede de motivação e conclusões, podemos alinhar com o entendimento segundo o qual, de facto, as ditas infiltrações tiveram origem na fração da R.
8 - Temos ainda que conjugar tais depoimentos com o teor dos documentos que compõem o processo junto da companhia de seguros, juntos aos autos pela (…), Companhia de Seguros, S.A., onde se pode ler, em sede de “Dados do Sinistro”, além do mais, o seguinte:
“Descrição do Sinistro: De acordo com os factos apurados na data da vistoria, o sinistro teve origem numa alegada rotura na canalização de abastecimento de água quente da fração segura, localizada na zona da cozinha (Foto 4), detetada através da inspeção ao funcionamento do contador (Foto 5), mas que ainda não foi colocada à vista.”
9 - Fato que não pode ser esquecido é que a R., após o sinistro aqui em causa, foi, junto da companhia seguradora, contratualizar apólice de seguro. Contudo, a companhia seguradora declinou qualquer responsabilidade invocando que “(…) a apólice de seguro em referência apenas entrou em vigor no dia 2019/12/16, ou seja, em data posterior à ocorrência participada”, conforme flui do teor da carta remetida, pela companhia de seguros à R e que consta nos autos.
10 - Dir-se-á que, atento o teor dos depoimentos das testemunhas supra identificadas, transcritos em sede de motivação e conclusões, conjugado com o teor dos documentos juntos aos autos, em sede de audiência de julgamento, nomeadamente os juntos em 22/09/2023 pelo perito da Companhia de Seguros e em 08/11/2023, pela Companhia de Seguros, sobretudo nas partes a que supra se faz alusão, não restam dúvidas que o douto tribunal recorrido devia ter dado como provados os fatos constantes nas alíneas A), B), C) e D), da douta fundamentação de fato, constante na decisão sob censura.
11 - Mas ao invés disso, o tribunal recorrido considerou como não provados, tais fatos. Com esse entendimento, incorreu, com o devido respeito por opinião diversa, em erro de julgamento, quanto aos apontados fatos. Pois, correto julgamento de tais fatos, levaria a considerar como provados todos os factos constantes nas alíneas A), B), C) e D), da fundamentação de fato, constante na decisão, o que é imposto pelos segmentos de prova documental, a que supra se faz alusão e ainda ao depoimento das testemunhas aqui identificadas, sobretudo na parte transcrita.
12 - Como consequência do que se vem alegando, parece resultar provado, que as infiltrações existentes nas frações dos AA, tiveram origem numa fuga de água que ocorreu na fração propriedade da R, devendo, em consequência, presumir-se a culpa desta na produção dos danos ocorridos nas frações daqueles.
13 - O douto tribunal recorrido ao absolver a R, do pedido formulado na ação, violou o disposto no nº 1, do artigo 493º, do Código Civil, pois correta apreciação da prova e correto julgamento dos pontos supra referidos, levaria à condenação da R, nos termos do referido preceito legal.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida e em sua substituição ser proferida decisão que condene a Recorrida a pagar aos Recorrentes a quantia referida no ponto 10, dos fatos dados como provados, na douta sentença recorrida, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal,
assim se fazendo JUSTIÇA».
I.3.
Não houve resposta às alegações de recurso.
O tribunal de primeira instância recebeu o recurso.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.
As questões a decidir são as seguintes:
1 – Saber se ocorreu erro de julgamento de facto.
2 – Reapreciação da decisão de mérito.

II.3.
FUNDAMENTAÇÃO
II.3.1.
FACTOS
II.3.1.1.
Factos provados
O tribunal de primeira instância julgou provada a seguinte factualidade:
1) Os Autores são donos e legítimos proprietários das frações prediais designadas pelas letras “A” e “B”, correspondentes ao rés-do-chão direito e rés-do-chão esquerdo, do prédio sito em Rua da (…), números 37A, 37B, freguesia e concelho de Olhão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o número (…) e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo (…).
2) A Ré é dona e legítima possuidora da fração predial designada pela letra “C”, correspondente ao primeiro andar direito do prédio identificado em 1.
3) Em data não concretamente determinada, mas em meados de novembro/dezembro de 2019 ocorreram, nas frações prediais dos AA., identificadas em 1º supra, infiltrações de água.
4) Sendo que as infiltrações ocorreram, até data não concretamente determinada, mas até cerca de janeiro/fevereiro de 2020.
5) As indicadas infiltrações de água provocaram inundação nas frações prediais dos Autores.
6) E fizeram com que brotasse água das paredes e tetos das frações prediais dos AA..
7) Como consequência direta das ditas infiltrações as paredes, tetos, rodapé e portas das suas referidas frações prediais sofreram danos, os quais consistiram em manchas de água e humidade com aparecimento de bolores nas paredes e tetos e ainda manchas de água e humidade nas portas e descolamento de rodapés.
8) O que obrigou à reparação dos tetos e paredes.
9) A realização de tais reparações consistiu em fornecimento de material, picagem de tectos e paredes e novo revestimento.
10) O custo das reparações ascendeu a cerca de € 11.000,00.
11) O dono do primeiro andar esquerdo teve uma fuga de água no seu apartamento, em data não concretamente determinada, mas também em novembro/dezembro, que o obrigou a mudar toda a sua canalização.
12) Nessa ocasião foram visíveis algumas humidades nas partes comuns do prédio.
13) Face à reclamação do A marido, a R tentou apurar se havia alguma infiltração na sua fração autónoma.
14) Os consumos registados da fração da Ré, no período em apreço nos autos, não sofreram oscilações relevantes.

II.3.1.2.
Factos não provados
O tribunal de primeira instância julgou não provado que:
A) As referidas infiltrações tiveram origem numa fuga de água que ocorreu na fração predial identificada em 2º supra, propriedade da Ré, facto que foi do conhecimento do Autor marido no dia 18 de janeiro de 2020.
B) As infiltrações ocorreram ininterruptamente no indicado período. C) As infiltrações nas frações dos Autores provocaram inundação nas partes comuns do prédio.
D) Como consequência direta das ditas infiltrações existiram fissuras e manchas de humidades e bolores em paredes de pladur. E) Obrigou à substituição de pladur, nas paredes e bem assim à substituição de quatro portas folheadas a mogno.
F) A realização das reparações consistiu em fornecimento de pladur e substituição de paredes existentes deterioradas, fornecimento de tinta e pinturas com duas demãos e uma demão de primário, fornecimento de portas folheadas a mogno e retirar as deterioradas, tinta e pinturas com duas demãos e uma demão de primário.
G) O custo das reparações ascendeu a € 11.720,00, sem IVA.
H) Em consequência das inundações, os Autores sofreram estragos num frigorífico.
I) A reparação desse equipamento importou em € 85,00.
J) De igual modo, os AA. viram, totalmente, danificado um sofá, no valor de € 279,00.
L) A Ré nunca teve qualquer fuga de água na sua fração autónoma. M) Nessa ocasião e decorrente da fuga de água proveniente do primeiro andar esquerdo, a fração autónoma da R. também ficou inundada, sendo visível a existência e água.
N) Uma vez realizadas as obras referidas 11, não mais houve vestígios de infiltrações nas partes comuns, nem na fração da R.
O) Na sequência do descrito no ponto 13, a Ré concluiu que não.

II.4.
Apreciação do objeto do recurso
II.4.1.
Impugnação da decisão de facto

Prescreve o artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Na impugnação da decisão de facto visa-se obter uma reapreciação da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância de forma a apurar se determinados factos foram incorretamente julgados, ou por terem sido considerados assentes quando deveriam julgar-se não provados, ou por terem sido considerados não provados quando deveriam ter sido julgados assentes.
Porém, e como resulta do normativo acima transcrito, não basta que os meios de prova que fundamentam a impugnação tornem possível a solução preconizada pelo impugnante, sendo necessário que a imponham. Como se refere no acórdão da Relação de Évora de 23/11/2017, proc. nº 7334/16.0T8STB.E1, consultável em www.dgsi.pt, «a impugnação da matéria de facto não visa derrogar o princípio da livre apreciação das provas pelo juiz, consagrado, entre outros, no artº 607º, nº 5, do CPC e, assim, a (re)apreciação da prova na 2ª instância, deve conciliar-se com este princípio, o que significa que a impugnação da matéria de facto não se basta com a simples evocação de uma convicção probatória formada pelo impugnante que divirja da ajuizada em 1ª instância, é necessário a especificação de concretos meios probatórios que imponham decisão diversa da decisão recorrida (artº 640º, nº1, al. b), do CPC), o que não se verifica quando o fundamento da impugnação consiste numa avaliação diferente da prova produzida a propósito do facto impugnado».
No caso concreto o recorrente defende que o tribunal a quo julgou incorretamente os pontos de facto não provados enunciados sob as alíneas A), B), C) e D), os quais têm o seguinte teor:
«A) As referidas infiltrações tiveram origem numa fuga de água que ocorreu na fração predial identificada em 2º supra, propriedade da Ré, facto que foi do conhecimento do Autor marido no dia 18 de janeiro de 2020.
B) As infiltrações ocorreram ininterruptamente no indicado período. C) As infiltrações nas frações dos Autores provocaram inundação nas partes comuns do prédio.
D) Como consequência direta das ditas infiltrações existiram fissuras e manchas de humidades e bolores em paredes de pladur».
Defendem os apelantes que tais factos devem ser julgados provados, invocando os depoimentos das testemunhas (…) e (…), conjugados com o teor dos documentos juntos aos autos, em sede de audiência de julgamento, nomeadamente os juntos em 22/09/2023 pelo perito da Companhia de Seguros e em 08/11/2023, pela Companhia de Seguros. Concretamente, os apelantes defendem que resulta dos depoimentos das referidas testemunhas que as infiltrações ocorridas nas paredes das duas frações dos autores tiveram origem na fração predial da ré; invocam, ainda, o teor dos documentos que compõem o processo aberto junto da (…), Companhia de Seguros, SA, que descreve o sinistro da seguinte forma: «de acordo com os factos apurados na data da vistoria, o sinistro teve origem numa alegada rotura na canalização de abastecimento de água quente na fração segura, localizada na zona da cozinha (foto 4), detetada através da inspeção ao funcionamento do contador (foto 5), mas que ainda não foi colocada à vista» e que tal documento refere como causa do sinistro «rotura na canalização de abastecimento de água quente na fração segura, não localizada uma vez que não solicitamos trabalhos de pesquisa», aduzindo, ainda, que a ré, após o sinistro em causa, «foi junto da companhia de seguros, contratualizar apólice de seguro».
Vejamos se lhes assiste razão.
Relativamente ao facto não provado enunciado sob a alínea A), o tribunal a quo motivou-o da seguinte forma: «Foi percetível, pela conjugação dos vários depoimentos, que existiram duas infiltrações no primeiro andar, tanto no apartamento do lado esquerdo como no apartamento do lado direito, da aqui Ré (dando-se assim também como não provado o facto vertido nos pontos L e O). Conforme foi explicado pela testemunha Rogério Nascimento, que geria o condomínio no período dos factos, “aconteceram duas infiltrações em simultâneo no primeiro andar, direito e esquerdo, uma grande e uma pequena”, voltando a repetir que uma delas tinha uma “dimensão muito grande”, referindo-se ao outro lado, enquanto no apartamento da Ré “era muito pequena, no esquentador”. Questionado, referiu não se ter chegado à conclusão de qual dessas infiltrações vinha a água que chegou às lojas do Autor, mas que, na sua perspetiva, seria do outro lado que não da Ré uma vez que a infiltração era “muito maior”, “muito extensa”. De seguida, a testemunha Jorge Palma, que referiu ter sido chamado pela Ré para “resolver um problema de uma possível infiltração”, confirmou que existia, de facto, uma infiltração no esquentador, que descreveu como pequena, uma vez que não passava água a partir do terceiro azulejo, referindo que a humidade não chegou ao chão e que era uma fuga pequena. Por sua vez, a infiltração existente no lado esquerdo foi confirmado por uma das pessoas ali residentes e aqui testemunha, (…), conforme foi também já referido. Ademais, (…), com uma empresa de construção civil e aqui testemunha que apresentou um discurso totalmente desinteressado, sendo notório inicialmente nem ter conhecimento do que ali se encontrava em causa, referiu recordar-se do Autor lhe mostrar as lojas e que as mesmas estavam “ensopadas em água”, referindo que “tinham que ser infiltrações grandes ou de há muito tempo”, não tendo conhecimento, no entanto, da origem da água. (…), perito regulador de sinistros, que também apresentou depoimento em sede de audiência de julgamento, enquanto testemunha, explicou ter efetuado uma peritagem solicitada pela seguradora, por (…), aqui Ré, ter participado um sinistro que causou danos na fração do Autor. Concluiu pela existência de rupturas na canalização da Ré – que indicou serem coincidentes com uma infiltração nas lojas – e, tendo também concluído que a apólice era posterior ao sinistro, remeteu essa informação à seguradora respetiva. No entanto, referiu também não poder afirmar que aquela ruptura tenha sido, de facto, a causadora das infiltrações existentes nas frações dos Autores, sendo que aquilo que lhe cumpria averiguar era, principalmente, se a data do sinistro era anterior à data da apólice - sendo também isso que é percetível dos documentos remetidos pela seguradora Lusitânia. Veja-se ainda que desses documentos consta que na data em que foi efetuada a vistoria (06/12/2019) e na qual o perito verificou da existência de uma rutura, “o seu proprietário referiu que já tinha procedido à reparação dos armários da cozinha (Fotos 25 e 26), à realização de trabalhos de pintura dos tetos e das paredes das diversas dependências (Foto27) e à limpeza do mobiliário da fração correspondente ao r/chão A (Fotos 28 a 32), bem como à realização de trabalhos de pintura dos tetos e das paredes das diversas dependências do r/chão B (Fotos 33 e 34)”, sendo que anteriormente, nas palavras do Autor em sede de audiência de julgamento, a água escorria pelos paredes e o chão estava “alagado”. Quando (…), o perito, se refere à sua ida às lojas naquele dia da vistoria, referiu que não havia derrame significativo, não havia água a escorrer, sendo que havia ainda vestígios de humidade, não se podendo assim afirmar que as infiltrações existentes nas frações do Autor tiveram origem na fração da Ré. Assim, perante toda a prova que foi produzida, é manifesto que não foi possível determinar de onde provieram as infiltrações existentes nas frações propriedade dos Autores (dando-se assim também como não provado o facto vertido no ponto M), designadamente se foi da propriedade da Ré.

Resulta do trecho supra transcrito que o tribunal recorrido concluiu que a prova produzida nos autos não permitiu determinar a origem das infiltrações ocorridas nas frações dos autores na medida em que resultou dos meios probatórios produzidos nos autos que, no período em causa, ocorrerem duas infiltrações ao nível das duas frações do 1.º andar do prédio, não tendo sido possível apurar se a água que perpassou para as frações dos autores proveio efetivamente da fração da ré. E, ouvida a prova oral, nomeadamente aquela que é indicada pelos apelantes outra conclusão não é possível alcançar, ou seja, os meios de probatórios não impõem outro julgamento diverso daquele que foi empreendido pelo julgador a quo. Note-se, desde logo, que está provado – e não veio posto em causa no presente recurso – que «o dono do primeiro andar esquerdo teve uma fuga de água no seu apartamento, em data não concretamente determinada, mas também em novembro/dezembro, que o obrigou a mudar toda a sua canalização» (cfr. supra II.3.1). Ou seja, aquando das infiltrações ocorridas nas duas frações dos apelantes houve uma fuga de água na fração correspondente ao 1.º esquerdo. Depois, e ao contrário do que os apelantes sustentam, do documento invocado pelos apelantes não se pode inferir que as infiltrações ocorridas nas frações dos autores tiveram origem na fração da ré pela simples razão que do mesmo resulta que a canalização daquela fração não estava visível à data da vistoria e que não foram efetuados trabalhos de pesquisa que permitissem confirmar a rotura da canalização da fração da ré (a razão da não realização de trabalhos de pesquisa da localização da rotura na canalização foi avançada pela testemunha (…), perito averiguador de sinistros e que realizou uma vistoria às duas frações do 1.ºandar após o acionamento do seguro pela ré, dizendo que constatou que o sinistro teria ocorrido antes da contratação do seguro, pelo que aquele não teria enquadramento na apólice). Embora não se olvide que naquele documento se refere que a “alegada” (e o termo é utilizado no relatório da vistoria) rotura da canalização da fração segura «foi detetada através da inspeção ao funcionamento do contador» e que a testemunha (…) explicou em julgamento que foi verificar o contador de água da fração correspondente ao 1.º direito e que constatou que apesar de as torneiras de consumo estarem fechadas, o contador registava a entrada de água, o que significa que havia uma rutura de água na canalização da fração, a verdade é que no mesmo período ocorreu uma fuga de água na fração correspondente ao 1.º esquerdo, a qual era de maior extensão que a fuga de água que testemunhas que depuseram em tribunal visualizaram no apartamento da ré, como resultou do depoimento de (…), que depôs com conhecimento direto dos factos porque na altura geria o condomínio e deslocou-se quer ao 1.º andar esquerdo, quer ao 1.º andar direito e às duas lojas dos autores. Também a testemunha (…), proprietária da fração correspondente ao 2.º direito, e cujo depoimento nos pareceu isento, declarou que na altura dos factos em causa não entrou em qualquer das frações do 1.º andar, mas que ao descer as escadas verificou que havia água a partir do 1.º andar e também no rés do chão, acrescentando que embora não saiba a origem daquela água, as manchas de água apareciam junto à porta do 1.º esquerdo e que do lado direito não havia manchas. Quanto à testemunha (…), cujo depoimento é invocado pelos apelantes, é certo que o mesmo tem conhecimento direto dos factos porque é inquilino do 1.º esquerdo, mas do mesmo não se pode inferir que a origem das infiltrações nas frações dos autores se encontra na fração da ré, pois o próprio para além de confirmar que teve problemas no seu próprio contador e na canalização da cozinha, também afirmou que aquele prédio sempre teve problemas de infiltrações.
Atento o exposto, julgamos que a prova produzida nos autos não permite efetivamente afirmar que as infiltrações ocorridas nas duas frações dos autores tiveram origem na fração da ré, tal como entendeu o julgador de primeira instância. Ora, atribuição a uma das partes do ónus da prova significa, sobretudo, determinar qual a parte que vai suportar a sua falta de prova. No caso, incumbia aos autores a prova de que a origem das infiltrações estava na fração da ré (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), o que não lograram fazer pois que os meios probatórios por eles indicados não impõem julgamento diferente daquele que foi empreendido pelo julgador a quo. Concluindo, não nos merece, pois, censura o julgamento do tribunal de primeira instância relativamente ao facto não provado enunciado sob a alínea A), improcedendo, assim, este segmento da impugnação da decisão de facto.


*

Quanto aos demais factos não provados objeto da presente impugnação, pese embora os recorrentes invoquem o documento acima referido e os depoimentos das testemunhas (…) e (…), fazem-no de forma genérica, não explicando de que forma é que daqueles meios de prova pode resultar um julgamento diverso daquele que foi realizado pelo julgador quanto à factualidade em apreço; e tão pouco fazem qualquer apreciação crítica dos meios de prova que motivaram o julgamento do tribunal recorrido quanto aos enunciados em questão. Ou seja, não cumprem o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, o que implica, nos termos do n.º 1, a rejeição da impugnação no que a eles respeita.

Acresce que o insucesso da impugnação quanto ao enunciado de facto constante da alínea A) sempre implicaria a inutilidade da apreciação da impugnação dos demais pontos de facto não provados, pois que a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto tem por fim último possibilitar a alteração da matéria de facto para que em face da nova realidade factual a que por essa via se chegou se possa concluir que afinal o direito invocado existe, isto é, que o enquadramento jurídico dos factos resultante do sucesso da impugnação conduz a uma decisão diferente da anteriormente alcançada. No caso, não se provando que a origem das infiltrações ocorridas nas frações dos autores se encontra na fração da ré, nunca poderia proceder o pedido indemnizatório contra ela deduzido, e, assim sendo, averiguar da bondade do julgamento dos demais enunciados de facto impugnados redundaria num ato inútil que a lei proíbe (artigo 130.º do CPC).


*

Decisão:

Em face do exposto:

1) Julga-se improcedente a impugnação da decisão de facto quanto ao ponto de facto enunciado sob a alínea A);

2) Rejeita-se a impugnação da decisão de facto quanto aos pontos de factos enunciados sob as alíneas B), C) e D).

II.4.2.

Reapreciação da decisão de mérito

No seu recurso os apelantes vieram sustentar que resultando provado que as infiltrações existentes nas frações dos autores tiveram origem numa fuga de água que ocorreu na propriedade da ré, deve, em consequência, presumir-se a culpa desta na produção dos danos ocorridos nas frações dos primeiros, devendo assim, o tribunal revogar a sentença recorrida e substituí-la por uma outra que condene a recorrida a pagar aos recorrentes a quantia que dela reclamam.

Acontece que a improcedência da impugnação da decisão de facto relativa à matéria de facto que foi deduzida pelos apelantes, concretamente quanto àquela que se mostra enunciada sob a alínea A) do elenco dos factos não provados, com a consequente não alteração da factualidade julgada provada, leva a que se considere prejudicada a apreciação do mérito da decisão, isto é, do respetivo enquadramento jurídico, pois que a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por uma sentença de condenação da ré no pedido baseia-se apenas numa modificação da decisão de facto que improcedeu.

Desta feita cumpre concluir que a improcedência da impugnação da decisão de facto prejudica a apreciação da questão de direito suscitada pelos apelantes.

Sumário: (…)


III.
DECISÃO
Em face do exposto, acordam julgar a apelação improcedente e, em conformidade, confirmam a sentença recorrida.
As custas na presente instância recursiva são da responsabilidade dos apelantes, sendo que a esse título nenhum pagamento é devido porquanto aqueles procederam ao pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual e não há lugar a custas de parte porque não foi apresentada resposta ao recurso.

Notifique.
Registe.
DN.
Évora, 13 de fevereiro de 2025
Cristina Dá Mesquita
Maria Domingas Simões
Mário Branco Coelho