Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | ANTÓNIO FERNANDO MARQUES DA SILVA | ||
| Descritores: | PRESCRIÇÃO ENERGIA ELÉCTRICA PREÇO | ||
| Data do Acordão: | 12/10/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
| Sumário: | Sumário (da responsabilidade do relator - art. 663º n.º7 do CPC):
- o valor do mecanismo travão criado pela Lei 33/2022, de 14.05, integra a noção de preço do serviço prestado, para os efeitos do art. 10º n.º1 da Lei 23/96, de 26.07. - a prescrição prevista naquele art. 10º n.º1 da Lei 23/96, de 26.07, tem natureza ordinária ou comum, não constituindo uma prescrição extintiva. - existindo factos controvertidos que podem repercutir-se na interpretação daquele art. 10º n.º1 da Lei 23/96, de 26.07, devem ser apurados e apenas depois ser avaliada aquela prescrição. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Évora
I. Propensalternativa Unipessoal, Lda, intentou procedimento de injunção contra Sapju Carnes, S.A., pretendendo que lhe fosse paga a quantia de 23.783,26 euros. Alegou para tanto que: - celebrou com a requerida um contrato de fornecimento de energia eléctrica, estando por pagar factura emitida em 30.11.2022 com data de vencimento 14.12.2022 no valor de 20.784,05 euros. - a requerida deve ainda juros de mora vencidos (346,21 euros) e despesas incorridas com o processo (2.500 euros). A requerida deduziu oposição na qual: - invocou a prescrição do direito invocado quanto aos meses de Junho, Julho e Agosto, e ainda quanto aos fornecimentos realizados até ao dia 5 de Setembro. - impugnou a factura em causa por não indicar valores de consumos, cálculos do MIBEL ou se há descontos, impugnando ainda a alegação da requerente. - alegou que a factura viola o art. 9º n.º1 da Lei dos serviços públicos essenciais por não especificar os valores que apresenta. - alegou que a requerente deveria comunicar antecipadamente ao cliente o que iria fazer (cálculo). - invocou o abuso de direito (princípio da confiança) por ter recebido facturas sem a taxa do MIBEL, acreditando que tal taxa não seria cobrada, e que por isso não imputou esse custo nos produtos produzidos. - impugnou o valor reclamado a título de despesas. Na sequência de despacho, a requerente pronunciou-se sobre as excepções, tendo, no essencial, sustentado que: - a prescrição em causa tem natureza presuntiva e não extintiva - o prazo de seis meses refere-se apenas ao direito a enviar a factura (à interpelação do devedor para pagamento) e não ao direito de exigir judicialmente o crédito pelo serviço prestado; após o envio da factura dentro daquele prazo de seis meses, o direito de exigir o pagamento pelos serviços prestados prescreve no prazo de cinco anos, nos termos da al. g) do art. 310º do CC. - a factura deriva de uma obrigação legal e apenas respeita à diferença entre o cálculos dos custos provisórios a imputar ao consumidor e o cálculo desses custos definitivos (de acordo com a informação definitiva da REN). - a R. tinha conhecimento do cálculo do mecanismo de ajuste, o qual constava das facturas que pagou. - existe reconhecimento do crédito da requerente. - a prescrição provoca um enriquecimento sem causa da requerida. - impugnou a restante factualidade invocada pela requerida que esteja em oposição com a posição da requerente. Notificada para se pronunciar, a requerida nada disse. Realizada audiência prévia, foi nesta proferida decisão que julgou parcialmente procedente a excepção da prescrição (relativamente aos serviços prestados antes de 25.08.2023). Desta decisão foi interposto pela A. o presente recurso, no qual, e após aperfeiçoamento (a convite do tribunal) formulou as seguintes conclusões: a) Recorde-se que os presentes autos tiveram origem em requerimento de injunção apresentado pela Recorrente, em que esta peticionou a condenação da Ré no pagamento do montante global de €23.783,26, acrescido de juros de mora calculados às taxas de juros comerciais em vigor e sucessivamente aplicáveis, contabilizados desde as datas de vencimento da respetiva fatura até àquela data e ainda juros de mora vincendos, calculados às taxas de juros legais aplicáveis, até efetivo e integral pagamento. b) A Recorrente apresentou procedimento de injunção, indicando ter celebrado com a Recorrida 1 contrato de fornecimento de energia ao abrigo dos quais lhe forneceu energia elétrica. c) Nesse âmbito, foi emitida fatura que não foi liquidada pela recorrida, não obstante esta ter sido interpelada para o seu pagamento. d) A Recorrente não pode de todo conformar-se desde logo com despacho com a referência 34476592 de 23-05-2024 proferida nos presentes autos por ter este julgado procedente a exceção perentória invocada pela Recorrida e) Ao Tribunal a quo, MAL!, considerou procedente parcialmente a exceção perentória conforme despacho e do qual se remete a leitura f) Salvo o devido respeito pelo Tribunal a quo o direito de crédito que Autora tem sobre a Ré ainda não prescreveu g) A prescrição de um direito significa que o seu titular deixa de poder exercer o mesmo, designadamente de exigir a outrem a realização de uma determinada obrigação. Para todos os efeitos, ocorre a extinção do direito daquele titular por efeito de decurso de um determinado prazo que ele tinha para o exercer. h) Segundo o disposto no nº1, do artigo 304º, do Código Civil, o decurso do prazo prescricional dá ao devedor «a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito» i) Vasta Doutrina considera a prescrição facto modificativo de um direito. j) O nº1, do artigo 304º não refere a extinção de um direito, mas tão-só faculdade de oposição ao seu exercício, por outro lado, o nº2 prevê que, se o beneficiário da prescrição cumprir, ainda que tardiamente, não pode pedir a devolução do que prestou. Por conseguinte, o único efeito decorrente desta norma é que, decorrido o prazo prescricional, o cumprimento da obrigação deixa de ser exigível, podendo o devedor opor-se legitimamente ao cumprimento ( nº1), não se admitindo, porém, a repetição do que tenha sido prestado ( nº2); proibição de devolução apenas é justificada porque, uma vez decorrido o período da prescrição, o direito não se extingue; subsiste, deixando tão-só de ser judicialmente exigível. k) A norma que prevê o prazo de prescrição do direito das empresas de fornecimento de electricidade a exigirem aos clientes o pagamento dos serviços que lhes prestaram, que se encontram em causa nos autos, é a que se encontra estabelecida no artigo 10º, nº1, da Lei nº 23/96, de 26-7. l) Estabelece esta norma que: O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de 6 meses após a sua prestação. m) Para além disso, determina o nº4, daquele artigo 10º, que: O prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de 6 meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos. n) No n/ entender sufragada pela doutrina e jurisprudência subscreve a posição a prescrição em causa, se integra na modalidade das prescrições presuntivas. o) Na verdade, verifica-se que esta prescrição do crédito da prestação de serviços tem grande afinidade com as situações que se encontram previstas nos artigos 316º e 317º, do Código Civil e que prevêem as prescrições presuntivas. p) Designadamente, tanto num caso, como nos outros, estão em causa situações referentes à prestação de serviços por um profissional. Acresce que se verifica que tanto num caso como nos outros, estão em causa situações em que o cumprimento do crédito é realizado num prazo curto, e que normalmente o credor não emite um documento de quitação do pagamento efectuado. q) Refira-se ainda que nas situações em causa se pretende salvaguardar a posição do consumidor, que está em desvantagem, e evitar que o profissional lhe cobre mais que uma vez o cumprimento do mesmo crédito. Além disso, pretende-se que a situação fique resolvida com brevidade e que o consumidor não esteja em risco permanente de lhe ser cobrado o valor do crédito do prestador do serviço. r) Por fim, refira-se que, tanto num caso como nos outros, estão em causa situações em que a prescrição ocorre num curto prazo, conforme posições doutrinárias e jurisprudenciais explanadas na nossa motivação e do qual se remete a leitura s) Da análise da contestação verifica-se que a Recorrida não veio alegar que teria procedido ao pagamento do crédito de que se concluiu que a Recorrente era titular sobre o mesmo, referente aos serviços de electricidade, descritos na factura referida supra. Pelo contrário, a Recorrida confirmou que não teria pago as contrapartidas constantes da factura. t) Consequentemente, faltará igualmente no caso concreto esse requisito essencial da Recorrida alegar que o crédito da Recorrente, em causa nos autos, se encontra pago, para se poder declarar procedente a excepção por aquele invocada da prescrição presuntiva desse crédito. u) Determina o artigo 314º, do Código Civil, que: “Considera-se confessada a dívida se o devedor…praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento.” v) Dos elementos que constam dos autos resulta que foi efectuada uma confissão tácita de que o Recorrida não procedeu ao pagamento do crédito reclamado pela Recorrente. Logo mantém-se em dívida o montante reclamado pela Recorrente referente ao preço dos serviços de electricidade que se encontra descrito nas facturas que ela, tal como aquela refere no requerimento inicial. w) Deste modo, e através da confissão tácita da Recorrida, que não pagou o crédito da consistente nos serviços de electricidade que se encontra descrito nas facturas, ilidiu-se a presunção da realização desse pagamento. x) A esta mesma conclusão chegou o Ac. da Rel. Porto de 15-5-1995, in BMJ nº 447, pág. 573, onde se sustenta que: “o decurso do prazo curto da prescrição previsto no artigo 313º, do Código Civil não extingue, por si só, a obrigação do devedor, podendo a presunção de pagamento, que se induz pelo decurso do prazo, ser ilidida por confissão do devedor ou por recusa a depor em tribunal ou ainda pela prática, no processo, de actos incompatíveis com a presunção. Se o credor pede em tribunal determinada importância e o devedor contesta alegando que pagou importância inferior e que diz ser a devida, praticou em juízo um acto incompatível com a presunção do pagamento, pelo que, não beneficia da respectiva presunção. y) Do mesmo modo, decidiu-se no Ac. da Relação de Évora de 7-12-1994, in CJ, Tomo 4, pág. 286, que: A aceitação expressa pelo R., na contestação, de que houve um pagamento meramente parcial da dívida accionada, é incompatível com a presunção de cumprimento e envolve confissão de dívida e consequente ilisão dessa presunção, nos termos dos artigos 313º, nº1 e 314º, do Código Civil.” Ainda que V/Exas. EXCELENTÍSSIMOS SENHORES JUÍZES DESEMBARGADORES, tenham uma opinião divergente com aqui apresentada pela Recorrente, esta considera que o tribunal a quo aplicou incorretamente o direito ao caso concreto z) Nos termos do disposto no art.º 326º, n.º 1 do código civil, “A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte.” aa) O artº 327 do Código civil dispõe que: 1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo. bb) No seu preâmbulo o decreto lei qeuc ria o mecanismo de ajuste define o motivo da sua criação e do qual se remete a leitura cc) O objecto do Decreto-lei é estabelecer um mecanismo excecional e temporário de ajuste dos custos de produção de energia elétrica com reflexo na formação do preço de mercado da eletricidade no referencial grossista do Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL). dd) Aplicado nos termos do artº 2 n1 al) c aos comercializadores, agentes de mercado e consumidores de energia elétrica no âmbito do mercado grossista de eletricidade, no caso presente Recorrente. No seu artigo 3º é indicado Formação do preço e referenciais de mercado, no seu artigo 4º é indicado o cálculo do ajuste a fórmula. ee) O qual nos termos do artº 5 prevê que custo do valor previsto no artigo anterior(4º) é imputável aos consumidores de energia elétrica referidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º, sem prejuízo do disposto no artigo 7.º, isto é contratos de fornecimento de energia com os quais as comercializadoras neste caso a Recorrente tenham ativos no momento em que o referido diploma entrou em vigor 15-06-2022 ff) Ora em 15-06-2022, momento no qual o referido diploma entrou em vigor Recorrente e Recorrida, tinham 1 contrato de fornecimento de energia. gg) Conforme dispõe o artº 15 do Decreto-Lei n.º 33/2022, de 14 de maio, este diploma entra em vigor a 15-06-2022, acontece, porém, que a Recorrida não liquidou na integra o mecanismo excecional e temporário de ajuste dos custos de produção de energia elétrica no âmbito do Mercado Ibérico de Eletricidade, conforme neste requerimento se alegará hh) Acontece, porém, que não obstante o referido diploma ter entrado em vigor a 15-06-2022, o que é certo que a informação comunicada pela OMIE e no que diz respeito ao campo preço de mecanismo de Ajuste OMIE, a informação era provisória, apenas em Novembro de 2022 a REN enviou a informação definitiva, tendo originado a fatura a 120210048693 em 30-11-2022 no valor de 20.784,05€ ii) São os consumidores que devem liquidar junta da comercializadora com base na informação enviada pela REN o mecanismo excecional e temporário de ajuste dos custos de produção de energia elétrica no âmbito do Mercado Ibérico de Eletricidade. jj) Para o CPE - PT...94GV, foram emitidas as faturas: . 120210046012 emitida a 16-08-2022, foi faturado a título provisório mecanismo excecional e temporário de ajuste dos custos de produção de energia elétrica no âmbito do Mercado Ibérico, nesta fatura especifica apenas foi faturado o período de 15-06-2022 a 30-06-2022: . 120210046025 emitida a 19-08-2022, foi faturado a título provisório mecanismo excecional e temporário de ajuste dos custos de produção de energia elétrica no âmbito do Mercado Ibérico . 120210046827 emitida a 16-09-2022, foi faturado a título provisório mecanismo excecional e temporário de ajuste dos custos de produção de energia elétrica no âmbito do Mercado Ibérico . 120210047710 emitida a 10-10-2022, foi faturado a título provisório mecanismo excecional e temporário de ajuste dos custos de produção de energia elétrica no âmbito do Mercado Ibérico . 120210048234 emitida a 11-11-2022, foi faturado a título provisório mecanismo excecional e temporário de ajuste dos custos de produção de energia elétrica no âmbito do Mercado Ibérico kk) Em novembro de 2022 a REN enviou os valores definitivos a título de Preço Mecanismo Ajuste ora se os valores eram provisórios nas faturas 120210046012, 120210046025, 120210046827, 120210047710, 120210048234, nesta altura passou a definitivo, tendo a Recorrente emitido a fatura nº 120210048693 com a diferença apurada entre o que foi cobrado e aquilo que efetivamente deve ser faturado a título de Preço Mecanismo Ajuste ll) Refere-se mais uma vez que este diploma é uma imposição legal, não é algo criado pela Recorrente e que não esteja previsto contratualmente mm) A fatura nº 120210048693 foi emitida com a diferença a título apenas do mecanismo de ajuste entre os valores cobrados provisoriamente(comunicadas pela OMIE) e os valores definitivos indicados pela REN, em momentos diferentes, os valores finais apenas foram comunicados em Novembro de 2022. nn) Dispõe o art.º 325 nº 1 do Código Civil. que “A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.” oo) Se o devedor reconhece o direito do titular, “é razoável que perca o benefício do prazo prescricional já decorrido: tal reconhecimento pode interpretar-se como renúncia da sua parte a prevalecer-se desse prazo, visto supor a vontade de cumprir, além de que o titular pode confiar na opinião manifestada pela outra parte, não tendo, por isso, que a demandar” (Vaz Serra, estudo citado, BMJ 106, pág. 220). pp) A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr o novo prazo a partir do acto interruptivo, o qual em regra é idêntico ao prazo da prescrição primitiva (art.º 326.º do Código Civil). qq) Ora nestes termos quando a Recorrente intentou a injunção em 25 deFevereiro de 2023 o período a título provisório de mecanismo de ajuste relativamente Junho, Junho, Agosto e Setembro ainda não estavam prescrito, senão vejamos: . Período 15-06-2022 a 30-06-2022 para o CPE - PT...94GV – liquidado em 28-09-2022 . Período 01-07-2022 a 31-07-2022 para o CPE - PT...94GV – liquidado em 11-10-2022 . Período 01-08-2022 a 31-08-2022 para o CPE - PT...94GV – liquidado em 02-11-2022 . Período 01-09-2022 a 30-09-2022 para o CPE - PT...94GV – liquidado em 29-11-2022 . Período 01-10-2022 a 31-10-2022 para o CPE - PT...94GV – liquidado em 21-12-2022 rr) O artigo 10.º nº 2 da Lei n.º 23/96, de 26-07, com a epígrafe «Prescrição e caducidade», 2 - Se, por qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento. 5 - O disposto no presente artigo não se aplica ao fornecimento de energia eléctrica em alta tensão». ss) Contudo, apesar de ter entendido que o prazo para a propositura da ação, ou da injunção, pelo prestador de serviço, enquanto prazo de prescrição, é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, o Tribunal a quo veio a julgar parcialmente procedente a exceção de prescrição invocada. tt) Deste modo, estando em causa o fornecimento contínuo de um serviço essencial (serviço de fornecimento de energia elétrica), o regime legal prevê expressamente que se tenha em conta o período mensal como intervalo de tempo relevante para a liquidação desse fornecimento, por razões de praticabilidade na liquidação do custo dos fornecimentos efetuados. uu) Ora, como se viu, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26-07, se, por qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efetuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento. vv) Sendo assim, importa atender a este regime relativamente aos valores peticionados a título de diferencial entre o valor faturado provisório (e já pago) e o valor definitivo, sendo tal regime aplicável quando estão em causa diferenciais entre valores resultantes provisórios e os definitivos. ww) No caso dos valores peticionados a título de diferencial entre o valor faturado provisório (e já pago) e o valor definitivo: . Período 15-06-2022 a 30-06-2022 para o CPE - PT...94GV – liquidado em 28-09-2022 . Período 01-07-2022 a 31-07-2022 para o CPE - PT...94GV – liquidado em 11-10-2022 . Período 01-08-2022 a 31-08-2022 para o CPE - PT...94GV – liquidado em 02-11-2022 . Período 01-09-2022 a 30-09-2022 para o CPE - PT...94GV – liquidado em 29-11-2022 . Período 01-10-2022 a 31-10-2022 para o CPE - PT...94GV – liquidado em 21-12-2022 xx) Valor definitivo fatura a título apenas do mecanismo de ajuste - apurado na fatura nº 120210048693 que foram emitidas com a diferença a título apenas do mecanismo de ajuste entre os valores cobrados provisoriamente(comunicadas pela OMIE) e os valores definitivos indicados pela REN, em momentos diferentes, os valores finais apenas foram comunicados em Novembro de 2022. yy) Por último sempre se dirá que não poderá ser aplicado o regime de prescrição estatuído no diploma Lei n.º 23/96, de 26-07 ao Decreto-Lei n.º 33/2022, de 14 de Maio zz) Este mecanismo de ajuste, que foi criado pelos governos de Portugal e Espanha procede à fixação de um “tecto” administrativo do preço do gás para produção de eletricidade com vista a mitigar os impactos, no preço da eletricidade, da subida dos preços dos combustíveis fósseis nos mercados internacionais, causados sobretudo pelo conflito que envolve a Ucrânia e a Rússia. aaa) Fixado um “tecto” para o preço do gás natural para produção de eletricidade, foi procurado um mecanismo para compensar os produtores de electricidade com centrais a gás natural pela diferença entre o preço de referência e o preço real que pagam pela compra do gás natural nos mercados, ou seja, o custo do ajustamento. bbb) A compensação paga aos produtores, isto é a diferença entre o tecto administrativo, imposto às centrais a gás, e o custo real dessa matéria-prima comprada nos mercados internacionais é, numa primeira fase, suportada pelos comercializadores de Portugal e de Espanha, expostos ao preço do mercado diário. Estes comercializadores, por sua vez, repassam esse custo do ajustamento para os consumidores finais com contratos indexados, como o é o contrato assinado entre Recorrida e Recorrente ccc) A razão para o valor do ajuste de mercado não ser imposto a todos os consumidores, mas, apenas, aos consumidores finais com contratos indexados; aos consumidores com renovações de contratos operadas após 26 de abril de 2022 e aos consumidores com alterações introduzidas nas condições relativas aos preços de fornecimento de energia eléctrica, reside no seguinte: estes consumidores pagar um preço inferior ao que existiria sem o mecanismo ibérico. ddd) Ora, analisando com cuidado o preâmbulo do Decreto- Lei n.º 33/2022, de 14 de Maio, é demais evidente que o mecanismo de ajustamento temporário, não é nenhum serviço prestado pela Recorrente ou qualquer comercializadora, mas tão só mediante a fixação de um preço de referência para o gás natural consumido na produção de energia elétrica transacionada no MIBEL, com vista à redução dos respetivos preços eee) É demais evidente que é que o presente diploma, Decreto- Lei n.º 33/2022, de 14 de Maio, que o que está na génese do diploma é proceder ao cálculo e à aplicação de um ajuste dos custos de produção de energia elétrica no respetivo mercado grossista, de forma a assegurar a justa compensação dos produtores de energia elétrica a partir do gás natural face à diferença entre o referido preço de referência e o preço de mercado do gás natural. fff) Ora isto nada tem haver serviço prestado, pela Recorrente á Recorrida, pelo que na opinião da Recorrente o regime de prescrição dos valores apurados a titulo de mecanismo de ajustamento temporário, prescrevem no prazo ordinário e não no prazo estatuído no artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26-07 ggg) Todavia, importa também ter presente que as quantias objeto da fatura emitida pela Recorrente e colocadas em crise nos presentes autos compreendem igualmente outras componentes além do consumo de energia incluída nos registadores (Ponta, Cheia, Vazio e Vazio Normal) propriamente dito: . a Taxa de Exploração de instalações elétricas, prevista no Decreto-Lei n.º 4/93, de 8 de Janeiro e legalmente consignada à Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), . a Contribuição Audiovisual (CAV), criada pela Lei n.º 30/2003, de 22 de agosto, que se destina a financiar o serviço público de radiofusão e de televisão . os encargos de potência contratada, “de acordo com os preços fixados para cada escalão de potência contratada (artigo 126.º, n.º 1 do RRCSE). . Imposto sobre o Valor Acrescentado – IVA . e o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos – ISPE) . Valores Cobrados a titulo titulo de mecanismo de ajustamento ajuste temporário hhh) Ora, não constituindo factos controvertidos na presente lide, nem o fornecimento de energia elétrica pela consumida pela Recorrida nem o seu Fornecimento feita pela Recorrente serão sempre devidos pela Recorrida à Recorrente iii) No caso concreto, como a prestação ainda é possível, registar-se-á uma situação de mora da Recorrida no cumprimento da sua obrigação. jjj) Provada que está em n/ entender a constituição e a existência da dívida a Recorrente tem direito pelos serviços que prestou nas faturas, caberia à Recorrida demonstrar que teria procedido ao pagamento de tal parte da contrapartida que ainda permanece em dívida, nos termos do artigo 342º, nº2, do Código Civil. Como a Recorrida ainda não pagou o devido logo terá que sofrer a consequência desse não cumprimento consistente na conclusão sobre a manutenção do crédito sobre si, de que a Recorrente é titular, correspondente à parte da contrapartida dos serviços por esta última realizados, referida supra, que ainda permanece em dívida. kkk) Resulta assim que existe um incumprimento por parte do Recorrida em relação à Recorrente, da obrigação que resultou para aquela do contrato de prestação de serviços em causa, consistente no pagamento da dívida do preço dos serviços de fornecimento de electricidade, por esta última prestados a seu favor. lll) Nos termos do artigo 799º, do Código Civil, presume-se a culpa da Recorrida no incumprimento desta obrigação. mmm) Na verdade, determina aquela norma que: Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua. nnn) A responsabilidade do devedor baseia-se na culpa, mas há uma presunção de negligência do devedor ( artigo 799º, nº1, do Código Civil). ooo) Consequentemente, conforme se referiu supra, incidia sobre a Recorrida o ónus de prova de não ter sido responsável pela ocorrência da mora no cumprimento da sua obrigação de pagamento da contrapartida dos serviços prestados pela Recorrente, ou seja de não ser sua a culpa por essa mora. Mantém-se assim a sua responsabilidade pela mesma. ppp) A prescrição dos juros de mora encontra-se submetida ao regime geral estabelecido no artigo 310º alª d) do Código Civil, segundo a qual ao juros legais prescrevem no prazo de cinco anos. qqq) A obrigação de juros é acessório da do capital, não podendo nascer ou constituir-se sem esta. No entanto, uma vez constituída, vive por si com alguma autonomia. E essa autonomia está hoje expressamente reconhecida no artigo 561º do Código Civil, que preceitua o seguinte: “Desde que se constitui, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro”. rrr) E perante a apontada independência, não se estranhará, por isso que os juros possam continuar a ser devidos, mesmo que prescrita a dívida de capital, podendo neste caso, exigir-se todos os anteriores de há menos de cinco sss) Considerando a autonomia do crédito de juros em relação ao crédito de capital (artigo 561º do Código Civil) e ainda que o crédito de juros não constitui um direito indisponível e se extingue pelas causas gerais de extinção das obrigações e, como tal, sujeito a prescrição (artº 298º nº 1 do Código Civil), temos de concluir que o Tribunal a quo decidiu mal quando “Assim, consigna-se que não se encontram prescritos os juros de mora até 02-03-2022 que incidem sobre o capital dos créditos julgados prescritos, bem como aqueles que incidem sobre o capital não julgado prescrito, julgando-se prescritos apenas os peticionados sobre o capital julgado prescrito a partir de 02-03-2022, sem prejuízo do decurso do prazo de prescrição de 5 anos previsto na alínea d) do artigo 310º do Código Civil. ttt) Desta forma, a Recorrente, tem igualmente direito ao pagamento por parte da Recorrida dos juros de mora, à taxa legal, contados a partir do início da mora, como igualmente solicita no pedido integrado na P.I. Como o crédito em causa tem como titular uma empresa comercial, aplicar-se-á ao caso concreto o disposto no artigo 102º, §5, do Código Comercial, para definir a taxa legal dos juros moratórios. uuu) Entendemos que a fatura reclamada nos presentes autos não está prescrita pelas razões aqui alegadas, mas que o Tribunal a quo em n/ atender MAL, sentenciou que o direito da Autora tinha sido julgado parcialmente prescrito vvv) Verificando-se, então, que o Tribunal a quo procedeu à incorreta interpretação do disposto dispositivos legais aqui alegados. II. O objecto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 635º n.º4 e 639º n.º1 do CPC), «só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa». Assim, importa avaliar: - se a prescrição ocorreu, à luz dos argumentos suscitados pela recorrente, mormente i. perante a sua qualificação como prescrição presuntiva, ii. perante a ocorrência de interrupção do prazo de prescrição, e iii. perante a (in)aplicabilidade da Lei 23/96, 26.07. - se é devido o pagamento dos componentes integrados na factura e que excedem o consumo de energia eléctrica. - se são devidos juros de mora. III.1. Os factos relevantes, a partir da decisão recorrida, são no essencial os seguintes: - o teor da factura 120210048693, emitida em 30.11.2022, com vencimento em 14.12.2022, no valor de 20.784,05 euros, referente ao período de facturação de 15.06.2022 a 31.10.2022 e reportada, entre outros, aos fornecimentos de energia eléctrica entre 15 de Junho de 2022 e 31 de Outubro de 2022, a qual procede ao ajuste introduzido pelo DL 33/2022, de 14 de Maio. - data da instauração do requerimento de injunção: 25.02.2023. 2. Não estando discriminados na decisão recorrida, estes dados de facto foram nela considerados como deriva do início da sua fundamentação, correspondendo a realidade admitida pelas partes. IV.1. Embora suscitada em último lugar, a questão atinente à aplicabilidade da Lei 23/96, 26.07, revestiria prioridade (já que a recusa dessa aplicabilidade, como sustenta a recorrente, se mostraria prejudicial face aos demais argumentos, os quais supõem aquela aplicação). Trata-se de questão não invocada na oposição (e, aliás, não discutida na primeira instância, na qual a recorrente apenas discutiu os termos de aplicação da prescrição prevista na referida Lei 23/96). Respeita, porém, à própria definição da lei reguladora da situação (determinação do regime aplicável), do ponto de vista da prescrição, e, por isso, envolve questão que o tribunal poderia avaliar oficiosamente (art. 5º n.º2 do CPC): a discussão da prescrição envolve necessariamente a definição do regime que a regula (do mesmo modo que, entendendo o tribunal de recurso que não estaria em causa situação subsumível à Lei 23/96, 26.07, teria que aplicar o regime que fosse então devido, também o deve fazer caso quando a questão seja abordada pelo recorrente). Apenas por isso se justifica a avaliação da objecção. A recorrente considera que está em causa a compensação aos produtores (de energia eléctrica a partir do gás) pela diferença entre o preço imposto e o preço de mercado, diferença suportada pelos comercializadores, que depois a passam para os consumidores finais; que o mecanismo de ajuste não é um serviço prestado pela recorrente, mas tão só a fixação de um preço de referência, o que nada tem a ver com o serviço prestado pela recorrente (sobretudo conclusões bbb), ddd) e fff). A qualificação do fornecimento de energia como serviço público essencial é manifesta e incontroversa (art. 1º n.º2 al. b) da Lei 23/96). O regime da prescrição na Lei 23/96 respeita ao direito ao recebimento do preço do serviço prestado. O preço inclui, além do lucro, e no que ora monta, também os custos e despesas inerentes ao produto fornecido (pois se o valor da venda do produto não cobre os custos, em sentido amplo, não há margem para lucro, finalidade precípua da actividade desenvolvida, nem, em rigor, possibilidade de sobrevivência económica do fornecedor, o que seria um contra-senso económico). Por isso que o preço deve ser entendido num sentido amplo, entendido como a contrapartida da prestação, na qual se incluem os custos próprios do fornecedor, nomeadamente o valor que pagou pela aquisição [1] da energia eléctrica que fornece [2]. Tal vale também para o valor do mecanismo em causa, que tem natureza análoga a outros elementos do preço, nesse conceito se integrando. Com efeito, e de forma intencionalmente simplificada (e simplificadora), o mecanismo de ajuste assenta nos seguintes elementos: - visou-se a fixação de um preço máximo (de referência) para o gás natural (no âmbito do MIBEL) utilizado na produção de energia eléctrica (para evitar o aumento descontrolado do preço da electricidade, por razões conjunturais). - esta fixação tem um custo, derivado da diferença entre o preço do gás no mercado internacional e aquele preço de referência máximo no MIBEL (inferior ao preço naquele mercado). - esse custo é, primeiramente, suportado pelos produtores (por certos produtores, dependentes do gás natural), no sentido de que não podem fixar o preço da energia em função dos seus custos de aquisição do gás natural. - é depois repercutido nos intervenientes no mercado grossista (art. 2º n.º1 al. c) do DL 33/2022 – o mercado grossista é aquele em que «atuam os vários agentes de mercado», e onde «a energia é comercializada numa base diária e funciona com o objetivo de realizar transações de eletricidade, através da apresentação de ofertas de compra e venda, pelos diferentes agentes»). E pode depois ser imputado pelos adquirentes/comercializadores no mercado de retalho, aos utentes [é, na verdade, frequente a afirmação de que o DL 33/2022 permite imputar aos utentes finais o pagamento do mecanismo travão, invocando-se mormente (incluindo pela ERSE) o art. 2º n.º1 al. c) (e art. 5º n.º2) daquele DL; aparentemente, porém, esta norma apenas se reporta aos consumidores no âmbito do mercado grossista de electricidade; não obstante, a imputação ao consumidor final (mercado de retalho) é admissível (e expectável, dado ser este o beneficiário último do mecanismo travão [3]), embora não obrigatória]. Neste quadro, verifica-se que, ao contrário do que a recorrente parece entender, o mecanismo de ajustamento não é um serviço prestado (e muito menos por si), mas apenas um mecanismo de controlo de preços. O serviço prestado é o fornecimento de energia eléctrica. Ora, pode afirmar-se que: - inexiste regra legal que imponha necessariamente a transferência desse custo para o utente. O comercializador pode optar por não o fazer. Em particular, o comercializador, quando reclama esse pagamento ao utente, não actua em substituição de outra entidade, a quem tem que entregar tal valor, mas a título próprio (não se trata de prestação autónoma imposta ao consumidor, que o comercializador é encarregado, por dever legal ou em substituição, de cobrar). O que o comercializador faz é cobrir um custo próprio, e em seu benefício próprio. - o DL 33/2022, como deriva do exposto, não visou criar nenhuma prestação adicional e autónoma devida pelos utentes (consumidores finais), nem pretendeu intervir directamente no âmbito da posição do utente (enquanto consumidor final), impondo-lhe obrigações específicas. - assim, o valor repercutido no utente (ou consumidor final) é ainda custo do fornecimento de electricidade, que, tal como outros elementos do preço, o comercializador trata de transferir para o utente, dada a racionalidade económica da sua actividade. - e custo sem autonomia face a essa prestação pois o seu pagamento só é devido justamente por existir a prestação (a compra pelo utente) da energia eléctrica, sendo devido por força desse fornecimento, e sendo ainda devido a quem realiza o fornecimento (e não entidade terceira). Acresce que se trata de custo cujo valor é determinado pela quantidade de energia eléctrica fornecida, o que faz ressaltar o seu nexo causal e económico face a tal fornecimento. Não é algo de externo e autonomizável, acidentalmente associado ao fornecimento de energia eléctrica, mas de algo que lhe é inerente e de que é inseparável. É, assim, elemento ainda constitutivo ou integrante da contraprestação devida pelo utente face ao fornecimento de energia eléctrica. - o próprio mecanismo em causa visa justamente intervir na fixação do preço da energia eléctrica. Pretender que o custo desse mecanismo não se integra na ideia de preço enquanto contraprestação do fornecimento de energia ao utente seria contraditório. - o valor referente à repercussão do mecanismo travão na esfera do utente surge separado apenas porque constitui uma medida conjuntural, e não estrutural, obedecendo a critérios e procedimentos próprios determinados pela natureza específica e excepcional da situação. - a razão de ser da prescrição legalmente prevista, curta e imediata, visando obstar à acumulação de valores e partindo da ideia de que o fornecedor tem, ou deve ter, mecanismos ajustados para a cobrança atempada do preço, também vale para este valor, inexistindo razão para distinguir. Assim, e em suma, é em função do fornecimento de electricidade e enquanto elemento desse fornecimento que os valores inerentes são cobrados ao consumidor. Tal como ocorre com o preço corrente, sem atender àquele mecanismo. Apenas varia a forma como se calculam e imputam aqueles custos. Inexistindo razão para excluir a situação do âmbito do art. 10º da Lei 23/96 – nem faria sentido que algo inerente ao fornecimento de energia e que só existe por causa e em função desse fornecimento tivesse regime diverso neste aspecto. 2. Está em causa a previsão de prescrição derivada do n.º1 do art. 10º da Lei 23/96, de 26.07 [4], no qual se dispõe que: O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação. A recorrente sustenta que esta prescrição teria natureza presuntiva. A questão foi debatida, mas é actualmente objecto de alargado consenso qualificativo: está em causa uma prescrição comum [5] e não presuntiva. Em rigor, a questão estaria resolvida pelo AUJ 1/2010, já que debateu a questão no quadro da Lei 23/96, tendo tomado posição no sentido da natureza comum da prescrição (excluindo a sua natureza presuntiva). É certo que tal solução foi afirmada no quadro da redacção original daquela Lei, mas, de um lado, a sua argumentação é inteiramente válida para a actual redacção, e, de outro lado, a actual redacção (a alteração introduzida pela Lei 12/2008) é tida pacificamente como confirmação legal daquela interpretação (como se afirma, aliás, no n.º13 daquele AUJ [6], e vem sendo depois reiteradamente assumido [7]). Donde que, sem que sejam adiantados novos argumentos que infirmem a posição ali assumida, deveria tal posição continuar a valer pela força persuasiva do AUJ. Sem embargo, e ainda que assim não fosse, esta qualificação mostra-se segura, considerando que: - a prescrição presuntiva não constitui verdadeira prescrição, mas mera presunção do cumprimento derivada do decurso do prazo. Tem natureza diferenciada face à prescrição comum (em rigor, é coisa diferente da verdadeira prescrição). Donde que apenas exista onde o legislador expressamente o indique. Na falta de indicação, a prescrição é comum. Ora, o regime da Lei 23/96 não contém elemento expresso que permita associar a prescrição que prevê à mera presunção de cumprimento. - ao invés, a referência directa e expressa a um efeito prescritivo derivado do decurso do prazo convoca a ideia da paralisação do direito. Pois a menção literal aponta para o entendimento de que o próprio direito à prestação decai, não estando em causa questão probatória (em que o prazo funciona como elemento base de uma presunção) nem de exigibilidade. - a alteração legal (substituindo a menção «direito de exigir o pagamento do preço» por «direito ao recebimento do preço») revela uma intenção legal «extintiva» do direito ao preço. Com efeito, face à redacção original, surgiram várias soluções interpretativas [8], mormente associando a prescrição ao direito a enviar a factura ou ao direito a exigir o pagamento (sendo mormente afirmado que, como prescrevem direitos, a menção ao direito a exigir o pagamento não visaria a prescrição do direito). A alteração legal excluiu tais soluções, clarificou que se visava o direito de crédito, e simultaneamente explicitou que este estava sujeito a prescrição tout court. - a previsão visa, como já aflorado, evitar o sobreendividamento do utente [9] (a acumulação de dívidas de fácil contracção, na expressão do AUJ 1/2010). Tal finalidade alcança-se com a prescrição liberatória, que impede a acumulação de valores (e impõe reflexamente diligência na cobrança), e não com a mera presunção de cumprimento, a qual, por ilidível (embora de forma limitada), não é inteiramente ajustada a impedir aquele sobreendividamento. Tal finalidade não é, também, comum à prescrição presuntiva, mas antes a situações de prescrição comum (v.g. art. 310º al. e) do CC). - a mera proximidade do prazo fixado face aos prazos da prescrição presuntiva não constitui elemento qualificativo bastante ou sequer relevante. Aliás, a existir proximidade material (quanto ao tipo de situação, não quanto ao prazo previsto), esta seria estabelecida com o regime do art. 310º al. g) do CC (cuja aplicação chegou a ser sustentada em certas situações), o qual contempla uma prescrição comum. - como anotou aquele AUJ 1/2010, «não ocorre aqui uma das principais razões da existência das prescrições presuntivas, e que é a de corresponderem a dívidas para cujo pagamento não é habitual a exigência de recibo». - a posição dos fornecedores, em regra com estrutura organizativa ajustada à cobrança dos seus créditos, justifica a imposição de celeridade na cobrança face a utentes que, em regra não dispõem de organização própria. Refere-se, neste ponto, a dificuldade do utente em, com o passar do tempo, melhor estruturar a sua defesa face aos valores reclamados. - a assumida intenção de tutela do utente (sendo que, se este utente se não confunde com o consumidor, é também certo que o universo de utentes será em grande parte preenchido por consumidores [10]) é conforme à fixação de prescrição liberatória, não meramente presuntiva, de curto prazo. Inexiste, pois, prescrição presuntiva, estando em causa prescrição ordinária [neste sentido, que corresponde à solução actualmente defendida sem divergência aparente, v. J. Engrácia Antunes, Direito do consumo, Almedina 2025, pág. 486, Elionora Cardoso, Fornecimento de serviços públicos essenciais em geral, pág. 24 e 36, e Francisco Rodrigues Rocha / Vítor Palmela Fidalgo / António Barroso Rodrigues, Comunicações electrónicas, pág. 125 (ambos em Estudos de direito do consumo, vol. II, Almedina 2023), David Falcão, Algumas Notas Sobre a Tutela do Utente de Serviços Públicos Essenciais - Revista electrónica de direito, Outubro 2020 n.º3 (vol. 23), pág. 37 (online), Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, Almedina 2019, pág. 375, Pedro Pais de Vasconcelos e Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Teoria geral do direito civil, Almedina 2022, pág. 388, ou C. Silva, ob. e loc. citados, ou, na jurisprudência, Acs. do TRL proc. 28927/16.0YIPRT.L1-6 de 25.05.2017, proc. 68431/20.0YIPRT-B.L1-2 de 30.03.2023, proc. 107382/20.0YIPRT.L1-8 de 26.01.2023, ou proc. 10259/22.7T8LSB.L1-8 de 10.10.2024, do TRG proc. 78754/17.0YIPRT.G1 de 10.07.2018, ou do TRE proc. 432/23.6T8TNV.E1 de 07.11.2024]. E sendo esta a qualificação ajustada, haveria apenas que avaliar o efeito do decurso do tempo (do prazo de prescrição) nos créditos reclamados, como fez a decisão recorrida (efeito este que, quanto à aplicação concreta dos prazos, não vem sequer discutido). 3. Perante a prescrição comum, a recorrente suscita uma outra questão, assente na seguinte argumentação: i. o DL 33/2022 entrou em vigor em 15.06.2022. ii. a informação comunicada pela OMIE, relativa ao «preço de mecanismo de Ajuste», tinha carácter provisório. iii. emitiu facturas quanto à R. que contemplavam o mecanismo de ajuste a título provisório (entenda-se, com base na informação provisória) - meses de Agosto a Novembro de 2022, e facturas que a recorrida liquidou (nas datas que alega). iv. em Novembro de 2022 a REN enviou os valores definitivos relativos àquele preço do mecanismo de ajuste. v. a factura em causa nos autos (factura 120210048693, emitida em 30.11.2022 no valor de 20.784,05 euros) respeita à diferença entre o que foi cobrado e aquilo que devia ser facturado, atentos os valores definitivos comunicados pela REN, a título de mecanismo de ajuste. Atendendo aos termos do recurso, em articulação com os termos do articulado de resposta à excepção (prescrição), verifica-se que a recorrente associou esta argumentação a uma interrupção da prescrição, com base no reconhecimento do direito (art. 325º n.º1 do CC). Em sede de recurso, a recorrente enquadra a questão também no âmbito do art. 10º n.º2 da Lei 23/96. Como quer que seja, releva sobretudo a circunstância de a recorrente opor à pretensão prescritiva a particularidade exposta: a nova factura decorre de modificação da situação (modificação dos elementos de cálculo), subsequente às facturas iniciais, e modificação a que a recorrente é estranha. Já os efeitos jurídicos ajustados a esta situação caem no âmbito da liberdade qualificativa do tribunal (art. 5º n.º2 do CPC). 4. Quanto aos efeitos desta situação, não é clara a forma como a recorrente vê na situação uma causa de interrupção da prescrição. Aparentemente, tal reconhecimento derivaria do facto de a recorrida ter procedido ao pagamento das anteriores facturas (com os valores ditos «provisórios»), mas tem-se por claro que tal pagamento não envolve qualquer reconhecimento da dívida pelos valores subsequentemente pedidos: se a recorrida não os conhecia (pois, segundo a alegação da recorrente, nem esta recorrente os conhecia), nem lhe foram pedidos, não se vê como os podia ter a recorrida reconhecido ao efectuar aquele pagamento. Como quer que seja, os factos não revelam qualquer facto interruptivo do prazo de prescrição, mormente por reconhecimento do direito. 5. A alegação pode, porém, relevar por outras vias (mera qualificação diferenciada da objecção). Do art. 10º n.º1 da Lei 23/96 decorre que o prazo da prescrição se inicia com a prestação do serviço. Fixa assim um sistema objectivo de contagem do prazo, porque assente num facto objectivo: o momento da prestação do serviço [11]. Tal regulação assenta num princípio básico: sendo a prestação do serviço realizada pelo credor, estará este, desde esse momento, em condições de cobrar o preço. Efectivamente, se controla o fornecimento e o preço depende apenas daquele fornecimento, pode cobrá-lo a partir da efectivação da prestação. Esta ideia, e o regime em que se baseia, não pode ter, porém, um valor absoluto. Pois podem ocorrer circunstâncias que alterem a racionalidade do sistema. Esta afirmação é implicitamente reconhecida pelo legislador, quando previu as situações onde o devedor pagou um valor inferior ao devido, fixando nesses casos um prazo de caducidade específico, o que equivale ao reconhecimento de que nem sempre será ajustado fazer funcionar inderrogavelmente a prescrição a partir do momento da prestação do serviço. Ora, no caso, a natureza específica do valor em causa e a forma como surge levou, de acordo com a alegação da recorrente, a que, no período relevante, apenas se conhecesse um valor provisório, surgindo só em Novembro de 2022 a indicação do critério definitivo, que permitiu a fixação dos valores finais agora reclamados. Tal significa que antes de surgir esta indicação do critério definitivo, a recorrente estava impossibilitada de exercer o direito em causa pois faltava a indicação de um dos elementos essenciais à determinação do quantitativo devido. Neste sentido, a prestação reclamada em Novembro, associada a certo consumo prévio, não era ainda conhecida ou fixável no momento do fornecimento (ou da prestação do serviço, na fórmula do art. 10º n.º1 citado). Assim, não faria sentido considerar iniciado o decurso do prazo de prescrição de um direito cuja existência era em rigor ignorada: sem a fixação daquele critério, a recorrente não podia saber se havia ainda algo mais a cobrar [12], ou, a existir, quanto podia cobrar. Seria irrealista ou desadequado fixar o início do prazo de prescrição em momento em que o direito não podia ser exercido, ou não podia ser sequer conhecido. A recorrente não estava, por isso, em condições de exercer um direito que, no sentido exposto, ainda não existia. Por isso que o regime do art. 10º n.º1 da Lei 23/96 não seja suficiente, nesta situação, e já que o valor reclamado não depende apenas do fornecimento (da prestação do serviço), estando dependente também de dados só disponíveis, por facto inteiramente estranho ao prestador do serviço, após aquele momento. E daí que tal regime possa ser integrado, nesta situação, com o art. 306º n.º1 do CC, de onde deriva que o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido e, assim, que ele não pode correr quando o direito ainda não pode ser exercido. No caso, verifica-se que a recorrente alegou que a factura em causa continha apenas a diferença, a título do mecanismo de ajuste, entre os valores cobrados provisoriamente e já pagos pela recorrida (calculados de acordo com a comunicação pela OMIE em Maio de 2022) e os valores definitivos indicados pela REN, em Novembro de 2022. Estes factos (cobrança da diferença devida a título do mecanismo de ajuste; existência de informação provisória da OMIE; informação definitiva comunicada em Novembro de 2022; natureza da factura em causa, no sentido de corresponder à diferença entre o que foi cobrado e aquilo que devia ser facturado) não se podem ter por assentes, nesta sede. Com efeito, verifica-se que: - a requerente/recorrente alegou, no requerimento de injunção, estarem em causa consumos de electricidade. - a requerida/recorrida, na sua oposição, impugnou a alegação da requerente e os termos da factura – chegando a afirmar que foram emitidas facturas sem incluírem a «taxa de MIBEL», quanto aos meses de Julho a Outubro. - na sua resposta às excepções, invocou então a requerente aquela específica natureza da factura em causa. - notificada para se pronunciar sobre a matéria da resposta, a requerida/recorrida nada disse. Esta notificação não tem nenhum valor cominatório, nem por força da lei (inexiste norma que o atribua) nem por força do despacho (que também não o fixou [13]). Os factos em causa podem constituir explicitação da alegação da requerente, que se mostra controvertida pela impugnação da requerida na sua oposição; ou, em outra perspectiva (que se juga mais correcta), contra-excepção (ou seja, excepção oponível às excepções deduzidas pela requerida/recorrente) [14], cuja matéria nunca poderia ser tida por assente desde logo por força do regime dos art. 572º al. c) e 587º n.º2 do CPC, extensivamente aplicado. Nota-se que é, para este efeito, irrelevante a posição tomada na decisão de mérito subsequente (sendo a posição da requerida condicionada naturalmente pelos termos de tal julgamento de mérito) – aliás, releva também que nesta sede, na apreciação da prescrição pelo tribunal recorrido, aqueles factos também não foram tidos por assentes. Assim, os factos susceptíveis de suportarem este possível enquadramento da questão devem considerar-se controvertidos. 6. Poderia, como ainda pretende a recorrente, equacionar-se a aplicação do art. 10º n.º2 da Lei 23/96, quando se entendesse que estaria em causa situação integrada na previsão do pagamento de «importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado», adaptada às circunstâncias do caso. Não parece, contudo, que deva ser tal norma mobilizada pois não se trata realmente de uma diferença de preço, no sentido corrente e pressuposto na norma, mas de uma alteração superveniente das condições de fixação do valor devido, com repercussão no que é devido, situação que escapa à intenção normativa daquele art. 10º n.º2. Acresce que esta norma pressupõe uma diferença de preço radicada em razões inerentes ao fornecedor, que este controla e pelas quais responde, o que não ocorre no caso. Pois se o fornecedor não pode fixar o valor real devido, por razões exógenas, não se verifica a previsão nem o fundamento da caducidade prevista – que têm sempre na sua base a possibilidade de o credor agir. 7. De acordo com o disposto no art. 595º n.º1 al. b) do CPC, na parte ora relevante, o despacho saneador destina-se a conhecer imediatamente o mérito da causa sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, de alguma excepção peremptória. A menção à desnecessidade de mais provas não significa, obviamente, que inexista prova oferecida a produzir, mas, diversamente, que inexistam factos controvertidos, e por isso carecidos de prova, que sejam relevantes para a avaliação do mérito da causa. Assim, o mérito poderá ser conhecido quando: - não existam factos controvertidos, ou - os factos controvertidos sejam irrelevantes para a decisão de mérito. Quanto ao critério desta segunda hipótese, a lei processual não oferece indicações claras. Jurisprudencialmente tende a prevalecer o critério segundo o qual os factos controvertidos não serão irrelevantes ou inconsequentes quando esses factos suportem soluções jurídicas plausíveis ou até apenas possíveis de sentido divergente face à solução que a partir dos factos já assentes, ou que da alegação, o tribunal pretende sustentar na avaliação do mérito. De forma mais simples, a decisão de mérito será possível quando os elementos factuais assentes/mobilizáveis permitirem apreciar todas as várias soluções plausíveis da questão de direito (e não apenas a que o julgador julgue correcta/conforme à lei). Com formulação diferente mas resultado tendencialmente coincidente, afirma-se que deverá existir uma situação de segurança na decisão que torne indiferentes os demais factos. O que não sucederá quando a solução proposta não seja a única admissível ou sustentável, a partir dos factos alegados. Assim, a segurança da decisão equivale à segurança da solução jurídica por esta ser a única admissível. Estes dados, face ao exposto, revelam que o conhecimento da prescrição, no despacho saneador, se mostra precoce, por existirem factos controvertidos, não atendidos, e factos que podem sustentar outras soluções jurídicas plausíveis ou possíveis (que não são manifestamente descabidas). O que importa a revogação da decisão, a fim de se poderem apurar os factos pertinentes. 8. A situação do processo apresenta a especificidade de, logo após a decisão parcial impugnada (que reconheceu a prescrição de parte dos créditos invocados), mas de forma separada e autónoma, ter sido proferida decisão de mérito sobre os restantes créditos (em relação aos quais foi excluída a prescrição). Decisão que foi objecto de recurso autónomo, pendente. Esta separação artificial de duas decisões de mérito no mesmo momento processual, a que se segue a inadmissibilidade de manutenção da primeira, suscita perturbações processuais específicas. Com efeito, a revogação da primeira decisão de mérito arrasta a invalidação dos actos subsequentes e assim a invalidação da segunda decisão de mérito (que assentou na avaliação do próprio direito reclamado e não na excepção da prescrição). É certo que esta segunda tem objecto distinto da primeira, mas é insustentável manter uma decisão de mérito sobre parte do objecto quando permanece por decidir a outra parte do objecto, que é, em termos de avaliação do direito (que não da excepção da prescrição) inteiramente idêntica à parte do objecto do processo já decidida (propiciando até problemas delicados, pois, se se concluir, quanto à parte do objecto do processo que importa ainda avaliar, que inexiste prescrição, colocando-se assim a necessidade de avaliar o próprio direito invocado, pode suscitar-se então um problema face à anterior decisão e à alternativa, possível ou não, de decidir como ela ou decidir diferentemente). Sendo que neste recurso também não cabe avaliar o mérito sem a avaliação da prescrição. E naquele recurso pendente não podem ser conhecidos os direitos objecto deste recurso pois eles não se integram no objecto de tal recurso. Inexiste, pois, alternativa à revogação da decisão impugnada, que acarreta a invalidação da decisão subsequente (art. 195º n.º2 do CPC, analogicamente aplicado). Quanto aos termos subsequentes à invalidação, que faz retornar o processo ao momento anterior ao despacho saneador, e à luz da avaliação de mérito já realizada em outra parte, caberá ao tribunal recorrido avaliar os termos subsequentes; podendo também avaliar a conveniência, ou não, em não dividir a decisão de mérito em duas decisões autónomas proferidas no mesmo momento processual (situação cuja viabilidade processual não vem discutida no recurso). 9. Fica prejudicada a consideração das questões colocadas no recurso quanto aos juros e outras prestações – e assim também a possível qualificação como questões novas, inadmissíveis nesta sede. 10. Por ficar vencida, deve a recorrida responder pelas custas deste recurso (art. 527º n.º1 e 2 do CPC). V. Pelo exposto, revoga-se a decisão recorrida, e os actos subsequentes, a fim de se avaliarem os factos controvertidos, nos termos expostos. Custas pela recorrida. Notifique-se. Sumário (da responsabilidade do relator - art. 663º n.º7 do CPC): - o valor do mecanismo travão criado pela Lei 33/2022, de 14.05, integra a noção de preço do serviço prestado, para os efeitos do art. 10º n.º1 da Lei 23/96, de 26.07. - a prescrição prevista naquele art. 10º n.º1 da Lei 23/96, de 26.07, tem natureza ordinária ou comum, não constituindo uma prescrição extintiva. - existindo factos controvertidos que podem repercutir-se na interpretação daquele art. 10º n.º1 da Lei 23/96, de 26.07, devem ser apurados e apenas depois ser avaliada aquela prescrição. Datado e assinado electronicamente. Redigido sem apelo ao Acordo Ortográfico (ressalvando-se os elementos reproduzidos a partir de peças processuais, nos quais se manteve a redacção original). António Marques da Silva - relator Sónia Moura - adjunta Susana Ferrão da Costa Cabral - adjunta
____________________________________ 1. O comercializador, como a recorrente, adquire a energia que vende no mercado organizado ou a outros agentes do mercado através de contratos bilaterais.↩︎ 2. Mas também outros custos operacionais.↩︎ 3. É a falta deste benefício que justifica que o mecanismo não possa afectar certos consumidores (mormente os clientes com preços fixos: art. 7º n.º2).↩︎ 4. Na redacção dada pela Lei 12/2008, de 26.02.↩︎ 5. Também qualificada como extintiva embora esta qualificação suponha um efeito (extintivo) que não se mostra pacífico nem seguro, atendendo mormente ao teor do art. 304º n.º1 do CC.↩︎ 6. E em declarações de voto que sublinham a natureza interpretativa da alteração legal.↩︎ 7. Assim, Pedro Falcão, O contrato de fornecimento de energia eléctrica, Petrony 2019, pág. 89, C. Silva, Anotação em RLJ 137/175 e RLJ 139/251 ou Ac. do TRG proc. 78754/17.0YIPRT.G1 de 10.07.2018 (em 3w.dgsi.pt, local onde se encontram os demais Ac. citados)..↩︎ 8. Com indicação das várias teses, v. o citado Ac. do TRG proc. 78754/17.0YIPRT.G1, ou C. Silva, locais citados.↩︎ 9. Assim, David Falcão, Algumas Notas Sobre a Tutela do Utente de Serviços Públicos Essenciais, Revista electrónica de direito, Outubro 2020 n.º3 (vol. 23) pág. 37.↩︎ 10. Para além de também ser defendido que aos utentes deveria ser aplicada a tutela do consumidor.↩︎ 11. Embora se possa ainda discutir se esse momento corresponde à data da prestação ou se deve atender-se antes ao «período temporal relevante para a liquidação desse fornecimento e que é mensal», mas a questão não releva para o que se discute no caso↩︎ 12. A factura em causa até revela que no período de 15 a 30 de Junho houve cobrança em excesso, descontada no reajuste efectuado.↩︎ 13. Sendo aliás duvidoso que o pudesse fazer.↩︎ 14. Trata-se de factos novos, de factos compatíveis com a alegação da recorrida, ou seja, factos que podem existir simultaneamente com os factos que suportam a prescrição tal como alegada pela recorrida (esta baseou-se exclusivamente nas datas de prestação dos fornecimentos pela recorrente), e factos que tendem a produzir um efeito impeditivo da verificação da prescrição, constituindo assim verdadeira contra-excepção.↩︎ |