Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO | ||
Descritores: | PLANO DE RECUPERAÇÃO TÍTULO EXECUTIVO | ||
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Data do Acordão: | 04/11/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | - o incumprimento do plano de recuperação homologado por sentença afere-se pela análise da conduta do devedor em face do concreto teor do referido plano; - os efeitos do incumprimento enunciados no n.º 1 al. a) do art. 218.º n.º 1 do CIRE, aplicável no âmbito do PER, produzem-se desde que o credor interpele por escrito o devedor que se tenha constituído em mora e a prestação, acrescida dos juros moratórios, não for cumprida no prazo de 15 dias a contar dessa interpelação; - a homologação, por sentença, do plano de recuperação, não retira a qualidade de título executivo a documento atinente a crédito considerado nesse plano; - verificando-se o incumprimento do plano de recuperação nos moldes previstos no art. 218.º do CIRE, os créditos recuperam a sua situação originária, pois só o cumprimento do plano exonera o devedor da totalidade das dívidas remanescentes; - não obstante seja homologado plano de recuperação, o credor mantém incólumes os direitos de que dispunha contra condevedores e terceiros garantes. (Sumário da Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora I – As Partes e o Litígio Recorrentes / Embargantes: (…), SA e (…) Recorrida / Embargada: Caixa Geral de Depósitos, SA (…), SA e (…) apresentaram oposição à execução instaurada com base num contrato de abertura de crédito com hipoteca celebrado entre a CGD e a (…) figurando nele (…) como fiador. Sustentaram que, atento o acordo que foi homologado no PER, é inexigível a dívida exequenda, que a credora não interpelou a devedora conforme previsto no art. 218.º do CIRE, que o contrato de abertura de crédito não tem já a qualidade de título executivo pois este consubstancia-se na sentença homologatória do acordo firmado em sede de PER, sentença essa acompanhada da lista de créditos e do próprio Plano e que, não havendo incumprimento por parte da sociedade, as obrigações não podem ser executadas perante os avalistas. II – O Objeto do Recurso Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando a oposição totalmente improcedente. Inconformados, os Embargantes apresentaram-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que julgue procedente a oposição deduzida. Concluem a sua alegação de recurso nos seguintes termos: «I. Nos presentes autos, veio a Exequente apresentar a presente execução com vista ao ressarcimento da quantia de 16.699.004,28 €. II. Não se conformando com tal pretensão, vieram os Executados, ora Recorrentes, deduzir oposição à execução, mediante embargos de executados, alegando, em suma, a inexigibilidade da quantia exequenda (inexigibilidade fundada em diferentes fundamentos). III. Entendeu Tribunal a quo julgar os embargos deduzidos totalmente improcedentes, decisão deverá ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a oposição deduzida pelos Recorrentes, pois que padece a mesma de três causas de nulidade da sentença previstas no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC, bem como carece de fundamentação idónea a justificar o sentido da decisão de indeferimento, como adiante se sintetizará. IV. Em traços gerais, a Sociedade Recorrente apresentou-se a Processo Especial de Revitalização, que terminou com a aprovação (com o voto favorável da Exequente) e homologação de um plano de recuperação, e que previa, como plano de liquidação da dívida exequenda, que o capital reconhecido fosse pago em 48 meses, com uma carência de capital de 24 meses, sendo o capital reembolsado em 24 meses após o referido período de carência – sendo que os supracitados pagamentos ocorreriam no 36.º e 48.º mês. V. O referido crédito da Exequente era garantido por diversas hipotecas, sendo que produto da sua venda sempre teria que ser entregue à Exequente, deduzidos os encargos com a venda das mesmas, quer por força da lei (sendo o credor hipotecário prioritário), mas também fruto da necessidade do distrate das hipotecas para a efectiva concretização das vendas. VI. Acresce o disposto no aludido Plano, que previa expressamente a obrigatoriedade de amortização antecipada, em caso de concretização de venda de uma ou várias fracções e como contrapartida para distrate das respectivas hipotecas. VII. Foi nessa senda que, a 26/02/2015, a Recorrente liquidou a quantia de € 130.000,00 (centro e trinta mil euros). VIII. Ora, considerando que o trânsito em julgado da sentença que homologou o Plano de Recuperação ocorreu a 30/09/2014, a primeira prestação vencer-se-ia a 30/09/2017 e a segunda a 30/09/2018 – 36 e 48 meses, respectivamente, após o trânsito em julgado da sentença homologatória do Plano de Recuperação. IX. Uma vez que foi liquidada pelos Recorrentes a supracitada quantia a 26/02/2015, não há mora ou incumprimento por parte da Sociedade Recorrente, pelo que inexigível é a quantia exequenda. X. Todavia, entendeu o tribunal a quo julgar improcedente o argumento de inexigibilidade da dívida, esgrimindo que a sintaxe utilizada no Plano prevê o início da sua execução “no mês seguinte ao da data de homologação do Plano e não ao da data do trânsito em julgado da sentença homologatória”. XI. Com o devido respeito, esteve mal o Tribunal a quo ao fazer tal interpretação, tanto com referência à vontade das partes, como, em última análise, à lei e a sua interpretação generalizada. XII. Com efeito, a data a ter em conta para efeitos de efectivação das condições previstas no Plano de Recuperação é a data do trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano de Recuperação que só aí se encontra em condições de vigência, execução e consolidação, atenta a irrecorribilidade da decisão de homologação. XIII. Apenas essa interpretação respeita o princípio do sentido normal da declaração, consagrado no artigo 236.º do Código Civil, pelo que não podem os Recorrentes conformar-se com a conclusão da Meritíssima Juiz a quo de que “nem se pode dizer que se trata de um lapso ou que as partes pretendiam referir-se à data do trânsito em julgado”, havendo vasta fundamentação em contrário, como exposto. XIV. Finaliza o Tribunal a quo a matéria de início de vigência do Plano referindo que “o próprio plano prevê quanto a outras situações a data do trânsito em julgado da sentença homologatória, sendo nítida a distinção que se pretendeu estabelecer”. XV. Todavia, após extensa e pormenorizada (re-)análise do Plano, não se encontra nenhuma outra menção à data do trânsito em julgado da sentença homologatória no que concerne à Exequente ou a qualquer outro credor para os efeitos em causa, não oferecendo o douto despacho nenhum exemplo dessas “outras situações”. XVI. Com efeito, estribando o Tribunal a quo a sua posição num facto não provado (até porque inexistente!) e, portanto, não fundamentado, incorre numa violação do artigo 668.º do Código de Processo Civil (de ora em diante, “CPC”), nomeadamente da sua alínea b), verificando-se a primeira causa de nulidade da sentença – motivo pelo qual se requer, desde já, a sua revogação. XVII. Prossegue o douto despacho a sua análise fazendo menção à concordância, por parte dos ora Recorrentes, com o conteúdo da comunicação enviada pela Exequente a 27/12/2013 que reproduzia os identificados termos de liquidação da dívida – pelo que, na óptica do Tribunal a quo, ficaria derrogada a argumentação favorável à data do trânsito em julgado da sentença homologatória. XVIII. Todavia, omite o douto despacho que a carta em crise foi recebida meros dias após proferida a sentença homologatória do Plano – momento em que, evidentemente, não poderiam os Recorrentes imaginar o desfecho desse período pré-trânsito em julgado; nomeadamente, se seriam interpostos recursos. O prazo para tal só terminaria 15 dias depois, pelo que, logicamente, a matéria relativa ao trânsito em julgado da sentença não se colocava. XIX. Seguidamente, considera o Tribunal a quo que o identificado pagamento do montante de € 130.000.00 não configura uma liquidação de prestação devida, uma vez que era obrigatório para a emissão de distrate. XX. Não podem os Recorrentes conformar-se com tal decisão, porquanto, tendo conhecimento da situação da Sociedade Recorrente, seria expectável para a Exequente que as amortizações antecipadas a que estava obrigada em caso de concretização da venda das hipotecadas fracções ocorressem paralelamente às vendas – necessidade facilmente previsível pela Exequente, que aprofundadamente conhecia os elementos de solvabilidade da Sociedade Recorrente. XXI. Foi, de resto, essa a situação que assumiram as Partes: assim que, caso não se verificasse nenhuma venda até ao vencimento da primeira prestação e se, cumulativamente, e independentemente de qualquer venda, não se verificasse qualquer pagamento em tal data, entraria a Sociedade Recorrente em mora. XXII. Destarte, a contrario sensu, significa o estatuído no Plano que bastaria verifica-se uma só venda e consequente pagamento à Exequente até à data do vencimento da primeira prestação para afastar a mora ou incumprimento por parte da Sociedade Recorrente, ainda que estivesse esta fadada a liquidar o eventual remanescente até à data de vencimento da segunda prestação. XXIII. A amortização em causa obvia manifestamente à situação de mora ou de incumprimento por parte dos Recorrentes, ferindo a acção executiva de ilegitimidade e falta de fundamentação e, consequentemente, conspurcando da mesma forma a argumentação Constante da sentença em crise. XXIV. Em seguida, aprecia a Meritíssima Juiz a quo a matéria atinente à falta de interpelação nos termos do artigo 218.º do CIRE pugnando pela sua total inaplicabilidade a processos de revitalização anteriores à redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de Junho. XXV. Sucede que, inequivocamente, a tendência jurisprudencial foi, sempre, a de aplicar o referido normativo a situações análogas ao caso sub judice, como manifestamente demonstra a supracitada jurisprudência. XXVI. Considera o Tribunal a quo que, ainda que assim não fosse, resulta dos factos provados que a Exequente remeteu três comunicações aos embargantes em que se refere ao incumprimento do plano e recuperação, sendo que a última delas, datada de 20/11/2017, mais não é do que a interpelação prevista no mencionado artigo 218.º. XXVII. Não podem os Recorrentes conformar-se com tal entendimento, pois que o texto da lei é claro no atinente aos requisitos de adequabilidade da interpelação, estatuindo o n.º 1 do artigo 218.º a necessidade de ser concedido ao devedor o prazo de 15 dias para o cumprimento após a interpelação escrita pelo credor – como resulta provado no presente pleito, a comunicação escrita enviada aos ora Recorrentes estabelecia o prazo de 10 dias para cumprimento, não cumprindo, assim, os requisitos legalmente previstos para produzir os efeitos constantes do artigo 218.º do CIRE. XXVIII. Pelo que deve ser revogada a sentença recorrida, declarando-se o incumprimento do artigo 218.º do CIRE, com a consequente declaração da inexigibilidade da dívida, que sempre determinará a procedência dos embargos deduzidos. XXIX. No que toca à falta de título executivo, argumento esgrimido pelos ora Recorrentes porquanto a Exequente lançou mão, para esse efeito, do contrato de abertura de crédito e não da sentença homologatória acompanhada da lista de créditos e do próprio Plano de Recuperação, considera o Tribunal a quo não assistir razão aos Recorrentes – ao contrário da evidente e vasta tendência jurisprudencial -, citando, para esse efeito, um Acórdão que aplica o artigo 218.º a caso análogo, para defender a tese de que o Plano de Recuperação não poderá ser título executivo, uma vez que, em traços gerais, os efeitos do seu incumprimento fazem repristinar o crédito inicial, pondo fim a perdões e moratórias. XXX. Como é unanimemente aceite, as sentenças homologatórias incluem-se no âmbito das sentenças condenatórias que, conforme o artigo 70.º, alínea a), são as exequíveis. Nessa medida, o competente título executivo passa a ser a sentença homologatória do plano de pagamentos – assim se fundamentando a inexistência de título executivo no presente pleito. XXXI. Importa notar a cabal incongruência de fundamentação por parte do Tribunal a quo: consoante a conveniência de aplicabilidade, o artigo 218.º é – ou não – subsidiário ao concreto regime legal que, à data, se encontrava em vigor. XXXII. Não é admissível ao Tribunal a quo a tentativa de colher “o melhor de dois mundos”, utilizando alternadamente argumentos que justificam a aplicabilidade e a inaplicabilidade de um determinado artigo ao mesmo caso, por forma a validar a decisão a proferir, escolhendo aplicar ou inaplicar consoante o resultado final dessa operação. XXXIII. Manifestamente, os fundamentos encontram-se em oposição com a decisão final, verificando-se ainda uma total ambiguidade na interpretação e aplicação da lei - situações que conformam a segunda e terceira causas de nulidade da sentença, convoladas na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. XXXIV. Finalmente, considera o Tribunal a quo que a moratória prevista no Plano de Recuperação não se aplica ao Recorrente (…) na qualidade de avalista da operação financeira sub judice. XXXV. Resulta claro do exposto que a execução levada a cabo pela Exequente carece de legitimidade e fundamento, pois que, tendo por diapasão a ratio da figura jurídica do aval, nunca poderia essa acção – porque ilegítima contra a devedora originária – afluir no avalista, aqui Recorrente. XXXVI. Permitir ao credor a prossecução do avalista nestas circunstâncias é legitimar a incongruência entre a declaração de vontades, votada e aprovada em sede de Processo Especial de Revitalização, e a actuação persecutória do avalista em situações em que não se verifique o incumprimento definitivo (como a do caso concreto). XXXVII. Assim, e face a tudo o que ficou exposto, esteve mal o Tribunal a quo ao indeferir liminarmente a oposição apresentada, pois que não assistia à Exequente o direito de apresentar, como fez, a presente execução depois de homologado o plano de recuperação, pelos argumentos identificados supra.» Em contra-alegações, a Recorrida pugna pela improcedência do recurso, mantendo-se a decisão recorrida, invocando que não foi liquidada nenhuma das prestações previstas no plano, sendo que a sociedade, apesar de sucessivamente interpelada nunca regularizou os valores em dívida, que a homologação do acordo de revitalização não contende com a exequibilidade dos títulos pré-existentes e que ao Recorrente fiador não assistem argumentos para se opor à execução. Cumpre conhecer das seguintes questões: - da nulidade da sentença; - do incumprimento pela devedora do plano de recuperação homologado por sentença; - da interpelação versada no art. 218.º do CIRE; - da falta de título executivo, decorrente da homologação do plano de recuperação; - da aplicação, ao Recorrente (…), da moratória prevista no plano de recuperação. III – Fundamentos A – Os factos provados em 1.ª Instância 1) No exercício da sua atividade creditícia, por instrumento datado de 16 de Março de 2006 a exequente celebrou com a sociedade (…), S.A. um contrato de abertura de crédito com hipoteca e fiança, até ao montante de € 11.500.000,00 (onze milhões e quinhentos mil euros); 2) Por instrumento datado de 21 de Setembro de 2007 o referido contrato foi objeto de alterações por força das quais (i) o valor da abertura de crédito foi elevado para € 13.500.000,00 (treze milhões e quinhentos mil euros), (ii) o prazo contratual foi fixado em 60 meses, sendo o período de utilização e de diferimento [período durante os fundos são colocados à disposição e sem haja lugar a amortizações de capital, vencendo-se apenas juros e outros encargos] de 36 meses e o período de amortização [período durante o qual haveria lugar à cobrança de prestações de capital, juros e outros encargos] de 24 meses e (iii) foi constituída hipoteca sobre o imóvel acima referido para garantia do montante de € 2.000.000,00; 3) O prazo contratual foi fixado em 60 meses, sendo o período de utilização e de diferimento de 36 meses e o período de amortização de 24 meses, a taxa de juro seria a correspondente à Euribor a três meses, em vigor na data de início de cada período de contagem de juros, com arredondamento para o um oitavo de ponto percentual superior, acrescida de um spread de 1,25%, o que se traduzia na taxa de juro nominal de 4,00% ao ano, o capital deveria ser pago durante o período de amortização em prestações trimestrais iguais e sucessivas e os juros deveriam ser pagos em prestações trimestrais postecipadas e sucessivas, em caso de mora, sobre o capital exigível e os juros remuneratórios vencer-se-iam juros calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que estivesse em vigor na Caixa para operações ativas da mesma natureza, atualmente de 11,450% ao ano, acrescida de uma sobretaxa até 4% ao ano; 4) Para garantia das obrigações emergentes do mencionado contrato, incluindo o capital mutuado, juros e despesas, a (…), S.A. constituiu a favor da ora exequente hipoteca voluntária sobre o prédio urbano sito na Rua de (…), 60 e 62, e Rua General (…) e Rua Conselheiro (…), freguesia de Beja (Santiago Maior), concelho de Beja, descrito na Conservatória do Registo Predial de Beja sob o nº (…), inscrito na matriz sob o artigo (…); 5) Por instrumento datado de 22 de Dezembro de 2008 o referido contrato foi objeto de alterações por força das quais (i) o valor da abertura de crédito foi elevado para € 15.500.000,00 (quinze milhões e quinhentos mil euros), (ii) o prazo contratual foi fixado em 72 meses, sendo o período de utilização e de diferimento de 24 meses, (iii) a taxa de juro seria a correspondente à média aritmética simples das taxas Euribor a três meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período de contagem de juros, arredondada para a milésima de ponto percentual mais próxima, acrescida de um spread de 2,00%, o que se traduzia na taxa de juro nominal de 6,38% ao ano e (iv) foi constituída hipoteca sobre o imóvel acima referido para garantia do montante de € 2.000.000,00 (dois milhões de euros) 6) Por instrumento datado de 28 de Junho de 2010 os referidos contratos foram objeto de alterações que, na parte que aqui releva, previu a fixação do prazo contratual em 84 meses a contar de 16.03.2006, sendo o período de utilização e de diferimento de 60 meses e o período de amortização de 24 meses e, por outro lado, fixou que a taxa de juro seria a correspondente à média aritmética simples das taxas Euribor a seis meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período de contagem de juros, arredondada para a milésima de ponto percentual mais próxima, acrescida de um spread de 4,00%, o que se traduzia na taxa de juro nominal de 4,982%; 7) A Sociedade executada apresentou-se a Processo Especial de Revitalização que correu termos sob o número de processo 873/13.7TYLSB no Tribunal da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio – J2; 8) Nesse âmbito foi aprovado Plano de Recuperação, homologado por sentença proferida em 16.12.2013, transitada em julgado em 30.09.2014; 9) No que ora releva previa o Plano de Recuperação o pagamento da quantia em divida pela Sociedade à aqui Exequente em 48 meses, com inicio no mês seguinte ao da data de homologação do plano, com uma carência de capital de 24 meses, sendo o capital reembolsado em 24 meses após o referido período de carência, devendo tais pagamentos ocorrer no 36.º e 48.º mês; 10) O crédito da exequente encontrava-se garantido por hipotecas das frações melhor identificadas no Anexo V do Plano de recuperação, prevendo o mesmo a obrigatoriedade de amortização antecipada, em caso de concretização de venda de uma ou várias frações e como contrapartida para distrate das respetivas hipotecas; 11) A exequente remeteu à sociedade executada uma carta datada de 27.12.2013 em que além do mais se pode ler: “Exmos. Senhores: Na sequência da sentença do Tribunal do Comercio de Lisboa – 2.º Juízo, de 16-12-2013, foi homologado o PER – Plano Especial de Revitalização apresentado pela (…) no âmbito do processo identificado em assunto. Assim, vimos comunicar a V. Exas. conforme consta do PER, que o pagamento dos créditos em vigor na CGD será reportado a 16.12.2013 (data da sentença homologatória do plano de revitalização), e será efectuado da seguinte forma: 1) Reestruturação do empréstimo m/l prazo nº (…) – VRSA Montante: € 3.095.170,21 (100% do capital em dívida) Prazo Global: Alargamento do prazo por mais 4 anos a partir da data de homologação do PER Período de Carência: 2 anos Período Amortização: 2 anos Taxa de Juro: Alteração de Euribor (12M)+4% para Euribor (3M)+3% Comissões: Isenção Pagamentos: Anuais, sendo de juros na fase de carência e constantes de capital acrescido de juros na fase de amortização; Garantias: Manutenção da hipoteca específica já constituída sobre o imóvel de VRSA (VA=PVT=€ 4.745.000); Manutenção da fiança/aval de (…) e de (…). Outras condições: Amortização antecipada no caso de venda das fracções. 2) Empréstimo m/l prazo nº (…) – Beja Montante: € 14.673,800 (100% do capital em dívida) Prazo Global: Alargamento do prazo por mais 4 anos a partir da data de homologação do PER Período de Carência: 2 anos Período Amortização: 2 anos Taxa de Juro: Alteração de Euribor (3M)+2% para Euribor (3M)+3% Comissões: Isenção Pagamentos: Anuais, sendo de juros na fase de carência e constantes de capital acrescido de juros na fase de amortização Garantias: Manutenção da hipoteca específica já constituída sobre o imóvel de Beja (VA=€ 14.136.220; PVT=€14.621.000); Manutenção da fiança/aval de (…) e de (…). Outras condições: Perdão total de juros e outros encargos financeiros vencidos até à data de homologação do plano, Amortização antecipada no caso de venda das fracções Desta forma manter-se-ão as operações de crédito existentes (M/LPrazo n.º … e M/L Prazo n.º …, com os saldos devedores de € 3.095.170,21 e € 14.673.800, respectivamente), nas condições anteriormente referidas, a vigorar a partir da data de homologação do PER (16.12.2013). A empresa (…) e os fiadores / avalistas (…) e (…) devem expressamente dar o seu acordo ao teor desta carta, através de comunicação a remeter à Caixa, com assinaturas reconhecidas por entidade competente, na qualidade de poderes para o acto (no caso da empresa), no prazo máximo de 8 dias a contar da data da recepção desta carta”; 12) Por carta datada de 30.12.2013 os embargantes comunicaram à exequente que concordavam com os termos aprovados pelo plano de recuperação e descritos na comunicação da exequente; 13) A exequente processou o pagamento de 4 prestações anuais, sendo as duas primeiras prestações apenas de juros e as duas prestações seguintes de capital e juros; 14) Nenhuma das prestações foi paga; 15) Em 26.02.2015 a sociedade executada, através do produto da venda da fração N do prédio descrito na CRP de Beja sob a ficha n.º (…), da freguesia de Beja (Santiago Maior), que se encontrava hipotecada a favor da exequente, pagou à exequente a quantia de € 130.000,00; 16) Tal quantia foi imputada no capital em dívida; 17) Em 14 de Dezembro de 2016, a ora exequente remeteu a (…) a seguinte comunicação eletrónica: “Exmo. Senhor Eng.º (…), Conforme combinado, e em resposta ao v/mail infra, vimos informar; 1. A CGD aceita o distrate da fração “AK” do prédio descrito na CRP de Vila Real de Santo António sob a ficha n.º (…), da mesma freguesia, pelo valor proposto de € 120.000,00, ao qual será deduzido o pagamento da comissão de venda de € 5.000,00 (a liquidar diretamente pela CGD mediante apresentação prévia de fatura); 2. No entanto, a CGD fixa em € 112.800,00 o valor que deverá reverter para a conta do empréstimo garantido por esta hipoteca, pelo que restará o montante de € 2.200,00 para o pagamento parcial da 1.ª prestação de IMI de 2017; 3. Mais informamos que já está confirmada a presença de colaborador da CGD no dia e hora agendados para a realização da escritura. Reiteramos que não foram efetuados, até esta data, quaisquer pagamentos a título de juros, tal como tinha ficado estipulado no PER homologado por sentença de 16.12.2013. Em consequência, vimos solicitar a imediata regularização deste incumprimento. Caso contrário, tal como já informámos, a CGD irá recorrer à cobrança judicial da dívida. Mantemo-nos, entretanto, ao v/inteiro dispor para qualquer esclarecimento que julgue necessário.” 18) A exequente remeteu aos executados uma carta datada de 29.09.2017, em que se pode ler: “Exmo. Senhor Na decorrência da sentença homologatória do Plano Especial de Revitalização proferida em 16/12/2013, no âmbito do Processo Especial de Revitalização – processo n.º 873/13.7TYLSB – que correu termos no Tribunal do Comércio de Lisboa, 2.º Juízo, ficou estabelecido a reestruturação da dívida existente à Caixa Geral de Depósitos, SA. à data da sentença homologatória. Verifica esta instituição de Crédito que o plano de recuperação da (…) S.A. não está a ser cumprido na medida em que já se venceram prestações de capital e juros, sem que as mesmas tenham sido liquidadas até à presente data. Com efeito, atualmente encontram-se vencidas as prestações de 2014/12/16, 2015/12/16 e 2016/12/16. Assim, na data de 2017/09/29, o valor por regularizar, junto da Caixa Geral de Depósitos, ascende ao quantitativo de 9.350.020,12, com a seguinte composição: (…) Atento o que antecede, solicita-se que V. Exas., procedam no prazo máximo de 5 dias à regularização dos supra mencionados valores, sob pena de, a Credora declarar vencida a totalidade da dívida procedendo à sua cobrança judicial.”; 19) A exequente remeteu aos executados carta datada de 20.11.2017, comunicando o seguinte: “Exmos. Senhores, Como é do conhecimento de V. Exa., a empresa “(…), SA", é titular das operações bancárias supra identificadas, contratadas junto da CGD. Na decorrência da sentença homologatória do Plano Especial de Revitalização proferida em 16/12/2013, no âmbito do Processo Especial de Revitalização - processo n° 873/13.7TYLSB - que correu termos no Tribunal do Comércio de Lisboa, 2° Juízo, ficou estabelecido a reestruturação da dívida existente à Caixa Geral de Depósitos à data da sentença homologatória. O plano de recuperação da (…), SA não está a ser cumprido na medida em que já se venceram prestações de capital e juros, sem que as mesmas tenham sido liquidadas até à presente data. Atendendo ao incumprimento registado nas obrigações decorrentes dos contratos (…) e (…), celebrados entre a Caixa e a empresa, bem como as responsabilidades relativas à conta à ordem n.º (…), a CGD, ao abrigo do disposto na cláusula 16ª (Incumprimento / Exigibilidade Antecipada) do Documento Complementar, considerou antecipadamente vencida toda a dívida, exigindo o seu imediato pagamento. Com efeito, na data de 2017-11-20, o valor global em dívida à Caixa Geral de Depósitos ascende ao quantitativo de 18.001.371,34 €, com a seguinte composição (…) Ao quantitativo supra citado acrescem juros de mora vincendos calculados à taxa de juro anual de 3%. Sobre os juros e comissões que vierem a ser cobrados incidirá Imposto de Seio à taxa em vigor (4%). Atento o que antecede, solicita-se que V. Exas., no prazo máximo de 10 dias, procedam à liquidação da totalidade dos valores em dívida, sob pena de, sem mais aviso, a credora Caixa Geral de Depósitos proceder à sua cobrança judicial.”; 20) A ação executiva foi intentada em 13/03/2018. Mais resulta dos autos o seguinte: - o título dado à execução consiste no contrato de abertura de crédito com hipoteca e fiança, até ao montante de € 11.500.000,00 (onze milhões e quinhentos mil euros), operação a que, internamente, foi atribuído o número (…), contrato esse acompanhado do extrato de movimentos associado à indicada operação, por força da utilização pela mutuária das quantias aí referidas e das amortizações igualmente indicadas; - para garantia das obrigações emergentes dos mencionados contratos, e para além das hipotecas constituídas, os executados (…) e (…) responsabilizaram-se como fiadores solidários e principais pagadores por tudo quanto viesse a ser devido à exequente em consequência dos contratos acima descritos; - o Plano de Recuperação prevê, relativamente ao crédito Beja da CDG, SA, «O perdão total de juros vencidos (incluindo os vencidos entre a data da reclamação de créditos e a do trânsito em julgado da sentença que homologue o presente Plano) e as resultantes da alteração das condições infra» - fls. 30 do Plano de Recuperação, junto a fls. 59 vs. e ss. B – O Direito Da nulidade da sentença Os Recorrentes sustentam que a sentença é nula por violar o disposto no art. 668.º al. b) do CPC[1], já que refere constar do plano situações em que é referida a data do trânsito em julgado da sentença homologatória sem que, no entanto, se indique que situações são essas. E que é nula à luz do disposto no art. 615.º n.º 1 al. c) do CPC por os fundamentos estarem em oposição com a decisão final. Nos termos do disposto no art.º 615.º n.º 1 do CPC, «É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.» Ora, no que respeita à nulidade por falta de fundamentação é unanimemente entendido, na doutrina e na jurisprudência, que só a ausência absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação escassa, deficiente, ou mesmo medíocre, pode ser geradora da nulidade das decisões judiciais.[2] A deficiente fundamentação ou motivação pode afetar o valor doutrinal intrínseco da sentença ou acórdão, mas não pode nem deve ser arvorada em causa de nulidade dos mesmos.[3] Só enferma de nulidade a sentença em que se verifique a falta absoluta de fundamentos, seja de facto, seja de direito, que justifiquem a decisão e não aquela em que a motivação é deficiente. Neste sentido, relativamente à fundamentação de facto, só a falta de concretização dos factos provados que servem de base à decisão, permite que seja deduzida a nulidade da sentença/acórdão[4]. Quanto à fundamentação de direito, “o julgador não tem de analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes: a fundamentação da sentença/acórdão contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adotada pelo julgador”.[5] A contradição entre os fundamentos e a decisão (cfr. al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC) verifica-se quando a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso, mas a uma decisão de sentido oposto; ocorre quando a decisão briga com o fundamento, está em oposição com ele.[6] A sentença aqui em apreciação contempla a enunciação dos factos provados e, bem assim, dos fundamentos de direito que conduzem à decisão final proferida, no sentido da improcedência da oposição à execução. Ao considerar que a sociedade devedora incorreu em incumprimento, que teve lugar a interpelação para o cumprimento (ainda que não tenha aplicação o regime inserto no art. 218.º do CIRE), que a obrigação exequenda se mostra definida pelo título originário e não já pela sentença homologatória do plano de revitalização e que, atento o incumprimento do plano por parte da devedora principal, os embargantes não beneficiam da moratória dele decorrente, concluindo-se pela improcedência da oposição, esta decisão apresenta-se inteligível, sendo ainda manifesto que inexiste a contradição a que alude a al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC. Carece totalmente de fundamento a pretensão de ver anulada a sentença por citar acórdão que aplicou, ao caso ali em apreço, o regime inserto no art. 218.º do CIRE, quando a questão tem antes que ver com a exequibilidade do título originário, constitutivo da obrigação. Não está em causa saber se a sentença homologatória do plano de revitalização constitui título executivo, mas antes a questão de saber se o título dado a esta execução, o contrato de abertura de crédito e respetivas reformulações, não constitui título executivo, como pretendem os Recorrentes. Termos em que improcedem as conclusões da alegação do recurso no que respeita à nulidade da sentença recorrida. Do incumprimento pela devedora do plano de recuperação homologado por sentença Os Recorrentes sustentam que, contrariamente ao exarado na decisão recorrida, não se verificou o incumprimento do plano de recuperação porquanto: - a 1.ª prestação vencer-se-ia a 30/09/2017 – 36.º mês após o trânsito em julgado da sentença homologatória do plano; - a 2.ª prestação vencer-se-ia a 30/09/2018 – 48.º mês após o trânsito em julgado da sentença homologatória do plano; - a 26/02/2015 a devedora liquidou € 130.000, amortizando antecipadamente o capital na decorrência da venda de fração hipotecada para distrate das hipotecas que a oneravam; - tal liquidação consubstanciou o pagamento da 1.ª prestação. Invocam que a data do início da execução do plano é a do trânsito em julgado da sentença homologatória, como não pode deixar de ser, pois só com a irrecorribilidade é que a matéria decidida se cristaliza na ordem jurídica. Ora vejamos. O Plano de Recuperação foi homologado por sentença proferida em 16/12/2013, que veio a transitar em julgado em 30/09/2014. O referido Plano previa o pagamento da quantia em dívida pela Sociedade à aqui Exequente em 48 meses, com início no mês seguinte ao da data de homologação do plano, com uma carência de capital de 24 meses, sendo o capital reembolsado em 24 meses após o referido período de carência, devendo tais pagamentos ocorrer no 36.º e 48.º mês. É certo que os efeitos das sentenças e decisões que decidam do mérito da causa só alcançam força obrigatória dentro do processo e fora dele verificado que esteja o respetivo trânsito em julgado, nos moldes estabelecidos nos arts. 619.º e ss do CPC, o que ocorre quando a decisão não seja já suscetível de recurso ordinário ou de reclamação – cfr. art. 628.º do CPC. Porém, daí não decorre que a sentença, antes de transitada em julgado, seja desprovida de efeitos jurídicos. Desde logo nos casos em que o recurso eventualmente a interpor tenha efeito meramente devolutivo, a sentença produz, de imediato, os seus efeitos e, ainda que seja interposto o recurso, até decisão final, tudo se passa como se não o tivesse sido – cfr., designadamente, art. 704.º n.º 1 do CPC. E no âmbito da disciplina do CIRE, os recursos têm efeito meramente devolutivo – art. 14.º n.º 5 do CIRE. Tendo-se fixado um plano de pagamentos do crédito em dívida à CGD tomando-se por referência a data de homologação do plano, constando o prazo total de 48 meses com «início no mês seguinte ao da data de homologação do Plano», (diversamente do previsto quanto ao perdão total de juros vencidos no crédito Beja, onde se fez menção à data do trânsito em julgado da sentença), é essa a data a considerar para apurar o período de carência de capital e as datas de reembolso de capital. Assim o pretenderam credora e devedores: por carta datada de 27/12/2013, a credora CGD remeteu à sociedade devedora a carta mencionada no n.º 11 dos factos provados, onde explicitamente indica que «o pagamento dos créditos em vigor na CGD será reportado a 16/12/2013 (data da sentença homologatória do plano de revitalização)», na sequência do que os ora Recorrentes comunicaram à Recorrida que concordavam com os termos aprovados pelo plano de recuperação e descritos na comunicação da Recorrida exequente – cfr. n.º 12 dos factos provados. Por conseguinte, a data referência é a de 16/12/2013 e não já a de 30/09/2014. Por outro lado, sustentam os Recorrentes que a amortização antecipada do capital através do produto da venda da fração hipotecada, com vista ao distrate das hipotecas, constitui o pagamento da 1.ª prestação, a que se previa dever ser liquidada no 36.º mês com início ao mês seguinte ao da data da homologação do Plano. Não lhes assiste razão. Consta do Plano o reembolso do capital no prazo total de 48 meses, com início no mês seguinte ao da data da homologação do Plano, em dois pagamentos anuais de capital (o primeiro no 36.º mês e o segundo no 48.º mês), «sem prejuízo da obrigatoriedade de amortização antecipada, em caso de concretização de venda de uma ou várias frações e como contrapartida para distrate das respetivas hipotecas.» Ora, se o reembolso do capital está previsto em dois pagamento anuais sem prejuízo da obrigatoriedade da amortização antecipada na circunstância prevista, é de concluir que ocorrendo a amortização antecipada, desde que a mesma não implique ao reembolso total do capital em dívida, essa amortização não contende com a obrigação de pagamento das duas prestações previstas. Na medida em que a amortização antecipada teve lugar mediante o pagamento de €130.000, não resultou a devedora dispensada de realizar o 1.º pagamento previsto. Nenhuma das prestações foi paga. Afirmado está, portanto, o incumprimento do Plano de Recuperação por parte da devedora Revitalizanda. Da interpelação versada no art. 218.º do CIRE Os Recorrentes invocam que, não tendo sido observado o disposto na citada disposição legal, a dívida não pode ser executada coercivamente. Está em causa o seguinte: «1 - Salvo disposição expressa do plano de insolvência em sentido diverso, a moratória ou o perdão previstos no plano ficam sem efeito: a) Quanto a crédito relativamente ao qual o devedor se constitua em mora, se a prestação, acrescida dos juros moratórios, não for cumprida no prazo de 15 dias após interpelação escrita pelo credor; b) Quanto a todos os créditos se, antes de finda a execução do plano, o devedor for declarado em situação de insolvência em novo processo. 2 - A mora do devedor apenas tem os efeitos previstos na alínea a) do número anterior se disser respeito a créditos reconhecidos pela sentença de verificação de créditos ou por outra decisão judicial, ainda que não transitadas em julgado. 3 - Os efeitos previstos no n.º 1 podem ser associados pelo plano a acontecimentos de outro tipo desde que ocorridos dentro do período máximo de três anos contados da data da sentença homologatória.» Trata-se de disposição legal prevista no título IX do CIRE, respeitante ao plano de insolvência. O n.º 12 do art. 17.º-F do CIRE, introduzido pelo DL n.º 79/2017, de 30 de junho, estatui que «É aplicável ao plano de recuperação o disposto no n.º 1 do art. 218.º.» Mas já na redação dada pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, ao art. 17.º-F se tinha por aplicável ao plano de recuperação, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX – cfr. n.º 7 do art. 17.º-F. Importa, assim, apreciar se a devedora se constituiu em mora relativamente aos créditos da Recorrida CGD versados no plano de recuperação, se não cumpriu a prestação prevista no plano, acrescida dos juros moratórios, no prazo de 15 dias após interpelação escrita pela respetiva credora – cfr. art. 218.º n.º 1 al. a) do CIRE. É que «o desencadeamento das consequências que a lei liga à falta de pagamento pontual do que é devido está imperativamente condicionado à prévia interpelação do credor para o devedor cumprir, o que terá de suceder após verificada a falha relativamente ao prazo inicialmente previsto; não vale, por isso, um aviso prévio que o credor entenda dirigir ao devedor, lembrando-lhe o próximo vencimento.»[7] Ocorrendo essa interpelação para pagamento, a moratória ou o perdão previstos no plano ficam sem efeito decorridos que sejam 15 dias após essa interpelação, se não for cumprida a obrigação em falta. Ora, alcança-se dos factos provados que a credora CGD interpelou a devedora (…) e a (…) mediante cartas datadas de 29/09/2017 e de 20/11/2017 dando conta das quantias em dívida e assinalando não estar a ser cumprido o plano de recuperação homologado por sentença. Na 1.ª dessas cartas solicita-se que, no prazo máximo de 5 dias, sejam regularizados os valores em dívida, sob pena de se declarar vencida a totalidade da dívida procedendo-se à sua cobrança judicial; na outra, solicita-se que, no prazo máximo de 10 dias, seja liquidada a totalidade dos valores em dívida, sob pena de, sem mais aviso, se proceder à sua cobrança judicial – cfr. n.ºs 18 e 19 dos factos provados. A execução foi instaurada a 13/03/2018, sem que nenhuma das prestações tenha sido paga – cfr. n.ºs 14 e 20 dos factos provados. Decorre do exposto que: a sociedade devedora estava em falta quanto ao cumprimento das obrigações decorrentes do plano de recuperação; teve lugar interpelação escrita pela credora, estando a devedora já em mora; decorridos que foram mais de 15 dias após a interpelação[8], as prestações em falta não foram cumpridas. Logo, a moratória e o perdão decorrentes do plano de recuperação ficaram sem efeito. Termos em que se conclui não merecerem acolhimento os argumentos dos Recorrentes nesta matéria. Da falta de título executivo, decorrente da homologação do plano de recuperação Na ótica dos Recorrentes, a execução enferma de falta de título executivo por se alicerçar no contrato de abertura de crédito e não já na sentença homologatória do plano de recuperação. Esgrimem argumentos e citam doutrina e jurisprudência no sentido da afirmação da sentença homologatória do plano de recuperação enquanto título executivo. Ora, a questão consiste em saber se o concreto título dado à execução tem a natureza de título executivo e não já a de saber se outro título (a sentença homologatória do plano de recuperação) a teria.[9] Trata-se de um contrato de abertura de crédito celebrado com a Recorrente sociedade que contempla a assinatura do Recorrente na qualidade de fiador. Reveste a natureza de um contrato consensual por via do qual um estabelecimento bancário se obriga a ter à disposição do cliente uma soma de dinheiro que este tem possibilidade de utilizar, mediante uma ou mais operações bancárias. Este contrato, só por si, não constitui título executivo, na medida em que atos subsequentes à abertura de crédito e complementares desta é que titulam o direito de crédito do exequente, na medida do desembolso que este tenha efetuado. A obrigação de reembolso só nasce se e na medida da disponibilização/utilização efetiva do crédito, pelo que, como é evidente, para a instituição de crédito dar à execução tal obrigação, tem de provar, não só o contrato de abertura de crédito, mas também as concretas disponibilizações/utilizações efetivas do crédito. «O instrumento particular constitutivo de um contrato de abertura de crédito bancário, desde que contenha as assinaturas dos devedores e seja apoiado por prova complementar, emitida em conformidade com as cláusulas nele firmadas e ateste as quantias efetivamente disponibilizadas, constitui título executivo de natureza compósita ou complexa; e viabiliza ao creditante, no caso do seu incumprimento, a instauração imediata da ação executiva (… art. 703.º NCPC)»[10] «É título executivo o documento particular que consubstancie o contrato de mútuo sob a forma de abertura de crédito em conta corrente, complementado pelo extrato de conta de depósitos à ordem revelador da utilização do respetivo montante.»[11] Entendimento que merece acolhimento na larga maioria da doutrina e da jurisprudência. No caso em apreço, os Recorrentes não colocam em causa que assim seja. O que sustentam é que, tendo sido homologado o plano de recuperação, o título executivo passa a ser essa sentença, pelo que a ação executiva a que deduziram oposição encontra-se desprovida de título executivo. A homologação, por sentença, do plano de recuperação, retira a qualidade de título executivo a documento atinente a crédito considerado nesse plano? Manifestamente, não retira. Não se olvida que, durante o processo PER, não podem ser instauradas ações para cobrança de dívidas contra a empresa, suspendendo-se as que estejam em curso com idêntica finalidade durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação (art. 17.º-E n.º 1 do CIRE). Verificando-se, porém, o incumprimento do plano de insolvência/recuperação nos moldes previstos no art. 218.º do CIRE, os créditos recuperam a sua situação originária.[12] Se é certo que, com a sentença de homologação, produzem-se as alterações dos créditos introduzidas pelo plano de insolvência/recuperação (arts. 217.º n.º 1 e 17.º-F n.º 7 do CIRE), certo é também que só o cumprimento do plano exonera o devedor da totalidade das dívidas da insolvência remanescentes (art. 197.º al. c) do CIRE), pelo que só após integral execução do plano de insolvência/recuperação celebrado é que os responsáveis pelas dívidas ficam delas libertos. Perante o quadro circunstancial exposto, cabe concluir que o contrato de abertura de crédito, nos moldes em que foi dado à execução, consubstancia título executivo, título esse que pode ser lançado à execução, assente que está o incumprimento do plano de recuperação que tinha sido homologado por sentença no âmbito do PER. Da aplicação, ao Recorrente (…), da moratória prevista no plano de recuperação Conforme resulta do exposto, verifica-se o incumprimento do plano de recuperação pela devedora, tendo ocorrido a interpelação escrita por parte da credora, o que implicou ficasse sem efeito a moratória prevista no referido plano. Por conseguinte, nunca dela poderia o Recorrente beneficiar. Ainda que assim não fosse, por via da disciplina consagrada no art. 217.º n.º 4 do CIRE, «seja qual for a posição assumida no processo, o credor mantém incólumes os direitos de que dispunha contra condevedores e terceiros garantes, podendo exigir deles tudo aquilo por que respondem e no regime de responsabilidade originário.»[13] É que as providências previstas no plano de insolvência/recuperação com incidência no passivo do devedor não afetam a existência nem o montante dos direitos dos credores contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação – cfr. a citada norma legal. Importa, contudo, precisar que o mesmo se constituiu fiador das obrigações da devedora principal junto da credora CGD, não se assumindo como avalista, conforme avançam os Recorrentes. O que no caso, de todo o modo, se revela inócuo. Termos em que se conclui inexistir fundamento para revogar a decisão recorrida. As custas recaem sobre os Recorrentes – art. 527.º n.º 1 do CPC. Concluindo: (…) IV – DECISÃO Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida. Custas pelos Recorrentes. Évora, 11 de Abril de 2019 Isabel de Matos Peixoto Imaginário Maria Domingas Simões Vítor Sequinho dos Santos __________________________________________________ [1] Pensamos pretenderem os Recorrentes referir-se ao art. 615.º do CPC em vigor, atento até o que consta no corpo das alegações. [2] Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. V, p. 139 e 140. [3] Ac. STJ de 16/12/2004 (Ferreira de Almeida). [4] Ac. STJ de 28/05/2015 (Granja da Fonseca). [5] Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, página 688. [6] Cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, vol. V, p. 141 e 142. [7] CIRE Anotado, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, 3.ª edição, pág. 796. [8] O prazo legal para cumprimento cifra-se em 15 dias, pelo que não seria exigível o pagamento no prazo de 5 ou 10 dias fixado pela credora. Tivesse ele ocorrido no prazo de 15 dias após a interpelação, com o que se obstaria a produção do efeito constante do art. 218.º n.º 1 al. a) do CIRE. A indicação de prazo inferior ao legal não retira àquelas comunicações a natureza de interpelação para pagamento, enquadráveis na citada disposição legal. [9] De todo o modo, desde já se consigna que entendemos que a sentença homologatória do plano de recuperação no âmbito de PER não constitui, em caso de incumprimento, título executivo, pois a diversa natureza e finalidade dos processos de insolvência e de revitalização obstam à aplicação, no âmbito do PER, da solução normativa consagrada na al. c) do n.º 1 do art. 233.º do CIRE – cfr. Ac. deste Tribunal de 14/03/2019 proferido no processo n.º 655/15.1T8STB-A.E1, relatado pela aqui 1.ª Adjunta e subscrito pelo aqui 2.º Adjunto. [10] Ac. TRP de 10/12/2012 (Luís Lameiras). [11] Ac. STJ de 09/02/2006. [12] Cfr. CIRE Anotado, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, 3.ª edição, pág. 791. [13] CIRE Anotado, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, 3.ª edição, pág. 792. |