Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FILIPE CÉSAR OSÓRIO | ||
Descritores: | INVENTÁRIO RELAÇÃO DE BENS ÓNUS DA PROVA AUTORIDADE DE CASO JULGADO | ||
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Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
Área Temática: | CÍVEL | ||
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Sumário: | Sumário:
I. Em regra, no processo de inventário quem alega falta de relacionação de bens tem o ónus da prova essa falta. II. A figura da autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, com objeto parcialmente coincidente ou prejudicial face ao da ação posterior, visando evitar que a relação ou situação jurídica material definida pela sentença anterior seja definida de modo diverso por outra sentença, não se exigindo a identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir. | ||
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Decisão Texto Integral: | *
Apelação n.º 169/23.6T8BNV-B.E1 (1.ª Secção Cível) Relator – Filipe César Osório 1.º Adjunto – Sónia Moura 2.º Adjunto – Ricardo Peixoto * * ACORDÃO NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA * I. RELATÓRIO Processo de Inventário Identificação das partes e objecto do litígio: 1. Nos presentes autos de Inventário para partilha da herança aberta por óbito de AA, em que é cabeça de casal BB, cônjuge sobrevivo daquela, veio este apresentar a relação de bens datada de 4 de novembro de 2024. 2. Notificados os interessados para se pronunciarem, veio a interessada CC alegar apresentar RECLAMAÇÃO de 22 de novembro de 2024, expondo e requerendo essencialmente o seguinte: - Na relação apresentada, é indicada na verba 1 a quantia de 11.752,30 euros relativa à parte do preço da venda da quota hereditária da inventariada na herança dos seus falecidos pais; - O cabeça de casal não indica o preço da venda do referido quinhão; - No processo onde foi determinada a execução específica do contrato-promessa de venda de quinhão hereditário da aqui inventariada resulta que o mesmo foi adquirido por 23.100,00 euros, a serem pagos em 11 anos, em 132 prestações mensais, mediante depósito em conta bancária da Caixa Geral de Depósitos que identifica; - O cabeça de casal não esclarece o teor da diferença entre aquele valor acordado para a venda do quinhão e o valor que indica como tendo recebido por essa venda; - Dos extratos bancários da mencionada conta consta que a inventariada recebeu o montante de 6.284,88 euros entre 2004 e 2008, sendo que após e até ao seu óbito, nada mais recebeu; - Assim, o remanescente em falta, só pode ter sido recebido pelo cabeça de casal após o óbito da inventariada, devendo, por isso, integrar o acervo da herança; - O cabeça de casal também nada refere quanto aos juros devidos pelo atraso no pagamento das mencionadas prestações, nem quanto aos juros devidos à requerente pelo atraso na entrega da parte que lhe pertence. Pelo que requer que o interessado esclareça: - A divergência entre o valor da venda do quinhão e o valor que relacionou como respeitante ao recebimento do respetivo preço; - Em que conta bancária foram depositadas as prestações que a inventariada, supostamente terá recebido em vida, ou que relacione tais valores como integrando quantias por ele recebidas já após o óbito da inventariada. * 3. Em Resposta veio o cabeça de casal alegar que: - No Proc. nº 334/22.3... ficou provado que o ali autor (DD) pagou à aqui inventariada, e após a sua morte, ao seu cônjuge (aqui cabeça de casal), prestações pecuniárias no valor global de 23.100,00 euros; - Com data de 14 de junho de 2018, o aqui cabeça de casal assinou, na qualidade de cabeça de casal da aqui inventariada, perante Notário, declaração dizendo ter recebido DD o valor de 11.752,30 euros referente ao contrato-promessa de partilha celebrado entre a sua mulher (aqui inventariada) e DD, a título de tornas, mais declarando que todas as demais prestações referentes ao mesmo contrato, no valor de 11.347.70 euros, foram recebidas em vida da aqui inventariada, pelo que dá quitação da totalidade do valor da venda do quinhão; - As prestações recebidas em vida da inventariada, foram por ela gastas, pelo que não integram a herança; - Já a quantia recebida pelo cabeça de casal após o óbito da inventariada, foi relacionado como verba 1, não havendo qualquer outro valor a relacionar; - O cabeça de casal nada tem a acrescentar quanto a juros devidos, sendo que a interessada não tem direito a juros uma vez que nunca demonstrou interesse em partilhar extrajudicialmente os bens da inventariada. * 4. Veio ainda a interessada CC responder ao cabeça de casal: - Para além da declaração de quitação que juntou e foi apreciada no Proc. 334/22.3..., nenhuma outra prova juntou do que dessa declaração consta; - Da conta bancária onde as prestações do preço de aquisição do quinhão hereditário deveriam ser depositadas, não consta que nela tenha sido depositado o valor que o cabeça de casal declara ter sido recebido em vida da inventariada; - Nessa conformidade, a declaração em causa é falsa, não podendo afirmar-se que a inventariada recebeu em vida o valor que o cabeça de casal declarou que aquela terá recebido; - Admitindo que as prestações possam ter sido depositadas noutra conta bancária, deve o cabeça de casal vir indicá-la; - A requerente não aceitou as partilhas extrajudiciais propostas pelo cabeça de casal, porquanto da proposta não constavam os juros que seriam devidos pelo atraso no pagamento das prestações, tendo o cabeça de casal aceite dar quitação do preço, sem cobrar juros, abusando dos seus poderes de cabeça de casal, - Sendo que o cabeça de casal também nunca prestou contas do que recebeu do devedor, pelo que deve pagar os juros devidos, relacionando-os também na relação de bens, pois pertencem à herança. * 2. Dispositivo em Primeira Instância: Foi proferida sentença onde se decidiu o seguinte: «Termos em que se julga improcedente a reclamação apresentada à relação de bens datada de 4 de novembro de 2024 (ref Citius 11119987). Custas do incidente pela requerente. Notifique.». * 3. Recurso de Apelação: Inconformada com a decisão, a interessada CC interpôs recurso de apelação com as seguintes conclusões: «1ª – O cabeça de casal recusa-se a relacionar a verba de € 5.062,82 (Cinco mil e sessenta e dois euros e oitenta e dois cêntimos); 2ª – A qual recebeu do promitente adquirente de promessa de alienação de quinhão hereditário pertencente ao acervo da ora inventariada; 3ª – Porquanto, afirma que tal verba foi recebida pela finada, o que fez exarar em declaração por si assinada e reconhecida notarialmente; 4ª – A apelante solicitou e foi-lhe conferido acesso aos extratos bancários da conta de D/O que a inventariada manteve na CGD e dos mesmos constam como pagas as prestações correspondentes ao valor de € 6.284,88 (Seis mil duzentos e oitenta e quatro euros e oitenta e oito cêntimos); 5ª – Ora, tal declaração emitida, muito após o óbito da inventariada, não comprova que a mesma tenha recebido em vida as prestações que não foram depositadas na conta bancária associada ao contrato promessa, como decorre da análise dos extratos bancários; 6ª – Objetou-se no despacho recorrido que se teria formado caso julgado sobre essa precisa questão, por carência de impugnação por parte da apelante, o que não se afigura correto; 7ª – Na verdade, tal questão, a saber foi objeto já de apreciação judicial, mas tal não vincula os herdeiros entre si; 8ª – Pois, para tal efeito, teria de verificar-se uma relação de identidade de objeto entre a ação onde aquele se formou e a subsequente, ou seja, o presente inventário, ter a mesma causa de pedir e do pedido; 9ª – Numa a causa de pedir foi a execução específica de um contrato promessa, noutra pretende-se relacionar bens e partilhá-los; 10ª – Por conseguinte, não se verifica o caso julgado, pois, não há identidade de sujeitos, nem de causas, nem de pedidos; 11ª – Pelo que, não se formou caso julgado que obste à apreciação da reclamação contra a relação de bens apresentada pela apelante; 12ª – Ademais, não era a si que cabia o ónus da prova de indicar que o dinheiro existe, o que resulta da própria declaração subscrita pelo cabeça de casal conjugado com o teor dos extratos bancários, mas, o facto daquele o ter recebido e não o ter relacionado, e era a ele a quem cabia o ónus da prova de que não o recebeu, o que não logrou; 13ª – Por conseguinte, cabe ao cabeça de casal o ónus de relacionar a verba em falta, a fim de a mesma ser objeto de partilha no presente inventário, para o que carece a presente fase do mesmo de prosseguir os seus termos. Com efeito, o Mmo. Juiz “a quo” equivocou-se quanto à aplicação da norma prevista no art.º 621º, do CPC, pois, o caso julgado formado é insuscetível de obstar ao relacionamento da quantia em falta por parte do cabeça de casal no presente inventário, já que a mesma foi recebida após o óbito da inventariada e integra assim o acervo hereditário a partilhar, caso assim não se entenda, deve a fase processual do inventário prosseguir a fim de se apurar do destino de tal verba para efeitos de a mesma ser relacionada e partilhada.». * 4. Resposta: O cabeça de casal apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do despacho recorrido, onde conclui que: 1. Resultou da decisão judicial proferida nos autos n.º 334/22.3..., os quais correram termos no presente juízo local cível, que no âmbito do contrato de promessa de partilha celebrado, a quantia de 11.347,70 € foi recebida pela inventariada AA, e a quantia de 11.752,30 € foi recebida pelo cabeça de casal, após a morte daquela. Perfazendo assim o total de 23.100 €. 2. Tendo sido o dinheiro recebido pela inventariada, por esta despendido, enquanto viva foi. 3. Razão pela qual, não existindo tal dinheiro não pode ser agora o mesmo relacionado na relação de bens. 4. O mesmo não se dirá com a quantia de 11.752,30 €, a qual foi na sua totalidade recebida pelo cabeça de casal, após o óbito da inventariada. Fazendo assim a mesma parte do acervo hereditário, daí ter sido somente esta relacionada. 5. Tanto mais que, o acervo hereditário é constituído pelos bens patrimoniais pertencentes ao de cujus na data do respetivo óbito. 6. Razão pela qual foi indicada na relação de bens a quantia de 11.752,30 € e não de 23.100,00 €. 7. Inexistindo fundamento para a pretensão da apelante. 8. Por outro lado, no que concerne à sentença proferida nos autos n.º 334/22.3..., a qual transitou em julgado a 16/9/2024, não tendo sido impugnada a veracidade material do documento em cheque indicado, e por força do caso julgado previsto no art.º 621º do Código Civil, não pode agora a apelante impugná-lo nesta sede. 9. Pois que estamos perante a figura da autoridade de caso julgado. 10. Resultando deste modo provado, que o preço foi integralmente pago, e que o cabeça de casal, enquanto tal, declarou apenas ter recebido a quantia que relacionou. Nada mais havendo a relacionar. 11. Inexistindo também por aqui fundamento para a pretensão da apelante. 12. Por último, diga-se que competia à reclamante, de acordo com a repartição do ónus da prova, alegar e provar que a mencionada quantia ainda existe e onde se encontra depositada. O que não fez. 13. Pretendendo, contudo, que tal ónus recaia sobre o cabeça de casal, o que não se aceita. * 5. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * 6. Objecto do recurso – Questões a Decidir: – Reapreciação jurídica da causa. * II. FUNDAMENTAÇÃO 7. Os factos a ter em conta resultam do relatório. * 8. Do mérito do recurso: – Reapreciação jurídica da causa: Os interessados diretos na partilha e o Ministério Público, quando tenha intervenção principal, podem, no prazo de 30 dias a contar da sua citação, apresentar reclamação à relação de bens – cfr. art. 1104.º, n.º 1, al. d), do CPC. Se for deduzida oposição, impugnação ou reclamação, nos termos do artigo anterior, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada – cfr. art. 1105.º, n.º 1, do CPC. As provas são indicadas com os requerimentos e respostas – cfr. art. 1105.º, n.º 2, do CPC. A questão é decidida depois de efetuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz, sem prejuízo do disposto nos artigos 1092.º e 1093.º– cfr. art. 1105.º, n.º 3, do CPC. Destas normas resulta desde logo que a reclamação à relação de bens é o acto processual no qual o reclamante tem de concentrar a sua posição relativamente a ela, nomeadamente acusando a falta de relacionação de bens, e juntar os elementos de prova ou requerer a produção de diligências probatórias tendentes à prova do por si invocado. Com efeito, “… no novo regime do inventário, foi introduzido um ónus de contestação do requerimento inicial (arts. 1104.º e 1106.º) e um ónus de resposta à contestação (art.º 1105.º, n.º 1), o que implica, como efeito cominatório para a falta de resposta ao requerimento inicial ou à oposição, a aceitação dos termos desse requerimento inicial ou dessa oposição. Passa, assim, a vigorar um verdadeiro sistema de preclusões, até agora inexistente, no processo de inventário» (…) «O novo modelo do processo de inventário assenta» - como desde logo resulta das suas diferentes secções - «em fases processuais relativamente estanques e consagra um princípio de concentração, dado que fixa para cada acto das partes um momento próprio para a sua realização. Em consequência, o novo regime não pode deixar de comportar algumas cominações e preclusões», «inexistentes no regime anterior e responsáveis, sob o ponto de vista económico, pela ineficiência do anterior modelo». Dir-se-á, por isso, que o «novo modelo tem implícito um reforço da auto-responsabilidade das partes»”1. Ainda com pertinência, como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de 30/04/2025 (Amélia Puna Loupo, proc. n.º 690/22.3T8AMD-B.L1-8, www.dgsi.pt), o processo de inventário é um processo especial de jurisdição contenciosa ou litigiosa (apesar de na sua reintrodução no CPC, pela Lei nº 117/2019 de 13/09, ter sido sistematicamente inserido após os processos especiais de jurisdição voluntária, tal deveu-se apenas à intenção de salvaguardar a prévia numeração dos artigos que a estes diziam respeito), que fruto da sua reintrodução no CPC se encontra sujeito aos princípios gerais do processo civil (conforme art.º 549º nº 1), nomeadamente o da gestão e adequação processual (artºs 6º nº 1 e 547º) e o da cooperação do juiz (art.º 7º), que se encontram especificamente concretizados no processo de inventário, por exemplo, no art.º 1105º nº 3 prevendo a possibilidade de realização oficiosa de quaisquer diligências probatórias antes da decisão de saneamento, mas que não afasta a regra geral estabelecida no art.º 342º do CCivil, segundo a qual àquele “que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” (n.º 1), sendo que a “prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita” (n.º 2). Assim, daqui decorre que a iniciativa da prova cabe, como regra, à parte a quem aproveita o facto dela objecto (cfr. artºs 342º e 346º do CCivil e art.º 414º do CPC) – regras que aplicadas ao processo de inventário acarretam que quem alega falta de relacionação de bens tem o ónus da prova dessa falta2. Resultou da sentença proferida no processo n.º 334/22.3..., julgaram-se provados, para além do mais, os seguintes factos: a) O autor pagou a AA e, após a sua morte, ao seu cônjuge, ora 1º réu, prestações pecuniárias no valor global de 23.100 Euros, a título de tornas acordadas na cláusula 4ª do acordo referido em 2). b) Em 14-06-2018, o 1º réu assinou, perante Notário, que reconheceu a sua assinatura, documento intitulado “Declaração”, com o seguinte teor: “BB, NIF ..., viúvo, natural da freguesia e concelho de Vila 1, residente na Rua 1 n.º 8, na qualidade de Cabeça de Casal da Herança de AA, conforme Habilitação de Herdeiros de 12/06/2009, declara, por sua honra que recebeu de DD, NIF ..., casado com EE, residente na Rua 2, n.º 37, Freguesia e concelho de Vila 1, o valor de 11.752,30€ referente ao Contrato de Promessa de Partilha celebrado por AA e DD no dia 9 de Janeiro de 2004, a título de tornas da sua quota parte da herança de FF e seu marido GG, conforme escritura de Habilitação de Herdeiros lavrado no dia 11 de Abril de 2000 no Cartório Notarial de Vila 1, e que se compõe de uma casa de rés do chão para habitação, descrita na CRP de Vila 1 sob o n.º ...-AP 01/20000414 da freguesia de Vila 1. Declara ainda que, foram pagas todas as prestações referente ao contrato supramencionado, sendo que as restantes prestações no valor de 11.347.70€ foram recebidas ainda por AA, até à data do seu falecimento .../.../2009, sendo que esta declaração serve de recibo de quitação da totalidade das prestações, que perfaz o valor de 23.100,00€. O declarante.” Já na fundamentação da matéria dos factos provados, consta, no que para o caso importa: “Relativamente ao facto da alínea 8), conquanto respeitante à assinatura e ao teor de um documento, resulta comprovado pelo teor desse mesmo documento, que se encontra junto à petição inicial. Importa frisar que, quer na petição inicial, quer depois em requerimento de 25-07-2022 a 2ª ré, a única contestante, impugna tal documento por falsidade intelectual ou ideológica, consistente na desconformidade entre o que realmente se passou e o que se exarou nesse documento (no documento declara-se que o autor já pagou a quantia de 23.100 Euros, mas este facto é inverídico). Todavia, essa ré não impugna a falsidade material desse documento e, por conseguinte, nada obsta a que se julgue provado o facto da alínea 8).”. Ora, a sentença proferida nos autos n.º 334/22.3... transitou em julgado a 16/09/2024, sendo que tanto o aqui cabeça de casal, como a interessada CC, ora Recorrente, nele eram partes, ambos como réus. No referido processo não foi impugnada a veracidade material do documento ali indicado e acima mencionado, por isso, por força do caso julgado previsto no art.º 621º do Código Civil, não pode agora a interessada CC, que era uma das partes naquela ação, vir impugná-la nesta sede. Estamos assim perante a figura da autoridade de caso julgado, a qual importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, com objeto parcialmente coincidente ou prejudicial face ao da ação posterior, visando evitar que a relação ou situação jurídica material definida pela sentença anterior seja definida de modo diverso por outra sentença, não se exigindo a identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir. Com efeito, “a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa”3. Deste modo, tal como decidido na Primeira Instância, tem-se como assente que o preço foi integralmente pago, e que o cabeça de casal, enquanto tal, declarou apenas ter recebido a quantia que relacionou, portanto, pretendendo a requerente reclamar do valor relacionado, cabia-lhe a ela alegar e provar que o cabeça de casal recebeu mais do que o que declarou naquela ação e relacionou. Ou seja, efectivamente, como se entendeu na sentença recorrida não tem o cabeça de casal que indicar contas bancárias onde a requerente está convencida que o dinheiro foi depositado, cabia antes à reclamante, de acordo com a repartição do ónus da prova, alegar e provar que uma tal quantia ainda existe e, a encontrar-se depositada, onde se encontra. No que concerne a juros moratórios, cabia também à interessada reclamante, ora Recorrente, provar que o devedor do preço pela aquisição da quota hereditária não pagou em tempo, e que seriam devidos juros e a que taxa e liquidá-los. O que também não fez. Deste modo, em suma, impõe-se julgar totalmente improcedente o recurso de apelação e confirmar a sentença recorrida. * 9. Responsabilidade Tributária: As custas do recurso de apelação são da responsabilidade da Recorrente. * III. DISPOSITIVO Nos termos e fundamentos expostos, - Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela interessada reclamante ora Recorrente e confirmar a decisão recorrida. - Custas do recurso de apelação são a cargo da Recorrente. - Registe e notifique. * Évora, data e assinatura certificadas * Relator – Filipe César Osório 1.º Adjunto – Sónia Moura 2.º Adjunto – Ricardo Peixoto
________________________________________ 1. Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, in O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, 2020, págs. 43 e 8-9, respectivamente – citado no Acórdão do Tribunal da Relação de 30/04/2025 (Amélia Puna Loupo, proc. n.º 690/22.3T8AMD-B.L1-8, www.dgsi.pt).↩︎ 2. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. I, 4ª edição, Almedina, p. 544.↩︎ 3. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/11/2020 (Tomé Gomes, proc. n.º 7597/15.9T8LRS.L1.S1, www.dgsi.pt).↩︎ |