Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL BARGADO | ||
Descritores: | HERANÇA INDIVISA QUOTA IDEAL PENHORA | ||
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Data do Acordão: | 10/27/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I - Aos herdeiros, individualmente considerados, não pertencem direitos específicos (designadamente uma quota) sobre cada um dos bens que integram o património hereditário. II - Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito a uma fração ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fração seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar. III – Não está ferido de ilegalidade o ato de penhora do direito e ação à herança indivisa aberta por óbito de familiar, que a executada detém, se nesse ato de fizer referência de que a quota ideal do autor da sucessão é de 4/6 e na qual se inclui, previsível e nomeadamente, os bens imóveis indicados. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Por apenso à execução ordinária que o Banco Santander Totta, S.A. move a AA, BB e CC, veio a executada BB pedir que seja ordenado o levantamento da penhora realizada nos autos, por entender, em síntese, que não podia ter sido penhorado o direito e ação à herança indivisa aberta por óbito da mãe da executada, na indicada proporção de 4/6 incidentes sobre certos e determinados bens imóveis, quando a herança ainda se mantém no estado de indivisão, não dispondo os herdeiros de direitos sobre bens certos e determinados, nem sobre uma quota parte em cada um, mas apenas do direito a uma fração ideal do conjunto. Apresentados os autos ao Sr. Juiz, foi proferido despacho de indeferimento liminar do requerimento inicial. Inconformada, a executada apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem: «I. A Recorrente BB vem interpor recurso do despacho proferido nos presentes autos que decidiu indeferir liminarmente o requerimento inicial do incidente de oposição à penhora. II. Entendeu o Tribunal a quo que, “a referência feita na auto de penhora a bens que integram a herança ou à quota ideal da executada sempre se mostrará adequada por forma a identificar o direito penhorado e bem assim a determinar o valor do mesmo (para o que sempre será necessário saber quais os bens que integram a herança a extensão do direito penhorado.)”. III. Nesse seguimento, considerou o Tribunal a quo que «mostram-se adequados os termos em que o agente de execução realizou a penhora e não se encontra qualquer “ilegalidade” nessa realização.» IV. Contudo, a Recorrente não concorda com esta decisão. Porquanto, V. A Recorrente entende que a penhora realizada pelo Agente de Execução deveria ter incidido sobre a herança em si e não sobre certos e determinados bens que compõem o acervo hereditário. VI. Com efeito, tratando-se a herança de um património autónomo e indiviso, apenas se poderia proceder à penhora do quinhão hereditário na herança aberta por óbito da mãe da Executada. VII. Essa herança, composta por dívidas e determinados e concretos bens, não se esgotam nos imóveis discriminados no auto de penhora. VIII. Pelo que, a penhora não poderia ter incidido apenas e só sobre estes. IX. Enquanto não se proceder à partilha da herança da mãe da Recorrente, esta não detém qualquer direito sobre os concretos bens imóveis - que até podem vir a ser adjudicados a outros co-herdeiros. X. Pelo que, a Recorrente e os restantes herdeiros da herança são titulares, apenas, do direito a uma fracção ideal do conjunto. XI. Só com a partilha é que cada um dos herdeiros fica a conhecer e obtém a qualidade de sucessor dos concretos bens que lhe foram atribuídos. XII. Neste sentido, o Tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão de 01/07/2021, in www.dgsi.pt, considerou que “I - Com o acto de aceitação da herança líquida e indivisa os herdeiros apenas assumem uma quota ideal e abstracta do todo hereditário, e só com a partilha, ainda que com efeitos retractivos à abertura da herança, é que cada um dos herdeiros fica a conhecer e obtém a qualidade de sucessor dos concretos bens que lhe foram atribuídos. II - Aceite a herança, como universalidade de direito que é, o património hereditário, apesar de devidamente titulado, continua indiviso até ser feita a partilha. III - Até à realização da partilha cada um dos herdeiros apenas tem, na sua esfera jurídica individual, no seu património próprio, o direito a uma quota ou fracção ideal do conjunto e não o direito a uma parte específica ou concretizada dos bens que constituem o acervo hereditário. IV - É legalmente admitida a penhora do direito a uma herança por partilhar, o que é equivalente a penhora de um quinhão hereditário, ou seja, admite-se a penhora do direito que a esses bens, ainda não determinados nem concretizados, tiver o executado. V - No entanto, a lei já obsta a que se proceda à penhora de uma parte especificada de bem indiviso, como é o caso da herança, atento o que decorre do disposto nos artigos 743º, nº 1 e 781º, nºs 1 e 2, ambos do Cód. de Processo Civil.” XIII. A lei permite a penhora do direito aos bens que compõem uma herança indivisa, ainda que os mesmos não estejam determinados e concretizados, que a Recorrente tiver sobre eles. XIV. Contudo, a lei veda que, numa herança indivisa, como é o presente caso, se proceda à penhora de bens concretos e concretizados que constituem o acervo hereditário. XV. Por conseguinte, nos presentes autos, não podem ser penhorados bens concretos compreendidos no património hereditário da mãe da Recorrente. XVI. Assim, ao decidir pelo indeferimento do incidente de oposição à penhora, violou o despacho ora recorrido o disposto nos artigos 743.º e 784.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPC. XVII. Por tudo o exposto, deve ser revogado o despacho proferido pelo Tribunal a quo, admitindo-se incidente de oposição à penhora. Temos em que deve ser julgado o presente Recurso procedente e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido, admitindo-se o incidente de oposição à penhora, Assim se fará a costumada Justiça.» Admitido o recurso, foi o exequente notificado para os termos do presente incidente de oposição à penhora e do recurso, sendo que quanto a este apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão a decidir é a de saber se é ilegal a penhora realizada nos autos. III – FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS A factualidade a considerar na decisão do recurso, além da contante do relatório, é a seguinte: - Em 16.12.2021 foi penhorado o «Direito e acção à herança indivisa aberta por óbito de DD, viúva, que a executada BB detém, sendo a quota ideal da falecida de 4/6, na qual se inclui, previsível e nomeadamente, os seguintes prédios: Prédio rústico denominado "Monte Adiante", composto por montado de azinho, solo subjacente-cultura arvense montado azinho e cultura arvense, confrontando a norte com Herdade da Carazonita, a sul com Herdade da Corte Ligeira, a nascente com Herdade da Carazona e Corte Ligeira e a poente com EE, sito em Cabeça Gorda, freguesia de Cabeça Gorda, concelho de Beja, descrito na Conservatória do Registo Predial de Beja sob o nº ...31 e inscrito na matriz sob o artigo rústico nº ..., secção G1 da referida freguesia; Prédio misto, denominado "Herdade das Arrelias", composto a parte rústica por montado de azinho, solo subjacente cultura arvense montado azinho, oliveiras, olival, solo subjacente- cultura arvense olival e cultura arvense; parte urbana por habitação e dependências agrícolas, confrontando a norte com Herdade do Monte Adiante, a sul com Herdade da Lapa, a nascente com Herdade da Corte Ligeira e poente com Herdade do Monte Adiante e ... e mulher, FF, sito em Cabeça Gorda, freguesia de Cabeça Gorda, concelho de Beja, descrito na Conservatória do Registo Predial de Beja sob o nº ...29 e inscrito na matriz sob os artigos ...15º (urbano) e 1 Secção G (rústico), da referida freguesia de Cabeça Gorda» - cfr. respetivo auto de penhora. O DIREITO Escreveu-se no despacho recorrido: «(…), foi penhorado o direito da Opoente na herança aberta por óbito da sua mãe e não qualquer parte determinada dessa herança como a Opoente pretende interpretara. Assinala-se que a referência feita na auto de penhora a bens que integram a herança ou à quota ideal da executada sempre se mostrará adequada por forma a identificar o direito penhorado e bem assim a determinar o valor do mesmo (para o que sempre será necessário saber quais os bens que integram a herança a extensão do direito penhorado. Deste modo, admitindo a Opoente que se trata de uma herança ainda não partilhada e não questionando que seja herdeira, mostram-se adequados os termos em que o agente de execução realizou a penhora e não se encontra qualquer “ilegalidade” nessa realização. Por tudo isto, porque manifestamente improcedente, deverá ser liminarmente indeferido o requerimento inicial.» O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.01.1999[1], aborda com particular clareza a natureza dos direitos do herdeiro antes de efetivada a partilha: «A comunhão hereditária, geralmente entendida como universalidade jurídica, não se confunde com a compropriedade, (cfr. nº 1, do art. 1403), uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. Da aceitação sucessória apenas decorre directamente para cada um dos chamados o direito a uma quota hereditária. Os herdeiros são titulares apenas de um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito ficará a pertencer, se só a alguns ou a um, sendo os demais compensados em tornas. Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem “direitos sobre bens certos e determinados”, nem “um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um deles.» Quer isto dizer, pois, que aos herdeiros, individualmente considerados, não pertencem direitos específicos (designadamente uma quota) sobre cada um dos bens que integram o património hereditário. Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito «a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar».[2] Nessa conformidade, e como se entendeu no acórdão do STJ de 07.07.2010[3], «a cessão de quinhão hereditário não implica a cessão de bens determinados, nomeadamente imóveis, que integrem a herança, apenas originando o direito à aquisição desses bens se vierem a preencher o quinhão dos cedentes».[4] Ora, ao invés do que entende a recorrente, e como se extrai com alguma clareza do “auto de penhora”, aquilo que foi penhorado foi o «Direito e acção à herança indivisa aberta por óbito de DD, viúva, que a executada BB detém», sendo que a referência feita no auto de penhora a bens que integram a herança ou a quota ideal da executada em nada alteram a natureza do direito penhorado, sendo que tal referência «sempre se mostrará adequada por forma a identificar o direito penhorado e bem assim a determinar o valor do mesmo», como se diz na decisão recorrida, não se retirando desse auto que o que foi penhorado é o quinhão hereditário da executada na proporção de 4/6 dos prédios aí identificados. Bastaria, aliás, ter colocado um ponto final a seguir à palavra “detém”, para não haver qualquer dúvida relativamente ao que foi penhorado, ou seja, o quinhão hereditário da executada na herança aberta por óbito de DD. Diga-se, por último, que o caso decidido no acórdão da Relação do Porto de 01-07-2021[5], trazido à colação pela recorrente, é substancialmente diferente do dos autos, pois da forma como ali havia sido elaborado o auto de penhora e da correspondente certidão e encargos, o que daí se extraía era que estava penhorado naqueles autos o quinhão hereditário na proporção de 1/3 do prédio aí identificado, o que manifestamente não ocorre in casu. Em conclusão, pelas razões acabadas de expor nenhuma censura nos merece a decisão recorrida. Por conseguinte, o recurso improcede. Vencida no recurso, suportará a executada/recorrente as respetivas custas – artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas pela executada/recorrente. * Évora, 27 de outubro de 2022 (Acórdão assinado digitalmente no Citius) Manuel Bargado (relator) Albertina Pedroso (1º adjunto) Francisco Xavier (2º adjunto) __________________________________________________ [1] In BMJ 483º/211. [2] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed, pp. 347-348, e Vol. VI, p, 160; Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 2ª ed, pp. 90-92, 99 e 126; Revista dos Tribunais, nº 84, p. 196, nº 87, p. 126 e nº 88, p. 95, os dois últimos citados no acórdão da Relação do Porto de 15.05.2012, proc. 720/11.4TYVNG.P1, in www.dgsi.pt. [3] Proc. 23/2000.P1.S1, in www.dgsi.pt. [4] Ponto II do respetivo sumário. [5] Proc. 7083/09.6T2AGD-A.P1, in www.dgsi.pt. |