Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
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| Relator: | MARIA ADELAIDE DOMINGOS | ||
| Descritores: | ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS TÍTULO CONSTITUTIVO PROPRIEDADE HORIZONTAL IGREJA | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
| Sumário: | Sumário: I. Compete à assembleia de condóminos alterar o título constitutivo da propriedade horizontal no que concerne ao uso das frações que compõem o condomínio. II. Compete ao administrador do condomínio executar essa deliberação bem como a que lhe concedeu poderes para recorrer aos tribunais para esse efeito. III. É dotada de eficácia contra a proprietária das frações, a deliberação condominal que, por maioria, como exige o artigo 29.º da Lei n.º 16/2001, de 22/06 (Lei da Liberdade Religiosa), decidiu vetar a alteração do fim das frações constante do título constitutivo da propriedade horizontal, de comércio e/ou serviços para culto religioso. IV. Também não enferma de qualquer vício a deliberação que concede poderes ao administrador do condomínio para agir em juízo em defesa do assim deliberado. V. A execução da deliberação exige não só o respeito formal pelo decidido mas igualmente a condenação dos Réus a fazer cessar a atividade levada a cabo nas frações em desrespeito do fim previsto no título constitutivo da propriedade horizontal. | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 355/24.1T8ORM.E1 (Apelação)
Tribunal recorrido: TJ Comarca de Santarém, Juízo Local Cível de Ourém Apelante: Condomínio do Edifício 1 Bloco A Apelados: AA e Igreja Renovação
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora I – RELATÓRIO 1. CONDOMÍNIO DO Edifício 1, BLOCO A, sito em Vila 1, instaurou ação declarativa, sob a forma comum, contra AA e IGREJA RENOVAÇÃO, formulando os seguintes pedidos: I. Ser declarado que não existe autorização para a realização de culto religioso nas frações “O” e “AF” do Edifício 1 Bloco A., decorrente de deliberação da maioria dos condóminos. II. Ser declarado o uso indevido das frações “O” e “AF”, do Edifício 1 Bloco A, constituído em propriedade horizontal, para a realização de culto religioso. III. Serem as Rés condenadas a cumprirem a deliberação da Assembleia Ordinária de Condóminos relativa ao não uso das frações para a prática de culto religioso e, bem assim, condenadas a cessarem, imediatamente, as atividades de culto religioso, nas frações “O” e “AF”, do Edifício 1 Bloco A, constituído em propriedade horizontal. 2. Alegou, em síntese, que a 1.ª Ré é dona e legítima proprietária das frações “O” e “AF” (respetivamente, cave direita e rés-do-chão) destinadas a comércio, mas as mesmas encontram-se ocupadas pela 2.ª Ré, Igreja Renovação, e a ser utilizadas para a prática do culto religioso. Em assembleia ordinária de condóminos realizada no dia 20-01-2022, e tal como consta da respetiva Ata n.º 33, foi deliberado por maioria de condóminos que não era autorizada a alteração do uso das referidas frações. Apesar da deliberação, a 2.ª Ré começou a levar a cabo culto religioso nas ditas frações, causando descontentamento e incómodo aos condóminos dado os ruídos e vibrações produzidos naquela atividade religiosa. Tendo resultado infrutíferas as diligências que descreve junto do Município e junto da 1.ª Ré no sentido de cessar o uso indevido das frações, em assembleia extraordinária de condóminos realizada em 17-10-2023, e tal como consta da Ata n.º 35, foi deliberado por maioria dos condóminos «aprovação de interposição de ação judicial pelo não cumprimento do deliberado no ponto 4.1 da Ata n.º 33». 3. Contestou a 1.ª Ré por exceção e por impugnação, alegando, em suma, que a ocupação das frações decorre de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado com a 2.ª Ré em 29-12-2021 e que, a deliberação da assembleia de condóminos plasmada na Ata n.º 35, a afeta e contra a qual votou, é ineficaz por não respeitar a questões atinentes às partes comuns e, consequentemente, verifica-se a ilegitimidade processual do Autor. Conclui no sentido da improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido. 4. O Autor respondeu à exceção alegando, em suma, que a assembleia de condóminos tem competência para aprovar ou vetar a alteração do uso das frações inscrito no título constitutivo da propriedade horizontal e que o compete ao administrador, enquanto órgão executivo da administração, executar as deliberações da assembleia de condóminos. 5. Realizada a audiência prévia foi posteriormente proferido despacho saneador sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo as Rés do pedido. 6. Inconformado, apelou o Autor, defendendo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que julgue a ação procedente, apresentando para o efeito as seguintes CONCLUSÕES: A. Por Sentença datada de 18 de dezembro de 2024, proferida pelo Meritíssimo Juiz de direito do Tribunal a quo, a ação foi julgada totalmente improcedente, por não provada, sendo as RR. absolvidas dos pedidos formulados. B. Tem o presente recurso como objeto a apreciação da matéria de facto e de direito da decisão a quo, nos termos do disposto no art. 640.º do CPC. C. O Tribunal a quo deu como provado: 7- Em 20 de Janeiro de 2022, teve lugar uma Assembleia de Condóminos do prédio referido em 1) em que um dos pontos da ordem de trabalhos, era: “4.1. - Análise e Votação da alteração do uso das frações “O” e “AF” de comércio e/ou serviços para culto religioso.”, para a qual foi elaborada a acta com o nº 33. 8- Na Assembleia ordinária de condóminos referida em 7), compareceu o Sr. BB em representação da Ré AA. 9- Posto à votação o ponto referido em 7) na Assembleia de Condóminos, teve o seguinte resultado: 1- Votaram a favor os representantes das fracções: S, O, AD, AF, totalizando 65 votos; 2 Votaram contra os representantes das fracções: H, AL, AP, AS, AU, AZ BB, BG, BJ, BM, totalizando 202 votos. 10- Em 17 de Outubro de 2022, teve lugar uma Assembleia de Condóminos do prédio referido em 1) em que um dos pontos da ordem de trabalhos, era: “aprovação de interposição de ação judicial pelo não cumprimento do deliberado no ponto 4.1 da Ata n.º 33.” D. O tribunal a quo, deu tais factos como provados com base nos documentos juntos aos autos. E. O Tribunal a quo deu, ainda, como provado o facto que elenca no ponto 11- da Sentença: “11- Posto à votação o ponto referido em 10) na Assembleia de Condóminos, teve o seguinte resultado: 1- Votaram a favor os representantes das fracções: O, AF, totalizando 45 votos; 2- Votaram contra os representantes das fracções: A, AA, AH, AL, AN, AO, AP, AR, AS, AV, AX, AZ, B, BC, BE, BJ, BN, BO, C, D, F, G, I, L, M, Q, T, U, X, Z, totalizando 455 votos.” F. Ora, o Autor, aqui Recorrente, salienta que o Tribunal não poderia dar como provado o facto elencado em 11- , e que por certo de um lapso de escrita se tratou, porquanto o que consta na ATA N.º 35 é “Colocado à votação a deliberação de colocação de ação judicial pelo não cumprimento do deliberado no ponto 4.1 da Ata n.º 33, , esta obteve a seguinte votação: - Votos as favor > 455 - Votos contra > 45” G. Não obstante de um lapso de escrita se tratar, sempre terá de ser retificado o ponto 11, constando do mesmo os exatos termos constantes da deliberação. H. Com todo o respeito, que é muito e se estende a tudo quanto o aqui alegado, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, não obstante a sua reconhecida competência técnica, fez uma errada apreciação dos factos e da prova o que, consequentemente, levou a uma distorcida aplicação do princípio da livre apreciação da mesma. I. A matéria de facto dada como provada, levava a outra aplicação do direito, no que concerne à (in)competência da assembleia de condóminos quanto às deliberações tomadas, quanto à (in)validade e (in)eficácia de tais deliberações e quanto à (i)legitimidade do condomínio para instaurar a ação. J. A Sentença, alicerça toda a sua decisão numa deliberação inexistente, mais precisamente numa “deliberação que determinava que cessasse a utilização de duas frações autónomas para a realização de um culto religioso”. K. Com base no seu raciocínio o Tribunal a quo entendeu que a assembleia de condóminos não tinha competência para determinar a cessação da utilização das frações pertencentes à R., declarando essa deliberação inválida e ineficaz. L. Não tendo competência para tal deliberação, consequentemente carecia de legitimidade para requerer na presente ação aquela cessação de utilização das frações para uso de culto religioso. M. Como se pode constatar da prova documental junta aos autos e da petição inicial, não foi deliberado, nem levado a votação a “determinação da cessação das duas frações autónomas para a realização de culto religioso”. N. O assunto levado a análise e votação, a 20 de janeiro de 2022, em Assembleia Geral de Condóminos, foi outrossim a “Análise e votação da alteração do uso das frações “O” e “AF” de comércio e/ou serviços para culto religioso”. O. Não tendo sido aprovada a alteração do uso das frações - ATA N.º 33. P. Posteriormente, a 17 de outubro de 2023, em Assembleia Extraordinária de Condóminos, foi levado a análise e votação a “Aprovação de interposição de ação judicial pelo não cumprimento do deliberado no ponto 4.1 da Ata n.º 33. Q. O que foi aprovado - ATA N.º 35. R. Ora, é à Assembleia de Condóminos que compete deliberar pela modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, cfr. disposto no n.º 1, do artigo 1419.º do Código Civil e é também àquela assembleia que compete deliberar pela alteração do uso de fração autónoma para culto religioso, cfr. previsto no n.º 1, do artigo 29.º da Lei n.º 16/2002, de 22 de junho (Lei da Liberdade Religiosa). S. Em linha com o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Proc. n.º 2389/14.5TBPTM.E1, de 27-06-2019, “Resulta do regime legal que a alteração da destinação de uma fração autónoma depende do acordo do universo dos condóminos, importando a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, o que constitui uma importante limitação do direito de propriedade exclusiva que cada condómino exerce sobre a fração de que é titular.” T. Nesta senda, a deliberação de não ser autorizada a alteração do uso das frações “O” e “AF” para culto religioso, tem-se por válida e eficaz. U. O Condomínio nunca deliberou pela cessação da utilização das frações, para que o Tribunal viesse a entender que a assembleia não tinha competência. V. Não podia o Tribunal a quo pronunciar-se, declarando inválida e ineficaz uma deliberação que não existiu. W. Pese embora, a alteração do uso não tenha sido aprovada, as RR. não respeitando a deliberação [ATA n.º 33], continuaram a utilizar as frações para um uso que não foi aprovado – culto religioso. X. Motivo pelo qual foi necessária a realização da assembleia extraordinária de condóminos, a 17 de outubro de 2023, constando na ATA N.º 35 para análise e votação a “Aprovação de interposição de ação judicial pelo não cumprimento do deliberado no ponto 4.1 da Ata n.º 33”. Y. Deliberação que se tem, também, por válida e eficaz, porquanto a assembleia de condóminos podia levar o assunto a análise e votação e, bem assim, expressamente mandatar o Condomínio, representado pela Administração, para interpor a pretensa ação judicial. Z. Contrariamente ao que decidiu o Tribunal a quo, que tendo por base uma deliberação que não existiu, veio julgar pela ilegitimidade substantiva do condomínio. AA. Conforme espelha, ainda, o supra referido Acórdão “(...) a violação das interdições constantes no n.º 2, do art. 1422.º e a tomada de medidas tendentes à reposição da legalidade se inscreve nas competências deliberativas da assembleia, contendo-se ainda nas funções do administrador, a quem compete, para além do mais, assegurar “a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio”. BB. Desta feita, têm-se por válidas e eficazes as deliberações, mais precisamente a 4.1 da ATA N.º 33 e a 1. da ATA N.º 35, porquanto ambas concernem à alteração do uso das frações “O” e “AF”. CC. Sendo que a alteração do uso das frações, nos presentes autos, carecia da aprovação, por maioria, dos condóminos. DD. A Sentença do Tribunal a quo decidiu com base numa interpretação de uma deliberação que não decorre, nem se retira da ATA N.º 33. EE. Consequentemente, declarou a tal deliberação inválida e ineficaz, não reconhecendo legitimidade do condomínio para a executar judicialmente. FF. Sempre devia o Tribunal ter declarado válida e eficaz a deliberação da assembleia de condóminos, que votaram contra a alteração do uso, que foi realizada ao abrigo e em conformidade com a lei e que consequentemente a deliberação para o condomínio a poder executar judicialmente também se encontra conforme a lei. GG. Vindo, posteriormente o A. a instaurar a ação judicial, devidamente mandatado pela assembleia de condóminos (ATA N.º 35), visando o cumprimento da ATA N.º 33. HH. Dúvidas não podem restar, que houve um erro quanto à interpretação e à apreciação da deliberação, pelo que dos factos considerados provados e nos exatos termos das deliberações, é exigível uma decisão de mérito da ação com justiça e equidade.» 7. Não foi apresentada resposta ao recurso. II- FUNDAMENTAÇÃO A. Objeto do Recurso Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar: - Impugnação da decisão de facto - Ilegitimidade do Autor - Mérito da causa B- De Facto A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto: Factos Provados «1- O prédio do ..., Bloco A, sito na Estrada Principal de Vila 1, nº 17, em Vila 1, concelho de Ourém, encontra-se constituído em regime de propriedade horizontal, desde 11 de março de 1990, conforme Escritura Pública outorgada, naquela data, no Cartório Notarial de Ourém. 2- Fazem parte do prédio referido em 1), entre outras, a fração “O”, correspondente à cave direita retaguarda destinada a comércio, designada pelo número catorze, constituída por uma única divisão, com saída direta para a rua e para a galeria, com a área de cento e cinquenta e cinco metros quadrados, com o valor relativo de vinte e cinco por mil, do valor total do prédio, e a fração “AF”, correspondente ao Rés do-chão direito retaguarda destinada a comércio, designado pelo número catorze, constituído por uma única divisão e um terraço, com saída direta para a galeria, com a área de cento e setenta e cinco metros quadrados, com o valor relativo de vinte por mil, do valor total do prédio. 3- A Ré AA é a dona e legítima proprietária de ambas as frações referidas em 2). 4- Ambas as frações referidas em 2) estão ocupadas e encontram-se a ser utilizadas pela “Igreja Renovação”, para a realização de um culto religioso. 5- A R. AA celebrou com CC, um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, designadamente para comércio, datado de 29 de Dezembro de 2021, em que aquela deu de arrendamento a este ultimo as fracções mencionadas em 2). 6- A empresa GESCOFATI, Lda, foi e continua a ser, por deliberações dos condóminos eleita/nomeada Administradora do prédio referido em 1). 7- Em 20 de Janeiro de 2022, teve lugar uma Assembleia de Condóminos do prédio referido em 1) em que um dos pontos da ordem de trabalhos, era: “4.1. - Análise e Votação da alteração do uso das frações “O” e “AF” de comércio e/ou serviços para culto religioso.”, para a qual foi elaborada a acta com o nº 33. 8- Na Assembleia ordinária de condóminos referida em 7), compareceu o Sr. BB em representação da Ré AA. 9- Posto à votação o ponto referido em 7) na Assembleia de Condóminos, teve o seguinte resultado: 1- Votaram a favor os representantes das fracções: S, O, AD, AF, totalizando 65 votos; 2- Votaram contra os representantes das fracções: H, AL, AP, AS, AU, AZ BB, BG, BJ, BM, totalizando 202 votos. 10- Em 17 de Outubro de 2022, teve lugar uma Assembleia de Condóminos do prédio referido em 1) em que um dos pontos da ordem de trabalhos, era: “aprovação de interposição de ação judicial pelo não cumprimento do deliberado no ponto 4.1 da Ata n.º 33.” 11- Posto à votação o ponto referido em 10) na Assembleia de Condóminos, teve o seguinte resultado: 1- Votaram a favor os representantes das fracções: O, AF, totalizando 45 votos; 2- Votaram contra os representantes das fracções: A, AA, AH, AL, AN, AO, AP, AR, AS, AV, AX, AZ, B, BC, BE, BJ, BN, BO, C, D, F, G, I, L, M, Q, T, U, X, Z, totalizando 455 votos.» C. Do Conhecimento das questões suscitadas no recurso 1. Impugnação da decisão de facto Alega o Apelante que o objeto do recurso abrange a matéria de facto invocando o disposto no artigo 640.º do CPC. Preceito que rege em relação aos requisitos da impugnação da decisão de facto, sujeitando o impugnante aos ónus ali previstos, sob pena de rejeição da impugnação. No caso, o Apelante alega do seguinte modo: o tribunal recorrido não poderia dar como provado o facto elencado em 11, o que fez certamente por lapso de escrita, porquanto o que consta da Ata n.º 35 é «Colocado à votação a deliberação de colocação de ação judicial pelo não cumprimento do deliberado no ponto 4.1 da Ata n.º 33, esta obteve a seguinte votação: - Votos a favor > 455 – Votos contra <45.» Analisando o teor dos pontos 10 e 11 dos factos provados e lida a referida Ata n.º 35, não descortinámos qualquer lapso ou erro na apreciação do seu teor, considerando que o que ficou a constar nestes pontos foi: «10- Em 17 de Outubro de 2022, teve lugar uma Assembleia de Condóminos do prédio referido em 1) em que um dos pontos da ordem de trabalhos, era: “aprovação de interposição de ação judicial pelo não cumprimento do deliberado no ponto 4.1 da Ata n.º 33.” 11- Posto à votação o ponto referido em 10) na Assembleia de Condóminos, teve o seguinte resultado: 1- Votaram a favor os representantes das fracções: O, AF, totalizando 45 votos; 2- Votaram contra os representantes das fracções: A, AA, AH, AL, AN, AO, AP, AR, AS, AV, AX, AZ, B, BC, BE, BJ, BN, BO, C, D, F, G, I, L, M, Q, T, U, X, Z, totalizando 455 votos.» A única diferença afigura-se-nos ser a referência às frações cujos proprietários votaram contra e as frações cujos proprietários votaram a favor. O que corresponde exatamente ao que consta da Ata n.º 33. Não se alcança, assim, a razão da impugnação, pois nem sequer se descortina que haja qualquer lapso, sendo perfeitamente claro qual o objeto da deliberação: “aprovação de interposição de ação judicial pelo não cumprimento do deliberado no ponto 4.1 da Ata n.º 33.”. Nestes termos, improcede a impugnação da decisão de facto. 2. Legitimidade processual do Autor Na contestação, a 1.ª Ré contestante, ora recorrida, expressamente invocou a «ilegitimidade processual da Autora» por a deliberação ata da assembleia de condóminos n.º 35 ser ineficaz. Todavia, percebe-se da argumentação utilizada que não era a legitimidade processual ou ad causam que estava a ser invocada, mas sim a legitimidade substantiva, pois o raciocínio explanado na contestação centra-se na falta de competência da assembleia de condóminos, órgão deliberativo do condomínio, para deliberar sobre «as questões atinentes às partes comuns» enfermando tal deliberação de ineficácia em relação à Ré, que não a aprovou, e, consequentemente daí resultar, no entender da Ré, a falta de legitimidade do Autor. A questão da legitimidade do Autor, como é bom de ver, é colocada não em termos de pressuposto processual (legitimidade processual), mas sim em termos de mérito e de (im)procedência da ação (legitimidade substantiva). Terá também nesses termos entendido o tribunal recorrido, porquanto no saneamento do processo considerou as partes legítimas sem nada mais concretizar, analisando em termos de mérito a pretensão do Autor, correlacionando-a com a questão dos poderes/competências deliberativas que assistem à assembleia de condóminos e às funções de execução das mesmas por parte do administrador do condomínio. Nestes termos, e considerando o disposto nos artigos 12.º, alínea a), 15.º e 1437.º do CPC, sem olvidar o disposto no artigo 30.º do mesmo diploma legal, o Autor é dotado de legitimidade ad causam para a presente ação. O demais, é questão de mérito que se aprecia de seguida. 3. Do mérito da sentença A questão que o recurso coloca é a de saber se a assembleia de condóminos tem poderes deliberativos sobre o destino, o uso, utilização ou fim (como se queira dizer) das frações do imóvel em causa nos autos, sabendo-se de antemão, por um lado, que as frações são pertença exclusiva do seu proprietário, o qual é comproprietário das partes comuns (artigo 1420.º do CC), ou seja, as frações não são partes comuns e, por outro lado, que os poderes deste «órgão deliberativo estão, circunscritos, de forma inderrogável, às relações respeitantes ao uso, gozo e conservação das coisas e serviços comuns, estando-lhe vedado invadir a esfera da propriedade individual e exclusiva de cada condómino (…) sob pena de, fazendo-o, a deliberação ser ineficaz, isto é, não produzir os efeitos que se destina a produzir, salvo se o condómino atingido aceitar expressamente o sacrifício que (indevidamente) lhe é imposto.»1 Todavia, e como autor acima citado também refere, há desde logo uma exceção que decorre do artigo 1418.º, n.º 2, alínea b), do CC, ou seja, os condóminos ao aprovarem o título constitutivo da propriedade e o correspondente Regulamento do condomínio estão munidos de poderes legais para disciplinar «o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das frações autónomas». Relevando para o caso em a questão do uso das frações autónomas. Sendo que também compete à assembleia de condóminos, nos termos do artigo 1419.º do CC, modificar o título constitutivo da propriedade horizontal desde que cumpra os requisitos previstos neste normativo ou «em lei especial», porquanto o n.º 1 ressalva precisamente a possibilidade de haver normas especiais que derrogam as regras gerais do referido preceito. Assim sendo, o que cabe averiguar é se as deliberações plasmadas nas Atas n.ºs 33 e 35 - sendo que a última é meramente instrumental em relação à primeira e, portanto, não se pode atacar a segunda sem colocar também em causa a primeira - se enquadram nos poderes da assembleia de condóminos. Relembrando-se que as deliberações se pronunciaram sobre o seguinte: Deliberação de 20-01-2022 (Ata n.º 33), debruçou-se sobre o ponto 4.1 da ordem dos trabalhos: «Análise e Votação da alteração do uso das frações “O” e “AF” de comércio e/ou serviços para culto religioso» tendo a maioria dos presentes votado contra. Deliberação de 17-10-2022 (Ata n.º 35), debruçou-se sobre o ponto da ordem dos trabalhos que incidia sobre: «aprovação de interposição de ação judicial pelo não cumprimento do deliberado no ponto 4.1 da Ata n.º 33.» Duvidas não restam que o objeto da deliberação foi a possível alteração do uso das ditas frações em relação ao destino que estava previsto no título constitutivo da propriedade horizontal (comércio e/ou serviços) para outro diverso (culto religioso). Como se disse, a deliberação de 17-10-2022 apenas concedeu poderes ao administrador para executar a deliberação de 20-01-2022, o que se enquadra dentro dos poderes deliberativos da assembleia de condóminos e das funções do administrador como decorre do artigo 1436.º, n.º 1, alínea i), do CPC, ao estipular que «São funções do administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia (…) Executar as deliberações da assembleia que não tenham sido objeto de impugnação, no prazo máximo de 15 dias uteis, ou no prazo que para aquele facto for fixado, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada.» De acordo com os elementos que constam dos autos as referidas deliberações não foram impugnadas, nem em termos de procedimento cautelar de impugnação de deliberações sociais (artigo 380.º do CPC), nem em termos de ação de anulação através da ação de impugnação (artigo 1433.º do CC), encontrando-se, à data da insaturação da presente ação, ultrapassados os prazos legais previstos para esse efeito. A sentença recorrida invoca, contudo, a ineficácia da deliberação tomada em 17-10-2022, que, como se disse, apenas concedeu poderes ao administrador para executar a deliberação de 20-01-2022, pelo que a ineficácia sempre teria de igualmente ser aferida em relação às duas deliberações. As deliberações das assembleias de condóminos, como é sabido, podem enfermar de irregularidades (vícios) que também afetam outras deliberações tomadas noutros domínios. Vícios que podem corresponder a nulidades (quando são violadas normas de cariz imperativo – cfr., v.g., no âmbito da propriedade horizontal, os artigos 1421.º, n.º 1, 1427,º, n.º 1, 1428.º, n.º 1, e 1429.º, n.º 1, do CC), anulabilidades (vício que, em relação às deliberações das assembleias de condóminos, o legislador considerou como sendo o que normalmente as pode afetar – cfr. 1433.º do CC), ou, então, podem ser ineficazes (as que tenham por objeto assuntos que exorbitam a esfera de competência da assembleia de condóminos – cfr. artigo 1430.º do CC).2 Ineficácia, todavia, sanável, a todo o tempo, desde que o deliberado seja ratificado pelo interessado.3 Como se encontra decidido no acórdão da Relação do Porto4, entre outros, por se tratar de jurisprudência consensual: «II - A assembleia de condóminos só pode decidir sobre questões que digam respeito às partes comuns do edifício, não podendo interferir com a administração que cada condómino faça da sua fracção. As deliberações que tomar e que não se prendam com a administração das partes comuns são ineficazes.» Todavia, e como sublinham Pires de Lima e Antunes Varela5, em anotação ao artigo 1419.º do CC, a lei permite a modificação do título constitutivo de propriedade por acordo de todos os condóminos, desde que obedeça aos requisitos de forma previstos na lei e aos requisitos de substância, sendo estes reportados ao objeto da modificação, incluindo nele a alteração do fim a que se destinam as frações. Deste modo, a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal no que diz respeito ao uso das frações autónomas radica na competência dos condomínios e, consequentemente, dos poderes deliberativos da assembleia de condóminos, constituindo uma limitação ao direito de propriedade sobre as frações de que são exclusivos proprietários. Com este mesmo alcance foi decidida a questão colocada no Acórdão da Relação de Évora de 27-06-20196, onde se discutia a validade de uma deliberação condominal relativa à utilização de uma fração para culto religioso e a obras de ação social, constando do seu sumário: «Resulta do regime legal que a alteração da destinação de uma fracção autónoma depende do acordo do universo dos condóminos, importando a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, o que constitui uma importante limitação do direito de propriedade exclusiva que cada condómino exerce sobre a fracção de que é titular.» Chegados a este ponto da análise é mister concluir que a deliberação tomada pela assembleia de condóminos de 20-01-2022 e a deliberação de 17-10-2022, tendo a primeira negado a alteração do uso das frações em causa nos autos para efeitos de serem utilizadas para culto religioso, e a segunda concedido poderes ao administrador para executar a dita primeira deliberação, se enquadram dentro dos poderes deliberativos da assembleia de condóminos e das funções do administrador como decorre dos artigos 1418.º, n.º 2, alínea b), 1419.º e 1436.º, n.º 1, alínea i), do CPC. E se dúvidas houvesse em face da lei geral, por via de legislação especial a igual conclusão se chegava, porquanto a Lei n.º 16/2001, de 22-06 (Lei da Liberdade Religiosa) prescreve no seu artigo 29.º (que regula a «Utilização para fins religiosos de prédios destinados a outros fins»): «1 - Havendo acordo do proprietário, ou da maioria dos condóminos no caso de edifício em propriedade horizontal, a utilização para fins religiosos do prédio ou da fracção destinados a outros fins não pode ser fundamento de objecção, nem da aplicação de sanções, pelas autoridades administrativas ou autárquicas, enquanto não existir uma alternativa adequada à realização dos mesmos fins. 2 - O disposto no n.º 1 não prejudica os direitos dos condóminos recorrerem a juízo nos termos gerais.» Donde decorre que também por esta via se conclui que compete à assembleia de condóminos regular por acordo da maioria (derrogando nessa parte o n.º 1 do artigo 1419.º do CC que impõe o acordo de todos os proprietários) a «utilização para fins religiosos do prédio ou da fracção destinados a outros fins». E sendo tomada tal deliberação pelo órgão deliberativo competente quando a mesma seja no sentido de negar a alteração da utilização da fração para fins diferentes daqueles que constam do título constitutivo da propriedade horizontal, como sucede no caso presente em que, por maioria, se decidiu negar a alteração do uso para fins de comércio e/ou serviços para uso de culto religioso das duas frações a que se vem aludindo, carece tal deliberação de ser executada, porquanto o seu não acatamento e completo desrespeito por parte das Rés, respetivamente, proprietária das frações e arrendatária das mesmas, confere ao administrador poderes para agir em juízo (concedidos pela deliberação posterior) em ordem a dar execução à deliberação inicial. O que resulta, como já acima referido do disposto no artigo 1436.º, n.º 1, alínea i), do CC, e sempre decorria da norma geral do artigo 2.º, n.º 2, do CPC. O que significa que não se pode acompanhar a sentença recorrida, pois teve sempre como ângulo de análise, e como bem refere a recorrente, uma leitura menos correta do teor das deliberações, mormente a tomada em 20-01-2022. É evidente que a deliberação que vetou a alteração do uso das frações para utilização de culto religioso, negando a alteração do fim a que se destinam as frações em conformidade com o título constitutivo da propriedade horizontal, enquadrando-se nas competências deliberativas do órgão e não sofrendo de qualquer vício, carece de ser acatada pela proprietária de tais frações, respeitando-a não apenas formalmente, mas também em termos práticos, não dando uso diferente às mesmas. Ao fazê-lo viola o decidido, que a vincula, por nenhum vício ter sido aposto às deliberações e as mesmas, como resulta à saciedade do que acima se explanou, não enfermam da alegada ineficácia, pelo que assiste ao Autor o direito de ver respeitada tal deliberação, o que passa pela aceitação da validade da mesma e pelo seu acatamento em termos jurídicos e práticos por parte dos Réus, ou seja, as frações não podem ser utilizadas para efeitos de culto religioso como vem acontecendo. Donde decorre, que todos os pedidos formulados nesta ação devem ser julgados procedentes, improcedendo o recurso com a inerente revogação da sentença recorrida. Dado o decaimento, as custas nas duas instâncias ficam a cargo dos Apelados (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP. III- DECISÃO Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente o recurso e, consequentemente, revogam a sentença recorrida, julgando a ação totalmente procedente. Custas nos termos sobreditos. Évora, 30-10-2025. Maria Adelaide Domingos (Relatora) Maria João Sousa e Faro (1.ª Adjunta) Manuel Bargado (2.º Adjunto)
____________________________________________ 1. ABÍLIO NETO, Manual da Propriedade Horizontal, Ediforum, 4.ª ed., reformulada, março 2015, p. 642.↩︎ 2. Veja-se, assim, Ac. STJ, de 08-06-2020, proc. n.º 13377/06, Sumários, 2010, p. 519 e CJ/STJ, 2010, 2.º, p. 162.↩︎ 3. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, p. 448, em anotação ao artigo 1433 (2).↩︎ 4. Proc. n.º 303/12.1TJPRT.P1, em www.dgsi.pt↩︎ 5. Ob. cit., pp. 414-415 (2 e 3).↩︎ 6. Proc. n.º 2389/14.5TBPTM.E1, em www.dgsi.pt↩︎ |