Decisão Texto Integral: |
ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
I.Relatório
Os executados BB e mulher CC deduziram o presente incidente, por via do qual arguiram a nulidade decorrente da sua alegada falta de citação para os termos da presente ação executiva, tendo requerido que fossem declarados como não citados, declarando-se nulo todo o processado subsequente ao requerimento executivo.
Alegaram os arguentes, em síntese, que se encontram a residir na Suíça, ele desde de 24.06.1990 e ela desde 21.12.1997, deslocando-se esporadicamente, em férias, a Portugal, sendo que a última vez que se deslocaram ao território nacional foi no final do ano de 2013, durante a época do Natal e da passagem do ano, tendo ainda o cônjuge marido, após essa data, se deslocado ao território nacional uma única vez, entre os dias 25 e 27 de Abril de 2015.
Mais alegaram que nunca tiveram conhecimento das citações que foram concretizadas no âmbito dos autos de execução, por não lhes ter sido entregues as cartas de citação ou cópias das aludidas citações e que tais citações seriam, em todo o caso nulas, já que das mesmas, sempre resultaria um encurtamento do prazo de que os arguentes dispunham para se oporem à execução, caso tivessem sido citados com referência à sua residência, sita na Suíça.
Regularmente notificado o exequente deduziu oposição, opondo-se à pretensão dos arguentes, por considerar regular a sua citação.
Procedeu-se à produção de prova e julgado o incidente improcedente, por não provado, e condenados os executados, como litigantes de má-fé, em multa, que se fixou em 10 (dez) Ucs, para cada um, os executados não se conformando com a decisão prolatada dela interpuseram recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“1ª Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou improcedente a arguição de nulidade por falta de citação deduzida pelos Executados, aqui Recorrentes, no entendimento de que estes não lograram ilidir a presunção de entrega das cartas de citação que lhes foram dirigidas, condenando-os ainda como litigantes de má-fé.
2ª Essa é a decisão com que os Recorrentes não se conformam, que reputam como materialmente injusta e contrária à boa aplicação do Direito, e que pretendem ver submetida à prudente apreciação desse Venerando Tribunal.
3ª Na verdade, a citação, enquanto ato pelo qual se dá a conhecer a alguém que contra si pende um processo judicial, pode ser efetivada por via postal mediante remessa de carta registada com aviso de receção para o domicílio profissional ou pessoal do citando (art. 228º, nº 2, do CPC).
4ª Tal não se verificou nestes autos, tendo as cartas de citação sido enviadas para morada no concelho de Amarante que não constitui domicílio de qualquer espécie para os Recorrentes, há muito emigrados na Suíça.
5ª Com efeito, mostra-se pacificamente assente nos autos que a morada que consta da escritura pública de compra e venda dada à execução como residência dos Recorrentes é a Av. … 00-Vevey, Suíça.
6ª Na verdade, essa era a morada que o banco Exequente lhes conhecia e para a qual lhes endereçou interpelações para pagamento dos quantitativos que posteriormente viria a reclamar nos autos!
7ª Com efeito, consta expressamente da cláusula DÉCIMA SEGUNDA do documento complementar elaborado para integrar da escritura pública dos autos a previsão de que a morada indicada pelos mutuários no contrato “será considerada, também, a do seu domicílio, para efeito de citação, em caso de litígio”, o que constitui o estabelecimento de um domicílio eletivo ou convencionado (art. 84º do CC).
8ª Ademais, verdade é que resulta igualmente assente nos autos que os Recorrentes estão emigrados na Suíça há vários anos, não tendo residência na morada do concelho de Amarante para onde foram dirigidas as missivas de citação, o que aliás consta da fundamentação da douta sentença em crise sob os factos provados 1) e 2).
9ª Era, pois, na aludida morada suíça que os Recorrentes haviam de ter sido citados, não lhes sendo imputável que o banco Exequente tenha promovido a sua citação noutra morada que não aquela, que é a sua residência.
10ª Na verdade, é inócua para a apreciação da questão a factualidade que se mostra vertida nos factos provados sob os nºs 4) e 5) da sentença em crise no sentido de o imóvel a que corresponde a aludida morada no concelho de Amarante estar inscrita na matriz a favor do Executado Recorrente sob menção de ser aquela a sua residência, à luz do disposto nos arts. 84º e 364º, nº 1, do CC
11ª Ora, a morada indicada pelo banco Exequente no Requerimento Executivo para efeitos de citação não é residência nem local de trabalho dos Recorrentes (art. 228º, nº 2, do CPC), nem tão pouco é o seu domicílio convencionado nos termos do já visto art. 84º do CC.
12ª A verdade é que entre dezembro de 2013 e 25 de abril de 2015 os Recorrentes não estiveram em Portugal, não receberam nem lhes foi entregue qualquer citação, assim não lhes tendo sido possível dela tomarem conhecimento.
13ª Nos termos do art. 188º, nº 1, al. e), do CPC verifica-se a falta de citação quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável, à luz da diligência exigível a um bom pai de família em face do condicionalismo do caso concreto (art. 487º, nº 2, do CC).
14ª E isso mostra-se plenamente demonstrado nos autos, motivo pelo qual o tribunal havia de ter concluído por um efetivo desconhecimento do ato de citação por parte dos aqui Recorrentes, sem qualquer culpa sua, assim se afastando a presunção de efetiva entrega da carta de citação.
15ª O Tribunal de primeira instância entendeu ainda ser de condenar cada um dos Executados, aqui Recorrentes, com litigante de má-fé, na multa de 10 Unidades de Conta – arts. 542º, nº 2, als. a) e d), do CPC e art. 27º, nº 3, do Regulamento das Custas Processuais.
16ª Não obstante, e por tudo o exposto, não tem qualquer reflexo nos autos a consideração de que os mesmos fizeram um uso reprovável do incidente de que lançaram mão, antevendo a sua improcedência, com intuitos unicamente dilatórios.
17ª Os Recorrentes limitaram-se a recorrer a juízo para fazerem valer pretensão legítima e que entendem fundada nos factos alegados, cuja razão de ser esperavam que o Tribunal viesse a reconhecer, como seguramente esse Venerando Tribunal fará.
18ª Com efeito, sempre os Recorrente procederam de boa-fé, com a convicção de que o Tribunal dar-lhes-ia razão a final, sem qualquer réstia de desrespeito pela lei, pelo Tribunal ou pela contraparte.
19ª Assim sendo, não pode manter-se a condenação dos Recorrentes como litigantes de má-fé, sob pena de gritante violação dos direitos de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional, à luz do disposto no art. 20º da Constituição.
20ª Face ao exposto, a decisão recorrida violou de forma manifesta o disposto nos arts. 84º, 364º, nº 1, e 487º, nº 2, do CC, o prescrito nos arts. 188º, nº 1, al. e), 228º, nº 2, e 542º do CPC, o disposto no art 27º, nº 3, do Regulamento das Custas Processuais, e ainda o consagrado no art. 20º da Constituição.
(…)
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser a douta sentença em crise revogada e substituída por decisão que declare a nulidade do processado decorrente da falta de citação dos Executados/Recorrentes e revogue a sua condenação como litigantes de má-fé
Assim se fazendo JUSTIÇA!”.
II. Objecto do Recurso
Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC).
São, pois, questões a decisdir:
- Da (in)verificação da falta de citação dos executados;
- Da litigância de má-fé.
III. Fundamentação
1.De Facto
Factos Provados
1) Com vista à concretização da citação dos executados BB e mulher CC, o Sr. AE remeteu a estes cartas registadas, datadas de 28.05.2014, com aviso de receção, para a morada sita na Rua dos …, n.º …, Ataúdes, Amarante.
2) Os executados são emigrantes na Suíça, desde de data não concretamente apurada, mas anterior a 13.05.2011, tendo residência, nesse país, na Av. … 00, Vevey, Suíça.
3) As cartas referidas em 1) foram rececionadas, na morada para a qual foram endereçadas, em 04.06.2014, pela mãe do executado, Maria … B….
4) O imóvel a que corresponde a morada mencionada em 1) encontra-se inscrito na matriz a favor do executado, tendo o mesmo declarado, perante a Autoridade Tributária, ser residente na morada mencionada em 1).
5) Também o imóvel que foi penhorado no âmbito destes autos encontra-se inscrito na matriz a favor do executado, tendo o mesmo novamente declarado, perante a Autoridade Tributária, ser residente na morada mencionada em 1).
2. Factos não Provados
Não se logrou provar que:
1) Que as cartas mencionadas em 1) não tivessem sido entregues aos executados.
2) Que os executados apenas se tivessem deslocado a Portugal no final do ano de 2013/ início de 2014 e após essa data o executado marido apenas se tivesse deslocado a Portugal entre os dias 25 e 27 de Abril de 2015.
2. O Direito
A única questão a apreciar, como vimos, é relativa à citação dos executados, tendo o tribunal a quo, no âmbito do incidente requerido pelos executados, no qual alegaram, que não haviam recebido a carta de citação, porquanto a mesma não havia sido remetida para a sua residência, que se localiza na Suíça, onde são emigrantes, a que acresce o facto do banco exequente conhecer a morada da residência dos executados e para a qual lhes endereçou as interpelações para pagamento da divida, ora exequenda, tanto mais que consta expressamente da cláusula 12.ª do documento complementar e integrante da escritura pública, dados à execução, a previsão de que a morada indicada pelos mutuários no contrato – “será considerada, também, a do seu domicílio, para efeito da citação, em caso de litígio”, ter entendido que os executados não receberam a citação, que que a citação é válida e eficaz, à luz das previsões previstas nos art.ºs 225.º, n.º 4 e 230.º, n.º 1 do CPC.
Ora, o acto de citação tem natureza receptícia[1], constituindo pressuposto necessário do exercício do direito de defesa, constitucionalmente garantido (art.º 20.º da CRP).
É através do acto de citação que se dá conhecimento ao R./executado de que foi proposta contra ele determinada acção judicial e se chama ao processo para se defender (art.º 228.º do CPC).
A citação é o acto processual mais relevante tendente a assegurar a realização dos princípios do contraditório e da transparência e que, assim, em termos abstractos, permite que sejam impulsionadas e perfectibilizadas as garantias de defesa.
Sendo o efectivo conhecimento da pendência de um processo contra o réu, executado ou requerido um elemento essencial para o exercício do direito de defesa, é evidente e inquestionável a relevância do acto de citação e cumprimento escrupuloso das respectivas formalidades, funcionalmente conexionadas com a garantia de que o destinatário teve efectivo acesso aos elementos que a lei impõe que lhe sejam facultados, como condição para poder exercitar o seu direito fundamental de acesso aos tribunais.
No art.º 195.º, n.º 1, do CPC, norma relativa às regras gerais da nulidade dos actos processuais, estabelece-se que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreve, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Como é sabido, as nulidades de processo, importando a anulação do processado, são desvios do formalismo processual: prática de um acto proibido, omissão de um acto prescrito na lei e a realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido[2].
A citação pode padecer de irregularidades a comprometer a sua função, distinguindo a lei as que originam falta de citação das que acarretam nulidade de citação.
Com efeito, é consabido que, existem duas modalidades de nulidade da citação: a falta de citação propriamente dita, prevista no art.º 188.º, do CPC, e a nulidade da citação, em sentido estrito, regulada no art.º 191.º, do mesmo diploma legal, que não se confundem.
Ora, são realidades processuais distintas, constituindo vícios diferentes da citação, a falta e a nulidade daquela.
Porque diferentes, bem se entende que diferente seja também o regime de uma e outra. Enquanto a primeira acarreta a anulação de tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta, a mera nulidade da citação pode não importar a anulação de coisa alguma: a arguição só será atendida - diz o art.º 191.º, n.º 4 - se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.
A falta de citação traduz-se na inexistência pura do acto de citação ou em situações que lhe são equiparadas, enquanto a nulidade de citação pressupõe a realização desta, embora tenha havido a preterição de formalidades prescritas na lei.
A nulidade da citação verifica-se, nos termos do art.º 191.º, “quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei” (n.º1).
“Por formalidade deve entender-se qualquer elemento, de conteúdo ou de forma, exigido pelo art.º 227.º ou específico da modalidade de citação utilizada” . Abrange “os elementos gerais, de conteúdo e de forma, exigidos pelo art.º 227.º e os específicos de cada modalidade de citação (art.ºs 228.º, 229.º, n.º 3 a 5 e 239.º, n.º 2, para a citação postal, que é que ora releva)”.
Diferente é também o prazo para a arguição de cada um dos vícios.
Em termos de prazo para a arguição de nulidades processuais, a regra geral, constante dos art.ºs. 149.º, n.º 1, e 199.º, do CPC, apenas se aplica na falta de disposição especial. Esta existe para a arguição da nulidade da falta de citação e também, em certos casos, para a arguição da nulidade da citação.
A nulidade (falta) da citação (nulidade principal) deve ser arguida com a primeira intervenção no processo, em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada (art.ºs. 189.º e 198.º do CPC).
Já a nulidade da citação terá de ser arguida, conforme o n.º 2, do art.º 191.º, o prazo da oposição à execução (cf. artigos 728.º, n.º1 e 856.º, n.º1).
E, ao contrário da falta de citação, a arguição da nulidade de citação só é atendida se a falta/irregularidade cometida puder prejudicar a defesa do citado (art.º 191.º, n.º 4). Esta norma, conforme o preceito geral do art.º 195, n.º 1, visa evitar a utilização da nulidade como manobra dilatória, circunscrevendo os casos em que é atendida àqueles em que o direito de defesa seria ou poderia ser, restringido ou praticamente suprimido em consequência da irregularidade verificada .
“A exigência de que a falta seja susceptível de prejudicar a defesa do citado constitui a garantia de o regime instituído ser utilizado para realizar o seu escopo (evitar a restrição ou supressão prática do direito de defesa) e não para finalidades puramente formais ou dilatórias”.
A falta de citação apenas ocorre nos casos tipificados no art.º 188.º do CPC, designadamente e para o que ao caso importa, “Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável” (art.º 188.º, n.º 1, al. e), do CPC), é cognoscível ex officio (art.º 196.º do CPC) e pode ser arguida pelo executado a todo o tempo (art.º 198.º, n.º 2 e 851.º do CPC), em caso de revelia, sanando-se se o executado intervier na causa sem arguir logo, no acto, o vício.
Na verdade, para o processo executivo, estatui, expressamente, o art.º 851.º do CPC, sob a epígrafe “Anulação da execução, por falta ou nulidade de citação do executado” que:
“ 1 - Se a execução correr à revelia do executado e este não tiver sido citado, quando o deva ser, ou houver fundamento para declarar nula a citação, pode o executado invocar a nulidade da citação a todo o tempo.
2 - Sustados todos os termos da execução, conhece-se logo da reclamação e, caso seja julgada procedente, anula-se tudo o que na execução se tenha praticado.
3 - A reclamação pode ser feita mesmo depois de finda a execução.
4 - Se, após a venda, tiver decorrido o tempo necessário para a usucapião, o executado fica apenas com o direito de exigir do exequente, no caso de dolo ou de má-fé deste, a indemnização do prejuízo sofrido, se esse direito não tiver prescrito entretanto”.
Se a arguição de falta ou nulidade de citação for julgada procedente, anula-se tudo o que no processo tenha sido praticado depois do momento do vício, por força dos artigos 187.º corpo in fine e 195.º, n.º 2 primeira parte e 851.º, n.º 2 in fine, havendo que repetir o acto, com observância das formalidades prescritas na lei.
Os apelantes invocaram, em primeira linha, a nulidade a que se referem os art.ºs 187.º, al. a), e 188.º, al. e), ambos do CPC.
Na verdade, a nulidade (falta) da citação (nulidade principal) deve ser arguida com a primeira intervenção no processo, em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada (art.ºs 189.º e 198.º, n.º 2 do CPC).
Como refere Alberto dos Reis[3], para a arguição da falta de citação não há prazo; enquanto o réu se mantiver em situação de revelia, ou melhor, enquanto se mantiver alheio ao processo, está sempre a tempo de arguir a falta da sua citação, só perdendo o direito de o fazer se intervier no processo e não reagir imediatamente contra ela.
Por outro lado, a nulidade da citação existe quando não hajam sido observadas, na sua realização, as formalidades prescritas na lei (art.º 191.º do CPC), dispondo o n.º 2 deste art.º 191.º que “O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo.”
A propósito da matéria da falta de citação no domínio do anterior Código de Processo Civil e do seu art.º 195.º, que corresponde na íntegra ao art.º 188.º do actual CPC – ora aplicável -, referia Carlos Lopes do Rego[4] o seguinte: “[I]ncumbe ao citando – estando o acto de citação minimamente documentado no processo – alegar e demonstrar tempestivamente que não teve conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável.
Tal alegação consubstanciará, desde logo, a ilisão de presunção – estabelecida nos art.ºs. 238.º (quanto à citação por via postal) e 240.º, n.º 5 (quanto à citação em pessoa diversa do citando ou mediante a afixação de nota de citação) – de que foi efectiva e tempestivamente transmitida ao citando a notícia de que contra ele pendia a causa em que teve lugar a citação. (…) o mesmo fenómeno poderá, porém ocorrer em casos de citação na própria pessoa do demandado, sempre que este consiga demonstrar que, apesar da realização “ formal “ ou “ aparente “ do acto, este não foi, em concreto, adequado a tornar-lhe cognoscível a pendência da causa em que era demandado.”
Em suma, mostrando-se a citação realizada e documentada, como é o caso dos autos, incumbe sempre ao interessado na arguição do vício, tenha sido o próprio destinatário a receber a carta de citação ou tenha sido um terceiro a fazê-lo, demonstrar que, apesar da aparência formal do acto, a sua realização, em concreto, não lhe permitiu ter conhecimento da pendência da causa que contra si tinha sido deduzida ou, ainda, que o terceiro não procedeu, de todo, à entrega da carta de citação ou fê-lo em termos intempestivos, que não lhe permitiram, em tempo útil, ter esse conhecimento[5].
Com efeito, a citação, enquanto acto pelo qual se chama o réu a juízo (in jus vocatio), dando-se-lhe conhecimento da acção e da possibilidade de deduzir a sua defesa, é um momento processual de inquestionável importância, para além das razões já acima aduzidas, porquanto não só nela se marca o prazo para o demandado apresentar a sua defesa, como também porque se lhe ligam efeitos materiais - como a interrupção da prescrição - e processuais de vária natureza, com influência decisiva nos direitos do autor e do réu.
Tendo em conta a assinalada função e os efeitos ligados à citação, bem se entende que a lei lhe confira carácter pessoal ou quase pessoal, que é o que melhor garante a todos "o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos" (cf. art.º 20.º da CRP). Esse "direito ao tribunal" - essa garantia da via judiciária - visto pelo lado dos demandados, apenas pode exercer-se se e quando lhes for dado conhecimento da existência das pretensões contra eles deduzidas. E a forma mais segura de assegurar o efectivo chamamento do réu a juízo é através da citação pessoal que, por isso a lei consagra como regra.
O Código de Processo Civil modela o acto da citação. A principal das suas modalidades é a da citação pessoal e a mais corrente forma de citação pessoal é a citação por via postal, que se efectiva por meio de carta registada com aviso de recepção, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho (art.ºs 225.º, n.º 2, al. b) e 228.º, n.º 1 do CPC).
Com efeito, de harmonia com o disposto no art.º 225.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do CPC, a citação de pessoas singulares, para o que importa ao caso em apreço em que, é feita mediante entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção.
Relativamente a esta modalidade de citação, dispõe o art.º 228.º do CPC que:
“1 - A citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé.
2 - A carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de receção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando. (…)”.
A carta pode ser entregue, após a assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar àquele prontamente (art.º 228.º, n.º 2 do CPC). Em qualquer hipótese, o distribuidor do serviço postal, antes da assinatura, procede à identificação daquele a quem a carta seja entregue, seja o próprio citando ou o terceiro (art.º 228.º, n.º 3 do CPC) e no último caso, quando a carta seja entregue a terceiro advertirá este expressamente do dever de pronta entrega ao citando (art.º 228.º, n.º 4). De notar ainda, para esta hipótese, que a própria carta inclui uma advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o fará incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má-fé (art.º 228.º, n.º 1 do CPC).
A citação efectuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto, é equiparada à citação pessoal, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento (art.º 225.º, n.º 4), considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário (art.º 230.º, n.º 1).
Feita a citação em pessoa diversa do citando, a lei estabelece uma presunção juris tantum, a presunção de que a carta de citação foi oportunamente entregue ao destinatário e de que este dela teve oportuno conhecimento. É este um facto que a lei tem por apurado e que só vai ceder na hipótese da prova do contrário por banda do interessado (art.ºs 344.º, n.º 1, 349.º e 350.º, n.º 2, do Cod. Civil), pelo convencimento jurisdicional de que, pese embora toda a regularidade formal do acto, mesmo assim, nem a carta foi oportunamente entregue ao citando, ou então este dela não teve efectivo e oportuno conhecimento, sendo que, em qualquer dos casos, por facto que lhe não é imputável.
Cabe, pois, ao citando alegar e provar que não teve conhecimento do acto de citação e, ainda, que não só que tal aconteceu, mas ainda que aconteceu devido a facto que não lhe é imputável.
De facto, para que a presunção de conhecimento do acto decorrente do envio da carta registada para a morada da ora executada seja ilidida, e se conclua pela falta de citação/notificação do destinatário nos termos do art.º 188.º, n.º 1, al. e) do CPC não basta a prova pela embargante de que não teve conhecimento do mesmo, sendo ainda necessário que esta demonstre que a falta de conhecimento da notificação ocorreu por facto que não lhe seja imputável, conforme expressamente exige o segmento final da referida al. e) do n.º 1 do art.º 188.º.
E assim sendo, nessa hipótese, só quando firmada a convicção bastante daquele facto negativo (a falta de entrega ou de conhecimento, sem culpa), na medida em que ilidida a apontada presunção é que se considera verificado o vício da falta de citação, nos termos do art.º 188.º, n.º 1, al. e), por só então se demonstrar que o destinatário da citação dela não chegou a ter conhecimento por facto que lhe não é censurável.
Sem esse convencimento consistente, na própria dúvida ou incerteza acerca do facto, a lei faz operar a presunção e, por conseguinte, considera a citação postal, efectuada em pessoa diversa, equiparada à citação pessoal, como feita e efectuada na própria pessoa do citando.
A falta de citação configura nulidade principal, que pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada (art.º 198.º, n.º 2, do CPC), sendo que no caso em apreço tendo os Recorrentes arguido a nulidade decorrente da invocada falta de citação, logo que tiveram intervenção no processo, a mesma não pode considerar-se sanada, conforme decorre a contrario do disposto no art.º 189.º do CPC.
E este regime compreende-se porquanto sendo a citação o acto receptício pelo qual se dá conhecimento ao réu de que contra si foi proposta uma determinada acção e se insta o mesmo a vir ao processo assumir a sua defesa, a falta desse acto de chamamento impede que o mesmo exerça o seu direito de defesa e, por isso, quando verificada, acarreta, de harmonia com o preceituado no art.º 187.º al. a) do CPC, mercê de tão grave violação do princípio do contraditório, a anulação de tudo o que for processado posteriormente à petição, salvando-se apenas esta.
Feitas estas considerações e traçado o enquadramento legal, revertendo ao caso dos autos, importa considerar que se mostra provado que:
“1. Com vista à concretização da citação dos executados BB e mulher CC, o Sr. AE remeteu a estes cartas registadas, datadas de 28.05.2014, com aviso de receção, para a morada sita na Rua dos …, n.º …, Ataúdes, Amarante;
2. Os executados são emigrantes na Suíça, desde de data não concretamente apurada, mas anterior a 13.05.2011, tendo residência, nesse país, na Av. … 00, Vevey, Suíça;
3. As cartas referidas em 1. foram rececionadas, na morada para a qual foram endereçadas, em 04.06.2014, pela mãe do executado, Maria … B…;
4. O imóvel a que corresponde a morada mencionada em 1. encontra-se inscrito na matriz a favor do executado, tendo o mesmo declarado, perante a Autoridade Tributária, ser residente na morada mencionada em 1.;
5. Também o imóvel que foi penhorado no âmbito destes autos encontra-se inscrito na matriz a favor do executado, tendo o mesmo novamente declarado, perante a Autoridade Tributária, ser residente na morada mencionada em 1.”.
Pondera-se na decisão recorrida, além do mais, o seguinte:
“(…) não basta, aos arguentes, alegar que não tiveram conhecimento das citações que lhes foram dirigidas, porque as mesmas não lhes foram entregues, quando não esclarecem nada de concreto sobre essa alegada ausência de entrega, ou seja não alegaram sequer a concreta factualidade que a motivou, de molde a que se pudesse concluir por um efetivo desconhecimento (do ato de citação), que não lhes fosse imputável e também de molde a que os próprios arguentes lograssem afastar e ou ilidir a presunção de efetiva entrega ao destinatário das citações a que alude o supra transcrito art.º.230.º, n.º1 do Cod. de Proc. Civ
Ausência de entrega essa que foi até de forma, algo reincidente, alegada de forma muito genérica (já que na sequência do convite que lhes foi dirigido os executados, tendo acesso aos autos, nada mais concretizaram – apenas dizendo que as cartas de citação não lhes foram entregues pelo AE e ou por quem «supostamente» as rececionou) e é, em todo o caso, contrariada pelas mais elementares regras da experiência comum, não sendo, por se tratar de uma simples negação (que não assenta na alegação de quaisquer facto concretos), apta a afastar e ou a ilidir a presunção de entrega que legalmente se acha fixada no supracitado normativo.
Com efeito, os executados são casados entre si.
O executado declarou para efeitos fiscais residir na mesma morada sita em na Rua dos …, n.º …, Ataúdes, Amarante , a mesma morada em relação à qual ambos os executados declaram não terem sido citados por residirem na Suíça.
Ora, o facto de residirem na Suíça é irrelevante, desde logo, porque mantém igualmente residência em território nacional, como o atestam as certidões de teor matricial que foram juntas aos autos.
Acresce que pessoa que recebeu as cartas de citação – não é uma pessoa qualquer – encontrando-se devidamente identificada nos autos - e é inclusivamente familiar dos executados (mãe e sogra) e até residirá numa das habitações que estes usam quando se deslocam ao território nacional ou pelo menos ai terá o seu domicilio para efeitos de notificação.
Pelo que face a tal factualidade que ora referenciamos, sai, sim, muito reforçada a presunção de entrega das citações aos executados seus destinatários, presunção que se acha consagrada no art.º 230.º, n.º1 do Cod. de Proc. Civ. E que os executados não ilidiram (não tendo sequer alegados factos concretos aptos a tal).
Ou seja, tudo indicia que os executados, apenas lançaram não deste expediente por serem conhecedores dos efeitos paralisantes que o mesmo comportaria sobre o regular andamento da execução, não sendo crível, até pela forma absoluta e incompreensivelmente lacónica como alegaram os factos (sendo evidente que não pretenderam comprometer-se a si e ou ao recetor das citações – o qual era do seu conhecimento, mais que não seja após a prolação do despacho de aperfeiçoamento), que não tivessem tido conhecimento das citações que lhes foram dirigidas.
Pelo que não há falta de citação.
Nem cumpre declarar a verificação de qualquer nulidade secundária que afete o referido ato. Já que o Banco Exequente terá indicado, no requerimento executivo, a morada em causa, por dela ter tido conhecimento por intermédio dos próprios executados, os quais em momento algum terão comunicado ao banco que pretendiam que este apenas tive em consideração, para efeitos de notificação e ou citação, e em exclusivo, a morada localizada na Suíça.
Pelo que, em bom rigor, não tendo sido alegada e comprovada qualquer factualidade que se revele subsumível ao art.º 188, º, n. º1, al. e) do Cod. de Proc. Civ, cumpre, pois, indeferir, por manifestamente improcedente, a arguição da nulidade processual a que alude o mencionado normativo e bem assim a verificação de qualquer nulidade de cariz secundário (art.º 191.º do Cod. de Proc. Civ), já que foram, in casu, num contexto em que os executados são detentores de dois domicílios, observadas todas as formalidades constantes da lei, nomeadamente, e também o disposto no art.º 233.º do Cod. de Proc. Civ.
(…)” .
Concluiu, condenado os ora apelantes, por litigância de má-fé, em multa, que fixou, para cada um deles, em 10 Ucs, com os seguintes fundamentos:
“(…)
Ora, resulta da conduta processual dos arguentes - até em face da parca factualidade que foi propositadamente alegada, de molde a não comprometer, na provável alegação de uma inveracidade, um familiar próximo - que o seu único propósito foi, como referido, o de paralisar o andamento dos autos de execução.
Ou seja, afigura-se-nos evidente que os executados, não alegaram qualquer factualidade concreta (para não alegarem de forma ostensiva factos falsos), tendo ainda assim feito um uso reprovável do incidente de que lançaram mão, já que deveriam ter antevisto a sua improcedência face à parca factualidade alegada. Ao que acresce que atuaram unicamente com intuitos unicamente dilatórios, já que procuraram unicamente obviar, como referido, à venda do bem imóvel penhorado, venda essa que lograram de facto retardar de forma substancial.
Pelo que a sua conduta afigura-se, pois, e salvo melhor opinião, típica, para efeitos do disposto nas alíneas a) e d) do n.º 2 do art.º 542.º do Cod. de Proc. Civ.
(…)”
Temos seguido e seguiremos de perto o Ac. do STJ de 06.06.2019[6] e o Ac. da RL de 11.10.2011[7], a cujos fundamentos aderimos e que reproduzimos e reproduziremos, embora fazendo a sua adequação à situação sob apreciação, com as inerentes modificações
Ora, o Tribunal da 1ª instância, com base na matéria apurada e pelo facto de não se ter provado que os executados não receberam a citação concluiu, em face das presunções previstas nos artigos 225.º, n.º 4, e 230.º, n.º 1, do CPC, que a citação é válida e foi eficaz.
A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (art.º 219.º, n.º 1 do CPC), constituindo, assim, o garante da salvaguarda do contraditório e de uma efectiva tutela jurisdicional, sendo que a forma mais usual de citação pessoal é a citação por via postal, efectuada por meio de carta registada com aviso de recepção, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, como decorre do disposto nos arts 225.º, nº 2, alínea b) e 228.º, n. º1 do CPC.
A carta pode ser entregue, após a assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando (art.º 228.º, n.º 2 do CPC).
A citação efectuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto, é equiparada à citação pessoal, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento (art.º 225.º, n.º 4 do CPC), tendo-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário (art.º 230.º, n.º 1 do CPC).
Não se olvide que o funcionamento das presunções que subjazem às disposições dos referidos art.ºs 225.º, n.º 4, 228.º, n.º 2 e 230.º, n.º 1 do CPC, só serão possíveis de ocorrer se a entrega da carta para citação, pelo distribuidor do serviço postal, a pessoa diversa do citando, cumpra todos os pressupostos formais dessa entrega, designadamente, a de ser feita nos locais referidos no art.º 228.º, n.º 1 do CPC. A carta para citação deverá ser endereçada para a residência ou local de trabalho do citando, mas se for entregue a terceira pessoa, também, esta deverá encontrar-se nos mesmos locais (residência ou local de trabalho do citando), exigência que se justifica, face às ilações de natureza substantiva que as carências de uma citação judicial são passíveis de acarretar na esfera jurídica da parte.
Na verdade, o próprio art.º 224.º, n.º 1 do CPC, sobre o lugar da citação, prevê que ela se possa fazer em qualquer lugar onde seja encontrado o destinatário do acto, o citando, na sua residência ou local de trabalho, pelo que a especificidade da citação feita em pessoa diversa, ao abrigo do art.º 228.º, n.º 2 do CPC, também, só será viável se o terceiro se encontrar na residência ou local de trabalho do citando. Com efeito, se o terceiro que recebe a carta de citação não se encontrar num dos referidos locais, a lei já não retira a ilação da sua verosímil entrega e consequente recebimento pelo destinatário, não ocorrendo, assim, as aludidas presunções.
Assim, na citação em pessoa diversa do citando, a lei estabelece, em ambos os preceitos, uma presunção juris tantum - presunção de que a carta de citação foi oportunamente entregue ao destinatário e de que este dela teve oportuno conhecimento - factos que a lei tem por apurados e que só cedem mediante prova em contrário por parte do interessado, nos termos do art.º 350.º, n.º 2 do Cod. Civil, ou seja, pelo convencimento jurisdicional de que, embora toda a regularidade formal do acto, a carta não foi oportunamente entregue ao citando, ou então, este não teve efectivo conhecimento da mesma, em qualquer dos casos, em circunstâncias devidas a factos que não lhe são imputáveis. E, só na medida em que forem ilididas as referidas presunções, só quando firmada a convicção bastante daqueles factos negativos (a falta de entrega ou de conhecimento, sem culpa do citando) é que se pode considerar verificado o vício da falta de citação, ao abrigo do art.º 188.º, n.º 1, al. e) do CPC. Sem esse convencimento consistente, na própria dúvida ou incerteza acerca do facto, a lei faz operar a presunção e, por conseguinte, considera a citação postal, efectuada em pessoa diversa, equiparada à citação pessoal, como feita e efectuada na própria pessoa do citando.
Na espécie, o exequente propôs contra os ora apelantes acção executiva, para pagamento de quantia certa, indicando para efeitos de citação destes uma morada, sita em Amarante. A citação dos executados foi efectuada, por via postal, para aquela morada, tendo o aviso de recepção sido assinado por terceira pessoa, naquele aviso identificada, e que se veio a apurar tratar-se da mãe e sogra dos executados.
Assim, a mãe do executado e sogra da executada declarou estar em condições da pronta entrega ao citando e, por via de duas advertências (cfr. art.º 228.º, n.º 1 e 4, in fine, do CPC) passou a ter, em princípio, uma obrigação legal de a entregar ao seu destinatário, sob pena aliás de assunção de uma responsabilidade pessoal (cfr. n.º 1, in fine, do art.º 228.º do CPC).
Como referimos o acto de citação é um acto receptício e é atendendo sobretudo à sua muito particular causa-função, que a lei a envolve em especiais cautelas, salvaguardas e garantias, precisamente para maximizar a respectiva índole receptícia. Primacialmente, a sua eficácia deve depender do efectivo conhecimento do destinatário, embora constitua um princípio geral de direito o de que será também eficaz o acto que só por culpa deste não seja por ele oportunamente recepcionado. A culpa, enquanto juízo de censura, pode neste particular reflectir-se numa falta de colaboração, na carência da cooperação exigível, no sentido de realizar a efectiva recepção do acto pelo destinatário. Ademais, o comportamento conforme à boa-fé é uma exigência transversal de toda a ordem jurídica, seja na componente substantiva, seja na processual.
Ora, os executados são emigrantes na Suíça, desde data anterior a 13.05.2011, tendo a sua residência nesse país, na Av. … 00, Vevey (cfr. facto 2. do quadro fáctico provado) e a citação foi efectuada por cartas registadas, datadas de 28.05.2014, com aviso de recepção, para a morada sita na Rua dos …, n.º …, Ataúdes, Amarante (cfr. ponto factual 1. do elenco factual provado). O imóvel a que corresponde a morada em Amarante encontra-se inscrito na matriz a favor do executado, tendo o mesmo declarado, perante a Autoridade Tributária, ser residente nessa morada.
Sendo que o ónus da correcta identificação do réu/executado, com a particular indicação do seu domicílio e local de trabalho, compete ao autor da acção/exequente (art.º 552.º, n.º 1, al. a) e 724.º, n.º 1, al. a) do CPC), a verdade é que a carta para citação dos executados não foi, portanto, endereçada para a residência ou local de trabalho dos citandos, conhecendo o exequente a morada da residência dos executados na Suíça, constante do contrato dado à execução, onde até os interpelou para procederem ao pagamento da quantia em dívida. E esta circunstância é que é decisiva.
Efectivamente, dispõe o art.º. 82.º do Cod. Civil que:
“1. As pessoas têm domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles.
2. Na falta de residência habitual, considera-se domiciliada no lugar da sua residência ocasional ou, se esta não puder ser determinada, no lugar onde se encontrar.”.
Residência é, no dizer de Castro Mendes, “um sítio preparado para servir de base de vida a uma pessoa singular”[8]. É a “sede” da sua vida familiar e social e da sua economia doméstica, donde deriva que tem que envolver um certo carácter de habitualidade e estabilidade, ou seja, na espécie dúvidas não se suscitam que a residência dos executados, para efeitos do disposto no art.º 228.º, n.º 1 do CPC é na Suíça, onde trabalham e têm o seu centro de vida. O imóvel de que os executados são proprietários é a sua residência em Portugal, quando aqui se deslocam, em férias ou por festas, como é comum nos emigrantes, tratando-se, pois, pelo menos enquanto se encontram emigrados, de residência ocasional, de pouca duração e estabilidade, não cumprindo minimamente os requisitos, quer de facto, quer jurídicos, para poder ser considerada como a sua residência. Não estamos perante, obviamente, perante um caso de residências alternadas, nem a declaração do executado para efeitos fiscais tem a virtualidade de se considerar o imóvel, sito em Amarante como a residência dos executados, à luz do art.º 228.º do CPC. Aliás, com o devido respeito, não se entende como se considera na sentença recorrida que o facto dos executados “residirem (sic) na Suíça é irrelevante”, porquanto “mantém igualmente residência em território nacional, como o atestam as certidões do teor matricial que foram juntas aos autos” (!), a “que acresce que a pessoa que recebeu as cartas de citação (…) até residirá numa das habitações que estes (os executados) usam (sic), quando se deslocam ao território nacional ou pelo menos aí terá o seu domicílio para efeitos de notificação” (!). Também não se entende, porque não se mostra demonstrado nos autos, a afirmação de que “(…) o Banco Exequente terá indicado, no requerimento executivo, a morada em causa, por dela ter tido conhecimento por intermédio dos próprios executados, os quais em momento algum terão comunicado ao banco que pretendiam que este apenas teve em consideração, para efeitos de notificação e ou citação, em exclusivo, a morada localizada na Suíça”. Parece-nos, antes, que tal será uma “suposição” – veja-se o tempo verbal utilizado - do tribunal recorrido, sem qualquer suporte indiciário, bem pelo contrário, já que do contrato dado à execução a única morada dos executados que ali consta é a morada da Suíça onde, como se mostra demonstrado, são emigrantes e, como tal, ali residem.
Reitera-se: O funcionamento das presunções, que subjazem às disposições dos art.ºs 225.º, n.º 4, 228.º, n.º 2, e 230.º, n.º 1 do CPC, só é passível de se poder compreender e aceitar, no contexto final e funcional do (relevante) acto de citação, se a pessoa (o terceiro) receptora da carta, que seja correctamente dirigida para a residência ou para o local de trabalho do citando, numa destas efectivamente se encontrar, pois só então é passível de se vislumbrar a estreita proximidade ao citando que permita intuir e aceitar como razoável que, com toda a probabilidade, aquele entregará real e atempadamente a carta de citação a este e então o acto, mesmo sem garantias absolutas, mas ao menos altamente verosímeis, cumprirá a sua concernente função. São portanto exigências de uma certa segurança que aqui presidem, diríamos que, neste âmbito, a dúvida que importa superar é mais qualificada que a comum dúvida razoável; convém que o patamar de convencimento atinja um nível algo superior àquele que mais correntemente se recorre na abordagem judiciária. As ilações de natureza substantiva que a carência de uma citação judicial são passíveis de acarretar na esfera jurídica da parte, justificam este nível de exigência. E, por isto, será algo inequívoco que só em confirmação efectiva de ser aquela a residência ou o local de trabalho do citando, é que se permite viabilizar uma citação quase-pessoal. É que, assim não sendo, na dúvida, desmoronará toda a construção normativa capaz de sustentar a eficácia própria do acto. Ademais mesmo o art.º 224.º, n.º 1, do CPC Civil, que rege sobre o lugar da citação, prevê que ela se possa fazer em qualquer lugar, mas onde seja encontrado o destinatário do acto, portanto, o próprio citando.
A especificidade da citação ser feita em pessoa diversa, a coberto do art.º 228.º, n.º 2, apenas se viabiliza se esta se encontrar realmente na residência ou local de trabalho do seu destinatário, o que significa que, sem excluir outros lugares, na hipótese da citação de pessoa singular, contudo, apenas se for o próprio destinatário que aí se encontre, o acto será correcto e ajustado.
Em suma, quando assim não seja, quer dizer, se o terceiro que recebe a carta de citação se não encontra num daqueles lugares, os únicos que a lei refere, já esta não tira a ilação da sua verosímil entrega, e concernente recebimento, ao efectivo destinatário. A presunção não é então sustentada.
É que o ónus da correcta identificação do réu/executado, com a particular indicação (quando seja pessoa singular) do seu domicílio e/ou local de trabalho, compete primacialmente ao autor/exequente na acção (art.º 552.º, n.º 1, al. a) e 724.º, n.º 1, al. a) do CPC. Ao tribunal/AE compete, depois, viabilizar ajustadamente a decorrente citação (art.º 562.º do CPC). Se algum desvio houver à correcção do acto, a ilação consequente recairá, por princípio, sobre alguma daquelas entidades, a quem incumbia garantir aquela (porventura preterida) probidade, e o ajustamento do acto. Ao citando não é, nesta óptica, pedido ou exigível que despenda um particular comprometimento. A culpa, o juízo de censura, perceptível ao destinatário, como razão da eficácia do acto receptício, apresenta, no que à citação concerne, contornos particulares, bem mais atenuados do que no regime geral das declarações. Reparemos que, no quadro dos art.ºs 225.º, n.º 2, al. b), e 228.º, n.º 6, ainda que seja o citando a directamente recusar a assinatura ou receber a carta, nem aí, a lei considera efectivada a citação pessoal[10] donde, então, o acto não se completa. A (falta de) cooperação do citando, nem aí, permite viabilizar a citação. O juízo de censura não faz então reflectir eficácia.
Ora, no caso dos autos, estamos bem longe desta situação limite; a carta não foi enviada para a real residência ou efectivo lugar de trabalho do destinatário.
Significa isto que a entrega da carta para citação, pelo distribuidor do serviço postal à pessoa diversa citando, e as legais advertências, dirigidas a esse terceiro, fazem operar a presunção ilidível estabelecida nos art.ºs 225.º, n.º 4, e 230.º, n.º 1, mas apenas desde que se cumpram todos os pressupostos formais dessa entrega, designadamente, o seu envio para o lugar próprio, apontado na lei. Só então, ao próprio citando carregando o ónus da sua ilisão, i.e., competindo-lhe convencer acerca do desconhecimento do acto[11], como, ainda, ademais, e concludentemente, que o facto gerador do desconhecimento lhe não é imputável (art.º 188º, nº 1, al. e), in fine)[12]. É (apenas) nessa hipótese que onera o vínculo probatório não só do facto contrário ao presumido, mas ainda e também da circunstância de inimputabilidade na verificação desse mesmo facto. E de tal modo que, na dúvida sobre (in)existência de um juízo de censura, a esse nível, há-de ser sobre o mesmo citando que incidirão as desvantajosas consequências (art.º 414.º do CPC), que o mesmo é dizer, subsistirá a presunção legal da citação[13]. Mas isso tudo por haver operado a presunção.
Quando essa não opere, porque, por exemplo, a carta foi recebida por pessoa diversa, mas noutro lugar que não a residência ou lugar de trabalho do citando, nenhum ónus carrega ao citando, como ocorre na espécie. A formalização do acto foi desviante e tanto basta à sua ineficácia.
Volvendo ao caso dos autos, os factos provados retratam que a carta para citação dos executados não foram endereçadas para a sua residência ou local de trabalho daqueles, mas para uma casa de que os executados são proprietários em Portugal, e que foi outrem, que não os destinatários, quem recebeu a carta.
Assim, tendo a referida carta sido entregue e recebida por uma terceira pessoa, num outro local que não a residência ou local de trabalho dos citandos, não se impunha a estes qualquer ónus por não haver lugar às presunções que importariam ao citando a sua ilisão.
É que, a montante, a prática do acto foi inquinada pela preterição de formalidade prescrita na lei, permitindo desonerar o citando de qualquer ónus probatório, bem como isentá-lo de qualquer juízo de censura. No rigor, a citação padeceu de nulidade, a coberto do art.º 191.º, n.º 1, do CPC e por via de tal é que não operou qualquer das presunções típicas da chamada citação quase-pessoal. O que, na dúvida, é o suficiente para comprometer a valia do acto, sem necessidade sequer de fazer accionar as exigências probatórias típicas do art.º 188.º, n.º 1, al. e), citado.
Deste modo, a citação padeceu de nulidade, por força dos art.ºs 188.º n.º 1 al. e) e 191.º n.º 1, do CPC, o que é suficiente para comprometer a valia do acto
Assim sendo, não operou a presunção do conhecimento da citação, tal como estabelecida nos citados art.ºs 225.º, n.º 4 e 230.º, n.º 1 do CPC, não se podendo concluir pela validade e eficácia da citação dos executados, uma vez que as premissas que possibilitavam, com recurso à presunção (art.ºs 225.º n. º 4 e 230.º, n.º 1 do CPC), concluir desse modo, não se encontram verificadas, atendendo a que a carta com vista à citação dos ora recorrentes não foi enviada para o local da sua residência.
A circunstância de a carta para citação haver sido endereçada para o lugar (em Amarante) onde os destinatários se não achavam por residirem na Suíça, por ser nesse país que têm o seu centro de vida, a sua residência habitual, com carácter de estabilidade, sendo aquela residência em Portugal, pelo menos, por ora, ocasional, tendo o executado declarado perante a Autoridade Tributária, que ali residia para efeitos meramente fiscais, mostra-se decisiva. Ali não foi recebida pelos destinatários, mas por outrem que, em tal lugar, assumiu (de modo algo imprudente) o encargo de a receber.
Nestas circunstâncias, é de reconhecer a falta de citação dos recorrentes, nos termos da al. e) do art.º 188.º e 228.º do CPC, o que determina a anulação do processado, aproveitando-se, apenas, o requerimento executivo.
E, como tal, dando viabilidade à arguição da falta de citação, com a consequente procedência do recurso de apelação, mostra-se prejudicado o conhecimento do alegado “domicílio convencionado”.
Face ao provimento do recurso é manifesta, sem necessidade de ulteriores considerações, a insubsistência da condenação dos executados por litigância de má-fé.
Destarte, importa conceder provimento à apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, anulando-se todo o processado, aproveitando-se, apenas, o requerimento executivo.
As custas serão suportadas, porque vencido, pelo exequente, ora apelado (n.º 1 e 2 do art.º 527.º do CPC).
Sumário
I. Na citação por via postal, feita na pessoa de terceiro é factor decisivo que este se encontre na residência ou no local de trabalho do citando.
II. É que, só nessa hipótese, é aceitável crer que, com toda a probabilidade, aquele terceiro está em condições de, como se compromete, prontamente entregar a carta ao citando, sendo essa suposição razoável o que está na base das presunções legais de que essa entrega teve lugar e de que o citando teve oportuno conhecimento do acto.
III. Residência é, no dizer de Castro Mendes, “um sítio preparado para servir de base de vida a uma pessoa singular”. É a “sede” da sua vida familiar e social e da sua economia doméstica, donde deriva que tem que envolver um certo carácter de habitualidade e estabilidade.
IV. Na citação em pessoa diversa do citando, a lei estabelece duas presunções juris tantum - presunção de que a carta de citação foi oportunamente entregue ao destinatário e de que este dela teve oportuno conhecimento.
V. No entanto, a carta para citação deverá ser endereçada para a residência ou local de trabalho do citando, e se for recebida por um terceiro que não se encontre num dos referidos locais, a lei já não retira a ilação da sua verosímil entrega e o consequente recebimento pelo destinatário, não havendo lugar à aplicação das presunções.
VI. No caso, a carta não foi enviada para a residência ou local de trabalho do citando, pelo que não se verificam as premissas que possibilitariam, com recurso à presunção, concluir que o mesmo se considerava citado e que impunham ao citando a sua ilisão, estando o acto de citação está viciado de nulidade.
VII. Sendo a citação o acto receptício pelo qual se dá conhecimento ao réu de que contra si foi proposta uma determinada acção e se insta o mesmo a vir ao processo assumir a sua defesa, a falta desse acto de chamamento impede que o mesmo exerça o seu direito de defesa e, por isso, quando verificada, acarreta, de harmonia com o preceituado no artigo 187.º alínea a) do CPC, mercê de tão grave violação do princípio do contraditório, a anulação de tudo o que for processado posteriormente à petição, salvando-se apenas esta.
IV. Dispositivo
Pelo exposto, acordam as juízas deste Tribunal da Relação em conceder provimento à apelação, revogar a decisão recorrida e, em consequência, anular todo o processado, aproveitando-se, apenas o requerimento executivo.
Custas pelo apelado.
Registe.
Notifique.
Évora, 7 de Novembro de 2019
Florbela Moreira Lança (Relatora)
Elisabete Valente (1.ª Adjunta)
Ana Margarida Leite (2.ª Adjunta)
__________________________________________________
[1] Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil (conceitos e princípios gerais), à luz do Código Revisto, 1996, pp. 84 e Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, I, 1999, pp. 333.
[2] Assim, Manuel de Andrade, Noções Elementares do processo Civil, 2.ª ed. I, pp. 176 e Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1984, pp. 373.
[3] Comentário, II, pp. 446-447 e CPC anotado, I, 3.ª ed., pp. 313.
[4] Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, 1999, pp. 155.
[5] Vide, C. LOPES do REGO, op. cit., pp. 182, em comentário ao art.º 238.º do anterior Código de Processo Civil, correspondente ao actual art. 230.º.
[5] Sobre a distinção entre a falta de citação e a nulidade da citação, vide, por todos, neste sentido, JOSÉ LEBRE de FREITAS, op. cit., pág. 331 e ANTUNES VARELA, M. BEZERRA, S. NORA, “ Manual de Processo Civil ”, Coimbra Editora, 2ª edição, Revista e Actualizada, pág. 389-393.
[6] Proferido no proc. n.º 1202/15.0T8BJA-A.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[7] Proferido no proc. n.º 2718/08.0TBOER-A.L1-7, acessível em www.dgsi.pt. [8] Teoria Geral, 1967, I, pp. 228-229.
[9] Abrantes Geraldes, temas Judiciários, I, 1998, pp. 41.
[10] Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, I, 2.ª ed. pp. 222.
[11] Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 8.ª ed., pp. 197.
[12] José Lebre de Freitas, op. cit., pp. 85.
[13] Sobre o ónus probatório concernente a esta ilisão, vejam-se os Acs. da RP de 11.05.2004, proferido no proc. n.º 0421824, da RL de 29.03. 2007, proferido no proc. n.º 2136/2007-8, e de 17.05.2007, proferido no proc. n.º 3642/2007-8, da RC de 12.02.2008, proferido no proc. nº 271/06.9TBGVA.C1 e da RG de 05.04.2011, proferido no proc.º nº 172/10.6TBC-C.G1, todos acessíveis em www.dgsi.pt. |