Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
653/17.0T8STC.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA NO TRABALHO
CULPA DA ENTIDADE PATRONAL
NEXO DE CAUSALIDADE
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 10/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. Face ao AUJ n.º 6/2024, a responsabilidade agravada do empregador, nos termos do art. 18.º n.º 1 da LAT, com fundamento na falta de observação de regras sobre segurança e saúde no trabalho, dispensa a prova da culpa, mas exige a verificação de um nexo causal entre essa violação e a eclosão do acidente, devendo ser apurado se, nas circunstâncias do caso concreto, tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efectivamente veio a verificar-se.
2. Aumenta a probabilidade de acidente o comportamento do empregador que retira uma guarda de protecção numa máquina de embalamento de bacalhau, prevista pelo fabricante da máquina para impedir o risco de contacto com os elementos móveis desse equipamento que podem causar lesões corporais, e permite que os seus trabalhadores operem com essa guarda retirada.
3. Tal representa a violação pela empregadora das regras de segurança estabelecidas no art. 3.º als. a), b) e e), e no art. 16.º n.º 1, ambos do DL n.º 50/2005, ao não ser impedido o risco de contacto mecânico, e tal ocasiona a sua responsabilidade agravada nos termos do art. 18.º n.º 1 da LAT, no caso de acidente por contacto do trabalhador com esses elementos móveis deixados sem guarda de protecção.
4. A indemnização por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico, podendo mesmo afirmar-se a sua natureza sancionatória.
5. Tendo o sinistrado 31 anos à data do acidente, ficando mais de dois anos em situação de incapacidade temporária, tendo alta com uma IPATH de 32,5%, não é excessiva ou desadequada a fixação da indemnização por danos não patrimoniais em € 30.000,00.
(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral:
Proc. 653/17.0T8STC.E1

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

Participado acidente de trabalho ocorrido no dia 18.07.2017 a AA, realizou-se tentativa de conciliação, que resultou infrutífera porquanto as partes discordaram quanto à incapacidade e a seguradora Generali Seguros Y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal (anteriormente Liberty Seguros, Compañia de Seguros Y Reaseguros, S.A.), recusou a responsabilidade, por imputar a culpa do acidente à entidade empregadora MAREDEUS Portugal, Unipessoal, Lda..
O sinistrado demandou, então, a seguradora e a entidade empregadora, pedindo o pagamento das prestações decorrentes do acidente.
Na sua contestação, a seguradora aceitou a caracterização do evento como acidente de trabalho, mas disse que o mesmo resultou de actuação culposa da empregadora, por inobservância das regras de segurança.
Por seu turno, a empregadora contestou dizendo não ter ocorrido tal violação de regras de segurança.
Realizado julgamento, a sentença considerou demonstrada a actuação culposa da empregadora, por violação de regras de segurança, e condenou nos seguintes termos:
«(…) o tribunal julga a presente acção procedente por provada e, em consequência:
1. Fixa ao Sinistrado AA, em virtude da Incapacidade Total Absoluta (ITA) desde 19.07.2017 até 12.08.2019, a indemnização de € 18.962,46 (…) e, em consequência:
a). Condena a 1.ª R. “Liberty Seguros, Compañia de Seguros Y Reaseguros, S.A.” no pagamento ao autor da quantia de € 13.763,98 (…), à qual deverá ser reduzida a quantia já liquidada de € 11.867,00 (…), perfazendo o montante de € 1.896,98 (…), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde 12.08.2019 até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo do seu direito de reembolso sobre a 2.ª R.;
b). Condena a 2.ª R. “Maredeus Portugal Unipessoal, Lda.” no pagamento ao autor da quantia de € 5.198,48 (…), à qual acrescem juros de mora à taxa legal, devidos desde 12.08.2019, até efectivo integral pagamento.
2. Fixa ao sinistrado em virtude da IPATH, com grau de IPP residual para o exercício de outras profissões fixado em 32,5%, desde a data da alta clínica, isto é, 13.08.2019, a pensão anual e vitalícia no valor de € 7.310,91 (…), devida desde o dia seguinte ao da alta clínica (13 de Agosto de 2019) e actualizável e, em consequência:
a). Condena a 1.ª R. no pagamento ao autor da pensão anual e vitalícia no valor de € 5.179,51 (…), devida desde o dia seguinte ao da alta (13 de Agosto de 2019) e actualizável, à qual acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde essa data e até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo do seu direito de reembolso sobre a 2.ª R..
b). Condena a 2.ª R. no pagamento ao autor da pensão anual e vitalícia no valor de € 2.131,40 (…), devida desde o dia seguinte ao da alta (13 de Agosto de 2019) e actualizável, à qual acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde essa data e até efectivo e integral pagamento.
c). Condena a 1.ª R. a pagar ao autor a título de subsídio de elevada incapacidade, a quantia de € 4.435,22 (…), devida desde 13.08.2019 e à qual acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde essa data e até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo do seu direito de reembolso sobre a 2.ª R.
3. Condena a 2.ª R. a pagar ao autor a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 30.000,00 (…), à qual, por já se encontrar actualizada, acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde a data do trânsito em julgado da presente sentença e até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo do seu direito de reembolso sobre a 2.ª R.
4. Condena a 1.ª R. a pagar ao autor a título de despesas de deslocação, o valor de € 151,16 (…), à qual acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde o trânsito em julgado da presente sentença e até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo do seu direito de reembolso sobre a 2.ª R.
5. Condena a 1.ª R. a pagar ao autor a título de despesas com consultas de psicologia o valor a apurar em sede de liquidação de sentença, sem prejuízo do seu direito de reembolso sobre a 2.ª R.
6. Absolve a 1.ª R. quanto ao peticionado pagamento a título de danos não patrimoniais.»

Inconformada, a Ré empregadora recorre e conclui:
1. A sentença proferida em primeira instância não decidiu bem de facto e de Direito;
2. Desde logo, deve ser alterada a resposta ao Ponto 34. dos Factos Provados, atenta a prova produzida nos autos (…);
3. A redacção do Ponto 34. dos Factos provados deve, assim, ser alterada para a seguinte: “Em momento prévio ao acidente, com a máquina desligada, foi necessário proceder à mudança do rolo de filme da bobine superior situada sobre a saída Skin, a qual dista da zona onde é efectuada a selagem das cuvetes cerca de quarenta a quarenta e cinco centímetros, tendo o autor sido incumbido pela sua chefe de transportar e assentar a referida bobine na máquina Skinpack 5x1”)”.
4. O Ponto 36. dos Factos Provados deve ser eliminado da factualidade provada, porquanto nenhuma das testemunhas que prestaram depoimento nos autos e que estavam na linha de produção quando o acidente ocorreu, presenciou o acidente dos autos;
5. Nenhuma das testemunhas conseguiram descrever o que ocorreu depois de o Recorrido ter colocado/assentado a bobine superior na Skinpack e os momentos que antecederam a ordem de reinício da máquina, nem tão pouco explicar, com razão de ciência, as motivações do Recorrido para ter introduzido o braço e a mão no interior do equipamento (…)];
6. Não tendo o Recorrido prestado declarações de parte nos autos, o Tribunal a quo não podia ter dado como provada a matéria vertida no Ponto 36. dos Factos Provados, que, aliás, contradiz o Ponto 37. dos Factos Provados, do qual resulta que as testemunhas (…) e (…) “não se aperceberam onde se encontrava o autor”;
7. Com excepção do facto “essa protecção não estava a ser utilizada no momento do acidente”, as restantes menções vertidas nos Pontos 40. e 41. dos Factos Provados constituem juízos de valor conclusivos e sobre questões de Direito, devendo, por isso, serem dados como não escritos e eliminados na matéria de facto provada;
8. O Ponto 42. dos Factos Provados entra em contradição com o Ponto 67. dos Factos Provados, do qual resulta que a decisão de retirar a placa metálica “Guarda Cajon Salida Skin” foi dos técnicos da ULMA - marca representante da Skinpack 5x1 - e não da Recorrente, não tendo por estes sido recomendada a colocação da mesma (…);
9. E está, igualmente, em contradição com a factualidade vertida nos Pontos 56. e 69. dos Factos Provados, dos quais resulta que na avaliação de riscos realizada anualmente à Recorrente, não foi identificado qualquer risco na zona de vácuo, nem foi identificado qualquer risco associado à não colocação da placa metálica “Guarda Cajon Salida Skin”, nem recomendadas medidas correctivas (…);
10. O Ponto 42. dos Factos Provados deverá, assim, ser eliminado da factualidade provada;
11. A Recorrente nunca ponderou a necessidade de adoptar medidas de segurança para acautelar os riscos inerentes à não colocação da placa metálica “Guarda Cajon Salida Skin”, tendo em consideração o circunstancialismo vertido nos Pontos 56., 67. e 69. dos Factos Provados, razão pela qual o Ponto 42. dos Factos Provados deverá ser eliminado da factualidade provada;
12. Em conformidade com a prova documental junta aos autos (“Inquérito de acidente de trabalho” elaborado pela A.C.T. junto aos autos na fase conciliatória e documento nº. 7 junto com a Contestação apresentada pela Recorrente) e de acordo com a prova testemunhal produzida (…), a redacção do Ponto 70. dos Factos Provados deverá ser alterada nos seguintes termos: “No âmbito da inspecção realizada pela ACT após a ocorrência do acidente, não foi imputada à 2ª. Ré a prática de qualquer contra-ordenação por violação de regras de segurança no trabalho.”
13. Deverá ser aditada aos Factos Provados a factualidade vertida no Artigo 35º. da Contestação apresentada pela Recorrente («No “Inquérito de acidente de trabalho” realizado pela ACT (nº. 0418000003, de 18-07-2017), esta entidade inspectiva conclui pela “adequabilidade da avaliação dos riscos o processo produtivo”), porque a mesma resulta de prova documental junta na fase conciliatória (“Inquérito do acidente de trabalho” elaborado pela A.C.T. e, 29-03-2018, na sequência do acidente de trabalho);
14. De igual forma, deverá a factualidade do Artigo 37º. da Contestação apresentada pela Recorrente («De acordo com as avaliações de riscos realizadas ao longo dos anos não era previsível que um acidente como o que veio a acontecer pudesse verificar-se”) ser aditada aos Factos Provados, atendendo à prova testemunhal produzida nos autos (…);
15. Deverá também ser aditada a matéria de facto provada nos autos a factualidade vertida no artigo 38º. da Contestação da Recorrente (“Este foi o primeiro e único acidente que ocorreu nas circunstâncias acima descritas.”), face à prova testemunhal produzida nos autos (…);
16. A sentença recorrida é destituída de fundamento legal ao concluir que o acidente dos autos se enquadra na situação de responsabilidade agravada do empregador prevista no artigo 18º. da L.A.T.;
17. À data do acidente dos autos, a Recorrente cumpria todas as obrigações gerais em matéria de segurança no trabalho;
18. A Recorrente tinha organizados serviços de segurança e saúde no trabalho, na modalidade de serviços externos; no âmbito das actividades de segurança, eram anualmente realizadas avaliações de riscos a todas as suas áreas de produção, acções de formação, informação e consulta aos trabalhadores (ponto 56. dos Factos Provados);
19. De acordo com o Inquérito de Acidente de Trabalho elaborado pela A.C.T. e junto aos autos, verifica-se uma “adequabilidade da avaliação de riscos ao processo produtivo”, tendo ainda nesse documento sido confirmado que a Recorrente fazia “planeamento e implementação de medidas de SST”;
20. O Recorrido recebeu formação e informação em matéria de segurança no trabalho, entre outras, sobre os riscos nas diversas áreas de produção, incluindo, no embalamento, bem como sobre as medidas de prevenção, tendo ainda lhe sido atribuídos equipamentos de protecção individual (pontos 57., 58, 59. e 60 dos Factos Provados);
21. Depreende-se da sentença recorrida que o Tribunal a quo considerará que a Recorrente incumpriu as regras de segurança ao não colocar a placa metálica “Guarda Cajon Salida Skin” no equipamento Skinpack 5x1, na parte do tapete de saída das cuvetes, após a zona em que é efectuado o vácuo e a selagem, pese embora não identifique o concreto dispositivo legal que entende ter sido violado;
22. À data do acidente, a zona do vácuo e soldadura da Skinpack 5x1 - na qual o Recorrido entalou a mão - tinha uma protecção metálica. (ponto 54. dos Factos Provados).
23. O Recorrido entalou a mão no equipamento ao introduzir a mão e o braço direitos no interior da protecção metálica que cobre a zona em que é efectuado o vácuo, ou seja, no interior do equipamento Skinpack (5x1). (ponto 55. dos Factos Provados).
24. Resulta das fotografias que constituem o documento nº. 5 junto com Contestação apresentada pela Recorrente, que a placa metálica que não estava colocada corresponde a uma zona neutra de passagem das cuvetes, após a realização do vácuo e soldadura;
25. Conforme resulta do depoimento da testemunha (…), a distância entre o limite da placa metálica que foi retirada e o local em que ocorreu o acidente - zona de vácuo e soldadura da Skinpack 5x1 - é de cerca de 40 (quarenta) a 45 (quarenta e cinco) centímetros e, em termos de altura, cerca de 8 (oito) a 10 (dez) centímetros (…);
26. Para aceder ao início da zona de vácuo e soldadura da Skinpack (“zona perigosa”), a mão do Recorrido teve de percorrer, no mínimo, cerca de 40 a 45 centímetros no interior do equipamento, na parte de baixo da protecção metálica;
27. O Tribunal a quo não podia ter concluído, como conclui, que a Recorrente violou regras de segurança no trabalho ao não assegurar a colocação da placa metálica “Guarda Cajon Salida Skin” na Skinpack (5x1), porquanto a protecção metálica existente sobre a “zona perigosa” cobria, de forma suficiente, a zona de vácuo e soldadura;
28. Do início da protecção metálica que cobria a zona de vácuo e soldadura até ao início da “zona perigosa” distava cerca de 40 a 45 centímetros, distância que, à luz do Decreto-Lei nº. 50/2005, de 25 de Fevereiro, deve considerar-se como uma “distância suficiente da zona perigosa”;
29. Ao concluir que a Recorrente incumpriu regras de segurança ao não colocar a placa metálica “Guarda Cajon Salida Skin”, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 16º., nº. 2, alínea d) do Decreto-Lei nº. 50/2005, de 25 de Fevereiro;
30. Não foi a Recorrente que tomou a iniciativa de retirar a referida placa metálica “Guarda Cajon Salida Skin” do equipamento Skinpack 5x1, mas os técnicos da marca que produziu e instalou o equipamento (“ULMA”) - Pontos 66. 67. e 68. dos Factos Provados;
31. A decisão dos técnicos da ULMA de retirarem a placa metálica “Guarda Cajon Salida Skin” do equipamento Skinpack 5x1 foi entendido pela Recorrente como uma medida adequada e necessária para “ir ajustando os parâmetros do “Skinpack 5x1”, evitando, assim, acumular cuvetes com problemas de vácuo” e que não diminuía a segurança para as pessoas que operavam e trabalhavam nesse equipamento;
32. Os técnicos da marca ULMA nunca recomendaram a colocação da placa metálica “Guarda Cajon Salida Skin”, conforme resulta do depoimento da testemunha (…);
33. Em nenhuma das avaliações de risco realizadas anualmente, a empresa responsável pela prestação de serviços de saúde e segurança no trabalho (Medi-T2 Higiene e Segurança) identificou quaisquer riscos na zona em que é realizado o vácuo no equipamento Skinpack (5x1) e/ou recomendou a implementação de medidas correctivas ou a colocação de protecção adicional (ponto 56. dos Factos Provados), nem tão pouco identificou qualquer risco associado à retirada da placa metálica, nem recomendou a implementação de qualquer medida correctiva que implicasse a colocação da placa ou identificado que a protecção que existia na zona de vácuo era insuficiente (Ponto 69. dos Factos Provados);
34. Face às circunstâncias do caso concreto e de acordo com o critério da diligência de um bom pai de família, não era exigível à Recorrente que agisse de outro modo, nomeadamente, que colocasse a placa metálica “Guarda Cajon Salida Skin” no equipamento ou adoptasse medidas para acautelar os riscos inerentes à sua não colocação, quando nem sequer os técnicos especialistas sinalizaram essa necessidade;
35. Ou seja, o Tribunal a quo está a exigir da Recorrente, que não tem conhecimentos técnicos especializados em termos de segurança no trabalho e avaliação de riscos, que vá além do recomendado e prescrito pela empresa de segurança no trabalho, nas avaliações de risco que realizou durante vários anos e nas quais nunca recomendou a colocação da placa metálica ou a implementação de uma medida que colmatasse a ausência dessa placa;
36. Estando o equipamento desligado aquando da realização da operação de substituição de bobine e não pressupondo esse procedimento qualquer contacto com a zona inferior do equipamento, não era previsível por parte da Recorrente - e também não foi pelos técnicos da ULMA, nem pelo técnico de segurança da Medi-T2 Higiene e Segurança - a existência de riscos acrescidos por não estar colocada a placa metálica “Guarda Cajon Salida Skin” nessa parte do equipamento, nem, pelas mesmas razões, era exigível à Recorrente que adoptasse medidas de segurança que colmatassem essa falta;
37. Nas avaliações de riscos realizadas anualmente pelo técnico de segurança da Medi-T2 Higiene e Segurança, não foi identificado qualquer risco de um trabalhador introduzir a mão e o braço na zona de vácuo e soldadura;
38. Em audiência de julgamento, o técnico de segurança no trabalho que prestava serviços para a Recorrente, (…), referiu que “não era visível, portanto, que alguém conseguisse colocar a mão no interior da máquina” (passagem de 00:15:25s a 00:17:16s);
39. Também a testemunha (…) e a testemunha (…) referiram que todos os trabalhadores da Recorrente estavam proibidos de colocar as mãos no interior da Skinpack;
40. Não se compreende, por isso, com base em que circunstâncias o Tribunal a quo concluiu que a Recorrente devia ter previsto o risco de introdução da mão/braço na zona de vácuo e soldadura;
41. De igual forma, não se compreende como o Tribunal a quo concluiu que as instruções, informação e formação dada não dispensavam a necessidade de colocação da protecção em causa ou a adopção de medidas de protecção dos riscos inerentes à sua retirada, quando na formação dada aos trabalhadores é referido expressamente para não colocarem as mãos no interior do equipamento (…);
42. A Recorrente agiu sem culpa, já que face às circunstâncias do caso concreto e de acordo com o critério da diligência de um bom pai de família, não era exigível à Recorrente a colocação da placa metálica “Guarda Cajon Salida Skin” ou que adoptasse medidas de segurança para colmatar a sua não colocação;
43. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 487º., nº. 2 do Código Civil;
44. Do Ponto 37. dos Factos Provados resulta que “nesse momento, sem se aperceberem onde se encontrava o autor, a colega (…), ligou o equipamento, após indicação da superior (…).”
45. As Testemunhas (…) e (…) foram as únicas testemunhas ouvidas em audiência de julgamento que estavam na linha de produção quando ocorreu o acidente, pelo que se não se aperceberam onde se encontrava o Recorrido, por maioria de razão não sabem o que o mesmo se encontrava a fazer no exacto momento da ocorrência do acidente;
46. Face à prova carreada para os autos, não é possível apurar as circunstâncias em que ocorreu o acidente dos autos;
47. Nenhuma das testemunhas que prestaram depoimento em audiência estão habilitadas - porque não são o Recorrido - a depor sobre as reais e efectivas motivações que estiveram na origem da acção do Recorrido de introduzir a mão e o braço no interior do equipamento;
48. Não pode o Tribunal a quo concluir que foi o facto de o Recorrido se ter deslocado para junto daquela zona da máquina e de a placa metálica sobre o tapete não se encontrar colocada que terá motivado a sua acção;
49. Não tendo sido possível apurar nos autos o processo naturalístico (nem, tão pouco, as motivações que estiveram na base da acção do Recorrido) que concretamente deu origem ao acidente, não é possível dar por verificado o nexo de causalidade entre a alegada violação das regras de segurança e o acidente – artigo 563º. do Código Civil;
50. Tendo em conta a matéria provada nos autos (pontos 53., 56., 57., 58., 59., 63., 64., 65. e 69. dos Factos Provados), e fazendo apelo às regras da experiência e juízos de prognose, não pode deixar de se concluir que era objectivamente improvável que o Recorrido introduzisse a mão e o braço no interior da Skinpack 5x1, mais concretamente, na parte de baixo da protecção metálica que cobre a zona de vácuo e soldadura do equipamento;
51. Como referiu a testemunha (…), na audiência de julgamento realizada em 12- 04-2024, quando questionado como classifica o nível de segurança da Recorrente, o mesmo respondeu “considero que seja alto, até porque acho que é um modelo de empresa que muitas empresas devem seguir não só pelo produto que fazem, tem a ver com produtos alimentares, pelas máquinas que utilizam, mas também por aquilo que é, digamos, a transparência da empresa no mercado nacional. Existem poucas empresas, diria, daquilo que eu conheço, como é óbvio… da minha experiência, existem poucas empresas com este nível de preocupação, de implementação das medidas, pronto, e é um bom exemplo aos quais muitos empregadores deviam observar” (passagem 00:26:38s a 00:27:25s), o que evidencia que a Recorrente adoptava todas as condições de segurança que lhe eram recomendadas;
52. Não sendo previsível a ocorrência de um acidente da natureza e com as características do acidente do Recorrido, entende a Recorrente que não se lhe impunha a implementação de medidas de protecção que substituíssem a ausência da colocação da placa metálica “Guarda Cajon Salida Skin”, como refere o Tribunal a quo;
53. Não existe nexo de causalidade (adequada) entre a alegada violação das regras de segurança imputada à Recorrente e a ocorrência do acidente do Recorrido;
54. Os danos não patrimoniais são indemnizáveis sempre que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, devendo a respectiva indemnização ser fixada equitativamente, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, nos termos previstos no artigo 494.º do Código Civil;
55. A considerar-se que a Recorrente agiu com culpa, esta, face à matéria dada como provada, deverá considerar-se diminuta;
56. O montante indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo, a título de danos não patrimoniais, é excessivo, devendo o mesmo ser reduzido para valores que não excedam os € 15.000,00;
57. A sentença recorrida deve, assim, ser revogada e substituída por outra que conclua que não estão verificados os requisitos da responsabilidade agravada do empregador previstos no artigo 18º., nº. 1 da L.A.T. e, consequentemente, absolva a Recorrente dos pedidos contra si formulados, in casu, no pagamento da indemnização por incapacidade total absoluta prevista na alínea b) do nº. 1 da parte dispositiva da sentença, no pagamento da pensão anual e vitalícia prevista na alínea b) do nº. 2 da parte dispositiva da sentença e no pagamento da indemnização por danos não patrimoniais prevista no nº. 3 da parte dispositiva da sentença;
58. Não sendo in casu aplicado o regime da responsabilidade agravada previsto no artigo 18º., nº. 1 da L.A.T., a Recorrida Liberty não terá direito ao reembolso por parte da Recorrente das prestações em que foi condenada, por não ser aplicável o artigo 79º., nº. 3 da L.A.T..

Nas respectivas respostas, a seguradora e o sinistrado pugnaram pela manutenção da sentença.
Cumpre-nos assim decidir.

Impugnação da matéria de facto
Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, como previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, continua a vigorar o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz – art. 607.º n.º 5 do mesmo diploma, ao dispor que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.”
Deste modo, a reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova[1].
Por outro lado, o art. 662.º do Código de Processo Civil permite à Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Trata-se de uma evolução em relação ao art. 712.º da anterior lei processual civil, consagrando uma efectiva autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto, competindo-lhes formar a sua própria convicção, podendo, ainda, renovar os meios de prova e mesmo produzir novos meios de prova, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.
Deste modo, na reapreciação da matéria de facto o Tribunal da Relação deve lançar mão de todos os meios probatórios à sua disposição e usar de presunções judiciais para obter congruência entre a verdade judicial e a verdade histórica, não incorrendo em excesso de pronúncia se, ao alterar a decisão da matéria de facto relativamente a alguns pontos, retirar dessa modificação as consequências devidas que se repercutem noutra matéria de facto, sendo irrelevante ter sido esta ou não objecto de impugnação nas alegações de recurso.[2]
Ponderando, ainda, que o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640.º do Código de Processo Civil, “não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado; nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação e, que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica”[3], proceder-se-á à análise desta parte do recurso, no uso da referida autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto.
Previamente, consigna-se que se procedeu à audição da prova gravada e à análise da documentação junta aos autos.
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Ponto 34 do elenco de factos provados:
A sentença declarou provado o seguinte: “34. Em momento prévio ao acidente, com a máquina desligada, foi necessário proceder à mudança do rolo de filme da bobine superior situada sobre a saída da Skin, zona onde é efectuada a selagem das cuvetes, tarefa de que o autor foi incumbido pela sua chefe.”
A Recorrente afirma que este facto está incorrectamente julgado, pois a zona de vácuo e selagem das cuvetes não fica por baixo do local onde se procede à mudança do rolo do filme, nem a tarefa de substituição da bobine foi atribuída ao sinistrado.
Quanto à primeira parte da impugnação, as fotografias da máquina foram exibidas às testemunhas BB e DD, a primeira a chefe de equipa em funções no local no momento do acidente, e o segundo o director fabril. Do que se depreende dos depoimentos destas testemunhas e da análise das fotografias do equipamento – juntas com o relatório da ACT, a fs. 297 a 306, e como documento n.º 5 junto com a contestação da empregadora – é que a máquina inclui um equipamento onde a manobra de vácuo e selagem das cuvetes é executada, denominado Skin, sendo a selagem efectuada precisamente com o filme que vem da bobine.
Ora, esta bobine está colocada precisamente sobre a zona de saída desse equipamento, e é isso que a redacção do ponto 34 refere: a “bobine superior (está) situada sobre a saída da Skin”, e a Skin é precisamente a “zona onde é efectuada a selagem das cuvetes”.
Este equipamento, a Skin, não inclui apenas o mecanismo de vácuo e selagem, inclui a zona de entrada das cuvetes por selar, seguindo-se o referido mecanismo e depois a zona de saída das cuvetes já seladas, a tal “saída da Skin”, sobre a qual a bobine está posicionada.
O que a Recorrente pretende é que o equipamento Skin inclui zonas independentes, não interligadas, mas não é isso que depreendemos da análise dos referidos depoimentos e das fotografias, e a redacção que a sentença deu ao ponto 34 parece-nos a que melhor descreve esse equipamento e o local onde a bobine está colocada, “sobre a saída da Skin”.
Quanto à intervenção do sinistrado na tarefa de mudança da bobine, foi precisamente a chefe de equipa BB quem relatou essa intervenção. Como a bobine, ou rolo de filme, é pesada (cerca de 30 kg), não pode ser carregada por duas mulheres, têm de ser dois homens com força suficiente para a carregar e elevar para a posição onde ela funciona – e naquele dia, o sinistrado foi um dos homens que executou essa tarefa de carregar e elevar a bobine. Segue-se outra tarefa, de passar o filme pelos mecanismos internos da Skin, executada pela BB, mas o ponto 34 reflecte a primeira tarefa, onde o sinistrado interveio efectivamente, a mudança do rolo de filme, com retirada do anterior rolo, já gasto, e colocação de um rolo novo.
Por estas razões, reflectindo o ponto 34 fielmente o mecanismo da máquina e a prova produzida, será esta parte da impugnação julgada improcedente.
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Ponto 36 do elenco de factos provados:
A sentença declarou provado o seguinte: “36. O autor apercebe-se então que existiam cuvetes com pescado, por baixo da guarda de protecção Skin (molde de soldadura) e decidiu retirar o peixe, introduzindo para o efeito a mão na zona do equipamento.”
A Recorrente argumenta que este ponto deve ser eliminado, alegando que da prova produzida nos autos não resultam demonstradas as circunstâncias em que ocorreram o acidente, nem as motivações que determinaram a ocorrência do mesmo. Alega ainda que este ponto está em contradição com o 37, onde se declara provado que a BB e a CC não se aperceberam onde se encontrava o autor.
Pois bem, não é pelo facto de não ter existido uma prova directa do facto, resultante da observação directa do acto por alguma testemunha, que o facto não pode ser considerado provado. O tribunal utiliza as regras da experiência na análise crítica da prova, e pode efectuar uma presunção judicial para, a partir de factos conhecidos, deduzir um facto desconhecido (por não observado directamente).
No caso, as testemunhas CC e BB sabiam que o sinistrado tinha participado na mudança do rolo de filme, e que por vezes as cuvetes saíam da Skin mal seladas, sendo necessário retirá-las. Aperceberam-se dos gritos do sinistrado quando a máquina foi ligada, pelo que a BB accionou de imediato o botão de paragem de emergência, deslocando-se as duas para o local onde o sinistrado estava para o socorrer, observando que este tinha a sua mão por baixo da guarda de protecção Skin, local onde esta foi apanhada pelo mecanismo de molde da soldadura.
Com base nestes factos conhecidos, por observados directamente por estas testemunhas, pode-se deduzir que o sinistrado introduziu a sua mão naquele local para retirar o peixe, como se declara neste ponto 36.
Não existe qualquer outra explicação lógica para este facto, e certo é que nenhuma testemunha referiu que o sinistrado tivesse alguma predisposição patológica para provocar voluntariamente a amputação de partes do seu corpo.
Como tal, porque a prova produzida não impõe decisão diversa da obtida na sentença recorrida – art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil – e porque a resposta a este ponto 36 reflecte o legítimo uso de uma presunção judicial, decide-se julgar improcedente também esta parte de impugnação.
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Pontos 40 e 41 do elenco de factos provados:
A sentença declarou provado o seguinte: “40. Esta protecção, para além do mais, impede o acesso das mãos dos operadores ao local onde o sinistrado introduziu a sua mão direita. 41. Esta protecção não estava a ser utilizada no momento do acidente, o que permitiu a introdução da mão do autor no interior da máquina.”
No entender da Recorrente, estes pontos são conclusivos, por incluir juízos de valor sobre questões de direito, com ressalva da parte relativa à “protecção não esta(r) a ser utilizada no momento do acidente”.
Não é assim, o que estes pontos descrevem é a função material dessa protecção: impedir o acesso das mãos dos operadores ao interior da máquina.
Não há aqui algum juízo de valor, porque esta descrição não envolve qualquer valoração jurídica, qualquer locução metafórica ou qualquer adjectivação. O que existe aqui é a descrição objectiva da função realizada por aquela peça (impedir o acesso das mãos), e como tal a crítica realizada pelo Recorrente é desajustada.
Esta parte da impugnação é assim julgada improcedente.
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Ponto 42 do elenco de factos provados:
A sentença declarou provado o seguinte: “42. A 2.ª R. sabia que a máquina deveria ter a protecção e não adoptou qualquer medida para acautelar os riscos inerentes à sua não colocação, que só veio a fazer após o acidente.”
Argumenta a Recorrente que este ponto não podia ser considerado provado, pois quem retirou a protecção em causa foram os técnicos da marca (ULMA), não tendo os mesmos feito qualquer recomendação no sentido desta ser recolocada, e que, no âmbito da avaliação de riscos realizada anualmente, não foi identificado qualquer risco associado à não colocação da referida placa metálica, nem recomendada a implementação de qualquer outra medida para reforçar a segurança naquela zona.
Apreciando, diremos que a Recorrente conhecia o manual da máquina, e que este incluía duas guardas metálicas, ilustradas no documento n.º 1 junto com a contestação da seguradora: uma situada sob o rolo de filme da bobine superior, e outra colocada sobre o tapete rolante de saída das cuvetes da zona de vácuo e selagem.
Estas guardas estão juntas, sem qualquer espaço vazio entre si, e existem com uma função específica, expressamente prevista pelo fabricante: prevenir o risco de contacto mecânico, impedindo qualquer acesso aos elementos móveis da máquina, cujo funcionamento pode causar lesões corporais, como é o caso do equipamento de vácuo e selagem das cuvetes.
Certo que os técnicos da Ulma retiraram a segunda guarda metálica, a colocada na saída da zona de vácuo e selagem, mas tal ocorreu a solicitação e no interesse da Recorrente: era ela quem tinha interesse no correcto funcionamento da máquina e pretendia evitar a saída de cuvetes mal seladas, e daí que a solução adoptada tivesse sido a simples retirada daquela guarda.
Face a esta realidade, pode-se afirmar que a Recorrente sabia que a máquina deveria ter a guarda em causa (estava prevista pelo fabricante e constava do respectivo manual de funcionamento) e, como conhecia o funcionamento da máquina, sabia que retirando aquela guarda tornava-se possível o contacto inopinado com elementos móveis capazes, pelo seu próprio funcionamento, de causar lesão corporal.
A este respeito, subscrevemos na íntegra a seguinte parte da motivação fáctica da sentença, por expressar bem a razão pela qual este ponto foi declarado provado:
“Conforme explicado pelas testemunhas Eng.º DD, EE e FF transparece a razão de ser da retirada daquela segunda tampa pelo representante da máquina, mas com o conhecimento e sob monitorização também da 2.ª R. A este propósito foi explicado pelo Eng.º DD que a máquina foi adquirida em 2013 e praticamente desde o início da sua laboração, apresentava problemas de funcionamento ao nível do vácuo. Também por esta testemunha foi esclarecido que, já após o acidente, foi colocada uma nova tampa, agora transparente, por forma a permitir o controlo visual da qualidade do vácuo, isto é, o estado em que as cuvetes saem dessa zona pelo tapete rolante e de molde a permitir a intervenção na própria máquina.
Esta segunda tampa, como explicado pelo Eng.º DD, serve para evitar o contacto com o tapete rolante, mas percebe-se que também evita o contacto visual e manual com as cuvetes de pescado e, tal como muito claramente confirmado por BB, por GG e até pelo Eng.º DD, impede a introdução de braço/mão na zona da realização de vácuo, selagem e corte, nos precisos moldes em que o autor o fez. Esta constatação afigura-se lógica a partir não só da dinâmica do acidente, como das fotografias 3 e 4 do doc. 2 da contestação da 1.ª R. e doc. 5 da contestação da 2.ª R.
Por outro lado, dos depoimentos de GG, Eng.º DD, EE e FF ressalta que sabendo a 2.ª R. que a máquina deveria ter a protecção (a segunda), não adoptou qualquer medida para acautelar os riscos inerentes à sua não colocação e tal ocorreu essencialmente por três ordens de razões bem identificadas, sobretudo pelo Eng.º DD, mas também por FF e até EE: (i) por ter sido e ser entendido que naquele local não existia qualquer posto de trabalho e, assim, intervenção manual; (ii) por não ter sido previsto o risco da introdução de mão/braço na zona de vácuo, selagem e corte das cuvetes; (iii) por a tampa proteger a zona do tapete, apenas com o risco inerente ao funcionamento deste e não haver elementos perigosos como disco. Acresce que os trabalhadores tinham formação, informação e instruções para não introduzir as mãos no equipamento, inexistindo também necessidade de o fazer no caso, dado que as cuvetes chegariam ao fim da linha de produção pelo tapete rolante, onde seria depois realizada a sua selecção, voltando o bacalhau a ser congelado e oportunamente reintroduzido na linha.”
Concordando-se com esta motivação, e porque a prova produzida não impõe decisão diversa, julga-se também improcedente a impugnação deduzida quanto a este ponto 42.
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Ponto 70 do elenco de factos provados:
A sentença declarou provado o seguinte: “70. Até à data, a 2.ª R. não foi notificada de auto lavrado pela ACT por violação de regras de segurança referentes ao acidente.”
A Recorrente argumenta que a ACT não lhe notificou qualquer auto de contra-ordenação por violação de regras de segurança no trabalho porque efectivamente concluiu, na sequência da inspecção realizada, que a sua actuação não era violadora dessas regras. Como tal, entende que este ponto deveria ter a seguinte redacção: “No âmbito da inspecção realizada pela ACT após a ocorrência do acidente, não foi imputada à 2.ª Ré a prática de qualquer contra-ordenação por violação de regras de segurança no trabalho.”
Pois bem, a diferença de redacção proposta parece-nos reflectir um mero preciosismo: certo é que a Recorrente não foi notificada pela ACT – pelo menos até à data do julgamento – de qualquer auto de notícia por violação de regras de segurança, e é isso que o ponto 70 reflecte e pode ter algum interesse para a decisão dos autos. Agora, quanto à imputação dessa violação, pode a Recorrente não ter sido, ainda, notificada de qualquer auto de notícia por contra-ordenação por parte da ACT, por motivos que se desconhecem e cuja prova não foi feita, mas certo é que essa imputação está expressamente feita nestes autos, pelo sinistrado e pela seguradora.
Assim, também esta parte da impugnação é julgada improcedente.
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Artigos 35.º, 37.º e 38.º da contestação da Recorrente:
Nestes artigos, a Recorrente alegou o seguinte:
“35.º No “Inquérito de acidente de trabalho” realizado pela ACT (nº. 0418000003, de 18-07-2017), esta entidade inspectiva conclui pela “adequabilidade da avaliação dos riscos ao processo produtivo”.
(…)
37.º Ou seja, de acordo com as avaliações de riscos realizadas ao longo dos anos não era previsível que um acidente como o que veio a ocorrer pudesse verificar-se.
38.º Aliás, este foi o primeiro e único acidente que ocorreu nas circunstâncias acima descritas.”
Apreciando, diremos, quanto ao art. 35.º, que o inquérito da ACT não pode ser valorado apenas por uma linha: a resposta à questão 6.5.1, a fs. 290 dos autos. Certo é que esse mesmo inquérito refere causas que poderão ter contribuído para a ocorrência do acidente, como, a fs. 291: “ausência de formação adequada do trabalhador sobre os riscos associados ao equipamento de trabalho; inexistência de protecção física que evitasse a colocação da mão no interior do equipamento; distracção do trabalhador (operador) no manuseamento do equipamento”, sendo as duas primeiras causas atribuíveis à empregadora.
O mesmo inquérito também refere, entre as medidas correctivas a adoptar, a fs. 295: “Colocação de protecção física que evite a colocação das mãos no interior do equipamento (já inserida); Formação e Informação aos trabalhadores em SST sobre os riscos associados aos equipamentos de trabalho.”
Ponderando que não é a circunstância da avaliação dos riscos ser genericamente adequada ao processo produtivo que está em discussão nestes autos, mas sim se houve efectivamente violação de regras de segurança por parte da Recorrente, e ponderando que é também função deste tribunal determinar se o acidente podia ter sido previsto e o risco prevenido, conclui-se pela improcedência da impugnação quanto ao dito art. 35.º, por irrelevante quanto à decisão da causa.
Quanto ao art. 37.º, está em causa uma alegação conclusiva, que envolve um juízo de valor a realizar por este tribunal: determinar se o acidente podia ter sido previsto e o risco prevenido.
Finalmente, quanto ao ponto 38.º, coloca-se a mesma questão de inutilidade do facto alegado para a decisão da causa, o que obsta ao seu conhecimento, face aos termos do art. 130.º do Código de Processo Civil: não é pela circunstância de não terem ocorrido outros acidentes idênticos, que fica afastada a questão relativa ao cumprimento do dever de prevenção do risco, nomeadamente face à retirada de uma guarda de protecção, prevista pelo fabricante com a intenção de prevenir um risco específico, o de contacto com os elementos móveis do equipamento.
Como tal, quanto aos arts. 35.º, 37.º e 38.º da contestação da empregadora, a impugnação fáctica também improcede.

Improcedendo, pois, a impugnação da matéria de facto, esta fixa-se como consta da sentença, ou seja:
1. Em 18 de Julho de 2017, o A. encontrava-se a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização de “Maredeus Portugal Unipessoal, Lda.”, exercendo as funções próprias da categoria de preparador de produtos congelados, para o que foi contratado em 01.07.2017.
2. O autor auferia então a remuneração base mensal de €557,00 x 14 meses, acrescida de outras retribuições no valor de €124,48 x 11 meses, na totalidade anual de €9.167,28.
3. O autor exercia as suas funções na fábrica da 2.ª R., na Zona Industrial Ligeira, n.º 2 Expansão I Lote 8, 9 e 10, em Ermidas-Sado.
4. Nesse dia 18.07.2017, quando o A. se encontrava a desempenhar tarefas na linha de produção, na máquina de embalamento de bacalhau Skinpack (5x1) – equipamento Ulma, entalou a mão direita nesta máquina.
5. Em consequência directa e necessária deste entalão, o A. sofreu traumatismos do membro superior direito, com amputação dos dedos D2 a D5, pelo terço proximal do metacárpico, com rigidez da IF de D1 e cicatrizes de cirurgias para remoção de pele para enxerto das lesões em toda a face posterior do antebraço do membro superior direito.
6. Tal determinou-lhe um período de Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) de 19.07.2017 até 12.08.2019.
7. A alta clínica é fixada em 12 de Agosto de 2019.
8. A título de indemnização pelo período de ITA sofrido, a 1.ª R. pagou ao sinistrado a quantia de €11.867,00.
9. Desde 12.08.2019, o autor passou a exercer funções como operador de armazém.
10. Á data do acidente, a 2.ª R. tinha a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho relativa ao autor, transferida para a 1.ª R. por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ….
11. O autor nasceu em …/…/1985.
12. No âmbito do contrato de seguro encontrava-se transferida a responsabilidade, tendo por base a retribuição anual auferida pelo sinistrado, no valor de €9.167,28, correspondente à retribuição mensal de €557,00 x 14 meses e da retribuição de €124,48 x 11 meses.
13. Ao autor foi fixada IPATH, com grau de IPP residual para o exercício de outras profissões fixado em 32,5%, desde a data da alta clínica.
14. Como consequência do acidente, o autor deixou de poder exercer as funções de preparador de produtos congelados.
15. Tendo passado a desempenhar as funções de operador de armazém, pelo menos no início sentiu-se muitas vezes inútil.
16. Devido às sequelas de que ficou portador, o autor deixou de andar de bicicleta, pescar e só voltou a conduzir cerca de dois anos após o acidente.
17. Devido ao acidente, o autor sentiu dores, tendo tido necessidade de medicação para estas durante alguns meses.
18. O autor tem tido muita dificuldade em aceitar o que lhe sucedeu com o acidente.
19. O autor passou por um período de dependência de terceiros, o que o deixava muito angustiado, triste e deprimido.
20. O autor teve de abandonar a casa onde residia sozinho e voltar para a casa do seu pai, sendo este que lhe fazia a higiene pessoal, incluindo banho.
21. Era ajudado pela madrasta a vestir-se e calçar-se.
22. A madrasta arranjava-lhe a comida no prato.
23. O autor passou por um período em que se fechava no quarto, por vezes às escuras, sem querer abrir a janela e sem querer sair de casa.
24. Após a retirada das ligaduras e dos pensos, o autor durante alguns meses não conseguia olhar para a mão direita, escondia a mão dentro das camisolas ou atrás das costas.
25. A madrasta colocava-lhe cremes e pomadas e o autor não olhava.
26. O autor chorava constantemente, não queria receber os amigos.
27. O autor chegou a dizer que “não estava cá a fazer nada” e que nunca mais seria independente.
28. Passou a ser seguido por psicóloga, situação que se mantém, a fim de o ajudar.
29. O autor sente desgosto e tristeza, não tendo ainda conseguido ultrapassar o choque do ocorrido.
30. No âmbito dos autos, o autor deslocou-se:
- No dia 28.07.2020 ao GMLF do Alentejo Litoral no HLA para realização de exame médico;
- No dia 23.09.2021 a este Juízo para realização de junta médica;
- No dia 12.12.2022, ao SCPF da Delegação do Sul do INML, em Lisboa, para realização de junta médica de Psiquiatria;
- No dia 02.03.2023 a este Juízo para conclusão da junta médica iniciada em 23.09.2021;
- Nos dias 29.06.2023 e 23.11.2023 a este Juízo para prestação de esclarecimentos pelos senhores peritos médicos.
31. O autor realizou estas deslocações em viatura particular, da sua residência em Grândola e regresso, tendo percorrido para o efeito o total de cerca de 741 Km, suportando as inerentes despesas.
32. O autor terá de pagar despesas com as consultas de psicologia, em montante ainda não apurado.
33. No dia do acidente, o A. laborava no turno das 07h00 às 16h00, tendo aquele ocorrido pelas 15h50.
34. Em momento prévio ao acidente, com a máquina desligada, foi necessário proceder à mudança do rolo de filme da bobine superior situada sobre a saída da Skin, zona onde é efectuada a selagem das cuvetes, tarefa de que o autor foi incumbido pela sua chefe.
35. Após a mudança da bobine, a superior hierárquica do sinistrado, BB, efectuou a passagem do filme pelos diversos elementos do equipamento.
36. O autor apercebe-se então que existiam cuvetes com pescado, por baixo da guarda de protecção Skin (molde de soldadura) e decidiu retirar o peixe, introduzindo para o efeito a mão na zona do equipamento.
37. Nesse momento, sem se aperceberem onde se encontrava o autor, a colega CC, ligou o equipamento, após indicação da superior BB.
38. Assim que a máquina começou novamente a laborar, o A. ficou com a mão direita comprimida no molde de soldadura, provocando a lesão dos dedos da mão direita.
39. No manual da representante da máquina consta como fazendo parte integrante do equipamento, como sua protecção, uma Guarda Cajon Salida Skin, na zona de tapete de saída das cuvetes, após a zona em que é efectuado o vácuo.
40. Esta protecção, para além do mais, impede o acesso das mãos dos operadores ao local onde o sinistrado introduziu a sua mão direita.
41. Esta protecção não estava a ser utilizada no momento do acidente, o que permitiu a introdução da mão do autor no interior da máquina.
42. A 2.ª R. sabia que a máquina deveria ter a protecção e não adoptou qualquer medida para acautelar os riscos inerentes à sua não colocação, que só veio a fazer após o acidente.
43. A 2ª. Ré é uma empresa que se dedica à preparação de produtos da pesca e da aquicultura, que compreende, entre outras, as actividades de evisceração, o descabeçamento, o corte, a filetagem, a esfola, o descasque, o picado, a congelação, acondicionamento, embalagem e a armazenagem frigorífica.
44. Com vista à prossecução da actividade da 2ª. Ré, o Autor foi contratado, como trabalhador temporário, entre 04-07-2016 e 30-06-2017, exercendo as funções de preparador de produtos congelados.
45. Enquanto preparador de produtos congelados, competia ao Autor, entre outras, a realização de operações de entrada e saída de mercadorias, executando ou fiscalizando os respectivos documentos, orientação e controlo da distribuição das mercadorias pelos diferentes sectores da empresa e/ou clientes, bem como a manipulação de produtos destinados à congelação em qualquer uma das fases da transformação, contemplando, a preparação e empacotamento de peixe destinado à congelação.
46. Até à data do acidente, a actividade do Autor, enquanto preparador de produtos congelados, era executada, em conjunto com outros trabalhadores da 2ª. Ré, na máquina de embalamento de bacalhau “Skinpack (5x1)”, da marca Ulma, na qual ocorreu o acidente.
47. O equipamento “Skinpack (5x1)” tem aproximadamente 27 metros de cumprimento, e ao longo da linha de produção existem quatro postos de trabalho:
1.º - denominado alimentador de linha – é ocupado por diversos trabalhadores que alimentam a linha de produção com o bacalhau congelado, competindo-lhes ligar (e desligar) o tapete, retirar das paletes as caixas de cartão nas quais se encontra a matéria prima (bacalhau congelado), abrir as caixas de cartão, virar as referidas caixas para o tapete e verificar se o produto congelado está conforme para ser embalado (deverá, por exemplo, ser retirado da linha o bacalhau com grandes dimensões).
2.º - denominado operador de linha – é ocupado por diversos trabalhadores que colocam manualmente o produto congelado nas películas/cuvetes de plástico que passam no tapete.
3.º - denominado alinhador/verificador – é ocupado por diversos trabalhadores que recebem no tapete o produto já selado/embalado, verificam a hermeticidade de cada pacote que passa na linha, verificam se o produto está correctamente selado e rejeitam o produto selado com falta de vácuo, com excesso de vácuo, com micróporos, nas quais o produto esteja mal colocado, com defeito na embalagem, etc..
4.º - denominado embalador – é ocupado habitualmente por 3 trabalhadores, dos quais dois retiram o produto congelado selado/embalado da linha de produção/tapete, verificam (novamente) a hermeticidade de cada pacote e colocam o produto congelado selado/embalado em caixas de cartão (20 pacotes por cada caixa), e o outro trabalhador empilha as caixas de cartão para fazer a palete final.
48. Apenas estas actividades são realizadas manualmente na linha de produção e todas as restantes necessárias para a obtenção do produto final (produto embalado e individualizado), nomeadamente, a passagem da película de plástico para cobrir as cuvetes (nas quais estão colocadas as porções de bacalhau congelado pelos operadores de linha), o processo de vácuo do produto (através do qual se retira o ar da embalagem), a soldadura (selagem da embalagem em que os dois plásticos/películas são coladas uma à outra através de calor) e o corte individual de cada pacote, são actividades realizadas de forma mecânica no equipamento “Skinpack (5x1)”, não tendo qualquer intervenção humana ou manual.
49. Por isso, na parte da linha de produção em que a película cobre a cuvete (na qual já se encontra colocado o produto congelado), em que é realizado o vácuo, a soldadura/selagem e o corte da embalagem, não existe posto de trabalho fixo.
50. Desde que o Autor iniciou as suas funções para a 2ª. Ré até à data do acidente, apenas desempenhou as suas funções de preparador de produtos congelados na “Skinpack (5x1)”, nos postos de trabalho de alimentador da linha e de embalador.
51. Em 18.07.2017, de acordo com a escala afixada para esse dia e com as instruções que recebeu da chefe de linha, o Autor encontrava-se a prestar actividade no equipamento “Skinpack (5x1)”, ocupando o posto de trabalho de embalador, empilhando as caixas de cartão para fazer a palete final.
52. Entre o posto de trabalho de operador de linha e o posto de trabalho de alinhador/verificador existe uma zona na qual, mecanicamente, é passada uma película de plástico na cuvete, é feito o vácuo, a selagem e o corte das cuvetes já seladas.
53. Nenhum trabalhador da 2ª. Ré, com excepção do chefe e subchefe de linha, está autorizado a operar a máquina Skinpack (5x1) ou a executar qualquer actividade fora dos postos de trabalho existentes na linha de produção, excepto, neste caso, autorização destas.
54. À data do acidente, a parte da máquina Skinpack (5x1), no local em que é efectuado o vácuo tinha uma protecção metálica na parte superior.
55. O Autor entalou a mão no equipamento ao introduzir a mão e o braço no interior da protecção metálica superior que se encontra na zona em que é efectuado o vácuo, ou seja, no interior do equipamento Skinpack (5x1).
56. A 2ª. Ré faz anualmente uma avaliação de riscos em todas as áreas de produção, nomeadamente à área de embalamento, e anteriormente ao acidente, não foram identificados riscos na zona em que é realizado o vácuo no equipamento Skinpack (5x1), nem foi recomendada a implementação de medidas correctivas ou colocação de protecção adicional pela empresa responsável pela prestação de serviços de saúde e segurança no trabalho – Medi-T2 Higiene e Segurança.
57. Em 30.06.2016 o autor recebeu formação em sala relativamente às seguintes temáticas: (i) sensibilização à qualidade (ii) higiene e segurança no trabalho (iii) movimentação de cargas (iv) manipulação de alimentos (v) formação ISSO 140001 Maredeus PT (vi) política de qualidade e meio ambiente da Maredeus PT e (vii) Manual de acolhimento.
58. No âmbito da formação em matéria de higiene e segurança no trabalho, foram transmitidos ao Autor os riscos nas diversas áreas de produção - descongelação, triming, congelação e embalamento.
59. O Autor recebeu ainda informação do responsável de linha sobre o modo de execução das tarefas desempenhadas nos diversos postos de trabalho da linha de produção.
60. O Autor, no momento do acidente, usava botas de borracha, vestuário térmico e burca, distribuídos pela 2ª. Ré.
61. No âmbito das suas novas funções, compete ao Autor a realização de operações de arrumação das mercadorias ou produtos no armazém e de outras tarefas indiferenciadas, nomeadamente, operações de entrada e saída de mercadorias, executando ou fiscalizando os respectivos documentos, orientação e controlo da distribuição das mercadorias pelos diferentes sectores da empresa e/ou clientes.
62. Em Dezembro de 2020, o Autor auferia ilíquidos o salário base mensal de € 640,00, subsídio de assiduidade de € 124,48 e subsídio de antiguidade de € 75,00.
63. Nas situações em que é necessário mudar a bobine do filme, não é necessário retirar manualmente o bacalhau que fica no interior da “Skinpack 5 x 1”, uma vez que o equipamento, assim que é ligado, faz o produto circular no tapete até à saída da máquina/final da linha de produção.
64. Nessa altura, esse produto que não está devidamente embalado por falta de pelicula superior volta ao circuito inicial depois de ser retirado do tapete pelo(s) trabalhador(es) que ocupam o posto de trabalho de alinhador/verificador.
65. O Autor recebeu não qualquer ordem ou instrução para retirar o bacalhau do interior do equipamento “Skinpack 5x1”.
66. O equipamento “SkinPack 5 x1” foi instalado na 2.ª Ré durante o ano 2012, pela marca Ulma e algum tempo após já estar em funcionamento, foi verificado que o vácuo de algumas embalagens que saiam pelo tapete, não estava correctamente realizado.
67. Por isso, os técnicos da Ulma decidiram retirar a placa metálica que se encontrava colocada depois do local em que é realizado o vácuo da embalagem, de forma a que fosse possível inspeccionar as cuvetes com o produto, imediatamente após a realização do vácuo.
68. Essa monitorização era realizada pelo chefe ou subchefe de linha ou por um técnico de manutenção da 2.ª Ré e servia para, em tempo útil, ir ajustando os parâmetros do “Skinpack 5x1”, evitando, assim, acumular cuvetes com problemas de vácuo.
69. Na avaliação de riscos que anualmente é efectuada na 2.ª Ré nunca foi identificado, na área do embalamento em que se encontra o “Skinpack 5x1”, qualquer risco associado à retirada da placa metálica nem recomendada a implementação de qualquer medida correctiva que implicasse a colocação da placa ou identificado que a protecção que existia na zona de vácuo era insuficiente.
70. Até à data, a 2.ª R. não foi notificada de auto lavrado pela ACT por violação de regras de segurança referentes ao acidente.

APLICANDO O DIREITO
Da violação de regras de segurança
Vem sendo afirmado de forma dominante na jurisprudência[4] que a responsabilidade agravada do empregador, para os fins do art. 18.º n.º 1 da LAT – Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro – tem por base dois fundamentos, a saber:
· acidente provocado pelo empregador ou seu representante, o que implica a ocorrência de um comportamento culposo; ou,
· acidente resultante da falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho.
Também vem sendo reconhecido que a prova da culpa apenas é indispensável quanto ao primeiro fundamento, mas quanto ao segundo – incumprimento do dever de observância de regras de segurança e saúde no trabalho – torna-se necessário demonstrar que sobre o empregador recaia o dever de observar determinadas regras de comportamento, cuja observância teria impedido, segura ou muito provavelmente, a consumação do evento, assim se omitindo o cuidado exigível a um empregador normal, e a verificação de um nexo de causalidade entre essa conduta omissiva e a eclosão do acidente.[5]
Finalmente, importa referir que o ónus de alegação e prova dos factos que integram a violação de regras de segurança impende sobre a parte que invoca o direito às prestações agravadas, ou que venha a beneficiar da situação.
Quanto à prova do nexo causal entre essa violação e o acidente, o recente Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2024, de 17.04.2024, publicado no DR, I Série, de 13.05.2024, uniformizou jurisprudência “no sentido de que para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador, ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18.º, n.º 1 da LAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efectivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação.”
Já Antunes Varela[6] ensinava que esta norma acolheu a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, segundo a qual o estabelecimento do nexo de causalidade, juridicamente relevante para efeito da imputação de responsabilidade, pressupõe que o facto ilícito (acto ou omissão) praticado pelo agente tenha actuado como condição da verificação de certo dano, ou seja, que não foi de todo indiferente para a produção do dano, apresentando-se este como consequência normal, típica ou provável daquele.
Conforme o insigne Mestre, «para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano.»[7] Acresce que «a causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. É esse processo concreto que há-de caber na aptidão geral e abstracta do facto para produzir o dano.»[8]
Verifiquemos então, numa primeira linha, se houve regras de segurança e saúde no trabalho que não foram observadas pelo empregador, para, em segundo lugar, apurar se tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efectivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação.
Está apurado que, em momento prévio ao acidente, foi necessário proceder à mudança do rolo de filme da bobine superior situada sobre a saída da Skin, zona onde é efectuado o vácuo e selagem das cuvetes, tarefa que foi executada com a máquina desligada. O sinistrado participou na mudança desse rolo, porque disso foi incumbido pela sua chefe, e esta passou, depois, o filme pelos diversos elementos do equipamento.
O sinistrado apercebeu-se então que existiam cuvetes com pescado, por baixo da guarda de protecção Skin e decidiu retirar o peixe, introduzindo para o efeito a mão nessa zona do equipamento. Nesse momento, sem se aperceberem onde se encontrava o sinistrado, a colega CC ligou o equipamento, após indicação da superior BB, e assim que a máquina começou novamente a laborar, o sinistrado ficou com a mão direita comprimida no molde de soldadura, provocando a lesão dos dedos da mão direita.
Mais está provado que no manual da máquina consta como fazendo parte integrante do equipamento, como sua protecção, uma guarda – Guarda Cajon Salida Skin – na zona de tapete de saída das cuvetes, após a zona em que é efectuado o vácuo, protecção essa que, além do mais, impede o acesso das mãos dos operadores ao local onde o sinistrado introduziu a sua mão direita.
Está igualmente provado que a Recorrente sabia que a máquina deveria ter essa protecção – afinal de contas, estava prevista pelo fabricante e descrita no manual da máquina, e o seu fim não era meramente decorativo, era precisamente evitar o acesso, mesmo que fortuito, aos elementos móveis da máquina cujo funcionamento era capaz de provocar lesão corporal – mas não adoptou qualquer medida para acautelar os riscos inerentes à sua não colocação, que só veio a fazer após o acidente.
Finalmente, a protecção foi retirada no interesse da Recorrente: algum tempo após a máquina estar em funcionamento, foi verificado que não era correctamente realizado o vácuo de algumas embalagens, pelo que os técnicos da Ulma decidiram retirar a placa metálica que se encontrava colocada depois do local em que é realizado o vácuo, de forma a que fosse possível inspeccionar as cuvetes, imediatamente após a realização do vácuo. Mas certo é que a Recorrente não adoptou outra medida para acautelar os riscos inerentes à retirada dessa guarda de protecção, o que só fez depois do acidente.
Estes factos revelam a violação pela Recorrente das obrigações relativas à garantia de segurança dos trabalhadores consignadas no art. 3.º als. a), b) e e) do DL n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, quer ao não se assegurar que os equipamentos de trabalho utilizados eram os adequados a garantir a segurança dos trabalhadores (operação com um equipamento ao qual foi retirada a guarda de protecção que impedia o acesso a elementos móveis capazes de provocar lesão corporal), quer ao não escolher os equipamentos de trabalho de acordo com as condições e características específicas do trabalho e aos riscos existentes (operação com um equipamento sem a referida guarda de protecção, que não foi substituída por outro dispositivo protector), quer ao não assegurar a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho durante o seu período de utilização, de modo que os mesmos respeitassem os requisitos mínimos de segurança constantes dos arts. 10.º a 29.º e não provocassem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores.
Como revelam a violação pela Recorrente, na sua qualidade de empregadora, do disposto no art. 16.º n.º 1 do mesmo diploma (falta de prevenção do risco de contacto mecânico), ao não garantir que o equipamento funcionasse com uma protecção que impedisse o acesso, mesmo que fortuito, aos elementos móveis capazes de causar acidentes por contacto mecânico – sendo que o argumento da Recorrente, deste normativo não dever ser aplicado face ao disposto na al. d) do n.º 2 do referido art. 16.º, revela uma leitura incorrecta do preceito.
O que aqui se exige é que os dispositivos de protecção devem estar a uma distância suficiente da zona perigosa – e essa distância deve ser a necessária para evitar o risco de contacto mecânico, sendo que os autos evidenciam que as mãos do sinistrado entraram em contacto com os elementos móveis da máquina, e tal sucedeu porque não existia a guarda de protecção colocada à distância necessária para evitar tal contacto.
Será com base nestas conclusões que se discutirá agora a questão do nexo causal, nos termos definidos no AUJ n.º 6/2024.
E temos a adiantar que as violações detectadas aumentaram efectivamente a probabilidade de ocorrência do acidente, tal como se veio a verificar.
Existindo a guarda de protecção na zona de saída das cuvetes – acompanhada pela outra guarda metálica, aquela situada sobre o local onde é efectuado o vácuo – o sinistrado jamais lograria introduzir a sua mão no local em que o fez – por baixo desta segunda guarda – para retirar as cuvetes com peixe. Teria de retirar previamente a primeira guarda de protecção, algo que é absolutamente incompatível com um gesto fortuito ou irreflectido, que tantas vezes ocorre em trabalhos repetitivos e monótonos, como o realizado numa linha de produção de embalamento de bacalhau.
Como se observa de forma correcta na sentença recorrida, “ainda que retirando a protecção, caberia à 2.ª Ré adoptar medidas para acautelar os riscos inerentes à sua não colocação já que: (i) no local, ainda que inexista posto de trabalho fixo, trata-se de local de trabalho, de laboração, nomeadamente para a substituição do rolo de filme da bobine superior, o que tem de ser realizado pelos trabalhadores, não sendo automático; (ii) deveria ter sido previsto o risco da introdução de mão/braço na zona de vácuo, selagem e corte das cuvetes; (iii) a tampa não protege apenas a zona do tapete, com o risco inerente ao funcionamento deste, mas qualquer intervenção manual no equipamento; (iv) a existência de instruções, informação e formação não dispensam a necessidade de colocação da protecção em causa na máquina ou a adoptação de medidas de protecção dos riscos inerentes à sua retirada.”
Concluímos, pois, que as violações detectadas foram determinantes da produção do acidente, motivo pelo qual a empregadora deveria ser condenada nos termos do art. 18.º n.º 1 da LAT, como se procedeu correctamente na sentença recorrida.

Quanto à medida da indemnização por danos não patrimoniais – indemnizáveis nos termos gerais do art. 496.º n.º 1 do Código Civil – está demonstrado que o sinistrado ficou sem quatro dedos da mão direita, facto que lhe provocou sofrimento, angústia e depressão, para além da dependência de terceiros para a realização de actos pessoais, como vestir e calçar.
Ponderando que a indemnização por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico, podendo mesmo afirmar-se a sua natureza sancionatória[9], temos a ponderar que a indemnização fixada a este título na sentença recorrida, de € 30.000,00, enquadra-se nos padrões indemnizatórios utilizados habitualmente na jurisprudência para este tipo de danos.
Em caso com algumas parecenças com o dos autos – sinistrado com 39 anos e IPATH de 38,35% – o Supremo Tribunal de Justiça fixou uma indemnização de € 40.000,00 a título de danos não patrimoniais (no Acórdão de 12.10.2022, Proc. 4015/15.6T8MTS.P1.S1). No caso dos autos, o sinistrado tinha 31 anos à data do acidente, ficou mais de dois anos em situação de incapacidade temporária, e teve alta com uma IPATH de 32,5%, pelo que face ao citado estalão indemnizatório, não se pode afirmar que a indemnização fixada na sentença recorrida seja excessiva ou desadequada, muito pelo contrário.
Logo, também esta parte da sentença será confirmada.

DECISÃO
Destarte, nega-se provimento ao recurso, com integral confirmação da sentença recorrida.
Custas do recurso pela empregadora. As da primeira instância pelo modo estabelecido na sentença.

Évora, 25 de Outubro de 2024

Mário Branco Coelho (relator)
Paula do Paço
João Luís Nunes
__________________________________________________
[1] Neste sentido, vide os Acórdãos da Relação de Guimarães de 04.02.2016 (Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1) e do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016 (Proc. 1572/12.2TBABT.E1.S1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] Cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.01.2015 (Proc. 219/11.9TVLSB.L1.S1) e de 28.09.2022 (Proc. 314/20.3T8CMN.G1.S1), ambos publicados na mesma base de dados.
[3] Citação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016 (Proc. 1184/10.5TTMTS.P1.S1), também publicado na dita base de dados.
[4] De que são exemplos os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 01.03.2018 (Proc. 750/15.7T8MTS.P1.S1), de 25.10.2018 (Proc. 92/16.0T8BGC.G1.S2) e de 15.09.2021 (Proc. 559/18.6T8VIS.C1.S1), todos publicados em www.dgsi.pt.
[5] Vide, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.09.2021, referido na nota anterior, bem como o Acórdão da Relação de Évora de 25.11.2021 (Proc. 1340/19.T8STR.E1), com o mesmo local de publicação.
[6] In Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª ed., 2000, pág. 900.
[7] Loc. cit., pág. 894.
[8] Idem, pág. 896.
[9] Vide os Acórdãos desta Relação de Évora de 23.02.2017 (Proc. 275/13.5TBTVR.E1) e de 25.05.2017 (Proc. 8430/05.5TBSTB.E1), em que o Relator foi o mesmo do presente, ambos publicados em www.dgsi.pt.