Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1123/09.6TBOLH-G.E1
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: PRESCRIÇÃO
INÍCIO DO PRAZO PRESCRICIONAL
CONTRATO-PROMESSA
INTERPELAÇÃO
CONTRATO DE MÚTUO
NULIDADE
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 - O instituto da prescrição é endereçado fundamentalmente à realização de objetivos de conveniência ou oportunidade, tendo subjacente uma ideia de justiça, com a ponderação devida de uma inércia negligente do titular do direito em o fazer valer.
2 - O prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, ou seja, quando o direito estiver em condições (objetivas) de o titular poder exercitá-lo, por ser exigível do devedor o cumprimento da obrigação.
3 - No caso de uma obrigação pura ou com prazo em benefício do credor, o cumprimento pode ser exigido a todo o tempo, pelo que a inércia do titular é passível de ser aferida desde logo, desde a data da celebração do contrato do qual emerge a obrigação. 4 - Resultando do contrato-promessa celebrado que foi concedido ao credor o direito de “fazer a escritura quando quiser”, cabia-lhe a ele, interpelar o devedor para tal efeito, podendo tal interpelação ser feita, a partir da data da celebração do contrato, em qualquer momento, iniciando-se, com referência a essa data, a contagem do prazo prescricional.
5 – Tendo operado a prescrição do direito à celebração de tal contrato prometido, a eficácia de tal instituto é extensível ao alegado contrato de mútuo que esteve subjacente à realização do contrato promessa, pondo em causa também, a eventual obrigação de restituir alicerçada na nulidade do mútuo.
6 - Embora a nulidade do negócio seja invocável a todo o tempo (o que não foi) e possa ser declarada oficiosamente pelo tribunal (cfr. artigo 286.º do Código Civil), tal não significa, que à restituição da importância mutuada não seja aplicável prazo prescricional e possa ser reconhecida a prescrição do direito a tal quantia pelo decurso do tempo, não obstante a nulidade do negócio que importa a restituição, sendo de concluir que as obrigações decorrentes de negócios nulos não são imunes à eficácia da prescrição.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

AA, ao abrigo do disposto no artigo 146.º do CIRE, intentou ação declarativa comum contra:
a) MASSA INSOLVENTE DE BB, representada pelo seu Administrador, F...;
b) BB, e
c) CREDORES DA MASSA INSOLVENTE.
A ação corre por apenso ao processo de insolvência de BB (irmão do autor), no Tribunal Judicial de Faro (Juízo de Comércio de Olhão) e nela o autor peticiona o seguinte:
- que seja proferida sentença que nos termos do artigo 830.º do Código Civil, produza os efeitos da declaração negocial em falta pela Ré, ou seja, que seja proferida sentença que transfira da massa insolvente para o A. o direito ao quinhão hereditário que o insolvente, BB, tem na herança aberto por óbito de CC, ocorrido em 23/07/1985, da qual fazem parte integrante os prédios identificados no ponto 7º da petição inicial;
- não procedendo tal pedido, e em alternativa, que seja declarado resolvido o contrato promessa denominado "acordo de venda" celebrado entre o insolvente, BB e o A., identificado em 5.º da petição, e que seja condenada a Ré a restituir ao A. a quantia recebida e imputada a titulo de sinal, em dobro, no valor de 27.932,68€, acrescida de juros legais desde a citação da R., até efetivo pagamento, bem como no pagamento de custas e procuradoria condignas;
- não procedendo os anteriores pedidos que seja a Ré condenada a pagar a quantia global de 29.374,08€, respeitante a quantia de 13.966,34€ ao capital mutuado pelo A. ao insolvente, BB e a quantia de 15.407,74€ referente a juros de mora vencidos e contabilizados desde 15/11/1993 até à presente data, respetivamente, às taxas de 7% e 4%, a que devem acrescer juros vincendos até integral pagamento.
Como sustentáculo do peticionado invoca em síntese:
- Autor que emprestou ao insolvente a quantia de € 2.800.000$00, equivalente a €13.966,34, a 15 de Novembro de 1992, quantia mutuada que deveria ser restituída até 15 de Novembro de 1993, constando tal de declaração escrita assinada pelo insolvente;
- A restituição da quantia mutuada não teve lugar no prazo fixado, tendo-se assim acordado, ao invés de tal restituição, a celebração do contrato promessa de compra e venda junto como doc. 2 à petição inicial, nos termos do qual o insolvente acordou “vender-lhe pelo valor da dívida, 2.800.000$00, dois milhões e oitocentos mil escudos, os meus direitos de herança, pela morte de nosso pai, pois que de nossa mãe já vendi. Acordo que ele aceita, podendo fazer a escritura quando quiser, a fim de saldar por completo minha dívida, tomando posse desde já, de tais direitos à data de 23/12/1993”;
- Em função de tal acordo encontra-se na posse dos direitos da herança desde a data mencionada no mesmo, dos quais fazem parte o prédio urbano de 1 piso com 4 divisões, destinado a habitação, no Sitio da S..., da União das freguesias de Conceição e Estói, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... (antigo artigo … da extinta freguesia de Estói) e o prédio rústico no Sitio do G… da extinta freguesia da Estói, atual união das freguesias da Conceição e Estói confrontando do norte com J… e outros, nascente com J…, sul com G… T e poente com M…, inscrito na matriz sob o artigo … da secção T;
- O contrato prometido nunca foi celebrado, não o podendo ser agora em função da insolvência de BB;
- Por tal razão o A. no dia 20/03/2014 remeteu ao senhor Administrador da Insolvência, através de email, requerimento de concessão de prazo para a opção pela execução do cumprimento do contrato celebrado e reclamação de créditos;
- Em resposta o Administrador de insolvência através de carta registada de 31/03/2014 avisou o Autor de que a massa recusou o cumprimento do contrato em causa.
Citados os réus, veio a Massa Insolvente contestar impugnando a matéria de facto alegada, invocando a nulidade do contrato de mútuo alegadamente celebrado – e consequente nulidade do contrato promessa apresentado -, a prescrição dos direitos invocados pelo Autor nos termos do art. 309º do Código Civil – uma vez que a interpelação para cumprimento teve apenas lugar 20 anos e 3 meses após a celebração do contrato promessa, datado de 23-12-1993 – e defendendo que nunca ocorreu qualquer incumprimento fundamento da resolução peticionada porque o Autor nunca solicitou a celebração do contrato prometido, concluindo pela improcedência da ação.
Foi realizada audiência prévia na qual foi dada oportunidade ao autor para se pronunciar quanto às exceções invocadas, o que fez, tendo sido entendido, também, que “o estado dos autos permite já proferir decisão de mérito quanto à causa” atendendo a que “ainda que se comprovassem todos os factos alegados pelo Autor, sempre os seus pedidos estariam votados ao insucesso – sendo assim desnecessária, por inútil, a realização de prova quanto aos factos alegados”, pelo que se proferiu sentença pela qual se julgou a “ação totalmente improcedente, por procedência da exceção de prescrição e por intempestividade dos pedidos deduzidos subsidiariamente.
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Inconformado com a decisão, veio o autor interpor recurso tendo apresentado as suas alegações e concluído por formular as seguintes conclusões que se transcrevem:
A) Estando-se perante uma obrigação pura, ou seja, em que se não estabeleceu prazo certo de cumprimento, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (artigo 805.º, n.º 1), pelo que, antes de isso ocorrer não se pode dizer que se iniciou o prazo de prescrição.
B) Estamos perante uma situação em que o Sr. Administrador de Insolvência depois de ser interpelado para cumprir o contrato promessa (artigo 106.º do CIRE) recusou o cumprimento do contrato promessa através da carta de 31/03/2014.
C) Deste modo, o prazo da prescrição só se iniciou com a exigibilidade da obrigação, ou seja, a partir do momento em que o Administrador foi interpelado para cumprir.
D) Se da matéria de facto resulta provado que não foi estipulado prazo para o cumprimento da obrigação, encontramo-nos perante uma obrigação pura, pelo que, apenas podia exigir o cumprimento da obrigação ao Administrador de Insolvência como fez (artigo 777.º n.º1 do CC), contando-se a partir da data de recusa de cumprimento o prazo prescricional.
E) Com o devido respeito, a Mma. Juiz do Tribunal a quo ao decidir que é aplicável para aferição do termo inicial do prazo de prescrição a data de celebração do contrato promessa, de 23/12/1993, errou de facto e direito, violando por erro de interpretação o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do CC.
F) Mas caso assim não se entenda o que apenas se admite por mera hipótese académica, sempre se dirá que a sentença é nula, considerando que a Mma. Juiz do Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão da validade do contrato de mútuo, como lhe competia (alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC).
G) Nesta matéria, limita-se a Mma. Juiz de Direito do Tribunal a quo a dizer: “Independentemente da nulidade, ou não, do contrato de mútuo que justificou a celebração de tal acordo, a qualificar efetivamente como um contrato promessa de transmissão dos direitos do insolvente sobre a herança de seu pai, o certo é que tal acordo não pode ser objeto de execução específica nos presentes autos. E isto por força da procedência da exceção de prescrição invocada.
H) No que ora importa, o A. alegou que em 15 de novembro de 1992 emprestou ao insolvente BB a quantia de 2.800.000$00 (dois milhões e oitocentos mil escudos) equivalente a 13.966,34€ (Treze mil novecentos e sessenta e seis euros e trinta e quatro cêntimos) – Vide facto articulado em articulado 2.º da p.i. e documento n.º 1.
I) e alegou “Por sua vez, o insolvente BB emitiu declaração escrita datada e assinada, pela qual declarou ter recebido de AA a importância de 2.800.000$00 (dois milhões e oitocentos mil escudos) e que liquidaria essa importância em 15 de Novembro de 1993 (Documento n.º 1 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais junta à p.i.).
J) que “O insolvente BB não restituiu essa importância ao A. na data estabelecida para restituição do dinheiro emprestado, nem posteriormente, antes, celebrou com o ora A. contrato promessa de compra e venda através do documento denominado “Acordo de Venda” que se junta sob doc. 2, no qual ficou estabelecido o seguinte: “Eu abaixo assinado, BB, solteiro, portador do BI … e do NC …, declaro, que por virtude das cheias e outras intempéries, ocorridas recentemente, que afetam a minha atividade profissional, propus e foi aceite ao meu irmão, AA portador do BI … e N.C. …, vender-lhe pelo valor da divida, 2.800.000$00, dois milhões e oitocentos mil escudos, os meus direitos de herança, pela morte do nosso pai, pois que, da nossa mãe, já vendi. Acordo que ele aceita, podendo fazer escritura quando quiser, a fim de saldar por completo minha divida, tomando posse desde já, de tais direitos à data de 23/12/1993.
K) Perante a existência do documento que titula o empréstimo (DOC. 1 junto à p.i.) que sustenta o negócio que consta do facto provado em 1) da matéria assente, existem razões para este Tribunal de recurso alterar a decisão sobre a matéria de facto proferida, à luz do disposto no artigo 662.º do CPC.
L) Salvo melhor entendimento, impõe-se fazer consignar na matéria de facto que entre o Autor e o Insolvente BB foi celebrado um contrato de mútuo, por via do qual o primeiro concedeu ao segundo um empréstimo de 2.800.000$00 através de documento particular.
M) o contrato celebrado entre o ora recorrente e seu irmão, o insolvente, integra um contrato de mútuo, nulo por falta da forma devida (artigos 1142.º e 1143.º do Código Civil).
N) Daí ter de ser restituído tudo o que foi prestado, ou seja, o capital, bem como os juros de mora contados à taxa legal de 4% desde a citação até integral pagamento.
O) O recorrente ao vir a juízo requerer a nulidade deste mútuo, mais não faz do que trazer à colação norma imperativa, cujo regime e aplicação poderia sempre ser objeto de conhecimento oficioso por parte do Tribunal “a quo”.
P) Foram violados, entre outros, os artigos 1142.º, 1143.º, 289.º nºs. 1 e 3, 212.º, 805.º n.º 1 e 806.º nºs. 1 e 2 todos do Código Civil).
Apreciando e decidindo

Como se sabe o objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.
Assim, em síntese, do que resulta das conclusões, as questões a apreciar são as seguintes:
1ª - Da nulidade da sentença;
2ª - Do decurso do prazo de prescrição para o exercício do direito;
3ª - Da alteração da decisão sobre a matéria de facto;
4ª - Da existência de um contrato de mútuo, nulo por falta de forma, que implica a restituição de tudo o que havia sido prestado.
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Na decisão impugnada e com vista ao conhecimento “da prescrição do direito à execução específica do contrato promessa celebrado e da intempestividade e prescrição dos pedidos de condenação no pagamento de quantias pecuniárias deduzidas subsidiariamente” foi considerado assente e relevante o seguinte circunstancialismo factual:
1) Autor e insolvente BB celebraram a 23-12-1993 o contrato escrito, junto como doc. 2 à petição inicial, no qual o insolvente acordou com o Autor “vender-lhe pelo valor da dívida, 2.800.000$00, dois milhões e oitocentos mil escudos, os meus direitos de herança, pela morte de nosso pai, pois que de nossa mãe já vendi. Acordo que ele aceita, podendo fazer a escritura quando quiser, a fim de saldar por completo minha dívida, tomando posse desde já, de tais direitos à data de 23/12/1993
2) O Autor interpelou o Administrador de Insolvência a 20-03-2014 para, além domais, “optar pela execução do cumprimento do aludido contrato ou pela recusa do seu cumprimento, concedendo-se, para o efeito, um prazo de 30 dias contado sobre a data de receção do presente requerimento”.
3) O Autor não interpelou o insolvente nem o Administrador de Insolvência da massa insolvente em data anterior para cumprimento do acordo mencionado em 1).

Conhecendo da 1ª questão
Defende o recorrente que a sentença enferma de nulidade, devido ao facto do Julgador “a quo” não se ter pronunciado “sobre a questão da validade do contrato de mútuo”.
O artº 615º n.º 1 al. d) do Cód. Proc. Civil, fulmina de nulidade a sentença em que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não devia tomar conhecimento, sendo que a mesma está diretamente relacionada com o consignado no n.º 2 do artº 608º do CPC, servindo de cominação ao seu desrespeito.
Tais questões, no entanto, não devem confundir-se com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes, já que a estes não tem o tribunal de dar resposta especificada ou individualizada limitando-se, se for caso disso, a abordá-los caso contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido.
Apreciada a arguição, constatamos que não se verifica a alegada nulidade, já que, não nos deparamos com uma situação de pura omissão de pronúncia, uma vez que o julgador descartou a apreciação de tal problemática por prejudicialidade, atendendo à solução dada a outras questões, designadamente ao reconhecimento do operar da prescrição do exercício dos direitos a que o autor se arroga com a instauração da presente ação, sendo que a questão na ludidade do mútuo não foi invocada pelo autor, ora recorrente, designadamente, com vista a retirar qualquer benefício da situação.
Nestes termos, não se verifica a alegada omissão de pronúncia consentânea com a nulidade da sentença, dado que esta nulidade não se tem por verificada quando se está perante um fundamento (procedente ou improcedente) para justificar abstenção do conhecimento.
Improcede, nesta vertente, o recurso.

Conhecendo da 2ª questão
Sustenta o recorrente que “estando-se perante uma obrigação pura, ou seja, em que se não estabeleceu prazo certo de cumprimento, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir” retirando daí que “antes de isso ocorrer não se pode dizer que se iniciou o prazo de prescrição”, pelo que o início de tal prazo, no caso dos autos “só se iniciou com a exigibilidade da obrigação, ou seja, a partir do momento em que o Administrador foi interpelado para cumprir.
O Julgador a quo perfilhou opinião diversa e reconheceu a existência da prescrição do exercício do direito a que o autor se arroga com os seguintes fundamentos:
Resulta do contrato promessa aqui em causa… que a partir da celebração de tal acordo a 23-12-1993, poderia o Autor fazer a escritura “quando quiser”. Ou seja, o ónus de diligenciar pela marcação e realização da escritura incidia sobre si, não sobre o insolvente, e, a partir da celebração de tal acordo, passou a deter o direito ao agendamento e celebração do contrato prometido, sem estipulação de qualquer prazo prévio a respeitar em benefício do seu irmão BB.
Ou seja, é aqui aplicável para aferição do termo inicial do prazo de prescrição a data de celebração do contrato promessa, de 23-12-1993, em face do disposto na parte inicial do art. 306º, n.º 1 do Código Civil, supra citado, não sendo caso de aplicação da segunda parte de tal preceito normativo, por inexistência de qualquer convenção negocial no sentido da estipulação dum prazo necessário de cumprimento após a interpelação para celebração do contrato prometido.
A mora, ou inexistência da mesma, do devedor no cumprimento do contrato promessa é aqui indiferente para a fixação do termo inicial do prazo de prescrição, pois que, até atendendo à ratio deste instituto, foi a partir da celebração daquele contrato, que concedia ao Autor a possibilidade de realização imediata da escritura prometida, que se iniciou a possibilidade do exercício do seu direito à celebração do contrato prometido, sendo que a sua inércia na não efetivação desse direito só a si lhe pode ser imputada.
E tal inércia perdurou por mais de 20 anos, como bem alega a massa insolvente, porquanto a primeira interpelação para celebração do contrato prometido apenas teve lugar em 23/03/2014, cerca de três meses após o termo final do prazo de prescrição, ou seja, 23-12-2013.
Sem que, de permeio, tenha ocorrido qualquer facto justificativo de suspensão ou interrupção da prescrição, face ao alegado nos autos.
Assim, e à data de tal interpelação, e nos termos do já mencionado art. 304º do Código Civil, assistia efetivamente ao Administrador de Insolvência o direito, por si exercido, de se recusar ao cumprimento da obrigação prometida, de celebração do contrato de transmissão dos direitos do insolvente sobre a herança de seu falecido pai.
Encontrando-se o direito à celebração de tal contrato prometido, em função de tudo o exposto, prescrito.
O direito à execução específica de tal contrato, aqui peticionado e almejado, não pode assim obter provimento, porquanto tal direito encontra-se igualmente prescrito, em face da inércia do Autor no seu tempestivo exercício.
Não podemos deixar de sufragar o entendimento perfilhado pelo Julgador a quo em detrimento do defendido pelo recorrente.
O instituto da prescrição é endereçado fundamentalmente à realização de objetivos de conveniência ou oportunidade, tendo subjacente uma ideia de justiça, com a ponderação devida de uma inércia negligente do titular do direito em o fazer valer.[1] Ou seja, o fundamento específico do instituto da prescrição é a negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período legalmente estabelecido, o qual faz presumir ou a renúncia ao direito ou, pelo menos, torna indigno de proteção jurídica, a inércia negligente.[2]
A prescrição, portanto, é um instituto jurídico que tem fundamento social essencial com vista a promover e proteger a segurança e a certeza das relações jurídicas, limitando temporalmente a possibilidade de exigir o cumprimento de determinados direitos e não obrigando, a lei, o titular de um direito a exercê-lo, pune aquele que se manteve inerte por um determinado período de tempo.
O prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo de prescrição (cfr. artº 306º n.º 1 do CC).
O critério consagrado pelo legislador neste normativo tendo em conta o início do prazo prescricional é o da exigibilidade da obrigação. Pois, “a expressão quando o direito puder ser exercido tem de ser interpretada no sentido da prescrição se iniciar quando o direito estiver em condições (objetivas) de o titular poder exercitá- -lo, portanto desde que seja exigível do devedor o cumprimento da obrigação” donde no caso de uma obrigação pura ou com prazo em benefício do credor, o cumprimento pode ser exigido a todo o tempo, pelo que a inércia do titular é passível de ser aferida desde logo, desde a data da celebração do contrato do qual emerge a obrigação.[3]
No caso em apreço tal como resulta do contrato celebrado em 23/12/1993 foi concedido ao credor (ora recorrente) “fazer a escritura quando quiser”, pelo que cabia-lhe a ele, enquanto credor interpelar o devedor para tal efeito, podendo tal interpelação ser feita a partir daí. Não o tendo feito iniciou-se o prazo prescricional[4] que correu contínuo sem interrupções ou suspensões [a missiva enviada ao Administrador de Insolvência em 20/03/2014 não releva como ato interruptivo, atendendo a que prazo prescricional ordinário de 20 anos (cfr. artº 309º do CC) já tinha decorrido na sua totalidade].
Nestes termos, improcede, também, nesta vertente o recurso.

Conhecendo da 3ª questão
Pretende o recorrente que em face do documento particular junto com a petição inicial (Doc. n.º 1) que este Tribunal Superior altere a decisão sobre a matéria de facto aditando o seguinte facto:
- Entre o Autor e o Insolvente BB foi celebrado um contrato de mútuo, por via do qual o primeiro concedeu ao segundo um empréstimo de 2.800.000$00.
O documento em causa, uma simples declaração, no qual consta BB no local destinado à assinatura do declarante, alude a tal realidade, mas os factos que se pretendem ver aditados foram impugnados pela ré Massa Insolvente (a ré não aceita que o negócio tenha tido, de facto, lugar – v. artºs 28º e 33º de contestação), pelo que tratando-se de um mero documento particular não é curial que se deva modificar a matéria de facto dada como provada no sentido pretendido, já que na 1ª instância a mesma não foi alvo de debate e o Julgador a quo não viu relevância no apuramento de mais factos do que aqueles que fez consignar como provados, sendo certo, também, em nossa opinião, que o aditamento do acervo factual pretendido, mesmo que fosse deferido, nos termos pretendidos, é irrelevante para a modificação da sorte que mereceu a ação em face de se ter chegado à conclusão de ter operado a prescrição do exercício do direito, o que inquina a pretensão do autor nas diversas vertentes do peticionado.
Mantém-se, assim, imutável o acervo factual dado como provado.
Improcede, também, neste segmento, o recurso.

Conhecendo da 4ª questão
No pressuposto da modificação da matéria de facto nos termos pretendidos, que refletia a existência de um contrato de mútuo, nulo por falta da forma devida (artigos 1142.º e 1143.º do Código Civil), defende o recorrente que os réus deveriam ser condenados a restituir-lhe capital, bem como os juros de mora contados à taxa legal de 4% desde a citação até integral pagamento, tal como emerge do pedido formulado que apelidaram de subsidiário.
Mesmo que se tivesse por certo a existência de um contrato de mútuo entre os irmãos … (AA e BB), a pretensão do ora recorrente não se afigura viável, pois a restituição da quantia mutuada só poderia ocorrer num quadro em que se alegasse a nulidade e a obrigação de restituir que ela comportaria (art.º 289.º, 1, C. Civil), facto que manifestamente não ocorreu como resulta do que o próprio autor alega no seu petitório (o autor não requereu a declaração de nulidade do mútuo por falta de forma exigida pela lei, podendo fazê-lo, limitando-se a pedir a restituição dos 2 800 contos por a ré Massa Insolvente, não ter reconhecido o contrato denominado “Acordo de Venda”), sendo certo que com a instauração da presente ação, mesmo que nela se tenha, implicitamente, por firmada a pretensão alicerçada em nulidade do contrato e consequente obrigação de restituir a argumentação relevante falece por ter operado a prescrição ordinária do direito de restituição que ao autor assistiria.
Efetivamente, como bem salienta o Julgador a quo relativamente à apreciação da pretensão de resolução do contrato promessa e condenação da massa no pagamento do sinal prestado em dobro, e da pretensão de restituição do valor mutuado esta tendo por alicerce o alegado contrato de mútuo, prévio ao contrato promessa a prescrição dos direitos advenientes do contrato promessa celebrado, pelos fundamentos supra expostos, importa, por maioria de razão, a prescrição dos direitos à indemnização por falta de cumprimento do mesmo, em que acaba por radicar o primeiro pedido subsidiário agora em análise. Sendo de resto de frisar que tal falta de cumprimento, no período em que o mesmo era exigível – ou seja, enquanto os direitos do contrato promessa não se encontravam prescritos – incide na verdade sobre o autor, que não diligenciou como era seu ónus pela celebração da escritura como estipulado, e não sobre o insolvente ou sobre a massa insolvente, que, até 23-12-2013, não incumpriram tal contrato, em face do alegado.
E, por essa razão, sempre se impõe a improcedência do primeiro dos pedidos subsidiários deduzidos.
Igualmente prescrito se encontra o direito à restituição do valor mutuado a 15-11-1992, a restituir em face do acordado até 15-11-1993 – pelo que, o termo final do prazo de prescrição para o direito à restituição de tal valor corresponde a 15-11-2013, sem que o seu exercício tenha tido lugar até então – o que leva igualmente à improcedência do segundo pedido subsidiário deduzido, fundado no incumprimento de tal contrato.
É certo que o tribunal, cumprido o contraditório, poderia conhecer oficiosamente da nulidade do alegado negócio de mútuo, mas no caso dos autos resulta estarmos perante uma situação em que era ao autor que cabia afirmar o seu interesse na declaração de nulidade do mútuo, até porque tendo em conta a pretensão formulada relativamente ao contrato promessa o qual na sua invocação teve por génese aquele, a declaração de nulidade do mesmo com as consequências daí advenientes punham em causa os outros pedidos formulados tendo por alicerce a promessa, sendo até, certamente, por isso que a nulidade não foi invocada e requerida a sua declaração, o que levou, certamente, também, pelas mesmas razões a que o Tribunal, oficiosamente, sobre tal problemática não emitisse pronúncia.
Embora a nulidade do negócio seja invocável a todo o tempo (o que não foi) e possa ser declarada oficiosamente pelo tribunal (cfr. artigo 286.º do Código Civil), tal não significa, ao contrário do que salienta o recorrente, que à restituição da importância mutuada não seja aplicável prazo prescricional e possa ser reconhecida a prescrição do direito a tal quantia pelo decurso do tempo, não obstante a nulidade do negócio que importa a restituição,[5] já que a lei não faz qualquer ressalva quanto à aplicação do instituto prescrição afirmando até a inderrogabilidade do regime, designadamente afirmando a nulidade de quaisquer negócios destinados a facilitar ou a dificultar as condições em que a prescrição opera os seus efeitos (cfr. artº 300º do CC).
Se a pretensão do autor é reaver, presentemente, de um terceiro (não outorgante ou interveniente no contrato), a importância mutuada decorrente de situação fático jurídica referente a negócio nulo e essa pretensão já foi atingida pelo decurso do prazo prescricional, até se poderá afirmar que lhe falta o interesse em recorrer à ação de declaração de nulidade, sem embargo da nulidade poder ser invocável a todo o tempo [a imprescritibilidade decorrente da invocação a todo o tempo, dirige-se, apenas, à declaração de nulidade do ato (que até nem foi requerida ou referida pelo autor, no seu interesse, no petitório inicial), não atingindo as eventuais pretensões condenatórias inerentes à nulidade, tendo-se esta por verificada, sendo que a aludida invocação perpétua, pode ser precludida também pela verificação da prescrição aquisitiva][6] donde se deve concluir que as obrigações decorrentes de negócios nulos não são imunes à eficácia da prescrição.
Acresce que a pretensão do autor no âmbito do pedido que intitula de subsidiário – Devolução do capital mutuado, acrescido de juros de mora – mais não é, tal como salienta o Julgador a quo, que um pedido encapotado de reclamação e verificação de créditos no âmbito do processo de insolvência de BB, como se pode extrair do teor da petição.
Também, nesta perspetiva, quer se assuma ser uma reclamação de créditos a coberto do artº 128º e segs. do CIRE, quer seja entendido como reclamação e verificação ulterior de créditos, a coberto do artº 146º do CIRE, sempre teríamos de reconhecer estarem, qualquer das pretensões, a ser efetuadas para além do prazo previsto na lei para o efeito, sendo, por isso, extemporâneas, dado que a ação foi interposta em 19/06/2014 e a sentença de declaração de insolvência foi proferida em 19/04/2010, tendo transitado em julgado em 29/10/2010, e nela foi fixado o prazo de 30 dias para reclamação de créditos.
Improcede, também, nesta vertente, o recurso.
Nestes termos, Irrelevam, as conclusões do apelante, não se mostrando violadas as disposições legais cuja violação foi invocada, sendo de julgar improcedente a apelação e de confirmar a sentença recorrida.
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DECISÂO
Pelo exposto, nos termos supra referidos, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.

Évora, 25 de maio de 2017
Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa
Maria da Graça Araújo
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[1] - v. Ac. do STJ de 24/10/2000 in BMJ 500º, 315.
[2] - v. Ac. do STJ de 05/05/2005, no processo 05A3169, disponível em www.dgsi.pt
[3] - v. Ana Filipa Morais Antunes in Prescrição e Caducidade, 2008, 63.
[4] - v. Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil, I, Parte Geral, Tomo IV, 2007, 167.
[5] - v. Ac. do TRL de 24/04/2005 in CJ, tomo 3º, 65; Ac. do STJ de 07/10/2003 na Revista 2345/03-1ª Secção in Sumários do STJ; Ac. do TRP de 26/10/2006 no processo 0634592 disponível em www.dgsi.pt.
[6] - v. Mota Pinto in Teoria Geral do Direito Civil, 1976, 470.