Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MARIA DOMINGAS | ||
Descritores: | RECLAMAÇÃO DA CONTA TAXA DE JUSTIÇA SUCUMBÊNCIA | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 07/13/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I. Resulta expressamente do artigo 6.º, n.º 1, do RCP que a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado, por referência a cada acto ou intervenção processual, sendo fixada em função do valor de harmonia com a Tabela anexa e também da complexidade da causa, estando prevista a possibilidade do juiz intervir para dispensar, aumentar ou reduzir a taxa de justiça (cfr. n.ºs 2, 3, 4, 5, 6 e 7 do mesmo preceito), assim adequando de algum modo o seu valor ao serviço prestado. II. Deste modo, o RCP operou uma mudança de paradigma de responsabilidade tributária em matéria de custas: não havendo impulso processual não há lugar ao pagamento da taxa de justiça; inversamente, por cada impulso processual relevante, é devida taxa de justiça. III. Nessa medida, a obrigação de pagamento da taxa de justiça não é exclusiva da parte vencida, estando a parte vencedora (salvo dispensa nesse sentido) igualmente obrigada ao pagamento da taxa de justiça que constitui a contrapartida da prestação de um serviço público. Simplesmente, obtendo vencimento na ação, tem o direito a ser ressarcida pela parte vencida das custas que teve de suportar ressarcimento que, todavia, ocorre já no quadro do regime das custas de parte (cfr. artigo 533.º do CPC), a serem pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora. IV. Do regime agora estabelecido resulta que não há que reflectir na conta final o vencimento/decaimento de cada uma das partes, mas antes apurar, face ao que foi pago por cada um dos intervenientes de taxa de justiça devida por impulso processual, quanto – se disso for caso – se encontra ainda em dívida, taxa de justiça que, deste modo, se reporta aos actos antes praticados no processo. (Sumário da Relatora) | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Processo 7/08.0TBSLV-B.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro Juízo Central Cível de Portimão - Juiz 3 I. Relatório Nos presentes autos de acção declarativa de condenação, a seguir a forma ordinária do processo comum, que (…) e mulher, (…); (…), viúva; (…); (…) e marido, (…), e (…) e mulher, (…), instauraram contra (…), Construção e Promoção Imobiliária, Lda., representada pelos liquidatários (…) e (…), notificados da conta final, dela apresentaram reclamação os AA e reconvindos, pretendendo a correcção da mesma de modo a reflectir o decaimento das partes. O Sr. Funcionário contador prestou informação no sentido do indeferimento da reclamação, no que foi secundado pelo D. Magistrado do MP no seu parecer. Foi de seguida proferida decisão que, invocando o disposto no n.º 1 do art.º 6.º do RCP e na consideração de que a taxa de justiça é devida pelo impulso processual, repercutindo-se o decaimento apenas no tocante aos encargos, concluiu que a conta se encontrava elaborada em conformidade com os normativos aplicáveis, tendo julgado improcedente a reclamação apresentada. * Inconformados, interpuseram os AA reconvintes o presente recurso e, tendo desenvolvido nas alegações os fundamentos da sua discordância com a decisão, formularam a final as seguintes conclusões: “1.ª O presente recurso vem interposto do despacho datado de 08/03/2022, que decidiu o incidente de reclamação da conta suscitado pelos AA., por não concordarem com a decisão proferida na parte em que esta indeferiu a reclamação da conta. 2.ª Com o devido respeito por melhor opinião em contrário cremos que o tribunal, ao proferir a sua decisão, não terá procedido a uma correta aplicação do direito, além da decisão estar ferida de nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, porquanto o tribunal verdadeiramente não se pronunciou sobre questões que tinha de apreciar e que lhe foram suscitadas. 3.ª A decisão proferida, verdadeiramente não se pronuncia sobre a questão fulcral que lhe tinha sido suscitada e que consistia no facto da conta do processo ter sido elaborada sem que tivesse sido considerado o decaimento das partes, conforme consta das decisões proferidas em primeira e segunda instâncias e o que resulta da lei. 4.ª A conta e o despacho recorrido debruçam-se quase exclusivamente sobre o cálculo das taxas de justiça que seriam devidas pelo impulso processual das partes, caso não existissem as tabelas constantes do regulamento das custas processuais que fixam em que moldes é que a taxa de justiça deve ser autoliquidada pela parte. 5.ª No entanto, a conta de custas não se pode debruçar sobre apenas um dos elementos (taxa de justiça) que constituem as custas processuais (porquanto estas abrangem além da taxa de justiça, os encargos e as custas de parte) e sobretudo não pode desconsiderar as decisões judiciais que foram proferidas sobre a matéria. 6.ª Da sentença proferida em primeira instância consta que as custas são na proporção do decaimento, tendo as custas dos recursos ficado a cargo da Ré /RR.. 7.ª Os AA. obtiveram ganho de causa nos autos e foram absolvidos da reconvenção, no valor da causa (€ 826.500,00), 2,60%, dizem respeito à ação (€ 21.500,00), e 97,40%, (€ 805.000,00), dizem respeito à reconvenção. 8.ª Na ação os AA. obtiveram ganho de causa e o seu decaimento limitou-se ao facto de terem pedido a quantia de € 17.500,00 e apenas lhes ter sido concedido o valor de € 14.000,00, o que significa que o decaimento dos AA. representa apenas 0,42% do valor da causa e o decaimento da Ré / RR. 99,58%. 9.ª A conta do processo e a decisão recorrida não reflete o decaimento das partes. 10.ª Consta dos autos e a secretaria confirmou que elaborou a conta sem que tivesse considerado o decaimento das partes, limitando-se ao cálculo da taxa de justiça devida pelo impulso processual, sendo que nesta altura não houve qualquer impulso processual. 11.ª O despacho recorrido limita-se a referir que nos termos do n.º 1do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais a taxa de justiça é devida pelo impulso processual e conclui que sempre que existe condenação em custas na proporção do decaimento, na elaboração da conta deverá o oficial de justiça ter em consideração o respetivo decaimento apenas no tocante aos encargos pois a taxa de justiça é devida pelo impulso processual, considerando ainda que o decaimento interessa para as partes pedirem em custas de parte a respetiva proporção do seu vencimento. 12.ª O tribunal “a quo” passa completamente ao lado do que lhe tinha sido suscitado, reduzindo a conta do processo ao apuramento de valores de taxa de justiça, quando não é essa a função da conta. 13.ª O tribunal “a quo” formula a conclusão de que o decaimento deve ser apenas considerado no tocante aos encargos numa interpretação que constitui uma clara violação do disposto no artigo 9.º do Código Civil, porquanto o intérprete não pode fazer distinções que não resultem do texto da lei e o artigo 529.º, n.º 1, do Código de Processo Civil engloba nas custas processuais a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte, pelo que não se compreende que razão possa justificar que a regra do decaimento apenas se aplique a uma dessas parcelas e não a todas. 14.ª Por outro lado, o tribunal “a quo” desconsidera por completo o mecanismo legal constante do artigo 25.º do Regulamento das Custas Processuais, por onde se pode verificar que quando é elaborada a conta do processo há muito que passou o momento em que uma das partes possa reclamar da outra o que tenha despendido com as custas de parte. 15.ª Aquando da elaboração da conta final há muito que passou o momento para que as partes possam reclamar uma da outra as custas de parte. 16.ª Obviamente nas custas de parte que tenham sido reclamadas não podem estar as taxas de justiça que só se venham a mostrar devidas com a elaboração da conta do processo, porquanto esse pagamento terá de ser solicitado à parte que decaiu. 17.ª É na conta do processo que se têm de regularizar as quantias que ainda se mostrem devidas que nesse momento devem ser solicitadas ao responsável pelo pagamento, isto é, à parte que decaiu. 18.ª O impulso processual só releva para o cálculo da taxa de justiça que se mostre devida no momento em que a parte pratica o ato para o qual tem de proceder à autoliquidação da respetiva taxa sob pena de não poder praticar o ato, ou seja, o pagamento duma taxa de justiça decorre sempre duma autoliquidação efetuada pela parte e o pagamento é anterior à prática do ato. 19.ª No final do processo, aquando da elaboração da conta, as partes não têm qualquer impulso processual pelo que não têm de liquidar qualquer taxa de justiça. 20.ª O que a secretaria tem de fazer é apurar se os valores que as partes pagaram cobre as custas que efetivamente são devidas no processo e, caso ainda se encontrem valores por pagar, solicitar o seu pagamento ao responsável pelo pagamento, isto é, à parte que decaiu; caso na conta se apure que foram pagos valores em excesso proceder à sua devolução – artigo 30.º, n.º 3, alínea f), do Regulamento das Custas Processuais – e que no caso vertente não aconteceu, estando a secretaria a solicitar o pagamento aos AA. de valores cuja responsabilidade pelo pagamento é da Ré / RR., o que implica a necessidade da conta ser corrigida. 21.ª A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.º 1, do CPC e artigos 6.º, n.º 1, 13.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, alínea a), 29.º, n.º 1 e 30.º, n.ºs 1, 2 e 3, alínea f), do RCP. 22.ª Das mencionadas normas resulta claro que a solução preconizada pelo tribunal “a quo” quanto à conta do processo faz com que estejam a ser solicitados valores aos AA. que não são responsáveis pelo seu pagamento e cujo reembolso já não podem solicitar. 23.ª A conta final foi elaborada e o despacho recorrido foi proferido com o total alheamento do que consta nos acórdãos e na sentença que constam dos autos, por onde se pode verificar que as custas pelos recursos que foram interpostos são da responsabilidade dos RR e que estes são igualmente responsáveis por 99,58% das custas do processo na primeira instância. 24.ª Os AA. não são os responsáveis pelo pagamento das quantias que lhes estão a ser solicitadas e a conta do processo deve ser corrigida em conformidade”. Concluem pedindo que na procedência do recurso seja revogado o despacho recorrido e proferida decisão que imponha a correção da conta de modo a que as custas pelos recursos que foram interpostos pela Ré / RR. sejam da sua inteira responsabilidade e que a Ré /RR. sejam igualmente responsáveis por 99,58% das custas da primeira instância. * Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões submetidas à apreciação deste Tribunal: i. determinar se a sentença é nula por omissão de pronúncia; ii. determinar se a conta, no que concerne às taxas de justiça, deve ser elaborada de modo a reflectir o decaimento de cada uma das partes. * i. da nulidade por omissão de pronúncia Os recorrentes imputam à decisão recorrida a nulidade decorrente do vício da omissão de pronúncia por, em seu entender, não se ter pronunciado sobre a verdadeira questão colocada, a saber, dever a conta reflectir, o que não se verificou, a repartição de custas consignada na decisão recorrida e recursos interpostos, de que resulta terem decaído apenas em 0,42% do valor da causa, pelo que é indevida a imputação aos apelantes de valores atinentes a taxa de justiça cuja responsabilidade pelo pagamento recai, a seu ver, sobre os RR reconvintes. Não têm, porém, razão. O vício da omissão de pronúncia, que é a causa da nulidade da sentença prevista na parte final da al. d) do n.º 1 do art.º 615.º, sanciona a violação do dever consagrado no n.º 2 do art.º 608.º e aí delimitado. Nos termos do aqui preceituado, o juiz encontra-se obrigado a resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso). Questões, para o efeito dos preceitos em referência, são “as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir [e também, dizemos nós, as excepções invocadas pelo réu] e não se confundem com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia” (ac. do STJ de 03-10-2017, Revista n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1, também em www.dgsi.pt). No caso vertente, os reclamantes, achando-se prejudicados, pretendiam rectificação da conta elaborada, de modo a que reflectisse a proporção do vencimento/decaimento de cada uma das partes. Foi esta a questão suscitada perante o Tribunal, que lhe deu inequívoca resposta: com fundamento no facto de o devedor de taxa de justiça ser a parte que impulsiona o processo e por cada impulso processual, julgou a conta elaborada em conformidade com as disposições legais aplicáveis, indeferindo a pretensão formulada. Os recorrentes discordam do decidido, tendo interposto recurso conforme é seu direito, e nele impugnaram o fundamento invocado na decisão recorrida, o que evidencia o cumprimento pelo tribunal do seu dever de pronúncia. Improcede, em face do exposto, a arguida nulidade da decisão. * II. Fundamentação De facto Para além dos relatados em I, à decisão importam ainda os seguintes factos: 1. Os ora reclamantes instauraram em 7/1/2008 contra a Ré acção declarativa de condenação, a seguir a forma ordinária do processo comum, atribuindo à acção o valor de € 21.500,00. 2. A Ré apresentou contestação e nela, para além do mais, deduziu pedido reconvencional e desencadeou incidente de intervenção provocada. 3. Por força do pedido reconvencional o valor da acção foi fixado em € 826.500,00. 4. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença em 1.ª instância, datada de 13/7/2018, nos termos da qual foi a acção julgada parcialmente procedente, com a condenação da Ré a reconhecer o direito de propriedade dos AA sobre a parte ocupada do prédio ali identificado (192 m2), a restitui-lo livre e desocupado no estado em que se encontrava anteriormente, e ainda a pagar a cada um dos AA a título de indemnização por danos patrimoniais a quantia de € 2.000,00 e na sanção pecuniária compulsória de € 50,00 por dia, absolvendo-a do pagamento da indemnização (restituição em dinheiro); mais julgou improcedente o pedido reconvencional, com a consequente absolvição dos AA reconvindos, tendo finalmente condenado as partes no pagamento das custas na proporção dos seus decaimentos. 4. A Ré interpôs recurso da sentença para este Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 28 de Março de 2019, anulou a sentença decorrida, determinando a remessa dos autos à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto, decretando que as custas seriam suportadas pelo vencido a final. 5. Em obediência ao acórdão proferido, foi proferida nova sentença, que reeditou a anterior decisão. 6. Ainda inconformada, recorreu novamente a Ré, vindo a ser proferido acórdão datado de 14/7/2020 que desta feita julgou o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida, condenando a recorrente nas custas. 7. As partes não foram dispensadas do pagamento da taxa de justiça remanescente. 8. Na elaboração da conta o Sr. Funcionário contador apurou os seguintes valores a cargo dos AA e agora apelantes: a) Considerando o valor da acção, corresponde-lhe uma taxa de justiça no valor de € 8.670,00. b) Os Autores liquidaram TJ inicial, com a apresentação da petição no valor de € 1.632,00, ficando em dívida € 7.038,00. c) Pelo Incidente de Habilitação foi liquidada a quantia de € 183,60, nada mais sendo devido; d) Por despacho de fls. 361 foram os Autores condenados no incidente, sendo devida a taxa de justiça no montante de € 408,00. e) Com as contra-alegações de fls. 893, liquidaram os AA a quantia de € 816,00; sendo a TJ devida € 4.335,00, encontra-se em dívida a quantia de € 3.519,00; f) Pelas contra-alegações de fls. 1044, os AA liquidaram TJ no valor de € 816,00; sendo a TJ devida no montante de €4.335,00, encontra-se em dívida a quantia de € 3.519,99; g) Sendo o total em dúvida no valor de € 14.484,00. * De Direito A medida do vencimento ou decaimento da causa e seu reflexo na elaboração da conta no que concerne à responsabilidade pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça. Os AA e aqui apelantes insurgem-se contra a decisão recorrida pelo facto de não ter reconhecido, como a seu ver se impunha, que a conta do processo foi elaborada sem reflectir o decaimento das partes, contrariando as decisões proferidas em 1.ª e 2.ª instâncias e a lei, com prejuízo para os reclamantes, que decaíram apenas em 0,42% do valor da causa, ao passo que o decaimento da Ré / RR foi de 99,58%. O Tribunal “a quo”, argumentam, ao considerar que o decaimento deve ser apenas considerado no tocante aos encargos, faz do art.º 529.º, n.º 1. do CPC uma interpretação redutora e opera uma distinção que não resulta da lei; desconsiderou por completo o mecanismo legal constante do artigo 25.º do RCP, pois quando é elaborada a conta do processo há muito que passou o momento em que uma das partes pode reclamar da outra o que tenha despendido com as custas de parte, onde naturalmente apenas se incluem as taxas de justiça que até esse momento tenham sido pagas; é na conta do processo que se têm de regularizar as quantias que ainda se mostrem devidas e que devem ser solicitadas ao responsável pelo pagamento, isto é, à parte que decaiu, tanto mais que no final do processo, aquando da elaboração da conta, as partes não têm qualquer impulso processual, pelo que não têm de liquidar qualquer taxa de justiça, tudo para concluir que a conta faz recair sobre os reclamantes valores cuja responsabilidade pelo pagamento é da Ré / RR. Assim sintetizados os argumentos invocados pelos reclamantes, cumpre assinalar que incorrem em vários equívocos. Conforme explicou detalhadamente o TC na decisão sumária n.º 432/2021, proferida em 28 de Junho de 2021, no processo 347/21, que pela sua clareza aqui seguiremos de perto, resulta expressamente do art.º 6.º, n.º 1, do RCP que a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado, por referência a cada acto ou intervenção processual, sendo fixada em função do valor de harmonia com a Tabela anexa, e também da complexidade da causa, estando prevista a possibilidade do juiz intervir para dispensar, aumentar ou reduzir a taxa de justiça (cfr. n.ºs. 2, 3, 4, 5, 6 e 7 do mesmo preceito), assim adequando de algum modo o seu valor ao serviço prestado. Deste modo, o RCP operou uma mudança de paradigma de responsabilidade tributária em matéria de custas: não havendo impulso processual não há lugar ao pagamento da taxa de justiça; inversamente, por cada impulso processual relevante, é devida taxa de justiça. Como se explica no aresto em causa “o que está na base da configuração do sistema de exigência da taxa de justiça é precisamente o desencadear da intervenção do Tribunal e de se “pôr em marcha” a “máquina da Justiça”, responsabilizando-se, tributariamente, o interessado em tal atuação, com o pagamento da taxa de justiça”. Mas porque, como ali se reconhece, “Seria iníquo que, mesmo saindo vencedora, a parte não pudesse obter aquilo que satisfez para dar “impulso processual” ao sistema de Justiça (…) poderá obter, inter partes, aquilo que satisfez, junto da parte que decaiu ou ficou vencida na causa, mas, para tanto, deverá atuar o mecanismo de “custas de parte”. E acrescenta-se “A taxa de justiça caracteriza-se pela prestação pecuniária que o Estado exige aos utentes do serviço judiciário no quadro da função jurisdicional a que dão causa ou de que beneficiem como contrapartida do serviço judicial desenvolvido. Representa, pois, tendencialmente o custo ou preço da despesa necessária à prestação do serviço desenvolvido. Nessa medida, a obrigação de pagamento da taxa de justiça não é exclusiva da parte vencida. A parte vencedora também estará, em princípio (salvo dispensa nesse sentido) obrigada ao pagamento da taxa de justiça que constitui a contrapartida da prestação de um serviço público. Simplesmente, obtendo vencimento na ação, tem o direito a ser ressarcida pela parte vencida das custas que teve de suportar. Este ressarcimento ocorre, porém, já no quadro do regime das custas de parte (cfr. artigo 533.º do CPC) a serem pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora”. No mesmo sentido decidiu o TRL, em acórdão de 29-01-2019 (proferido no processo 2100/07.7TAOER-A.L1-5, acessível em www.dgsi.pt), também ali citado, onde se afirmou que “O Regulamento das Custas Processuais alterou radicalmente o paradigma do pagamento das custas processuais, acolhendo o princípio do impulso: paga taxa de justiça quem impulsiona o processo. A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa, de acordo com tal Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante desse mesmo presente Regulamento. A conta do processo já não determina o que as partes devem pagar em função do vencimento, limitando-se a discriminar o que cada uma das partes deveria ter pago ao longo do processo e aquilo que pagou, apurando o saldo dessa relação. A condenação em custas reflecte-se nas custas de parte, e não na conta. Assim, a parte vencedora pode proceder ao acerto da distribuição das custas em função do vencimento, exigindo da parte vencida, em sede de custas de parte, aquilo que pagou”. Estamos assim, conforme sintetiza o C.º Salvador da Costa, no “Comentário” ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 615/2018, de 21 de Novembro”[1], perante uma “nova solução legal relativa à responsabilidade pelo pagamento das custas processuais lato sensu, implementada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, que desvinculou a obrigação de pagamento da taxa de justiça, incluindo a remanescente, do critério da causalidade, consubstanciado no decaimento na causa, passando as custas de parte a constituir um relevante elemento do conceito de custas stricto sensu. Acresce que as custas de parte deixaram de integrar o ato de contagem, conforme resulta do disposto no n.º 1 do artigo 30.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, e a sua cobrança passou a depender da iniciativa da parte credora, no confronto da parte devedora, embora sem prejuízo de o litígio que haja sobre o âmbito do direito de crédito em causa ou sobre o respetivo cálculo poder ser resolvido judicialmente, no incidente de reclamação da nota de custas de parte, a que se reporta o artigo 33.º daquela Portaria”. Resulta do que vem de se expor que, tal como se considerou na decisão recorrida, na conta final não há que reflectir o vencimento/decaimento, mas antes apurar, face ao que foi pago por cada um dos intervenientes de taxa de justiça devida por cada impulso processual, quanto -se disso for caso- se encontra ainda em dívida. A articulação do preceituado no art.º 6.º, n.º 1, do RCP a que nos vimos referindo com o pelos recorrentes invocado princípio da causalidade consagrado no art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, faz-se nos termos explicitados por Salvador da Costa no citado “Comentário”: “O regime da responsabilidade das partes pelo pagamento da taxa de justiça nas espécies processuais da área civilística consta essencialmente da parte geral do Código de Processo Civil de 2013 e do Regulamento das Custas Processuais de 2008. O artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do mencionado Código estabelece, em tanto quanto aqui releva, no sentido de que a decisão que julgue a ação condena em custas a parte que lhes houver dado causa, bem como a presunção de que lhes dá causa a parte vencida, na respetiva proporção. Decorrentemente, a responsabilidade pelo pagamento das custas em geral assenta, primacialmente, no princípio da causalidade, por referência ao resultado envolvente do decaimento na causa. Mas a responsabilidade pelo pagamento de custas lato sensu, apesar do disposto no citado artigo 527.º,nem sempre assenta no princípio da causalidade, conforme resulta da última parte do seu n.º 1 e do artigo 529.º daquele diploma. Com efeito, decorre deste último artigo, por um lado, um conceito de custas em sentido lato, envolvente da taxa de justiça, dos encargos e das custas de parte, e um conceito de custas de sentido restrito, apenas abrangente dos encargos e das custas de parte. Com efeito, nos termos do n.º 2 do artigo 529.º e do n.º 1 do artigo 530.º,do Código de Processo Civil, a taxa de justiça é devida, não em função [do] decaimento das partes na causa, mas por virtude do respetivo impulso processual, por exemplo, o ajuizamento da petição inicial ou da contestação. Assim, a responsabilidade das partes pelo pagamento da taxa de justiça não assenta atualmente no princípio da causalidade consubstanciado no decaimento na causa, mas no facto de as partes terem processualmente impulsionado os seus termos por via de petição inicial, contestação, requerimento executivo, embargos, requerimento de recurso ou instrumento de contra-alegação, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 530.º daquele Código e no confronto dos casos ajuizados”. Os recorrentes defendem que, tendo autoliquidado a taxa de justiça devida por cada acto relevante praticado, a conta final, quando apurados valores em falta, há-se responsabilizar pelo seu pagamento cada um dos intervenientes na proporção dos seus decaimentos, por já não haver lugar a qualquer impulso processual. Trata-se, todavia, de argumento que não colhe, uma vez que a taxa de justiça em dívida não se reporta a acto a praticar, mas antes aos actos anteriormente praticados. Com efeito, quer o CCJ, que se encontrava ainda em vigor à data da propositura da acção, quer o RCP que lhe sucedeu, consagram soluções de diferimento de parte do pagamento da taxa de justiça (no CCJ, por aplicação do art.º 27.º, n.ºs 1 e 2, não era considerado valor superior a € 250.000,00 para cálculo das taxas de justiça inicial e subsequente, no RCP, por força do n.º 7 do art.º 6.º “nas causas de valor superior a (euros) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”. Beneficiando deste diferimento a parte paga menos taxa de justiça do que a devida, havendo lugar ao cálculo do remanescente na conta final, que é reclamado ao mesmo interveniente, afinal o devedor, para que este possa pedir o seu reembolso à parte vencida a título de custas de parte. Resulta do que vem de se dizer que o remanescente é ainda devido pelo impulso processual, cabendo a responsabilidade pelo seu pagamento à parte que foi pagando ao longo do processo menos do que era devido, não assistindo, portanto, razão aos reclamantes quando concluem que lhes estão a ser cobrados valores de que não são os devedores. E assim é porque a imputação aos apelantes da sua responsabilidade pelo valor apurado de € 14.484,00, em nada contende com a condenação total dos RR nas custas do recurso e em maior proporção nas custas da acção, pois tal condenação “não implica que a ora apelante não deva satisfazer o valor de taxa de justiça que lhe competia (correspondente aos actos com que impulsionou o processo até que este chegasse ao fim); pelo contrário, tem na mesma de pagar a posteriori aquele montante que antes lhe fora facultado não realizar. A condenação da parte vencida em custas significa apenas que a parte vencedora, pagando efectivamente o que lhe competia, o possa exigir junto da parte vencida a título de custas de parte” (cfr. acórdão do TRP de 30/9/2014, no processo n.º 2424/07.3TBVCD-A.P1, acessível em www.dgsi.pt. E ao invés do que os apelantes também argumentam, este regime encontra-se agora harmonizado com o preceituado no art.º 25.º do RCP, nos termos do qual “Até 10 dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa, sem prejuízo de esta poder vir a ser retificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas”. A questão foi abordada no acórdão do TC n.º 615/2018[2], nestes termos: “Uma outra questão de constitucionalidade neste contexto já apreciada em sede de fiscalização concreta deriva das dificuldades de harmonização da norma contida no artigo 14.º, n.º 9, do RCP com outras normas do regime legal previsto para o reembolso a título de custas de parte. (…) O artigo 25.º do RCP, versando sobre a nota justificativa, dispõe no seu n.º 1 que até cinco dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, as partes que tenham direito a custas de parte, ou seja, as que obtiveram ganho de causa, remetem para o tribunal onde deva ser elaborada a conta e para a parte vencida a respetiva nota discriminativa e justificativa. Dessa nota justificativa deve constar, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º, a indicação, em rubrica autónoma, das quantias efetivamente pagas pela parte a título de taxa de justiça. Por seu lado, o artigo 14.º, n.º 9, do RCP prevê um prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo para o responsável efetuar o pagamento do remanescente da taxa de justiça. Desta forma, numa interpretação literal das normas em referência, o prazo previsto para a notificação para pagamento do remanescente pode, na prática, revelar-se inconciliável com o prazo para apresentar a nota discriminativa de custas de parte, o que implica que a parte vencedora acabe por ficar impedida de pedir o reembolso. Não se encontrando prevista a possibilidade de pedir o valor correspondente ao remanescente da taxa a título antecipado, já que o artigo 25.º, n.º 2, refere as quantias efetivamente pagas e o seu pagamento está dependente da notificação da secretaria, uma das formas de contornar o problema tem sido por via da apresentação pela parte vencedora de uma nota complementar de custas de parte para reembolso do remanescente da taxa de justiça, depois de efetivar este pagamento na sequência da notificação que lhe é feita para o efeito. Uma tal prática não tem, no entanto, sido pacificamente aceite pelos tribunais, que consideram aquela apresentação intempestiva, em face do disposto no artigo 25.º, n.º 1, do RCP, que prevê o prazo de cinco dias após o trânsito em julgado. Este problema foi já objeto de análise no Acórdão n.º 696/2016 que decidiu «não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 25.º, n.º 1, conjugado com o 14.º, n.º 9, ambos do Regulamento das Custas Judiciais, quando interpretadas com o sentido de que uma nota justificativa e discriminativa de custas de parte relativa ao remanescente da taxa de justiça possa ser apresentada fora do prazo previsto no artigo 25.º, n.º 1, nos casos em que a secretaria não cumpra o envio da notificação a que alude o artigo 14.º, n.º 9, do mesmo Regulamento». Negando a violação do artigo 2.º da CRP (princípio do Estado de Direito democrático, com os inerentes princípios da legalidade e da segurança jurídica e tutela da confiança dos cidadãos) pela referida interpretação normativa, o acórdão faz mesmo notar que «aliás, o contrário teria por efeito a imposição de um ónus excessivo à parte vencedora que, neste caso, nem deu origem à ação nem interpôs recurso da sua decisão, cabendo-lhe o pagamento de custas não devidas referentes ao remanescente da taxa de justiça e a impossibilidade de poder das mesmas ser ressarcida» (ponto 10.2.3). Esta questão viria a ser recentemente enfrentada pelo legislador nas alterações ao Regulamento das Custas Processuais introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 86/2018, de 29 de outubro, passando-se a prever, no artigo 25.º, a possibilidade de a nota discriminativa vir a ser «retificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas”. A este respeito cabe ainda acrescentar que, ao invés do que os apelantes parecem pressupor, a ultrapassagem do referido prazo “não gera nem a caducidade do direito a reclamar as custas de parte nem a prescrição do correspondente direito de crédito, mas apenas a preclusão do acto processual de apresentação da nota no próprio processo a que respeitam as custas de parte para efeitos de o pagamento se processar nos termos do incidente previsto no RCP”, o que “não impede o credor das custas de parte de reclamar o seu pagamento nos termos gerais da lei de processo, designadamente através de uma acção executiva” (do acórdão do TRP de 14/6/2017, processo 462/06.2TBLSD-C.P1, acessível em www.dgsi.pt). Cabe ainda fazer notar que não tendo ocorrido dispensa, parcial ou total, do remanescente da taxa de justiça, os apelantes, que se encontravam devidamente patrocinados nos autos, sabiam que, pese embora o decaimento da parte contrária, em muito maior proporção, estavam sujeitos ao pagamento do remanescente da taxa de justiça, não estando por isso impedidos de o fazer atempadamente a fim de reclamarem o respectivo reembolso perante a Ré reconvinte a título de custas de parte. Observa-se, por último, que, conforme se refere no citado acórdão do TC (n.º 615/2018), o regime legal não tem merecido censura quanto à constitucionalidade da solução adoptada, e isto porque: “Desde logo a medida em causa é apta para alcançar este objetivo, uma vez que garante o pagamento da taxa de justiça pelos seus utentes. Para além disso, se respeitada a equivalência dos encargos, não são vislumbráveis outras medidas menos onerosas, que permitam atingir os mesmos fins de eficácia na cobrança das taxas de justiça. Efetivamente, outras opções aumentariam o risco de não cobrança da taxa de justiça. De qualquer modo, a parte vencedora pode subsequentemente reaver a quantia despendida a título de custas de parte. Importa referir que a parte vencedora da ação dispõe de variadas vias para obter a compensação dos valores que despendeu a título de taxas de justiça: a remessa à parte responsável da respetiva nota discriminativa e justificativa para que esta proceda ao pagamento (artigo 25.º, n.º 1, do RCP) e a cobrança em execução de sentença (artigo 25.º, n.º 3, do RCP) ou a instauração de execução por custas que será apensada à execução por custas intentada pelo Ministério Público, nos termos do n.º 3 do artigo 36.º do RCP, configurando todas estas vias de obtenção da compensação, procedimentos ainda incluídos no âmbito do processo, por contraposição à necessidade de instauração de uma ação autónoma”. E acrescenta “É verdade que este ónus que a parte que venceu a ação tem de subsequentemente reaver da parte contrária a quantia paga, a título de custas de parte não acautela os interesses da parte vencedora perante uma eventual insolvência da parte vencida, a menos que esta litigue com o benefício do apoio judiciário e a obrigação de reembolso recaia sobre o Cofre Geral dos Tribunais. No entanto, o pagamento da taxa configura um encargo que é conatural ao dever que a parte tem de garantir o pagamento do remanescente da taxa de justiça, tributo este que é da sua exclusiva responsabilidade. Atente-se, de todo o modo, que ficam ressalvados os casos de insuficiência económica da parte a quem tivesse sido concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, ou em que a parte vencida seja o Ministério Público, casos para os quais o legislador estabeleceu que «(...) o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infraestruturas da Justiça, I.P» (artigo 26.º, n.º 6, do RCP).”. Em face a todo o exposto, e na improcedência dos fundamentos do recurso, conclui-se inexistir fundamento legal para repercutir na conta final, no que respeita ao apuramento do remanescente da taxa de justiça, o decaimento/vencimento das partes, pelo que a conta mostra-se devidamente elaborada. Tal como foi decidido e aqui se confirma. * III. Decisão Acordam os juízes da 2.ª secção cível do tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida. Sem custas porquanto, não tendo havido resposta às alegações de recurso, não há lugar a custas de parte na presente instância recursiva. * Sumário: (…) * Évora, 13 de Julho de 2022 Maria Domingas Alves Simões Ana Margarida Pinheiro Leite Vítor Sequinho dos Santos __________________________________________________ [1] in Blog do IPPC, acessível a partir do endereço https://blogippc.blogspot.com/2018/12/comentario-ao-acordao-do-tribunal.html [2] Processo n.º 1200/17, acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180615.html?impressao=1 |