Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARTINHO CARDOSO | ||
Descritores: | AMEAÇA AMEAÇA GRAVE CRIME SEMI-PÚBLICO | ||
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Data do Acordão: | 10/12/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1 - O crime de ameaça perfectibiliza-se independentemente de qualquer condição a que a mesma seja sujeita pelo agente seja viável ou não. 2 - Assim, se, por exemplo, alguém ameaça outrem de que o mata se ele for ao planeta Saturno, consuma-se à mesma o crime independentemente de na actualidade ser impossível alguém ir a Saturno. Neste caso, a ameaça não é realmente idónea para prejudicar a liberdade de determinação do ameaçado de ir a Saturno, mas pode ser antes adequada a provocar a este medo ou inquietação por se ver adquirido como alvo de um agente irracionalmente desvairado. 3 - O crime de ameaça agravada tem natureza pública. | ||
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Decisão Texto Integral: | I Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal singular acima identificados, do Juízo de Competência Genérica de Cuba, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, o arguido (...) respondeu, acusado de ter cometido um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1 al.ª b), 2 al.ª a), 4 e 5; e dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos art.º 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1 al.ª a), todos do Código Penal. Realizado o julgamento, foi o arguido absolvido daquele crime de violência doméstica e condenado, além do mais, pela prática de: -- Um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos art.º 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1 al.ª a) e 2 e 132.º, n.º 2 al.ª b), do Código Penal, cometido na pessoa de (...), na pena de 10 meses de prisão, substituídos por 300 dias de multa, à razão diária de 5,50 €, o que perfaz o total de 1.650,00 €; e -- Dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos art.º 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, cometidos na pessoa de (...), na pena de 90 dias de multa para cada um deles. Em cúmulo jurídico, pena única de 120 dias de multa, à razão 5,50 €, num total de 660,00 €, e na pena de 10 meses de prisão, substituídos por 300 dias de multa, à razão diária de 5,50 €, o que perfaz o total de 1.650,00 €. # Inconformado com o assim decidido, o arguido interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:1.ª presente recurso vem interposto da douta sentença do Juízo de Competência Genérica de Cuba da Comarca de Beja, de 03/03/2021; proferida no processo acima indicado, que condenou o arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pessoa de (...), e de 2 crimes de ameaça agrava, na pessoa de (...).2.ª O arguido e a ofendida viveram, em comunhão de habitação, mesa e leito, de 2010 até 24/05/2020, data em que cessou a relação amorosa, seguindo cada um a sua vida.3.ª O arguido aceitou a separação, nunca mais interpelou ou procurou a (...).4.ª O arguido não está vinculado a nenhum dever jurídico em relação à ex-companheira (...), o mesmo sucede a esta em relação a ele.5.ª A situação que está descrita, nos factos 5, 6 e 7 da sentença de 03/03/2021, foi motivada pelo facto da (...) não lhe ter falado / cumprimentado, ao passar por ele.6.ª Foi o desprezo ou indiferença da (...) , em relação ao arguido, que o deixou muito ofendido e emocionalmente muito perturbado.7.ª O facto da (...) ter ignorado o arguido é um facto idóneo a desencadear um estado de perturbação emocional, cuja intensidade depende da concreta personalidade do arguido e do seu funcionamento psicológico .8.ª É uma reacção automática, que não é racionalizada, actuando instintivamente, face ao que o arguido sentiu como um sentimento de profunda injustiça e uma afronta imerecida.9.ª A reacção do arguido nada tem a ver com a situação passada de vida em comum.10.ª O artigo 132.º do Código Penal contém, no n.º 1, uma cláusula geral e, no n.º 2, exemplifica as situações suscetíveis de desencadearem um efeito indiciador de qualificação, recorrendo à técnica dos exemplos padrão.11.ª Não operam automaticamente, motivo por que é necessária uma cuidada ponderação, para aferir se se verifica um fundamento para fazer operar o efeito indiciador, tendo presente a imagem global do facto.12.ª É necessário articular os exemplos padrão ( n.º 2) com a cláusula geral ( n.º 1).13.ª Cessada a relação não existe nenhum dever da solidariedade nem qualquer outro dever, sendo que o fundamento indiciador da qualificação previsto no artigo 132.º nº1 e 2 b) do Código Penal é o dever de solidariedade.14.ª Esse dever terá que ser um dever jurídico, ser válido e existir, o que não sucede, razão pela qual não há fundamento para qualificar o crime.15.ª Como esse fundamento não existe, não poderá operar o efeito indiciador.16.ª Também, sucede que a emoção violenta, que acometeu o arguido, é compreensível e afasta o efeito indiciador de qualquer qualificação.17.ª Não se verifica, in casu, nenhum fundamento indiciador do exemplo-padrão consagrado na alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, o que faz com que a sentença de 03/03/2021 seja injusta e desproporcionada.18.ª Violou os artigos 145.º n.ºs 1 alínea a) e 2, por referência ao artigo 132.º n.ºs 1 e 2 alínea b) do Código Penal, e o artigo 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, porque o arguido não está vinculado ao dever de solidariedade ou qualquer outro dever jurídico que possa fundamentar a qualificação.19.ª Assim, a sentença de 03/03/2021 violou o artigo 145.º n.ºs 1, alínea a) e 2, por referência ao artigo 132.º, n.º2, alínea b), todos do Código Penal, porque o arguido não estava em 17/08/2021 vinculado a nenhum “dever acrescido de respeito “ para com a ofendida (...), porque a relação amorosa já tinha cessado em 24/05/2021 (vide facto 1 da sentença).20.ª A sentença de 03/03/2021 deve ser revogada e, em consequência, o arguido deve ser condenado pelo crime de ofensa à integridade física simples previsto e punido pelo artigo 143.º n.º 1 do Código Penal, na pessoa da ofendida (...).21.ª Não há nenhum fundamento para fazer operar o efeito indiciador previsto no artigo 145.º n.ºs 1 alínea a) e 2 , por referência ao artigo 132.º nºs 1 e 2 alínea b) do Código Penal, que não é automático.22.ª A qualificação operada, na sentença, fez uma interpretação e aplicação do artigo 145.º nºs 1 alínea a) e 2, por referência ao artigo 132.º n.ºs 1 e 2 alínea b) do Código Penal é materialmente inconstitucional por violação:a) Do direito à liberdade consagrado no artigo 27.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa; b) Da liberdade geral de acção ínsita no direito ao desenvolvimento da personalidade consagrado no artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa; c) Do princípio da Justiça ínsito no princípio do estado de direito democrático consagrado nos artigos 2.º e 9.º alínea b ) da Constituição da República Portuguesa; d) Do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, por falta de lesão de bem jurídico e restrição injustificada do direito à liberdade consagrado no artigo 27.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, a liberdade e da liberdade geral de acção ínsita no direito ao desenvolvimento da personalidade consagrado no artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa; e) Do princípio da ofensividade de bens jurídicos consagrado no artigo 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa; f) Do princípio da determinabilidade das leis ínsito no princípio do estado de direito democrático consagrado nos artigos 2.º e 9.º alínea b ) da Constituição da República Portuguesa. 23.ª A liberdade é um bem jurídico fundamental, que é imprescindível à realização pessoal de cada um, ou seja, à construção do respectivo projecto de vida – realização pessoal.24.ª Só pode ser restringido, através de tipificação de crimes e da aplicação de penas criminais, para salvaguardar outros bens jurídicos fundamentais, que, também, tenha dignidade penal, na medida necessária à salvaguarda desses bens jurídicos .25.º O artigo 145.º nºs 1 alínea a), por referência ao artigo 132.º nºs 1 e 2 alínea b) do Código Penal, interpretado no sentido que a qualificação da ofensa à integridade física opera mesmo que a relação em união de facto já tenha cessado e haja conformação com tal situação é, pois, materialmente inconstitucional , nos termos indicados na conclusão 22.ª supra.26.ª Em consequência, o artigo 145.º nºs 1 alínea a) e 2 , por referência ao artigo 132.º nºs 1 e 2 alínea b) do Código Penal, deve ser desaplicado, determinando-se a reforma da sentença de 03/03/2021 , de acordo com o apontado juízo de inconstitucionalidade.27.ª Quanto aos crimes de ameaças agravadas, importa relevar todo o contexto em que os alegados factos ocorreram.28.ª O (...) disse, na audiência de julgamento, que não está zangado com o arguido, que só não lhe fala porque o arguido deixou de lhe falar.29 .ª O (...) tem uma companheira (vide facto 10 da sentença).30.ª O (...) não apresentou queixa conta o arguido.31.ª Quando foi ouvido declarou que não pretende procedimento criminal contra o arguido ( vide folhas 169).32.ª O 153º n.º 1 do Código Penal protege a liberdade de decisão e de acção.33 .ª O crime de ameaça é sempre crime semi-público, dependendo o procedimento criminal de apresentação de queixa34.ª É um crime de perigo concreto.35.ª O critério da adequação, no crime de ameaça, é objectivo – individual.36.ª Tem que ser objectivamente apto a intimidar ou provocar intranquilidade a qualquer pessoa.37.ª No aspecto individual, devem relevar as qualidades da pessoa ameaçada e o seu contexto.38.ª A ameaça não pode estar dependente duma condição concreta, ou seja, não pode estar subordinada a uma situação de namoro do (...) com a ofendida (...) ( vide os factos 11 e 12 da sentença), situação essa que não existe.39 .ª O (...) tem uma companheira, situação que é mais que namoro, visto que é união de facto ( vide facto 10).40.ª É um dado da experiência comum que, na sociedade portuguesa, que a palavra “companheira” é usada, na língua portuguesa, que é usada para designar uma união de facto, ou seja, uma situação análoga à de cônjuges.41 .ª Dado que tem uma companheira, não é crível, atentos os padrões morais vigentes na sociedade, que o (...) queira sequer namorar com a ofendida (...) nem isso dependeria só da vontade dele, obviamente, porque também releva , a vontade da (...).42.ª In casu, é impossível afetar a liberdade de decisão e de acção do (...) de namorar com a (...), porque não há nenhuma situação nem se prevê que venha a existir.43 .ª Estamos perante um crime impossível, porque não há nenhuma possibilidade de lesar ou de colocar em perigo de lesão um bem jurídico que, in casu, nem existe – liberdade de decisão e de acção do (…) namorar com a (...).O direito penal só protege bens existentes. 44.ª O Direito Penal só tutela verdadeiros bens jurídicos, que existam, não protege hipotéticos bens imaginários, que não se sabe se alguma vez existirão.45.ª O arguido não lesou nem colocou em perigo de lesão nenhum bem jurídico concreto, que nem sequer existe, que é imaginário, sem nenhuma aderência à realidade, pelo que a punição não tem fundamento, sendo injusta.46.ª A sentença de 03/03/2021, assim, viola os artigos 153.º n.º 1 e 155.º n.º 1 a ) do Código Penal.47.ª Viola o princípio geral fundamental de tutela de bens jurídicos, através de tipificação criminal e da cominação de penas criminais, consagrado no artigo 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa , o direito à liberdade consagrado no artigo 27.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, a liberdade geral de acção ínsita no direito ao desenvolvimento da personalidade consagrado no artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, a necessidade de tutela de bem jurídico inexistente.48.ª Viola ainda o princípio da dignidade humana consagrado no artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa, porque o arguido não cometeu nenhum crime de ameaça, na pessoa do (...), nem simples nem agravado, pelo que a sentença de 03/03/2021, ao condenado por 2 crimes de ameaça inexistentes, violou os artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.49.ª A sentença de 03/03/2021 deve ser revogada, absolvendo-se o arguido dos 2 crimes de ameaça.50.ª Quando à agravação, sucede que bem jurídico “vida” já consta do artigo 153.º nº 1 do Código Penal, sendo que a ameaça da prática de crime contra a vida (bem jurídico) comporta o homicídio, sucedendo que a ameaça contra a vida é, necessariamente, a morte.51.ª A alínea a) do n.º 1 do artigo 155.º do Código Penal não é aplicável à ameaça da prática de crime contra a vida, porque do artigo 153.º n.º 1 do mesmo código já consta “ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida” e a alínea a) do n.º 1 do artigo 155.º do Código Penal não contém nenhuma referência ao bem jurídico “vida” .52.ª Ensina o Professor Américo Taipa de Carvalho:“uma vez que a deficiente técnica legislativa utilizada para a distinção entre ameaça (simples) e ameaça qualificada / agravada tem conduzido a decisões juridicamente incorrectas e injustamente gravosas para os arguidos ( quer quanto à punição, quer quanto à não relevância da desistência da queixa), torna-se urgente demonstrar esta radical deficiência técnico-legislativa e indicar os termos da superação jurídico- prática desta deficiência, de modo a evitar as mencionadas decisões juridicamente incorrectas e praticamente injustas” (vide Professor Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2012, página 556 53.ª Existe uma evidente incongruência entre os artigos 153.º n.º 1 e 155.º n.º 1 alínea a) do Código Penal tem que ser superada pela convocação dos elementos da interpretação das leis consagrados no artigo 9.º do Código Civil e elaborados pela dogmática jurídica.54.ª O interprete /aplicador do Direito está, também , vinculado ao princípio da ofensividade que impõe a lesão ou o perigo de lesão de bens jurídicos para tipificar condutas como crime e impor a aplicação de penas criminais.55.ª O artigo 155.º n.º 1 alínea a) do Código Penal, de acordo com o supra exposto, exclui do seu âmbito de protecção e aplicação a ameaça da prática de crime contra a vida, porque tal já consta do artigo 153.º n.º 1 do mesmo Código, porque um crime contra a vida é sempre o homicídio (vide artigo 131.º do Código Penal).56 .ª A sentença de 03/03/2021 tinha que ter em consideração, além de outros, o princípio da unidade do sistema jurídico, o elemento literal / letra da lei, o elemento sistemático, a presunção da racionalidade no legislador impostos no artigo 9.º do Código Civil, que são vinculativos do intérprete / aplicador do Direito.57.ª A sentença de 03/03/2021 tinha que articular o artigo os artigos 153.º n.º 1 e 155.º n.º 1 a) do Código Penal, com o artigo 131.º do mesmo Código, de acordo com o disposto no artigo 9.º do Código Civil.58.ª Os tipos penais não estão pré- dados, de forma completa e definitiva pelo legislador, porque têm que ser construídos pelo intérprete/ aplicador do Direito, de acordo com os dados consensualizados da dogmática jurídica / ciência do Direito.59.ª A sentença de 03/03/2021 violou os artigos 153.º n.º1 e 155º n.º 1 a) do Código Penal, em articulação com o artigo 131.º do mesmo Código, e o artigo 9.º do Código Civil.60.ª Por isso, a sentença de 03/03/2021 deve ser revogada e, em consequência, o arguido deve ser absolvido dos 2 crimes de ameaça.61.ª O artigo 155.º n.º 1 a) do Código Penal interpretado no sentido que abrange a ameaça da prática de crime contra a vida, que já consta do artigo 153.º n.º 1 do mesmo Código, é materialmente inconstitucional por violação:a) Do direito à liberdade consagrado no artigo 27.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa; b) Da liberdade geral de acção ínsita no direito ao desenvolvimento da personalidade consagrado no artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa; c) Do princípio da Justiça ínsito no princípio do estado de direito democrático consagrado nos artigos 2.º e 9.º alínea b ) da Constituição da República Portuguesa; d) Do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, por falta de lesão de bem jurídico e restrição injustificada do direito à liberdade consagrado no artigo 27.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, da liberdade geral de acção ínsita no direito ao desenvolvimento da personalidade consagrado no artigo 26.º n.º1 da Constituição da República Portuguesa; e) Do princípio da ofensividade de bens jurídicos consagrado no artigo 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa; f) Do princípio da determinabilidade das leis ínsito no princípio do estado de direito democrático consagrado nos artigos 2.º e 9.º alínea b ) da Constituição da República Portuguesa. 62.ª O bem jurídico de liberdade de decisão e acção já está salvaguardado no artigo 153.º n.º 1 do Código Penal, contra a prática de crime contra a vida ( vide artigo 131.º do Código Penal).63.ª A liberdade é um bem jurídico fundamental, que é imprescindível à realização pessoal de cada um, ou seja, à construção do respectivo projecto de vida – realização pessoal.64.ª O direito à liberdade só pode ser restringido, através de tipificação de crimes e da aplicação de penas criminais, para salvaguardar outros bens jurídicos fundamentais, que, também, tenha dignidade penal, na medida necessária à salvaguarda desses bens jurídicos.65.ª O artigo 155.º nºs 1 alínea a) e 2 do Código Penal deve ser desaplicado, in casu, determinando-se a reforma da sentença de 03/03/2021 , de acordo com o apontado juízo de inconstitucionalidade.Nestes termos, o presente recurso deve ser provido e, em consequência, decidir-se o seguinte: a) Revogar-se a sentença de 03/03/2021, condenando-se o arguido pelo crime de ofensas corporais simples, na pessoa da (...); b) Absolver-se o arguido dos crimes de ameaça, na pessoa do (...). # O Exmo. Procurador do tribunal recorrido respondeu, concluindo da seguinte forma:1. Por sentença judicial proferida nos presentes autos, foi o Recorrente (...) absolvido da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.os 1, alínea b), 2, alínea a), 4 e 5, do Código Penal; 2. Condenado, como autor material, na forma consumada, em concurso efectivo, pela prática de: i) UM crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea b), todos do Código Penal (na pessoa de (...)), na pena de 10 (dez) meses de prisão substituída por 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de 5,50 EUR (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o total de 1.650,00 (mil seiscentos e cinquenta) euros; ii) DOIS crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal (na pessoa de (...)), na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de 5,50 EUR (cinco euros e cinquenta cêntimos) por cada um dos dois crimes; E, subsequentemente, operando o cúmulo jurídico, condenado na pena de única de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), num total de 660,00 EUR (seiscentos e sessenta) euros e na pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de 5,50 EUR (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o total de 1.650,00 EUR (mil seiscentos e cinquenta); 3. Vem agora o Arguido recorrer da douta sentença, peticionando pela revogação da mesma e consequentemente, condenação do Arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física na sua modalidade simples, do artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, e absolvição pela prática dos dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), pelos quais foi condenado; 4. Mais argumentando o Recorrente que a sentença a quo é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 27.º, n.º 1, 26.º, n.º 1, 2.º, 9.º, alínea b), e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa; 5. O legislador previu no artigo 145.º, do Código Penal, a qualificação do crime de ofensa à integridade física, e a consequente agravação das penas aplicáveis ao agente, no caso de este ter actuado “em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade”; 6. Sendo susceptíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade, entre outras, as circunstâncias previstas no artigo 132.º, n.º 2, do Código Penal, nomeadamente, praticar o facto contra pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges (alínea b), do nº 2, do artigo 132.º, do Código Penal); 7. As circunstâncias elencadas no artigo 132.º, n.º 2, do Código Penal, enquanto tipos de culpa e não meros elementos objectivos do tipo, não funcionam automaticamente, constituindo, ao invés, indícios da especial censurabilidade ou perversidade. 8. Da factualidade dada como assente resulta que o Recorrente e a vítima mantiveram um relacionamento em condições análogas às dos cônjuges durante aproximadamente quatro anos, tendo nascido a 4 de Janeiro de 2011 (…), filho de ambos; 9. Os factos praticados pelo Arguido na pessoa da sua ex-companheira (...) tiveram lugar menos de três meses depois do final da relação, e quatro meses volvidos, o Arguido ainda afirmava perante terceiros – nomeadamente o ofendido (...) – que o matava se descobrisse que era verdade que este e a sua ex-companheira mantinham um relacionamento amoroso, actuação que levou a cabo em dois momentos distintos; 10. Pelo que, naturalmente se retira da conduta do Arguido dada como assente, que o mesmo não ultrapassou o final do relacionamento amoroso com (...), contrariamente ao que o mesmo afirma e que, pelo menos ainda em Setembro de 2020, se arrogava “dono” da vítima; 11. Termos em que, dos factos dados como provados na douta sentença recorrida, resulta que o Arguido agiu com intuito de tirar desforço, num acto de retaliação por parte da indiferença e desprezo (e em relação à vitima, sim, o facto de a mesma ter ultrapassado o final do relacionamento amoroso), materializado nas ofensas ao corpo de (...) e expressões que no momento anterior lhe dirigiu, tendo vencido as contra motivações éticas relacionadas com a situação de ser ex-companheiro da vítima, protegidas pela norma qualificativa constante do artigo 132.º, n.º 2, alínea b), ex vi artigo 145.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal. 12. No crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, o bem jurídico protegido é a liberdade de decisão e de acção, sendo que “(…) a doutrina considera, com razão, que o bem jurídico protegido é a «paz jurídica individual» e, consequentemente, também a liberdade de autodeterminação.”, e “São três as características essenciais do conceito de ameaça: mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente.” - conforme refere Taipa de Carvalho – in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 342 e 343; 13. Para o preenchimento do tipo de crime sub judice, não se exige que, em concreto, o agente tenha efectivamente provocado medo ou inquietação à vítima, bastando, outrossim, que a ameaça seja apropriada a provocar no ofendido tais sentimentos; 14. “(…) é irrelevante saber se através da mensagem (tal como foi comunicada) a vítima efectivamente fica afectada na sua liberdade e no seu sentimento se segurança; decisiva é a aptidão da mensagem transmitida para produzir um tal efeito” – Miguez Garcia e J. M. Castela Rio in “Código Penal – Parte geral e especial”, Almedina, 3.ª Edição actualizada (2018), página 718; 15. Resulta dos factos dados como provados n.º 10 a 12 que, em duas datas distintas, o Recorrente, dirigiu-se ao ofendido (...) e, em tom sério, proferiu as expressões “mato-te e mato-a a ela!”, caso descobrisse a existência de um relacionamento amoroso entre o mesmo e (...). 16. Chamando à colacção as regras da experiência comum, sempre se dirá que as palavras dirigidas pelo Arguido ao ofendido, em duas ocasiões distintas, são aptas a provocar no homem médio um receio da sua efectiva concretização, ainda que, no seu íntimo, o ofendido não entenda a motivação pela qual age o infractor. 17. A acção levada a cabo pelo Recorrente, em dois momentos distintos, teve como finalidade provocar medo e inquietação no íntimo do ofendido, e que o mal preconizado pelo Arguido com as suas palavras, era efectivamente futuro, e dizia respeito à morte de (...). Palavras e acções essas passíveis de provocar receio, afectação da liberdade e do sentimento de segurança do homem médio. 18. A inclusão da menção “prática de crime contra a vida” no texto do artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, não obsta a que a conduta levada a cabo pelo Arguido possa ser incluída na tipologia do artigo 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, que agrava a moldura penal do crime de ameaça, e constitui um crime público, contrariamente ao cometimento do crime na sua forma simples, que se traduz na prática de um crime semi-público (conforme artigo 153.º, n.º 2, do Código Penal; 19. Conforme resulta do AUJ do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2013 (Processo n.º 723/08.6PBMAI.P1-A.S1): “A ameaça de prática de qualquer um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º do Código Penal, quando punível com pena de prisão superior a três anos, integra o crime de ameaça agravado da alínea a) do n.º 1 do artigo 155º do mesmo diploma legal.”; 20. Ainda que não tenha sido invocado pelo Recorrente, sempre se dirá que, ao abranger no seu texto a menção “prática de crime contra a vida”, o artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, não se demonstra esvaziado de conteúdo e função quando comparado com o texto do artigo 155.º, n.º 1, alínea a), que agrava a moldura penal daquele crime quando praticado “por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos”, desde logo porquanto seria aplicável a uma hipotética ameaça realizada com a prática de um crime de incitamento ou ajuda ao suicídio, p. e p. pelo artigo 135.º, n.º 1, do Código Penal, punível com pena de prisão até três anos; 21. Finalmente, as normas da Constituição da República Portuguesa invocadas pelo Arguido para fundamentar uma alegada inconstitucionalidade material da sentença recorrida não têm qualquer cabimento no caso sub judice; 22. Porquanto, conforme resulta da apreciação realizada pelo Ministério Público aos demais pontos do recurso apresentado, nenhuma violação da lei ou da constituição se verifica in casu; 23. Termos em que a sentença ora recorrida não padece de quaisquer nulidades conforme invocadas pelo Recorrente, devendo, assim, manter-se integralmente nos termos proferidos. Nestes termos, e nos demais de direito, não deverá o recurso interposto merecer provimento, confirmando- se a douta decisão recorrida. # Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Procedeu-se a exame preliminar. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. II Na sentença recorrida e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:-- Factos provados: 1. O arguido (...) (doravante (...) e a vítima (...) (doravante (...)) mantiveram um relacionamento amoroso com partilha de mesa, leito e habitação entre o 2010 e o dia 24 de Maio de 2020. 2. Fruto da relação amorosa entre o arguido e a vítima nasceu em 4 de Janeiro de 2011, (…). 3. Fruto de um relacionamento amoroso anterior da vítima (...), nasceu em 12 de Agosto de 2004, (…). 4. O arguido e a vítima sempre residiram em habitação sita na localidade da (…), conjuntamente com o filho de ambos (…), filho da ofendida. 5. No dia 17 de Agosto de 2020, pelas 23h00, na Praça (…), na (…), já após o final do relacionamento amoroso entre ambos ocorrido no dia 24 de Maio de 2020, o arguido abordou a vítima e dirigiu-lhe a expressão: - “Porque é que não me falaste quando passaste por mim há bocado”. 6. Seguidamente, após uma breve conversa entre ambos e (...) ter pedido ao arguido para se desviar, para a mesma abandonar o local, (...) mordeu o nariz de (...) e apertou-lhe o pescoço com força, provocando-lhe dores e falta de ar. 7. Acto contínuo, o arguido empurrou a vítima com força para trás, provocando o seu desequilíbrio e queda no chão. 8. Como consequência directa da conduta do arguido (...) referida nos números 5 a 7, a vítima (...) sofreu: escoriações nas abas nasais; equimose na face lateral esquerda do pescoço e hemiface esquerda; escoriação na face anterior do hemitorax direito infraclavicular e imediatamente à direita do externo, com cerca de 1 cm de diâmetro médio; e escoriação na face posterior do cotovelo com cerca de 1 cm de diâmetro médio. 9. Lesões que determinaram à vítima cinco dias para a cura com três dias de afectação da capacidade de trabalho geral e um dia de afectação da capacidade de trabalho profissional. 10. Em data não concretamente apurada mas situada entre os dias 24 de Maio e 17 de Agosto de 2020, o arguido deslocou-se à habitação da companheira de (...) (doravante (...)), sita na (…). 11. Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido, dirigindo-se a (...), após referir que que se descobrisse que era verdade que este e (...) tinham um relacionamento amoroso proferiu, com foros de seriedade, a expressão: “mato-te e mato-a a ela!”. 12. Em data não concretamente apurada, mas compreendida no mês de Setembro, o arguido deslocou-se à fonte sita na estrada que faz a ligação entre as localidades de (…) e, após referir que que se descobrisse que era verdade que (...) e (...) tinham um relacionamento amoroso proferiu, com foros de seriedade, a expressão: “mato-te e mato-a a ela!”. 13. O arguido (...) sabia que as suas condutas eram aptas a atingir a integridade física de (...), provocando-lhe dores, lesões físicas e mau estar, tendo conhecimento que a mesma foi sua companheira e que, nessa qualidade, sobre si impendia um dever acrescido de respeito para com aquela, bem como um dever acrescido de não atentar contra o seu bem-estar físico e psíquico, não obstante, quis actuar da forma por que o fez, com o propósito de alcançar tal resultado, que logrou conseguir. 14. Sabia também o arguido (...) que, ao dirigir a (...) as expressões acima aludidas, tais palavras e actos, em que anunciava estar na disposição de pôr termo à vida e atentar contra a integridade física do mesmo, eram idóneas e adequadas a causar medo e inquietação no íntimo do visado, e ainda assim não se coibiu de as proferir. 15. Em todos os factos descritos o arguido agiu sempre de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento. 16. O arguido é motorista, auferindo a retribuição mínima mensal garantida. 17. Vive sozinho, em casa pertencente aos pais pela qual não despende qualquer quantia. 18. Tem um filho, com 10 anos de idade, com o qual reside alternadamente. 19. Despende a quantia mensal de € 152,00 a título de crédito para aquisição de viatura automóvel e € 112,00 a título de crédito pessoal. 20. O arguido tem o 9.º ano de escolaridade. 21. O arguido é visto pelos seus amigos como pessoa trabalhadora e que não se envolve em conflitos. 22. Não tem antecedentes criminais averbados no seu CRC. # -- Factos não provados:A. Como consequência dos seus hábitos de consumo de bebidas alcoólicas, desde o início da relação entre ambos em 2010 que o arguido inicia discussões com a sua companheira (...). B. Em datas não concretamente apuradas, mas desde o início da relação amorosa do arguido com a vítima em 2010, até 24 de Maio de 2020, num número não concretamente apurado de vezes mas com frequência semanal, na habitação comum, o arguido (...), dirigindo-se à vítima (...) proferiu as expressões: - “puta!”; - “vaca!”; - “ordinária!”; - “estúpida!”. C. Em datas não concretamente apuradas, mas desde o início da relação amorosa do arguido com a vítima no Verão de 2013, até Março de 2017, motivado por ciúmes, e pelo desejo de controlar os movimentos da vítima, o arguido questionou a vítima sobre com quem tinha saído, onde estivera e o que tinha feito. D. Em datas não concretamente apuradas, mas desde o início da relação amorosa do arguido com a vítima em 2010, e até 24 de Maio de 2020, motivado por ciúmes, sempre que a vítima falava com outros homens, o arguido iniciou discussões onde acusou a mesma de ter amantes. E. No dia 8 de Março de 2019, após a vítima (...) ter saído com amigas para celebrar o Dia Internacional da Mulher, durante a hora de jantar, o arguido (…) telefonou à vítima e dirigiu-lhe as expressões: - “És uma grande puta, devias estar em casa como as mulheres casadas e andas nas cabrices”. F. Pelas 2h30 da madrugada do dia 9 de Março de 2019, no momento em que a vítima chegou a casa do jantar com as suas amigas, o arguido, após ter ficado à sua espera, iniciou uma discussão acusando a vítima de ter estado “na bebedeira”. G. No dia 9 de Março de 2019, após o regresso a casa da vítima depois do trabalho, o arguido vasculhou a roupa suja da noite anterior da vítima e, dirigindo-se à mesma, proferiu a expressão: - “Andas a sair de cuecas fio dental”. H. Após, no momento em que a vítima se encontrava deitada no sofá da sala da habitação comum, o arguido (...) iniciou uma discussão com a mesma, proibindo-a de descansar. I. Acto contínuo, o arguido arremessou uma almofada na direcção da depoente e, imediatamente a seguir, levantou o sofá em peso, fazendo com que a arguida obrigatoriamente se levantasse. J. Em seguida, o arguido agarrou a vítima com força pelo robe. K. Acto contínuo, após a vítima se ter deslocado ao quarto para se vestir e abandonar a residência em direcção à Guarda Nacional Republicana, para apresentar queixa, o arguido, envolvendo a vítima nos seus braços com força, impediu que a mesma saísse, provocando-lhe dores e imobilização. L. Em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre os dias 9 de Março e 27 de 24 de Maio de 2020, na sequência de discussões iniciadas pelo mesmo, na habitação comum, o arguido partiu peças de mobiliário. M. Na madrugada do dia 24 de Maio de 2020, pelas 4h30, após ter ingerido uma quantidade não concretamente apurada de bebidas alcoólicas, o arguido chegou à habitação comum e deitou-se. N. Seguidamente, durante a manhã, após o arguido se ter levantado, dirigiu-se para junto da vítima e tentou beijar e abraçá-la, tendo a vítima recusado. O. Após, o arguido iniciou uma discussão na qual disse à vítima que era ele quem dava de comer a toda a família, e que a mesma não seria nada sem ele, facto que originou a que a vítima lhe pedisse para sair de casa. P. Acto contínuo, o arguido começou a partir a pedra da bancada da cozinha e a atirar os electrodomésticos que ali se encontravam para o chão, destruindo-os. Q. Seguidamente, o arguido agarrou a vítima pelo pescoço e dirigiu-lhe a expressão: - “Isto é o que tu querias para apresentar queixa, mas não te vou dar esse gosto”. R. Após, no momento em que a vítima se preparava para fotografar a destruição provocada pelo arguido na cozinha, o mesmo retirou das mãos da vítima o seu telemóvel e destruiu-o. S. Na circunstância referida no ponto 5 o arguido dirigiu a (...) a expressão “Não sei que mal te fiz estes anos todos para passares por mim e não me falares.” T. Que o arguido tenha, nas circunstâncias elencadas nos pontos 11 e 12, proferido a expressão “Se eu sei que andas com a (…)…” U. Na circunstância indicada no ponto 12 o arguido mantinha a sua cabeça quase encostada à cabeça de (...). V. Mais sabia o arguido sabia que as expressões que dirigiu (...) eram aptas a atingir a sua honra e consideração e a causar-lhe medo, perturbação, inquietação e humilhação, e, não obstante, quis actuar da forma por que o fez, com o propósito de alcançar tal resultado, que também logrou conseguir, e que, na qualidade de companheiro da vítima, sobre si impendia um dever acrescido de respeito para com aquela, bem como um dever acrescido de não atentar contra o seu bem-estar físico e psíquico. W. Sabia ainda o arguido sabia que, ao dirigir à sua companheira as expressões acima aludidas, tais palavras e actos, em que anunciava estar na disposição de pôr termo à vida e atentar contra a integridade física da mesma, eram idóneas e adequadas a causar medo e inquietação no íntimo da visada, e ainda assim não se coibiu de as proferir. X. O arguido sabia também que, ao controlar a vítima de forma directa e indirecta, dirigindo-lhe os comentários acima referidos, sempre de forma reiterada, com o propósito concretizado de, com tais expressões e condutas, impor a sua presença na vida da vítima e amedrontá-la, o que conseguiu, originava-lhe um receio constante das suas reacções, coarctando dessa forma a sua liberdade de determinação, nomeadamente a de movimentos, e bem assim perturbando o descanso e tranquilidade da vítima, resultados que previu e quis, bem sabendo ainda que tais condutas eram aptas a produzir tal efeito. Y. Com a sua conduta, o arguido quis destruir e inutilizar o telemóvel da vítima, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que agia sem o consentimento e contra a vontade da sua legítima proprietária, intentos que logrou alcançar. # Fundamentação da decisão de facto: O tribunal formou a sua convicção no apuramento da factualidade provada com base nas declarações das testemunhas (...). No que se refere ao arguido, o mesmo apenas prestou declarações quanto às suas condições económicas e sociais. Baseou-se ainda o tribunal nos assentos de nascimento de fls. 28 a 31, no auto de notícia de fls. 69 a 71, no relatório clínico de fls. 79, nos fotogramas de fls. 104 a 117, no relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal de fls. 52 a 55 e no CRC de fls. 233. Assim, para apuramento da factualidade provada nos pontos 2 e 3, o tribunal teve em considerações os assentos de nascimento de fls. 28 a 29 e 30 a 31. No que se refere aos pontos 1 e 4 a 7, o tribunal teve em consideração as declarações da ofendida (...), que prestou depoimento apenas quanto aos factos ocorridos após a cessação da coabitação. O depoimento da ofendida revelou-se credível em virtude de ter decorrido de forma escorreito e sem hesitações, ainda que com um momento de pequeno descontrolo emocional o qual se mostra compreensível tendo em consideração a factualidade em apreço nos presentes autos. Pela ofendida foi confirmada a relação de coabitação entre si e o ofendido, a sua duração e onde é que residiram durante a coabitação com o filho de ambos e com (…). No que se refere, especificamente, aos pontos 5 a 7 dos factos provados, a ofendida relatou ao tribunal a circunstância ocorrida entre si e o arguido na (…) da forma como se encontrava descrita na acusação, com excepção da expressão que o arguido lhe dirigiu e que, não obstante ter o mesmo sentido, baseou a convicção do tribunal quanto ao facto não provado no ponto S. Afirmou ainda que o autor da factualidade em apreço foi o arguido. A circunstância relatada pela ofendida é corroborada pela testemunha (…), colega de trabalho da ofendida, cujo depoimento se considera credível por ter sido prestado de forma escorreita e sem hesitações, que relatou ao tribunal não ter assistido em concreto às agressões em causa, mas viu (...) ainda no chão, a chorar e com sangue no nariz tendo chamado o INEM e a GNR. Mais relatou que o arguido encontrava-se no local quando esta se abeirou de (...), tendo este abandonado o local posteriormente. Por sua vez, (…), militares da GNR que se deslocaram ao local das agressões, em depoimentos que se consideram credíveis por terem sido prestados sem hesitações, onde referem que a ofendida estava nervosa e combalida, tinha marcas no pescoço, no nariz e o cotovelo ferido. Mencionam ainda que os fotogramas de fls. 104 a 117 foram efectuados naquele dia onde se encontram documentadas as lesões da ofendida. No que se refere aos pontos 8 e 9, o tribunal considerou os mesmos como provados por força do descrito no relatório de avaliação do dano corporal em direito penal de fls. 52 a 55. De salientar que, não obstante a ofendida ter referido que foi trabalhar de seguida apenas o fez porque tinha necessidade imperiosa de o fazer a nível financeira, tendo agido contra conselho médico. Pelo exposto, o tribunal considera como provada a circunstância referida no relatório pericial quanto à afectação da capacidade de trabalho geral e profissional. No que diz respeito aos pontos 10 a 12, o tribunal considera os mesmos como provados por força do depoimento do ofendido (...), o qual prestou o seu depoimento de forma escorreita e sem hesitações, motivo pelo qual se considera o mesmo como credível. De salientar que por esta testemunha foi ainda mencionado que foi o arguido que deixou de falar com ele e não o próprio. Ora, relativamente ao depoimento desta testemunha, pelo mesmo foi referido as circunstâncias em que o arguido proferiu a expressão “mato-te e mato-a a ela”, explicando o contexto em que a mesma foi proferida, em duas ocasiões distintas. É certo que o ofendido mencionou que não teve medo da ameaça proferida pelo arguido, mas esclareceu que tal se deveu apenas à circunstância de saber que não tinha nenhum relacionamento amoroso com (...). De salientar que o ofendido não foi capaz de relatar ao tribunal a expressão em concreto tal como se mostrava descrita na acusação, motivo pelo qual se dá como não provado o facto indicado no ponto T. Por fim, por estar testemunha foi referido que na situação indicada no ponto 12, o arguido encontrava-se a uma distância de 1 metro e pouco. Como tal, o tribunal considera como não provada a factualidade mencionada em U. No que se refere aos factos descritos nos pontos 13 a 15 o tribunal formou a sua convicção com base nas regras da experiência comum, uma vez que é notório que o arguido apenas poderia ter praticado os factos acima descritos querendo atingir a integridade física de (...), tendo perfeita consciência que a mesma foi sua companheira e do acrescido dever de respeito daí decorrente e da gravidez da mesma. Decorre também das regras da experiência comum que era do conhecimento do arguido a idoneidade e adequação das expressões por si proferidas e dirigidas a (...) a provocar-lhe medo e inquietação. Sabia também o arguido, por força das regras da experiência comum, que a sua conduta era proibida e punida por lei, tendo actuado de forma livre, voluntária e consciente. Os factos relativos às condições económicas e sociais (factos 16 a 20) resultam das declarações do próprio arguido. O facto referido no ponto 21 tem por base as declarações das testemunhas (…), amigos do arguido, que referiram que o mesmo é pessoa trabalhadora e não se envolve em conflitos. A ausência de antecedentes criminais relativamente ao arguido (...) (facto 22) resulta do CRC de fls. 233. A factualidade não provada indicada nos pontos A a R e V a Y foi assim considerada pelo tribunal em virtude de inexistirem elementos probatórios que os pudessem corroborar, em virtude de a ofendida (...) ter optado por não prestar declarações quanto aos factos ocorridos durante a coabitação. III De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer. De modo que as questões postas ao desembargo desta Relação são as seguintes: 1.ª – Que a situação ocorrida com a ofendida (...), descrita nos pontos 5 a 7 (e 9 e 13 e 15) dos factos provados, não deve ser enquadrada, como o fez a sentença recorrida, pela previsão dos art.º 145.º, n.º 1 al.ª a) e 2 e 132.º, n.º 1 e 2 al.ª b), do Código Penal (diploma do qual serão todos os preceitos legais a seguir referidos sem menção de origem), mas tão só pela do art.º 143.º, n.º 1; sendo que – e passamos a citar a conclusão 25.ª – o artigo 145.º nºs 1 alínea a), por referência ao artigo 132.º nºs 1 e 2 alínea b) do Código Penal, interpretado no sentido que a qualificação da ofensa à integridade física opera mesmo que a relação em união de facto já tenha cessado e haja conformação com tal situação é (…) materialmente inconstitucional; 2.ª – Que o arguido não cometeu qualquer dos crimes de ameaça agravada pelos quais foi condenado, porque: a) O crime de ameaça – conclusão 33.ª – é sempre crime semi-público, dependendo o procedimento criminal de apresentação de queixa e o ofendido nunca a apresentou; b) A ameaça – conclusão 38.ª – não pode estar dependente duma condição concreta, ou seja, não pode estar subordinada a uma situação de namoro do (...) com a ofendida (...) ( vide os factos 11 e 12 da sentença), situação essa que não existe; e c) Os crimes de ameaça não podem ter sido cometidos na forma agravada, sendo que – conclusão 61.ª – o artigo 155.º n.º 1 a) do Código Penal interpretado no sentido [de] que abrange a ameaça da prática de crime contra a vida, que já consta do artigo 153.º n.º 1 do mesmo Código, é materialmente inconstitucional. # No tocante à 1.ª das questões postas, a de que a situação ocorrida com a ofendida (...), descrita nos pontos 5 a 7 (e 9 e 13 e 15) dos factos provados, não deve ser enquadrada, como o fez a sentença recorrida, pela previsão dos art.º 145.º, n.º 1 al.ª a) e 2 e 132.º, n.º 1 e 2 al.ª b), do Código Penal (diploma do qual serão todos os preceitos legais a seguir referidos sem menção de origem), mas tão só pela do art.º 143.º, n.º 1; sendo que – e passamos a citar a conclusão 25.ª – o artigo 145.º nºs 1 alínea a), por referência ao artigo 132.º nºs 1 e 2 alínea b) do Código Penal, interpretado no sentido que a qualificação da ofensa à integridade física opera mesmo que a relação em união de facto já tenha cessado e haja conformação com tal situação é (…) materialmente inconstitucional:Dispõem aqueles preceitos legais: Artigo 145.º Ofensa à integridade física qualificada 1 - Se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido: a) Com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143.º; (…) 2 - São susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º Artigo 132.º Homicídio qualificado 1 - Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, (…) 2 - É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: (…) b) Praticar o facto contra (…) pessoa de outro (…) sexo com quem o agente (…) tenha mantido (…) uma relação análoga à dos cônjuges (…); Adaptando o texto para as ofensa à integridade física, vem sendo entendido pela doutrina e jurisprudência, de que destacamos o acórdão do STJ de 29-5-2008, proferido no proc. 08P827, relatado pelo Exmo. Conselheiro Rodrigues da Costa, acessível em www.dgsi. pt, e que passaremos a seguir de perto, que quando o legislador prevê um tipo simples, acompanhado de um tipo privilegiado e um tipo agravado, é no crime simples ou no crime-tipo que desenha a conduta proibida enquanto elemento do tipo e que prevê o quadro abstracto de punição dessa mesma conduta; nos tipos privilegiado ou qualificado, define os elementos atenuativos e agravativos que modificam o tipo base conduzindo a outros quadros punitivos (Acs. de 15-3-2007, Proc. n.º 340-07 e de 24-5-07, Proc. n.º 33/07, ambos da 5.ª Secção do STJ). O crime de ofensa à integridade física qualificada é definido a partir da enunciação de uma cláusula geral – se forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente – contida no n.º 1 do art.º 145.º do Código Penal e concretizada ou desenvolvida no n.º 2 do art.º 132.º, através de exemplos-padrão, por remissão expressa do n.º 2 daquele art.º 145.º. Esses dois critérios – um generalizador e outro especializador – são complementares e têm mútua implicação. A partir deles, poder-se-á sintetizar assim a estrutura do tipo agravado: ocorre a ofensa à integridade física qualificada sempre que do facto resulta uma especial censurabilidade ou perversidade que possa ser imputada ao arguido por força da ocorrência de qualquer dos exemplos-padrão enumerados no n.º 2 do art.º 132.º, ou, tendo estes uma natureza exemplificativa, sem deixarem de ser elementos constitutivos de um tipo de culpa, qualquer outra circunstância substancialmente análoga – cf. Figueiredo Dias, "Comentário Conimbricense do Código Penal", anotação ao art.º 132.º, adaptado para as ofensa à integridade física. Com esta formulação dual pretende assinalar-se a interacção recíproca que intercede entre o chamado critério generalizador e os exemplos-padrão. É que não é pelo facto de se verificar em concreto uma qualquer das circunstâncias referidas nos exemplos-padrão ou noutras substancialmente análogas que fica preenchido o tipo, deduzindo-se daquelas a especial censurabilidade ou perversidade; é preciso que, autonomamente, o intérprete se certifique de que da ocorrência de qualquer daquelas circunstâncias resultou em concreto a especial censurabilidade ou perversidade. Como inversamente, não será um maior desvalor da atitude do agente ou da personalidade documentada no facto que dará origem ao preenchimento do tipo de culpa agravado, sendo necessário que essa atitude ou aspectos da personalidade mais desvaliosos se concretizem em qualquer dos exemplo-padrão ou em qualquer circunstância substancialmente análoga. Só dessa forma, para além de se respeitar o princípio constitucional da legalidade e da máxima determinação penal possível, como uma garantia fundamental do cidadão, se evitará, por um lado, o arbítrio do juiz, que poderia ser impelido a criar, autenticamente, tipos legais agravados sem ter nenhuma legitimidade para tal, segundo os princípios ínsitos ao Estado de Direito democrático ou a ver-se forçado a subsumir a factualidade ao tipo agravado, sempre que fossem provadas circunstâncias que coubessem nos moldes dos exemplos-padrão, caso estes fossem meros elementos do tipo de ilícito (cf. acórdão do STJ de 3-10-2002, proc. n.º 2709/02, da 5.ª secção). O tipo agravado de ofensa à integridade física é um tipo qualificado de culpa: trata-se de punir mais severamente, no quadro de uma moldura penal agravada em relação ao crime de ofensa à integridade física simples (o tipo matricial), condutas que, em razão da verificação de certas circunstâncias com uma estrutura essencialmente típica, traduzam vertentes do facto ou da conduta do agente particularmente desvaliosas em razão da sua personalidade ou da forma como ele imprime à sua actuação uma marca que acentua o desvalor do facto, em relação ao desvalor inerente a qualquer tipo de ofensa à integridade física. Quer dizer que o agente deve e tem de poder ser merecedor de um especial juízo de culpa ou de censura ético-jurídica em razão desse especial desvalor de que a prática do facto se revestiu. A culpa consiste no juízo de censura dirigido ao agente pelo facto de este ter actuado em desconformidade com a ordem jurídica, quando podia e devia ter actuado em conformidade com esta, sendo uma desaprovação sobre a conduta do agente. O juízo de censura, ou desaprovação, é susceptível de se revelar maior ou menor, sendo, por natureza, graduável, dependendo sempre das circunstâncias concretas em que o agente desenvolveu a sua conduta, traduzindo, igualmente, um juízo de exigibilidade determinado pela vinculação de cada um a conformar-se pela actuação de acordo com as regras estipuladas pela ordem jurídica, superando as proibições impostas. A lei pretende imputar à especial censurabilidade aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na atitude interna do agente, que revela formas de realização do acto especialmente desvaliosas, e à especial perversidade aquelas em que o juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades do agente especialmente desvaliosas (Figueiredo Dias, ob. cit., tomo I, pág. 29; Acórdãos do STJ de 21-3-2007, Proc. n.º 153/07; de 23-5-2007, Proc. n.º 1495/07; de 31-10-2007, Proc. n.º 3222/07 e de 5-12-2007, Proc. n.º 3879/07, todos da 3.ª da Secção). Retornando ao caso dos autos, na formulação da al.ª b) do n.º 2 do art.º 132.º operada pela Lei n.º 59/2007, de 4-9, detecta-se que o legislador foi receptivo à então relativamente recente tomada de consciência pela comunidade dos fenómenos de violência de género, especialmente na sua vertente de violência doméstica, e aos sentimentos de repúdio que geram. Não se podendo negar, que o legislador não foi alheio ao alcance social deste novo exemplo-padrão no plano das exigências de prevenção geral. Seja como for, exacto é que as relações agente/vítima previstas na al. b) constituem indícios de uma especial censurabilidade, que não se verifica automaticamente em função delas, como é próprio do método exemplificador ou técnica dos exemplos-padrão. Ora a propósito do episódio ocorrido com a ofendida (...), alega o arguido que: - Desde o final do relacionamento amoroso que cada um seguiu com a sua vida, tendo o arguido aceitado a separação e nunca mais interpelado ou procurado a vítima; - O arguido não estava vinculado a nenhum dever jurídico em relação à sua ex-companheira, e vice-versa; - Os factos dados como provados n.º 7 a 9 tiveram como motivação, por parte do Arguido, o facto de a vítima ter passado pelo mesmo sem o cumprimentar, pelo que, o desprezo ou indiferença demonstrado por (...), relativamente a si, o deixou muito ofendido e emocionalmente perturbado, causas estas idóneas e passíveis de desencadear perturbações emocionais no visado; - A reacção do arguido nada teve a ver com a situação passada de vida comum; - Cessada a relação que vinculava o arguido e a vítima, deixa de existir qualquer dever de solidariedade ou outro qualquer; - “(…) a emoção violenta, que acometeu o Arguido, é compreensível e afasta o efeito indiciador de qualquer qualificação”. Acontece que todos estes argumentos são falaciosos. Sendo a ofendida mãe de um filho menor do arguido, é evidente que este continua a ter obrigações sociais e morais, além das pecuniárias, para com aquela, no sentido de se abster de originar situações de desestabilização emocional e psicológica da ofendida – que depois se sabe se repercutirão na tranquilidade e desenvolvimento afectivo do filho menor de ambos, com projecções negativas no futuro equilíbrio da sua personalidade. Além disso, não nos parece mesmo nada que o arguido tenha aceitado a separação e nunca mais interpelado ou procurado a vítima. Os factos provados demonstram exactamente o contrário. A circunstância de o arguido entender que a sua ex-companheira tinha a obrigação de continuar a suportar a conversa ou a vontade de conversar do arguido (“Porque é que não me falaste quando passaste por mim há bocado”), o ter ficado fora de si por a (...) não lhe ter dado atenção, aliada ao teor das duas ameaças proferidas contra (...), de que se descobrisse que era verdade que este e (...) tinham um relacionamento amoroso, o matava – só revelam a obstinação de um persecutório sentimento de propriedade do arguido sobre aquela mulher. E o que despoletou a sua reacção violenta, não foi – como o arguido insinua em seu recurso – uma compreensível emoção ou desespero ou qualquer outro motivo de relevante valor social ou moral (a que aludem o art.º 133.º, "ex vi" art.º 146.º), como justificadores de uma diminuição sensível da culpa, mas antes o exacerbamento daquele injustificável sentimento de propriedade. E é esta disposição do arguido em relação a (...), acrescida da primariedade do seu comportamento de lhe ter mordido o nariz e lho ter deixado em sangue que, a par de lhe apertar o pescoço e empurrá-la para o chão, merecem o juízo de uma especial censurabilidade à culpa do agente. Depois, não se percebe, nem o arguido explica, porque é que – e passamos a citar a conclusão 25.ª de seu recurso – o artigo 145.º nºs 1 alínea a), por referência ao artigo 132.º nºs 1 e 2 alínea b) do Código Penal, interpretado no sentido que a qualificação da ofensa à integridade física opera mesmo que a relação em união de facto já tenha cessado e haja conformação com tal situação é (…) materialmente inconstitucional. Com o antecipado reparo de que um dos pressupostos de facto em que o raciocínio do arguido assenta, o da mencionada conformação com tal situação, não existe no caso concreto, o referido art.º 132.º, n.º 2 al.ª b) (citado apenas na parte que agora interessa ao caso), estabelece que: 2 - É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: b) Praticar o facto contra (…) pessoa (…) do mesmo sexo com quem o agente (…) tenha mantido (…) uma relação análoga à dos cônjuges (…); Ora, conforme referem Miguez Garcia e J. M. Castela Rio in Código Penal – Parte Geral e Especial, Almedina, 3.ª edição actualizada (2018), pág. 574, Os padrões dessa censurabilidade ou perversidade, decorrentes do n.º 2 (exemplos-padrão, também chamados exemplos regra), são elementos da culpa, ainda que alguns deles possam exprimir um complexo de ilicitude e culpa, sendo este aspeto porém determinante na exclusão de uma qualquer tendência restritiva, nomeadamente quanto ao nível sancionatório, ou do aparecimento de dúvidas de (in)constitucionalidade por ofensa do princípio da legalidade, do princípio da culpa ou das regras do Estado de Direito. Assim, não se vislumbra como possa ser inconstitucional o artigo 145.º nºs 1 alínea a), por referência ao artigo 132.º nºs 1 e 2 alínea b) do Código Penal, interpretado no sentido que a qualificação da ofensa à integridade física opera mesmo que a relação em união de facto já tenha cessado. Termos em que improcedem as pretensões do arguido a este respeito. ### No tocante à 2.ª das questões postas, a de que o arguido não cometeu qualquer dos crimes de ameaça agravada pelos quais foi condenado, porque:a) O crime de ameaça – conclusão 33.ª – é sempre crime semi-público, dependendo o procedimento criminal de apresentação de queixa e o ofendido nunca a apresentou; b) A ameaça – conclusão 38.ª – não pode estar dependente duma condição concreta, ou seja, não pode estar subordinada a uma situação de namoro do (...) com a ofendida (...) ( vide os factos 11 e 12 da sentença), situação essa que não existe; e c) Os crimes de ameaça não podem ter sido cometidos na forma agravada, sendo que – conclusão 61.ª – o artigo 155.º n.º 1 a) do Código Penal interpretado no sentido [de] que abrange a ameaça da prática de crime contra a vida, que já consta do artigo 153.º n.º 1 do mesmo Código, é materialmente inconstitucional. Comecemos pela objecção enunciada na al.ª a), a de que o crime de ameaça – conclusão 33.ª – é sempre crime semi-público, dependendo o procedimento criminal de apresentação de queixa e o ofendido nunca a apresentou: Vejamos: Crimes públicos são aqueles em que o M.º P.º desencadeia oficiosamente o procedimento criminal e exerce com plena autonomia a acção penal, não dependendo, pois, nem de queixa, nem de acusação particular; e, por outro lado, não admitem renúncia nem desistência de queixa. Crimes semi-públicos são aqueles em que a legitimidade do M.º P.º para exercer a acção penal necessita de ser integrada com uma queixa (art.º 113.º, n.º 1, do Código Penal e 49.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), sendo que quando a titularidade da queixa, por força das normas gerais relativas àquela ou de normas especiais, cabe à autoridade pública, toma o nome de participação; admite renúncia e desistência de queixa (art.º 116.º do Código Penal e 51.º do Código de Processo Penal). Crimes particulares são aqueles em que a legitimidade do M.º P.º para exercer a acção penal necessita de ser integrada não só com uma queixa, mas também com uma acusação particular (art.º 50.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). A integração dos crimes em cada uma destas categorias é feita na Parte Especial do Código Penal de acordo com o seguinte critério: Se o legislador nada disser, entende-se que o crime é público; Se o disser, o próprio legislador indicará se é exigível queixa (caso em que o crime será semi-público) ou também acusação (caso em que o crime será particular). Posto isto, verifica-se que o crime de ameaça simples tem natureza semi-pública, porque, nos termos do art.º 153.º, n.º 2, o procedimento criminal depende de queixa. O crime de ameaça agravada aparece tipificado no art.º 155.º, no qual nada é referido quanto à sua natureza. Logo, deve entender-se que é de natureza pública, não dependendo, pois, nem de queixa, nem de acusação particular; e, por outro lado, não admite renúncia nem desistência de queixa. Daí que para o caso dos autos, em que está em jogo o crime de ameaça agravada tipificado no art.º 155.º, seja irrelevante que o ofendido (...) não tenha apresentado queixa e tenha declarado durante o inquérito ou na audiência de julgamento que não pretendia procedimento criminal contra o arguido. De resto, esta questão tem sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado no sentido de que assume natureza de crime público a ameaça agravada ou qualificada nos termos dos art.º 153.º, n.º 1 e 155.º, do Código Penal, na redacção resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4-9, e de que são exemplo os seguintes acórdãos, numa enumeração que não é (nem precisa de ser) exaustiva: - do TRE, de 12-11-2009, processo 2140/08.9PAPTM.E1; - do TRP, de 27-4-2011, processo 53/09.6GBVNF.P1; - do TRP, de 2-5-2012, processo 284/10.6GBPRD.P1; - do TRC, de 10-7-2013, processo 187/11.7GBLSA.C1; - do TRG, de 9-5-2011, processo 127/08.0GEGMR.G1; - do TRC, de 10-12-2013, processo 183/09.4GTFVIS.C1; - do TRC, de 25-6-2014, processo 285/10.4TBVIS.C1; - do TRE, de 8-4-2014, processo 775/12.4TAOLH.E1; e - do TRE, de 7-4-2015, processo 517/12.4PAOLH.E1; (todos acessíveis em www.dgsi.pt) E ainda, agora na CJ: - do TRG, de 24-11-08, 2008, V-292; - do TRP, de 6-1-10, 2010, I-198; - do TRC, de 9-2-11, 2011, I-76; - do TRL, de 13-10-10, 2010, IV-140; e - do TRC, de 11-5-11, 2011, III-62; Contra o entendimento perfilhado nestes arestos, o ac. TRP, de 13-11-2013, processo 335/11.7GCSTS.P1. # No tocante à objecção acima enunciada em b), a de que a ameaça – conclusão 38.ª do recurso – não pode estar dependente duma condição concreta, ou seja, não pode estar subordinada a uma situação de namoro do (...) com a ofendida (...) ( vide os factos 11 e 12 da sentença), situação essa que não existe:Generalisando, o que o recorrente alega é que não há crime de ameaça se esta ficar dependente de que uma determinada ocorrência venha a ter lugar e sendo que, na opinião do arguido, não existe qualquer possibilidade de essa ocorrência se vir a verificar. Ou seja, o arguido ameaçou (...) que o matava se descobrisse que era verdade que (...) e (...) tinham um relacionamento amoroso. E agora diz que esse relacionamento é um evento que nunca virá a ocorrer porque… o (...) vive com uma companheira… Nos termos do n.º 1 do art.º 153.º, comete o crime de ameaça quem ameaçar outra pessoa com a prática de um crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação. São elementos típicos do crime de ameaça: - O anúncio de que o agente pretende infligir ao ofendido um mal que constitua crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor; - Esse anúncio ser adequado a provocar no visado medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; - O agente actue com dolo. Este figurino foi introduzido com a reforma do Código Penal de 1995 e mantém-se actualmente. O bem jurídico protegido passou a ser a liberdade de acção e de decisão. Por outro lado, o crime de ameaça deixou de ser um crime de resultado e de dano e passou a ser um crime de mera acção e de perigo. Assim, já não é exigido que a ameaça cause efectiva perturbação na liberdade do ameaçado ou lhe cause medo ou inquietação, bastando agora que a ameaça seja adequada a provocar no ameaçado medo ou inquietação ou prejudicar a sua liberdade de determinação. Refere a este respeito o Prof. Américo Taipa de Carvalho, no “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, 1999, pág. 348, que a ameaça adequada é a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado (tendo em conta as características do ameaçado e conhecidas do agente, independentemente do destinatário da ameaça ficar ou não intimidado). O mal ameaçado tem de ser futuro. Como salienta o referido autor (ob. cit., pág. 343) «isto significa apenas que o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal. Esta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coacção, entre ameaça (de violência) e violência». Ameaça é o anúncio de um mal futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente. O bem jurídico protegido pela incriminação em causa é, pois, a liberdade de decisão e de acção. Na verdade e conforme salienta o Prof. Taipa de Carvalho, "as ameaças, ao provocarem um sentimento de insegurança, intranquilidade ou medo na pessoa do ameaçado, afectam, naturalmente, a paz individual que é condição de uma verdadeira liberdade." (cf. Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 1999, Coimbra Editora, págs. 342 e 343). O conceito de ameaça abarca três componentes essenciais: tratar-se de um mal, futuro, cuja ocorrência dependerá da vontade do agente (cf. Ac. Relação do Porto, de 02.02.2000, in www.dgsi.pt). Necessário se torna ainda, por tal constituir elemento do tipo, que a ameaça seja adequada a provocar no ameaçado medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação. Esta adequação há-de aferir-se em função de um critério objectivo-individual: objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do "homem comum"); individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada (relevância das “sub-capacidades” do ameaçado» (cf. Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 348). A adequação da ameaça, de que depende a verificação do perigo típico, é um conceito normativo e não naturalístico, como referido supra, visto que o juízo de perigo é perspectivado, não como um juízo sobre um curso causal real, «mas sobre uma relação causal possível (provável)», pois o perigo significa «a probabilidade cognitiva de produção de um determinado acontecimento danoso», «um juízo fundado na experiência geral, no conhecimento objectivo das leis que regulam os acontecimentos, que exprime o receio fundado da lesão de um bem jurídico (Cf. A. Silva Dias, in RPCC 8/4º, pp.538/539) À conclusão sobre a probabilidade de produção do acontecimento danoso, isto é, à conclusão sobre a verificação do perigo, há-de chegar-se, como refere A. Silva Dias, Ob. Cit., pág. 540 através de uma prognose póstuma, ou seja, de um juízo de idoneidade realizado posteriormente, mas reportado ao momento da acção e não, – como sempre terá de ser num crime de perigo concreto – a partir da análise de uma situação real de perigo, conceptualmente distinta da situação de lesão do bem jurídico. No dizer ainda do citado autor, (referindo-se ao originário art.º 273º do Código Penal de 1982), as ameaças a que se reporta o art.º 153º do C. Penal são adequadas, quando o juiz, colocando-se no momento da acção e fazendo apelo às regras da experiência comum e aos conhecimentos de que dispõe, sobre a pessoa do ameaçado e demais circunstancialismo relevante (com base no conjunto da factualidade provada), puder concluir que aquelas ameaças são concretamente idóneas para provocar, na pessoa ameaçada, medo ou inquietação ou prejudicar a sua liberdade de determinação. Em face da redacção da norma constata-se que o que se exige para a consumação do crime é que a acção do agente reúna determinadas características, não sendo necessário que, em concreto, chegue a provocar medo ou inquietação ou que em concreto chegue a prejudicar a liberdade de autodeterminação da vítima. A acção, quer do ponto de vista do agente, quer do que é geralmente reconhecido tem que ser adequada a provocar o resultado sem que se exija, em concreto, a verificação desse mesmo resultado. Os bens jurídicos ameaçados têm que ser os que vêm enunciados na norma, podendo a acção de ameaçar revestir qualquer forma. Assim, quando o arguido ameaçou (...) de o matar se descobrisse que era verdade que este e (...) tinham um relacionamento amoroso, o que o arguido estava a fazer era a condicionar ou a prejudicar a liberdade de determinação, de decisão e de acção de (...) em ter, vir a ter, pretender ter ou desenvolver qualquer actividade ou comportamento no sentido de estabelecer qualquer relacionamento amoroso com (...). Ora isto faz parte do tipo legal do crime de ameaça p. e p. pelo art.º 153.º do Código Penal: Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, (…) de forma adequada (…) a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido (…) E escusa o arguido de vir com a pretensa ingenuidade de que o facto de (...) viver com uma companheira o impossibilita de cortejar a ofendida a fim de com ela estabelecer um qualquer relacionamento amoroso – e que portanto a ameaça não existiria de facto por estar dependente de uma condição impossível… De resto, o crime de ameaça perfectibiza-se independentemente de que qualquer condição a que a mesma seja sujeita pelo agente seja viável ou não. Assim, se alguém ameaça outrem de que o mata se ele for ao planeta Saturno, consuma-se à mesma o crime independentemente de na actualidade ser impossível alguém ir a Saturno. Neste caso, a ameaça não é realmente idónea para prejudicar a liberdade de determinação do ameaçado de ir a Saturno, mas pode ser antes adequada a provocar a este medo ou inquietação por se ver adquirido como alvo de um agente irracionalmente desvairado. Assim se conclui que o acto de ameaçar que se matará alguém se o agente da ameaça descobrir que o ameaçado mantem com outrem um relacionamento amoroso constitui um crime de ameaça. # No tocante à objecção acima enunciada em c), a de que os crimes de ameaça não podem ter sido cometidos na forma agravada, sendo que – conclusão 61.ª – o artigo 155.º n.º 1 a) do Código Penal interpretado no sentido [de] que abrange a ameaça da prática de crime contra a vida, que já consta do artigo 153.º n.º 1 do mesmo Código, é materialmente inconstitucional.Alega o recorrente que a ameaça contra a vida já está prevista na previsão simples desse crime, contida no art.º 153.º, n.º 1, pelo que não poderia, digamos assim, a mesma conduta ser objecto da agravação do art.º 155.º, n.º 1 al.ª a). Acontece que este assunto foi já tratado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 7/2013, publicado em D.R. N.º 56, SÉRIE I, 20-3-2013, P. 1776-1782 e acessível em www.dgsi.pt, processo 723/08.6PBMAI.P1-A.S1, de 20-2-2013 – do qual não vemos razão para divergir, e no qual se decidiu que: A ameaça de prática de qualquer um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º do Código Penal, quando punível com pena de prisão superior a três anos, integra o crime de ameaça agravado da alínea a) do n.º 1 do artigo 155º do mesmo diploma legal. Tendo-se expendido neste AUJ, além do mais, o seguinte: Assim sendo, não restam dúvidas de que o crime de ameaça agravado ocorre, suposta a verificação dos demais elementos constitutivos, quando o agente ameaça com a prática de crime (obviamente um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º) punível com pena de prisão superior a 3 anos, ou seja, quando o crime objecto da ameaça (obviamente um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º) é um crime punível com pena de prisão superior a 3 anos. Aliás, se dúvidas houvesse elas ter-se-iam necessariamente por dissipadas face ao teor da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 98/X, que subjaz à Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro, onde se deixou consignado: «O crime de ameaça passa a ser qualificado em circunstâncias idênticas às previstas para a coacção grave. Por conseguinte, a ameaça é agravada quando se referir a crime punível com pena de prisão superior a três anos, for dirigida contra pessoa particularmente indefesa ou, por exemplo, funcionário em exercício de funções ou for praticada por funcionário com grave abuso de autoridade. Esta qualificação abrange os crimes praticados contra agentes dos serviços ou forças de segurança, alargando uma solução contemplada para os casos de homicídio, ofensa à integridade física e coacção». Ao abranger no seu texto a menção “prática de crime contra a vida”, o art.º 153.º, n.º 1, não se demonstra esvaziado de conteúdo e função quando comparado com o texto do art.º 155.º, n.º 1 al.ª a) que agrava a moldura penal daquele crime quando praticado “por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos”. É que – prossegue o AUJ – “(…) como bem salienta o Exmo. Procurador-Geral Adjunto nas circunstância das doutas alegações que apresentou, no capítulo relativo aos crimes contra a vida, é possível configurar situação real em que a ameaça possa ser cometida através de prenúncio de mal que constitua crime contra a vida punível com pena de prisão não superior a três anos. É o que sucede, por exemplo, no caso de ameaça feita com a prática do crime de incitamento ou ajuda ao suicídio, previsto e punível no artigo 135º, n.º 1 - o agente, conhecedor de que uma determinada pessoa pretende suicidar-se ou sabedor de que certa pessoa já tentou suicidar-se algumas vezes, ameaça o respectivo pai, mãe ou cônjuge de que irá auxiliá-la a levar por diante o seu propósito ou irá instigá-la a suicidar-se. Estamos aqui, sem dúvida, perante uma ameaça relevante.”. Assim, também não assiste qualquer razão ao recorrente nas objecções que nesta parte imputou à sentença recorrida – nem se vislumbra, assim, que qualquer inconstitucionalidade exista no apontado entendimento da 1.º Instância ou do AUJ que a sufraga e do qual, como já acima dissemos, não vemos razão para nos afastarmos. IV Termos em que se decide negar provimento ao recurso e manter na íntegra a decisão recorrida.Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça, atendendo ao trabalho e complexidade de tratamento das questões suscitadas, em cinco UC’s (art.º 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9, do RCP e tabela III anexa). # Évora, 12-10-2021 (elaborado e revisto pelo relator) Martinho Cardoso, relator Maria Leonor Esteves, adjunta (assinaturas digitais) |