Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
24/20.1T8RMZ.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
PROCESSO ESPECIAL
DIVISÃO DE COISA COMUM
Data do Acordão: 07/09/2021
Votação: PRESIDÊNCIA
Texto Integral: S
Sumário: Os Juízos Centrais Cíveis não têm competência para tratar de acções com processo especial, ainda que sigam a partir de determinada altura o ritualismo do processo comum, nem de acções comuns com valor inferior a € 50.000,00 – que, por força da competência residual estabelecida no artigo 130.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, cabem à Instância Local de Competência Genérica.
Decisão Texto Integral: CONFLITO DE COMPETÊNCIA N.º 24/20.1T8RMZ.E1 (ENTRE JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE REGUENGOS DE MONSARAZ E JUÍZO CENTRAL CÍVEL E CRIMINAL DE ÉVORA)


Nos presentes autos de acção especial de divisão de coisa comum, que a Autora (…), residente na Rua Professor (…), n.º 22, em Évora, havia instaurado no Juízo de Competência Genérica de Reguengos de Monsaraz, contra os Réus (…), residente habitual na Rua (…), n.º 7-2.º, (…), e também no Páteo do (…), n.º 9, ambos em Évora, (…), residente habitual na Rua (…), n.º 3, 1.º-Dto., em Lisboa, e residente ocasional na Rua (…), n.º 13, em Mourão e (…), residente habitual na Rua (…), n.º 37, cave-Esq., em Lisboa, e residente ocasional na Rua (…), n.º 13, em Mourão, vem suscitado – oficiosamente – este incidente para a resolução do conflito negativo de competência que surgiu entre os Mm.os Juízes desse Tribunal Judicial de Reguengos de Monsaraz e do Juízo Central Cível e Criminal de Évora, intentando que ora se dirima o conflito instalado, consabido que nenhuma dessas autoridades judiciárias aceita o encargo de proceder à tramitação daquela mencionada acção, atribuindo-se mutuamente a competência para tal. São, assim, termos em que se deverá vir a solucionar o conflito, determinando-se qual dessas duas instâncias – Juízo de Reguengos de Monsaraz ou Juízo Central Cível de Évora – é a competente para apreciar estes autos.
Nada obsta, assim, a que se conheça do conflito nesta Relação, uma vez que os envolvidos já tiveram conhecimento da situação criada no processo pela prolação dos doutos despachos em presença, nada tendo requerido.
E ambos os despachos transitaram já em julgado (fls. 191).

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Provam-se os seguintes factos com interesse para a decisão (basicamente constituídos pela tramitação que foi imprimida à acção até agora):

1. Em 04 de Fevereiro de 2020 instaurou a Autora (…), residente na Rua Prof. (…), n.º 22, em Évora, no Juízo de Competência Genérica de Reguengos de Monsaraz, a presente acção especial de divisão de coisa comum, contra os Réus (…), residente habitual na Rua (…), n.º 7-2.º, (…), e também no Páteo do (…), n.º 9, ambos em Évora, (…), residente habitual na Rua (…), n.º 3, 1.º-Dto., Lisboa e residente ocasional na Rua (…), n.º 13, em Mourão e (…), residente habitual na Rua (…), n.º 37, cave-Esq., em Lisboa e residente ocasional na Rua (…), n.º 13, em Mourão – segundo termos e com os fundamentos constantes do douto articulado inicial que agora constitui fls. 5 a 11 e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido (a data de entrada vem aposta a fls. 2 dos autos).
2. A Autora atribuíra à acção um valor de € 228.097,80 (duzentos e vinte e oito mil e noventa e sete euros e oitenta cêntimos) – a fls. 11 dos autos.
3. E tem por objecto a divisão de dois imóveis contíguos sitos em Mourão (idem).
4. Em 17 de Março de 2020 apresentaram então os Réus (…) e (…) a sua defesa, por excepção e por impugnação e deduziram pedido reconvencional (vide o douto articulado de fls. 43 a 65 dos autos, aqui igualmente dado por reproduzido na íntegra, estando aposta a fls. 39 a respectiva data de entrada).
5. Em 14 de Outubro de 2020 veio, por sua vez, o Réu (…) juntar aos autos procuração forense (vide fls. 181, com a data de entrada respectiva aposta a fls. 178 dos autos).
6. Mas o Mm.º Juiz do Juízo de Competência Genérica de Reguengos de Monsaraz, por douto despacho proferido a 02 de Março de 2021, veio a ordenar a remessa dos autos ao Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, por ter entendido ser esse o competente para os tramitar, declarando, ao mesmo tempo, a sua incompetência, em razão do valor, para o continuar a fazer em Reguengos de Monsaraz (vide o seu teor completo a fls. 182 a 185 verso dos autos, que aqui se dá agora por inteiramente reproduzido).
7. Porem, por douto despacho do Mm.º Juiz desse Juízo Central Cível de Évora, proferido a 10 de Junho de 2021, declarou o mesmo “este Juízo Central absolutamente incompetente para a tramitação do presente processo especial de divisão de coisa comum”, “ao abrigo do disposto nos artigos 117.º, n.º 1 e 130.º, n.º 1, ambos da LOSJ, e dos artigos 60.º, 96.º, alínea a), 97.º, n.os 1 e 2 e 99.º, n.º 1, todos do Código Processo Civil”, conforme tal douta decisão, a fls. 189 a 190 dos autos e cujo teor também se dá aqui por reproduzido na íntegra.
8. Tais despachos transitaram já em julgado (vide fls. 191 dos autos).
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Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal da Relação é a de saber se é competente para (continuar a) tramitar o presente processo especial de divisão de coisa comum o Juízo de Competência Genérica de Reguengos de Monsaraz – onde deu entrada e esteve a ser tramitado até aqui – ou o Juízo Central Cível de Évora – para onde foi depois remetido (recorde-se que, segundo os termos do artigo 113.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, “Se o presidente do tribunal entender que há conflito, decide-o sumariamente” –sublinhado nosso).

Mas cremos bem, salva melhor opinião, que assistirá agora razão a quem defendeu que o processo havia sido logo correctamente instaurado no Juízo de Competência Genérica e não no Juízo Central Cível – assim devendo devolver-se a Reguengos de Monsaraz (o que, de resto, foi logo intuído pela Autora nos pontos 1º e 2º da sua douta petição inicial, sob a epígrafe de questão prévia, ao afirmar: “a competência para tramitação de quaisquer processos especiais não cabe na previsão de atribuição de competência à instância central cível”).

Pois que, nos termos do artigo 66.º do Código de Processo Civil, “As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, pelo seu valor, se inserem na competência da instância central e da instância local”. E, segundo o previsto no artigo 41.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, “A presente lei determina a competência, em razão do valor, entre os juízos centrais cíveis e os juízos locais cíveis, nas acções declarativas cíveis de processo comum”.
Ora, pelo seu artigo 117.º, n.º 1, alínea a), “Compete aos juízos centrais cíveis a preparação e julgamento das acções declarativas cíveis de processo comum de valor superior a € 50.000,00”; e pela alínea c) também lhes compete “Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam acções da sua competência”.
A ratio subjacente ao normativo é a de que ficará reservada à Instância Central a preparação e o julgamento das acções de processo comum com maior valor, mas já não lhe compete (Instância Central) vir a conhecer das causas de natureza cível a que corresponda processo especial, seja qual for o seu valor (e, naturalmente, ainda que lhe venha a ser atribuído, mesmo no seu transcurso, um valor superior a € 50.000,00, ou que se venha a decidir que há nela questões que demandam uma posterior tramitação nos termos do processo comum, conforme estatui o n.º 3 do artigo 926.º do CPC, como ocorreu no caso sub judicio). Mas tal não significa que a acção se transmute de acção especial de divisão de coisa comum em acção declarativa de processo comum, apenas segue para decisão de questões concretas suscitadas com o formalismo próprio do processo comum.
O legislador foi muito claro ao definir que compete às Instâncias Centrais Cíveis a preparação e julgamento de acções declarativas cíveis de valor superior a € 50.000,00, mas de processo comum.

Decorrentemente, o Juízo Central Cível não tem competência para tratar de acções com processo especial, ainda que sigam a partir de determinada altura o ritualismo do processo comum, nem de acções comuns com valor inferior a € 50.000,00 – que, por força da competência residual estabelecida no artigo 130.º, n.º 1, da citada Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, cabem à Instância Local de Competência Genérica.

Pelo que as acções de divisão de coisa comum são manifestamente da competência da Instância Local, mesmo que o juiz da causa decida que, para conhecimento de determinadas questões referentes à divisibilidade do imóvel, ou outras, se deve seguir a forma comum ou que a acção tenha valor superior a € 50.000,00. Na verdade, nem sequer estamos perante a situação comtemplada no n.º 3 do artigo 117.º da LOSJ, que se reporta apenas aos casos de processo declarativo comum que, por força da alteração do valor da causa (seja por decisão do respectivo incidente ou por dedução de reconvenção), viu o valor inicial ser alterado para valor superior a e 50.000,00.

Temos, assim, por inverificados, no caso vertente, os requisitos de que o normativo citado faz depender a atribuição da competência para a preparação e julgamento de acções especiais de divisão de coisa comum, e correspondentes apensos, aos Juízos Centrais Cíveis dos Tribunais.

Razões para que, nesse enquadramento fáctico e jurídico, se mostre com competência para a apreciação deste processo especial o Juízo de Competência Genérica de Reguengos de Monsaraz, onde foi, de resto, instaurado primeiro.
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Decidindo.

Assim, face ao exposto, decido resolver o conflito suscitado atribuindo a competência para o processo de insolvência ao Juízo de Competência Genérica de Reguengos de Monsaraz, onde inicialmente fora instaurado.
Não são devidas custas.
Registe e notifique.
Évora, 09 de Julho de 2021
Mário João Canelas Brás