Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1935/10.8TMLSB-C.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: ALTERAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
APRESENTAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 04/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
No processo tutelar cível de alteração da regulação das responsabilidades parentais, se o requerente indicou a prova no requerimento inicial a que alude o nº 1 do artigo 42.º do RGPTC, não fica obrigado a apresentá-la no momento previsto no artigo 39º, nº 4, devendo a prova inicialmente oferecida ser admitida.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
AA instaurou a presente ação de alteração do exercício das responsabilidades parentais contra BB, relativa ao menor CC, pedindo que lhe seja confiada a guarda do menor, articulando para tanto factos que, no seu entender, justificam que o menor deixe de estar confiado à guarda da progenitora.
Com o requerimento inicial indicou o requerente o rol de testemunhas.
Dada a ausência de acordo na conferência de pais, as partes foram notificadas para, em 15 dias, apresentarem alegações ou arrolarem até 10 testemunhas e juntarem documentos.
A requerida ofereceu alegações e apresentou testemunhas, mas o requerente não.
O rol de testemunhas da requerida foi admitido.
Uma vez que o tribunal não se pronunciou sobre o rol do requerente indicado no requerimento inicial, este requereu que o mesmo fosse considerado e admitido, bem como a alteração e o aditamento daquele rol.
Foi então proferido o seguinte despacho:
«Fls. 120: Indefiro o requerido pelo progenitor.
O progenitor foi expressamente notificado em 19 de dezembro de 2016 para alegar no prazo de 15 dias, ao abrigo do disposto no artigo 39/4 da Lei 141/2015, de 8 de Setembro. Como refere expressamente este artigo “o juiz notifica as partes para, no prazo de 15 dias, apresentarem alegações ou arrolarem até 10 testemunhas e juntarem documentos”.
O progenitor não alegou nem arrolou testemunhas.
E são as testemunhas arroladas nas alegações, após notificação nos termos do artigo 39/4 da lei 141/2015, de 8 de Setembro, que são consideradas como prova indicada para a audiência de julgamento.
E por isso as testemunhas indicadas inicialmente não foram e não são consideradas.
Consequentemente, não admito a alteração nem o aditamento pretendido, uma vez que não existe rol de testemunhas de que o requerido possa ser aditamento ou alteração.»
Irresignado com tal decisão, dela veio apelar o requerente, finalizando a respetiva alegação com as seguintes conclusões:
«1.ª O presente recurso vem interposto do douto despacho (com a referência electrónica 76783620) que não admitiu a alteração nem o aditamento ao rol de testemunhas do Requerente, aqui Recorrente, porquanto o Recorrente não apresentou nem alegações nem testemunhas após a notificação nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 39.º do RGPTC, não podendo ser consideradas as que foram indicadas na petição inicial.
2.ª Entende o Recorrente, que o Douto Tribunal a quo fez uma interpretação muito restritiva do disposto no n.º 4 do artigo 39.º do RGPTC, o que colide com o disposto no artigo 20.º da CRP e com o princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais das partes.
3.ª Acresce ainda que os autos em apreço configuram um processo de jurisdição voluntária, que pela própria natureza, não está vinculado a critérios de legalidade estrita, devendo o Juiz adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, investigar livremente os factos, coligir provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, admitindo apenas as provas consideradas necessárias, conforme artigos 986.º e 987.º do Código de Processo Civil.
4.ª Pelo que, entende o Recorrente, atenta a apresentação das testemunhas na sua petição inicial, e a natureza dos processos de jurisdição voluntária, que o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo faz uma interpretação restritiva do n.º 4 do artigo 39.º do RGPTC e contraria a os objectivos que subjazem a este tipo de processos.
5.ª O despacho em crise ao indeferir o requerido pelo Recorrente configura ainda uma violação do princípio do acesso ao direito aos tribunais, previsto no artigo 20.º n.º 1 da CRP, colocado em causa um dos seus corolários, que o acesso dos cidadãos deve ser facilitado e não dificultado ou restringido.
6.ª De onde resulta, nomeadamente o teor do artigo 146.º do CPC, aqui aplicável por força do artigo 33.º do RGPTC, que traduz um afloramento de um princípio mais geral de aproveitamento dos actos processuais, o qual, por maioria de razão, deve considerar-se aplicável aos actos das partes.
7.ª Assim, a não consideração das testemunhas indicadas na petição inicial, redunda sempre numa limitação grave ao exercício do direito do Recorrente, contrariando o referido princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais das partes.
8.ª Acresce ainda, que o artigo 20.º n.º 4 da CRP consagra o direito a um processo equitativo, isto é, a um processo justo, pelo que a não consideração das testemunhas indicadas na petição inicial, e por conseguinte a não permissão de alteração e aditamento ao rol de testemunhas, priva o Recorrente da possibilidade de defesa perante os órgãos jurisdicionais, o que redunda numa clara violação do princípio da proibição da indefesa, bem como do direito a um processo equitativo (artigo 20.º n.º 4 da CRP).
9.ª O direito a um processo equitativo compreende ainda o princípio da igualdade armas, que “postula [um] equilíbrio entre as partes na perspectiva dos meios processuais de que para o efeito dispõem”, ora, se se entender que não devem ser consideradas as testemunhas indicadas na petição inicial, e por conseguinte não é permitido alterar ou aditar ao rol de testemunhas, tal direito é afrontado de forma evidente.
10.ª Por outro lado, deriva também do artigo 20.º n.º 1 da CRP, o princípio da prevalência do fundo sobre a forma ou princípio pro actione, que pressupõe uma certa elasticidade do regime processual em benefício da justa composição do litígio, havendo uma prevalência do fundo sobre a forma.
11.º Em suma, o despacho recorrido porque viola o disposto no n.º 4 do artigo 39.º do RGPTC, bem como os artigos 146.º, 986.º e 987.º do CPC, aplicáveis por força do artigo 33.º do RGPTC, e ainda o artigo 20.º da CRP, deve ser revogado e substituído por outro que considere as testemunhas indicadas na petição inicial, bem como as que entretanto foram alteradas e aditadas ao respectivo rol, seguindo-se os demais termos do processo.
Termos em que e nos demais do Direito se requer a Vossas Ex.as se dignema a admitir o presente recurso, revogando-se o douto despacho em apreço, dando-se provimento ao presente recurso nos estritos termos supra requeridos.
E assim se fará JUSTIÇA!»
O Ministério Público contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão essencial a decidir, consiste em saber se apenas com a apresentação das alegações a que alude o nº 4 do artigo 39º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) é permitido às partes apresentarem prova e se apenas a prova apresentada nesse momento pode ser considerada e admitida, como se defendeu na decisão recorrida, ou se, pelo contrário, a prova apresentada com o requerimento inicial do processo tutelar cível - in casu de alteração das responsabilidades parentais - deve também ser considerada e admitida.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Os factos e a dinâmica processual a considerar para a decisão do recurso, são os que constam do relatório que antecede.

O DIREITO
O acordo ou decisão final de regulação do exercício das responsabilidades parentais pode sempre ser alterado, a requerimento de qualquer um dos progenitores, de terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada ou pelo Ministério Público, quando circunstância supervenientes tornem necessário alterar o que tiver sido estabelecido (art. 42º, nº 1, do RGPTC[1], aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8 de Setembro, alterada pela Lei nº 24/2017, de 24 de Maio).
Na verdade, porque se trata de processos de jurisdição voluntária, as decisões tomadas podem sempre ser revistas, desde que ocorram factos supervenientes que justifiquem ou tornem necessária essa alteração (art. 12º e art. 988º, nº 12, do CPC).
O requerente da alteração deve expor sucintamente os fundamentos do pedido (art. 42º, nº 2), sendo o requerido citado para alegar o que tiver por conveniente (n.º 3).
Depois disto, o juiz ou manda arquivar ou ordena o prosseguimento dos autos, «observando-se, na parte aplicável, o disposto nos artigos 35.º a 40.º» (nº 5 do art. 42º).
Por sua vez, estes preceitos determinam que se siga uma conferência onde os pais podem chegar a acordo ou não chegar; neste último caso, «o juiz notifica as partes para, em 15 dias, apresentarem alegações ou arrolarem até 10 testemunhas e juntarem documentos» (art. 39º, nº 4).
Daqui resulta, pois, que a lei não exige para o requerimento de alteração nem para as alegações do requerido, que logo seja indicada prova. Esta indicação apenas tem lugar quando não haja acordo – o que se compreende.
Mas pode daqui concluir-se, como na decisão recorrida, que só no momento a que alude o art.º 39.º, n.º 4, é que é permitido às partes apresentarem prova? E que só a prova apresentada nesse momento pode ser considerada e admitida?
A resposta, podemos desde já adiantar, é negativa.
Pode-se desde logo contrapor à argumentação da decisão recorrida com o disposto no art. 12º, no qual se prescreve que os «processos tutelares cíveis têm a natureza de jurisdição voluntária», o que significa que se lhes aplica o regime deste tipo de processos, nomeadamente o estatuído no art. 986º, nº 2: «[o] tribunal pode, no entanto, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias».[2]
Escreveu-se a este propósito no acórdão desta Relação de 21.12.2017[3], num caso com contornos em tudo idênticos aos dos presentes autos:
«Se o tribunal pode investigar livremente os factos e coligir provas, por que razão não o há-de fazer com as provas oferecidas pelas partes? Há aqui alguma proibição de atender às provas que elas indicam mesmo que o tenham feito num momento processual não adequado?
Cremos que esta proibição não existe e que, chamando também à colação o princípio do aproveitamento dos actos processuais, o juiz deve mesmo atender a todos os meios de prova que as partes indiquem.
Cremos com isto dizer que o momento processual do art.º 39.º, n.º 4, não estabelece uma fenda inultrapassável entre um antes e o depois. O que existe no processo anteriormente àquela fase pode ser aproveitado e não tem que ser qualificado como inexistente.
Se a parte apresentou a sua prova em momento anterior ao devido (não cuidamos aqui da apresentação tardia) (e note-se, até, que também o requerente apresentou prova com o seu requerimento inicial), deve tal requerimento ser inutilizado com o argumento apenas de que não foi apresentada no momento certo? E repare-se que é perfeitamente legal que o juiz ouça mais pessoas do que as indicadas e que venham a ser sugeridas pelas partes; o citado art.º 986.º, n.º 2, permite-o.
O que o juiz tem a fazer é aproveitar os elementos fornecidos no processo.»
E porque assim é, nada obstava a que a Sr.ª Juíza tivesse admitido o rol de testemunhas indicado no requerimento inicial, bem como a alteração e aditamento requeridos atempadamente pelo requerente.
O recurso merece, pois, provimento.

Sumário:
No processo tutelar cível de alteração da regulação das responsabilidades parentais, se o requerente indicou a prova no requerimento inicial a que alude o nº 1 do artigo 42.º do RGPTC, não fica obrigado a apresentá-la no momento previsto no artigo 39º, nº 4, devendo a prova inicialmente oferecida ser admitida.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogam a decisão recorrida, admitindo-se a prova oferecida pelo requerente no requerimento inicial, bem como a alteração e aditamento ao rol de testemunhas requeridos.
Custas pela parte vencida a final.
*
Évora, 12 de Abril de 2018
Manuel Bargado
Albertina Pedroso
Tomé Ramião

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[1] São deste diploma legal todos os artigos adiante citados sem menção de origem.
[2] Também o art. 411º do CPC, que consagra o princípio do inquisitório, determina incumbir ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
Aceitando-se que este princípio se desenha hoje como um poder dever do juiz, tem este a obrigação de ordenar as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, o que seguramente pretende significar que o juiz pode ordenar diligências probatórias para o efeito de apurar a verdade relativamente aos factos articulados pelas partes (art. 5º do CPC).
[3] Proc. 1361/16.5T8STR-A.E1, in www.dgsi.pt.