Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
292/14.8TTFAR.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
JUSTA CAUSA
SUBSÍDIO DE NATAL
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
Data do Acordão: 01/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - Para que se verifique uma situação de justa causa subjectiva para a resolução do contrato pelo trabalhador, nos termos do Código do Trabalho/2009, exige-se: (i) um requisito objectivo, traduzido num comportamento do empregador violador dos direitos ou garantias do trabalhador; (ii) um requisito subjectivo, consistente na atribuição desse comportamento ao empregador; (iii) um requisito causal, no sentido de que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;
II - verificando-se a violação de um qualquer dever contratual por banda do empregador, designadamente a falta de pagamento pontual da retribuição, vale a regra ínsita no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, o que significa que a culpa do empregador se presume, havendo de ter-se por verificada, caso não seja por ele ilidida;
III - a falta de pagamento de retribuições, que se prolongue por mais de 60 dias, presume-se culposa, não sendo ilidível essa presunção de culpa;
IV – para um trabalhador que aufere mensalmente de retribuição base € 598,55 para apreciação da justa causa de resolução do contrato é de somenos importância qual é o título da prestação remuneratória que possam receber – se por retribuição base, se por subsídio de férias ou de Natal – mas é de particular relevância qual é o montante total da retribuição que possam auferir.
V – por isso, tendo em conta que o trabalhador auferia a retribuição mensal referida, constitui justa causa de resolução do contrato em 25-02-2014 a falta de pagamento dos subsídios de Natal de 2012 e de 2013 e do subsídio de férias de 2012.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 292/14.8TTFAR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
BB (Autor/recorrente e recorrido) intentou no extinto Tribunal do Trabalho de Faro, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra CC, Lda. (Ré/recorrida e recorrente) pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia total de € 36.211,79 [sendo, (i) € 23.118,39 referente a indemnização de antiguidade, (ii) € 5.094,00 referente a subsídio de Natal e de férias dos anos de 2012 e 2013 e (iii) € 8.099,40 referente a diferenças salariais], acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento e, bem assim, a reconhecer a resolução com justa causa do contrato de trabalho, entregando-lhe a declaração de situação de desemprego.
Alegou para o efeito, muito em síntese:
- Em 02 de janeiro de 1996, celebrou com a Ré acordo mediante o qual passou a desempenhar para aquela as funções inerentes à categoria profissional de chefe de vendas, responsável pelo departamento comercial da central de betão-pronto, auferindo mensalmente, em 31 de Dezembro de 2012, a remuneração base de € 598,55, laborando em regime de isenção de horário de trabalho;
- Atento o objeto social da Ré – indústria de construção civil, obras públicas e particulares, betão pronto e especiais - à relação de trabalho que mantinha com a Ré aplica-se o CCT outorgado entre a APEB e a FETESE, publicada no BTE n.º 26, 15/07/2009, por via da Portaria de Extensão n.º 162/2010, 15/03, publicada no DR 1ª Série, n.º 51, de 15/03, com as alterações subsequentes;
- Nos termos desse CCT as funções que desempenhava deviam ser remuneradas com a remuneração mínima garantida de € 1 273,50, com direito a retribuição por isenção de horário e abono para falhas;
- Por tal facto entende que, relativamente aos últimos doze meses de contrato, tem direito a receber a diferença entre o valor de € 1 273,50 (devido) e o valor de € 598,55 (recebido) no total de € 8 099,40;
- A Ré não lhe pagou as retribuições correspondentes aos subsídios de férias e de Natal referentes aos anos de 2012 e 2013 (o que não sucedeu até à data) pelo que, em 31 de janeiro de 2014, suspendeu o contrato, comunicando-o à Ré e à ACT e, em 17 de Fevereiro de 2014, comunicou à Ré a resolução do contrato por justa causa, carta que esta recebeu em 25 de Fevereiro de 2014.
Tendo-se procedido à audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, contestou a Ré, a pugnar pela improcedência da acção, para o que alegou, também em síntese:
- O Autor desempenhava as funções de vendedor e não de chefe de vendas, função que era desempenhada pelo seu sócio gerente, de quem o Autor dependia hierarquicamente, a quem apresentava relatórios, de quem recebia ordens e estratégias para melhor promover a venda de mercadorias e angariar clientes;
- O Autor não trabalhava sob o regime de isenção de horário de trabalho;
- Pagou ao Autor os subsídios de férias e de Natal;
- O CCT invocada não é aplicável à relação laboral que a vinculava ao Autor.

Foi dispensada a realização de audiência prévia, proferido despacho saneador stricto sensu, delimitado o objecto do litígio e fixado valor à causa (€ 36.311,79).

Os autos prosseguiram os termos legais, com realização da audiência de julgamento, e em 08-02-2016 foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor:
«Em face do exposto julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) condeno a R., CC, Lda., a pagar ao A. BB a quantia de €2 394,20 ( dois mil trezentos e noventa e quatro euros e vinte cêntimos) a título de subsidio de férias e de natal de 2012 e 2013 acrescida de juros de mora, á taxa legal, actualmente de 4%, desde a citação até efectivo e integral pagamento;
b) absolvo a R. do demais peticionado».

Inconformados com a sentença, quer o Autor quer a Ré dela interpuseram recurso para este tribunal.
Para tanto, nas alegações que apresentou o Autor formulou as seguintes conclusões:
«I - A douta decisão recorrida julgou a ação parcialmente procedente e, consequentemente, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de 2.394,20 €, a título de subsídio de férias e de Natal de 2012 e 2013 acrescida de juros de mora, à taxa legal, atualmente de 4%, desde a citação até efetivo e integral pagamento e no pagamento das custas e demais encargos com o processo, na proporção do decaimento.
II - De facto, a não conformação do recorrente com a Sentença que veio a ser proferida em 1.ª Instância decorre do facto de – atenta a própria factualidade dada por provada no Mmo. Tribunal a quo – ter como inadmissível, e mesmo jurídica e eticamente incomportável, a solução dada ao caso, que foi a de absolver parcialmente a R. ora Apelada.
III – Na verdade, da matéria de facto provada, ressalta como matéria de facto incontroversa, que:
A R. tem por objecto social “Indústria de construção civil, obras públicas e particulares, betão pronto e especiais. (1.º Facto Provado)
No dia 02 de Janeiro de 1996 o A. e a R. outorgaram o escrito de fls. 21 a 22 cujo teor se dá por reproduzido nos termos do qual esta admitiu aquele para, sob a sua autoridade e direção realizar as tarefas de gestor de vendas (vendedor) mediante o pagamento mensal de esc. 63 200$00 pelo prazo de seis meses. (2.º Facto Provado)
O A. desempenhava as funções nos escritórios da R. e fora destes angariando clientes. (4.º Facto Provado)
No exercício das suas funções o A. que era o responsável pelo departamento comercial da central de betão-pronto, elaborava notas de encomendas dos clientes as quais transmitia ao escritório e à central de betão, cobranças que reportava à contabilidade, arquivava a documentação inerente à realização das suas tarefas e elaborava relatórios que apresentava ao legal representante da R. de quem recebia ordens. (5.º Facto Provado)
O A. intentou neste Tribunal o processo nº26/14.7TTFAR – Ação de Processo Comum competente ação judicial com vista a ver declarada abusiva e anulada a sanção disciplinar de suspensão de trabalho de 5 (cinco) dias com perda de retribuição e antiguidade. (11.º Facto Provado)
IV - Na verdade o Apelante exercia as funções no escritório da Apelada e fora destes angariando clientes, promovendo e realizando a atividade comercial no exterior da empresa para quem trabalhava.
Era no “terreno” que ia procurar os clientes e tentar vender os seus produtos.
Estabelecia as ligações entre a empresa e o mercado, mediante a prospeção, angariação e gestão de uma carteira de clientes, execução de vendas e apoio no serviço pós venda.
Direta ou indiretamente participava nas políticas comerciais e estratégias de marketing da empresa.
Realizando, assim, as tarefas de gestor de vendas (vendedor), sendo igualmente o responsável pelo departamento comercial da central de betão-pronto.
V - Aliás, a categoria profissional do ora Apelante já resultava da factualidade assente no processo nº26/14.7TTFAR – Ação de Processo Comum que, sendo as Partes as mesmas,
B) Nos termos do referido contrato, o A. desempenha as funções a partir dos escritórios da R. com a categoria profissional de chefe de vendas, responsável pelo departamento comercial da central de betão-pronto, auferindo a remuneração base mensal de € 598,55 (quinhentos e noventa e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos);
VI - Ora, não obstante as razões expendidas no seu petitório e o facto de às relações laborais entre as partes se aplicar o Contrato Coletivo de Trabalho (CCT), celebrado entre a APEB – Associação Portuguesa das Empresas de Betão Pronto e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros, publicado no BTE n.º 26, de 15 de Julho de 2009, ex vi portaria de extensão n.º 162/2010, de 15 de Março, publicada no DR, 1.ª série, n.º 51 de 15/03, com as alterações subsequentes, como aliás bem reconheceu a douta Sentença ora posta em crise e o conteúdo funcional da atividade do Apelante se enquadrar na categoria profissional de chefe de vendas, com o estatuto remuneratório de 1.293,00 €, a Mma. juíza a quo não interpretou, nem aplicou, acertadamente, as normas que regem a atividade do trabalhador, nomeadamente o art.º 115.º do Código do Trabalho (CT).
VII - É igualmente incontroverso que o Apelante resolveu com justa causa o contrato de trabalho por falta de pagamento dos subsídios de férias e de Natal dos anos de 2012 e 2013.
Que, face ao disposto no art.º 258.º do Código do Trabalho, assumem a qualidade de retribuições.
VIII - O n.º 1 do art.º 394.º do CT prevê que ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar o imediatamente o contrato, prescrevendo-se a alínea a) do n.º 2 que constitui justa causa a falta culposa de pagamento pontual da retribuição.
Dispôe o n.º 5 do art.º 394.º do CT que se considera culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por 60 dias ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão do não pagamento da retribuição em falta até ao termo daquele prazo – presunção “juris et de jure” de culpa do empregador.
Independentemente da culpa do empregador, um trabalhador não pode estar sujeito, de forma persistente, ao não recebimento pontual das remunerações de trabalho. Trata-se de créditos que têm a natureza de créditos alimentares e a persistência no incumprimento é, em abstracto, apta a causar danos à segurança da sua subsistência e a uma vida digna (art.º 394.º, n.º 3, alínea c) do CT).
Essa persistência assume gravidade suficiente para justificar a impossibilidade de manutenção do contrato de trabalho.
IX - Aliás, não foi sequer alegado pela Ré, ora Apelada e, muito menos se provou que a falta de pagamento dos subsídios ao Autor, ora Apelante se tenha ficado a dever a quaisquer dificuldades financeiras por parte daquela.
Não se verificando aquele “elemento causal” existia, pois, justa causa para o Autor resolver o contrato de trabalho, motivadamente e com direito à indemnização.
X - No caso concreto da falta culposa de pagamento da retribuição, tem o A. direito à indemnização calculada nos termos previstos no n.º 1 do art.º 396.º do CT que determina que “Em caso de resolução do contrato com fundamento em facto previsto no n.º 2 do art.º 394.º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau e ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades”.
XI - Pelo que, ao decidir como decidiu a Mma. Juíza a quo, negando a justa indemnização ao Apelante, em nosso modesto entendimento, mais uma vez, não interpretou, nem aplicou, acertadamente, as normas que regem a resolução com justa causa por parte do trabalhador.
XII – De onde, errou de Direito a Sentença recorrida, devendo a mesma ser revogada.

Por seu turno, nas alegações que apresentou a Ré formulou as seguintes conclusões:
«-1- Vem o presente Recurso, interposto da douta Sentença, na qual o douto Tribunal “a quo”, que considerou parcialmente procedente a ação e condenou a Ré a pagar ao Autor BB a quantia de 2.394,20€ a título de subsídio de férias e de natal de 2012 e 2013 acrescida de juros de mora à taxa legal, atualmente de 4%, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
-2- Em 31 de dezembro de 2012, auferia o Autor a remuneração base de 598,55€.
-3- Nos docs. 12 e 13 juntos pelo Autor, este reconhece que em dívida, no que a subsídios respeita em falta está o montante de 2.394,20€ (subsídios de férias e de Natal de 2013 e 2014).
-4- Encontram-se junto aos autos documentos juntos pela Ré, não impugnados pelo Autor, em como em 2013 e 2014, foi depositado na conta deste, por ordem da Ré ou pelo seu legal representante, 598,55 x 14, em cada ano.
-5- Estando nos autos documentos que provam que no ano de 2013 o Autor recebeu pelo menos 14 x 598,55€, devia a MM.ª Juiz “a quo” ter considerado tais subsídios como liquidados, o mesmo ocorrendo em 2014,
-6- ainda que não fosse exibido qualquer recibo a esse respeito, pois o Autor deixou de assinar recibos em dezembro de 2012,
-7- Ao assim não se decidir, salvo o devido respeito que é muito, o douto Tribunal “a quo” não fez a devida aplicação da Lei, nomeadamente que as transferências bancárias ocorridas, nos anos de 2013 e 2014, para a conta do Autor se destinavam não só ao pagamento do salário mensal de 598,55€ mas também de ½ de 2.394,20€ em cada ano, violando assim o preceituado no art. 342.º do Código Civil, aqui aplicado subsidiariamente.
POR TODO O EXPOSTO, e pelo mais que V. Exas., doutamente, suprirão, deverá o presente Recurso merecer provimento e, em consequência, ser a douta sentença em causa substituída por outra que, mantendo o já decidido quanto às outras matérias venha a considerar liquidados os subsídios de férias e de natal dos anos de 2013 e 2014, mantendo a inexistência de justa causa para rescisão do contrato, tendo em conta os elementos dos autos».

A Ré respondeu também ao recurso do Autor, a pugnar pela sua improcedência.

Os recursos foram admitidos na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo.

Remetidos os autos a este tribunal e aqui recebidos, neles a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, no qual se pronunciou pela anulação da sentença recorrida, a fim de que seja apurada matéria referente à existência ou não de justa causa de resolução do contrato de trabalho.
Ao referido parecer respondeu a Ré, a discordar do mesmo e a reafirmar que deve ser negado provimento ao recurso do Autor.

Tendo-se, entretanto, procedido à redistribuição dos autos ao ora relator, foi remetido projecto de acórdão aos exmos. juízes desembargadores adjuntos.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objecto dos recursos
Sabido como é que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho, aplicável ex vi do artigo artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso colocam-se à apreciação deste tribunal as seguintes questões:
1. Do recurso do Autor:
i. apurar se existe fundamento para alterar a matéria de facto;
ii. apurar se o mesmo desempenhava as funções correspondentes à de “Chefe de vendas”;
iii. determinar se resolveu com justa causa o contrato de trabalho.
2. Do recurso da Ré:
i. apurar se existe fundamento para alterar a matéria de facto;
ii. determinar se a Ré pagou ao Autor a quantia correspondente aos subsídios de férias e de Natal dos anos de 2012 e 2013.
Por uma questão de precedência lógica, analisar-se-á em 1.º lugar a questão da impugnação da matéria de facto suscitada por ambas as partes (ainda que o Autor de forma não claramente explícita), após o que se analisará a outra questão suscitada pela Ré e, finalmente, as restantes questões suscitadas pelo Autor.

III. Factos
A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
1. A R. tem por objeto social “Indústria de construção civil, obras públicas e particulares, betão pronto e especiais”.
2. No dia 02 de Janeiro de 1996 o A. e a R. outorgaram o escrito de fls. 21 a 22 cujo teor se dá por reproduzido nos termos do qual esta admitiu aquele para, sob a sua autoridade e direção realizar as tarefas de gestor de vendas (vendedor) mediante o pagamento mensal de esc. 63 200$00 pelo prazo de seis meses.
3. O contrato nunca foi denunciado pelo que, em Dezembro de 2012, o A. mantinha a desenvolver atividade por conta da R. auferindo a retribuição base de € 598,55.
4. O A. desempenhava as funções nos escritórios da R. e fora destes angariando clientes.
5. No exercício das suas funções o A. que era o responsável pelo departamento comercial da central de betão-pronto, elaborava notas de encomendas dos clientes as quais transmitia ao escritório e à central de betão, cobranças que reportava à contabilidade, arquivava a documentação inerente à realização das suas tarefas e elaborava relatórios que apresentava ao legal representante da R. de quem recebia ordens.
6. Fazia-o sem sujeição a horário de trabalho.
7. Para o exercício das funções desde, pelo menos, desde 3 de Dezembro de 2002, a R. atribuiu, permanentemente, ao A. o veículo automóvel de marca “Ford Focus”, com a matrícula …, através do qual contactava/angariava clientes junto das respetivas moradas.
8. Em 10 de Maio de 2013 o legal representante da R. convocou o A. para uma reunião na qual o legal representante da R. o informou que a partir de tal data deixaria de ter para seu uso com carácter de permanência o veículo da empresa e que deixaria de beneficiar de isenção de horário.
9. Em data não concretamente apurada a R. instaurou ao A. processo disciplinar com vista ao seu despedimento com justa causa.
10. Finalizado o mesmo foi-lhe aplicada a sanção disciplinar de 5 (cinco) dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade, a cumprir entre os dias 20 e 24 de Janeiro de 2014, inclusive.
11. O A. intentou neste Tribunal o processo nº26/14.7TTFAR – Ação de Processo Comum competente ação judicial com vista a ver declarada abusiva e anulada a sanção disciplinar de suspensão de trabalho de 5 (cinco) dias com perda de retribuição e antiguidade.
12. O A. alegando falta de pagamento dos subsídios de férias e de natal de 2012 e 2013 suspendeu o contrato com efeitos reportados a 31.01.2014.
13. Para o efeito o A. entregou a respetiva comunicação escrita à Autoridade das Condições de Trabalho (ACT) que, na mesma data, comunicou à R., manifestando a sua intenção de suspensão do contrato de trabalho por falta de pagamento das retribuições devidas.
14. A ACT, a pedido do A. emitiu a correspondente declaração mod. GD 18/2010 junta a fls. 40 e cujo teor se reproduz, referente às retribuições em mora.
15. Por correio registado o A. remeteu á R. o escrito de fls. 41 cujo teor se dá pro reproduzido comunicando-lhe que “ denuncio unilateralmente o meu contrato, com justa causa, nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do art.394º do Código de Trabalho (…) por falta culposa de pagamento de retribuições há mais de sessenta dias, designadamente as (…):- subsidio de férias referente ao ano de 2012, subsidio de natal referente ao ano de 2012, subsidio de férias referente ao ano de 2013, subsidio de natal referente ao ano de 2013 (…)”.
16. A R. recebeu a carta em 25.02.2014.
17. A R. não pagou as retribuições correspondentes aos subsídios de férias e de Natal referentes aos anos de 2012 e 2013.
IV. Fundamentação
Delimitadas supra, sob o n.º II, as questões decidendas, é agora o momento de analisar e decidir, de per si, cada uma delas

1. Da impugnação da matéria de facto (recursos do Autor e da Ré)
O artigo 662º nº1 do Código de Processo Civil prevê a possibilidade do Tribunal da Relação poder alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por seu turno, o artigo 640.º do mesmo compêndio legal estabelece as regras a que tem de obedecer a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Assim, o recorrente deve, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No caso previsto na alínea b) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
O Autor, sem impugnar, formalmente, a decisão proferida sobre a matéria de facto, refere nas suas conclusões que a pretendida categoria profissional de chefe de vendas já resultava da factualidade assente no processo nº26/14.7TTFAR – Ação de Processo Comum, em que as partes foram as mesmas, tendo junto a referida sentença com as suas alegações: poder-se-á, assim, sustentar que a pretendida alteração se ancora na existência de um documento com força probatória plena.
Na referida ação foi pedido que fosse declarada abusiva e anulada a sanção disciplinar aplicada pela, ora, Ré ao, ora, Autor, de suspensão de trabalho por cinco dias, com perda de retribuição e antiguidade, e a Ré condenada a restituir-lhe o montante que lhe viesse a ser, indevidamente, descontado e o montante legalmente fixado a título de indemnização.
Nessa acção foram dados como provados os seguintes factos com interesse para apreciar a questão suscitada:
«A) O A. trabalha por conta, fiscalização e direção da R. desde 2 de Janeiro de 1996, data em que celebrou contrato de trabalho;
B) Nos termos do referido contrato, o A. desempenha as funções a partir dos escritórios da R. com a categoria profissional de chefe de vendas, responsável pelo departamento comercial da central de betão pronto, auferindo a remuneração base mensal de € 598,55 (quinhentos e noventa e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos».
Verifica-se que na referida ação não foi discutida a categoria profissional do Autor pois, como já se referiu, a mesma tinha por objeto a anulação da sanção disciplinar, aplicada ao Autor pela Ré, por abusiva.
A referência feita nos factos provados dessa acção à categoria profissional de chefe de vendas não é suportada factualmente, pelo que é meramente conclusiva.
Sendo assim, a referida decisão judicial não pode ser considerada para os efeitos pretendidos pelo Autor, pelo que não há que proceder a qualquer alteração da matéria de facto na presente ação que, esta sim, tem por objeto de discussão saber se as funções desempenhas pelo Autor correspondem à categoria profissional de chefe de vendas.

Por sua vez, a Ré, no recurso que interpôs, veio defender que nos autos encontram-se documentos, que juntou, não impugnados pelo Autor, que provam que nos anos de 2013 e 2014, foi depositado na conta deste, por sua ordem ou pelo seu legal representante, 598,55 x 14, em cada ano.
A Ré não indicou concretamente qual o documento de onde resulta que tenham sido pagas as referidas quantias, sendo certo que dos documentos que juntou apenas se retira que foram efetuadas transferências bancárias de determinadas quantias para a conta do Autor.
A propósito desta questão, vejamos o seguinte trecho que consta na fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto pela primeira instância:
«Competindo à R. provar que pagou os subsídios de férias e de natal de 2012 e 2013 considerámos que o não logrou fazer e, por isso, constituindo tal circunstancialismo matéria de exceção demos como provado que não realizou o respetivo pagamento. Efectivamente constam dos autos – vide fls. 90-153 - extratos bancários do A. relativos ao período compreendido entre janeiro de 2008 e fevereiro de 2014 dos quais se retira que a R., mensalmente, para além do valor correspondente ao vencimento base, efetuava outras, de valores variáveis, por vezes na ordens dos milhares de euros. Questionado sobre tais transferências o legal representante da R. disse não saber a que se referiam e a técnica de contas da R. – a testemunha … - referiu, também, não saber a que respeitavam afirmando ainda desconhecer com que base é que os subsídios em causa aparecem como liquidados na contabilidade. Por seu turno, o A. afirmou tratarem-se de valores referentes a comissões. Ora, no mínimo, é inverosímil que o gerente da empresa e a sua técnica de contas desconheçam a que respeitam as transferências mensais que a R. efetuava para o A. no montante que excedia o valor da retribuição base. Não obstante, porque a primeira vez que o Tribunal ouviu a versão do A. - de que se tratavam de comissões - foi em sede de audiência de julgamento (veja-se que na p.i. o mesmo diz que foi alvo de redução salarial nada referindo quanto à existência de retribuição variável) e nenhum outro meio de prova idóneo o confirmou, não ficámos certos de que tais transferências se reportavam ao pagamento de comissões. Mas nenhum outro meio de prova permitiu saber a que é as mesmas respeitavam e, por isso, a conclusão pretendida pela R. de que os montantes transferidos para o A. em 2012 e 2013 visavam, também, pagar os subsídios de férias e de natal de 2012 e 2013, não foi possível ser realizada tanto mais que, de acordo com as testemunhas …e…, a R. nem sempre pagou os subsídios atempadamente».
Pela nossa parte, após análise dos referidos documentos, concluímos – à semelhança da 1.ª instância – que não se retira dos mesmos a que título é que foram feitas as transferências em causa, havendo até indícios de poderem ser de comissões pagas ao Autor sobre as vendas que fazia.
Sendo assim, da documentação junta pela Ré não se pode concluir, com a necessária segurança, que as referidas quantias, referentes aos subsídios de férias e de Natal de 2012 e 2013, foram pagas ao Autor.
Improcedem, consequentemente, nesta parte, quer as conclusões das alegações de recurso do Autor, quer as conclusões das alegações de recurso da Ré.
2. Quanto saber se a Ré pagou ao Autor as quantias correspondente aos subsídios de férias e de Natal dos anos de 2012 e 2013 (recurso da Ré)
Como é consabido, numa acção em que pretende ver reconhecidos créditos salariais, lato sensu, deve o trabalhador alegar e provar os factos constitutivos do seu direito (n.º 1 do art.º 342.º do Código Civil), ou seja, a celebração e vigência do contrato de trabalho e a prestação de trabalho em determinado período (ou a sua suspensão sem perda de retribuição) relativamente ao qual formula o seu pedido de pagamento destes créditos.
Deve ainda alegar as retribuições/subsídios que efectivamente auferiu no período em causa, para possibilitar a quantificação das diferenças que lhe sejam devidas.
Uma vez demonstrada a vigência do contrato de trabalho (como facto jurídico genético de direitos e obrigações para as partes) e igualmente demonstrado que o trabalhador realizou a prestação a que se obrigou pelo mesmo (ou que, apesar de suspenso, mantém o direito à mesma), será de concluir que nasceu na sua esfera jurídica o direito à contraprestação.
Esta contraprestação consubstancia-se na obrigação retributiva que recai sobre a entidade empregadora por força do disposto nos artigos 11.º e 258.º e segts. do Código do Trabalho.
O cumprimento desta obrigação (pagamento das retribuições e subsídios) traduz-se, pois, num facto extintivo dos direitos que o trabalhador pretende fazer valer (cfr. os artigos 762.º e segts. do Código Civil).
E, sendo o pagamento um facto extintivo do direito do credor, constitui o mesmo uma excepção de cariz peremptório a invocar pelo eventual devedor, a quem incumbe o respectivo ónus probatório – vide, neste sentido, Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, pp.132 e ss., e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18-06-2003 (Revistas n.º 1198/03 e n.º 3707/02, da 4ª Secção), e de 30-01-2002 (Revista n.º 1433/01 da 4ª Secção).
Ora, constitui facto incontroverso que entre a Ré e o Autor vigorou um contrato de trabalho, a que este pôs termo através de carta datada de 17-02-2014, recebida pela Ré no dia 25 do mesmo mês e ano.
Face ao que se deixou afirmado, à Ré competia provar que procedeu ao pagamento dos subsídios em causa.
Pois bem: como já se referiu, da documentação junta pela Ré, não se pode concluir, com a necessária segurança, que a mesma tenha pago ao A. as retribuições correspondentes aos subsídios de férias e de Natal referentes aos anos de 2012 e 2013, pelo que se tem de considerar que as mesmas estão em dívida.
Improcedem, por consequência, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

3. Quanto a saber se o Autor desempenhou as funções correspondentes a “Chefe de vendas” (recurso do Autor)
Alega o Autor que as funções que desempenhava para a Ré se enquadram na categoria profissional de “chefe de vendas”, tal como vem definida no Anexo II da CCT aplicável (outorgado entre a APEB e a FETESE, publicada no BTE n.º 26, 15/07/2009, por via da Portaria de Extensão nº 162/2010, 15/03, publicada no DR 1ª Série, n.º 51, de 15/03).
Em tal CCT é descrito o “chefe de vendas” como «o trabalhador que dirige e coordena um grupo de profissionais do mesmo agrupamento funcional de acordo com os procedimentos vigentes na empresa. Quando necessário pode assegurar temporariamente as funções de técnico de vendas».
Sobre tal questão escreveu-se na sentença recorrida:
«No caso vertente, a respeito das funções do A., apurou-se que o mesmo desempenhava as funções nos escritórios da R. e fora destes angariando clientes. No exercício das suas funções o A. que era o responsável pelo departamento comercial da central de betão-pronto, elaborava notas de encomendas dos clientes as quais transmitia ao escritório e à central de betão, cobranças que reportava à contabilidade, arquivava a documentação inerente à realização das suas tarefas e elaborava relatórios que apresentava ao legal representante da R. de quem recebia ordens.
Sucede que, contrariamente ao que exige a definição de chefe de vendas supra referida, não se apurou que o A. dirigisse um grupo de vendedores, resultando, ao invés, da instrução da causa que o A. era o único vendedor da R..
Por tal facto é de concluir que não provou o A. os requisitos necessários para que se concluísse ter a categoria de chefe de vendas e, por isso, não pode concluir-se que o mesmo tinha direito á retribuição prevista na CCT para tal categoria».
Vejamos.

Embora a lei seja omissa quanto ao conceito legal de categoria profissional, quer ao nível da doutrina quer ao nível da jurisprudência tem-se utilizado aquela expressão essencialmente em três acepções: categoria pré-contratual ou subjectiva, contratual ou de função e estatutária ou normativa.
Assim, a categoria pré-contratual ou subjectiva, como se depreende do artigo 4.º da LCT, artigo 113.º do CT/2003 e artigo 117º do CT/2009, relaciona-se com a carteira profissional e corresponde à qualificação ou habilitação profissional do trabalhador.
Nesta acepção a categoria relaciona-se apenas com o aspecto subjectivo do trabalhador, com a sua habilitação para o exercício de certa actividade, mas sem que daí se possa retirar qualquer vinculação do trabalhador a um contrato de trabalho.
A categoria-função, também denominada de contratual, corresponde ao conjunto de serviços e tarefas que formam o objecto do contrato de trabalho, ou seja, corresponde ao essencial das funções que o trabalhador se obrigou pelo contrato de trabalho ou pelas alterações decorrentes deste (artigo. 1.º da LCT, artigo 10.º do CT/2003 e artigo 11.º do CT/2009).
Finalmente a categoria-estatuto ou normativa define a posição profissional do trabalhador, tendo em conta as funções que efectivamente exerce na empresa e a sua correspondência com as tarefas que se encontram tipicamente descritas na lei ou em instrumento de regulamentação colectiva.
É neste domínio, como conceito normativo, categoria profissional institucionalizada, que a qualificação e exercício das funções se coloca e se pode falar de direito à categoria.
Refira-se que, conforme a jurisprudência e a doutrina têm vindo a entender de modo uniforme, a categoria profissional obedece aos princípios da efectividade (no domínio da categoria-função relevam as funções substancialmente pré-figuradas e não as meras designações exteriores), da irreversibilidade (do domínio da categoria estatuto, pois que uma vez alcançada certa categoria, o trabalhador dela não pode ser retirado ou despromovido) e do reconhecimento (a categoria-estatuto tem de assentar nas funções efectivamente desempenhadas pelo trabalhador).
Deverá corresponder ao essencial das funções a que o trabalhador se obrigou legalmente ou decorrentes de instrumentos de regulamentação colectiva, não sendo necessário que o trabalhador exerça todas as funções correspondentes a determinada categoria, mas sim que o núcleo essencial das funções desempenhadas pelo trabalhador se enquadre nessa categoria.
Importa a este propósito assinalar que o artigo 151.º, nºs 2 e 3 do CT/2003, e artigo 118.º, n.ºs 2 e 3 do CT/2009, veio conferir uma maior abrangência ao leque de funções que se poderão incluir na actividade contratada, podendo o empregador, sem necessidade de recurso à mobilidade funcional prevista no art. 314.º do CT/2003 e 120.º do CT/2009, determiná-las ao trabalhador.
Mas, não obstante, não pode o empregador, a título definitivo, manter uma categoria profissional inferior à correspondente às funções que o trabalhador passou a desempenhar.
Finalmente, cabe também referir que exercendo o trabalhador diversas actividades enquadráveis em diferentes categorias profissionais, a sua classificação deve fazer-se tendo em consideração o núcleo essencial das funções por ele desempenhadas ou a actividade predominante e, sendo tal diversidade indistinta, deve o trabalhador ser classificado na categoria mais elevada que se aproxima das funções efectivamente exercidas, ou seja, em caso de dúvida quanto à categoria profissional, a atracção deve fazer-se para a categoria profissional mais favorável ao trabalhador.

Como resulta do descritivo funcional de “chefe de vendas” o essencial das suas funções – diremos até que a pedra de toque de tal categoria profissional – centra-se na direcção e coordenação de um grupo de profissionais do mesmo agrupamento funcional, embora o trabalhador também possa assegurar temporariamente funções de “técnico de vendas”.
No caso em apreciação, sobre esta problemática e com interesse para a decisão desta questão, provou-se:
- O Autor desempenhava as funções nos escritórios da Ré e fora destes angariando clientes.
- No exercício das suas funções o Autor que era o responsável pelo departamento comercial da central de betão-pronto, elaborava notas de encomendas dos clientes as quais transmitia ao escritório e à central de betão, cobranças que reportava à contabilidade, arquivava a documentação inerente à realização das suas tarefas e elaborava relatórios que apresentava ao legal representante da Ré, de quem recebia ordens.
- Fazia-o sem sujeição a horário de trabalho.
- Para o exercício das funções desde, pelo menos, desde 3 de Dezembro de 2002, a Ré. atribuiu, permanentemente, ao Autor o veículo automóvel de marca “Ford Focus”, com a matrícula … através do qual contactava/angariava clientes junto das respetivas moradas.
Ora, tal como se refere na sentença recorrida, contrariamente ao que exige a definição de chefe de vendas não resulta da matéria de facto dada como provada que o Autor dirigisse um grupo de vendedores.
Na referida decisão acrescenta-se até que resultou da instrução da causa que o Autor era o único vendedor da Ré.
Perante este quadro, não se tendo provado que existisse mais do que um vendedor estava inviabilizado o desempenho da coordenação, por absolutamente desnecessário.
Por outro lado, as restantes funções desempenhadas pelo A. como responsável pelo departamento comercial da central de betão-pronto, elaboração de notas de encomendas dos clientes as quais eram transmitidas ao escritório e à central de betão, cobranças que eram reportadas à contabilidade, arquivo de documentação inerente à realização das suas tarefas e elaboração de relatórios que apresentava ao legal representante da R. de quem recebia ordens, não se enquadram no conteúdo funcional de um chefe de vendas.
Por isso, forçoso é concluir que o Autor não provou ter jus à categoria profissional de “chefe de vendas”.
Improcedem, consequentemente, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

4. Da resolução do contrato de trabalho (recurso do Autor)
A sentença recorrida, no que merece o aplauso da Ré, concluiu pela inexistência de justa causa para a resolução do contrato por parte do Autor.
Respiga-se para tanto, no essencial, a seguinte fundamentação:
«No caso vertente apurou-se que a retribuição base do A. era de € 598,55 e que a R. não lhe pagou as retribuições correspondentes aos subsídios de férias e de natal referentes aos anos de 2012 e 2013.
Apurou-se também que, por correio registado, recebido pela R. em 25 de Fevereiro de 2014, o A. remeteu á R. o escrito de fls. 41 cujo teor se dá por reproduzido comunicando-lhe que “ denuncio unilateralmente o meu contrato, com justa causa, nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do art.394º do Código de Trabalho (…) por falta culposa de pagamento de retribuições há mais de sessenta dias, designadamente as (…):- subsidio de férias referente ao ano de 2012, subsidio de natal referente ao ano de 2012, subsidio de férias referente ao ano de 2013, subsidio de natal referente ao ano de 2013 (…)”.
(…)
Diremos, desde logo que, o supra exposto permite concluir que, à data da resolução, o subsídio de natal de 2012 e 2013 estava em mora há mais de sessenta dias. Acresce que, apesar de se não ter apurado quando é que o A. gozou férias, face ao constante no art.240º do Código de Trabalho, o subsídio de férias de 2012 também já estava em mora há mais de 60 dias (não podendo afirmar-se que a mora, também, subsistia quanto ao de 2013 na medida em que as férias podiam ser gozadas até Abril de 2014).
A falta de pagamento dos subsídios supra referidos tem, pois, de considerar-se culposa.
Mas e será que a mesma assume tal gravidade que, pelas suas consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral?
Entendemos que não na medida em que, assumindo o subsídio de natal e de férias a qualidade de retribuição (em face do que dispõe o art. 258º do Código de Trabalho), não se olvida, também, que se trata de complementos da retribuição-base – esta sim destinada a garantir as necessidades básicas do trabalhador - e quanto a esta não se apurou que estivesse em dívida. Por tal facto, tendo-se provado a falta de pagamento dos subsídios, mas nada se tendo apurado a respeito de consequências de tal falta na vida do A., não se pode concluir que o seu não pagamento tornava imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
Em face do exposto não pode, pois, concluir-se pela existência de justa causa na resolução do contrato de trabalho pelo A. (que, não obstante, se tornou eficaz logo que a declaração de resolução foi recebida pelo R.) e, consequentemente, não pode condenar-se o R. a pagar-lhe qualquer indemnização pela sua cessação.
Tem, no entanto, a R. que proceder ao pagamento dos subsídios em falta aos quais acrescerão juros de mora, á taxa legal, actualmente de 4% desde a data da citação ( em face do pedido) e até efectivo e integral pagamento ( cfr. art. 804º, 805º nº 2 al. a) e 806º do Código Civil)».
Da referida transcrição resulta que a sentença recorrida, embora reconhecendo que estavam em falta há mais de 60 dias o subsídios de férias de 2012 e os subsídios de Natal de 2012 e de 2013 - os quais integram a retribuição do trabalhador – concluiu, contudo, que se trata de complementos da retribuição base e não se provou que se destinassem a satisfazer as necessidades básicas do trabalhador, pelo que a falta de pagamento dos mesmos não tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Ressalvado o devido respeito por tal interpretação, não podemos acompanhar a mesma.
Expliquemos porquê.

Como decorre do disposto no artigo 394.º, do Código do Trabalho/2009 (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro) ocorrendo justa causa pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato (n.º 1).
No mesmo preceito procede-se à distinção entre a justa causa subjectiva, ou culposa (n.º 2) e a justa causa objectiva, ou não culposa (n.º 3), sendo que só quando a resolução se fundamenta em conduta culposa do empregador tem o trabalhador direito a uma indemnização.
A justa causa é apreciada nos termos previstos no n.º 3 do artigo 351.º, do Código do Trabalho, com as necessárias adaptações, ou seja, tendo em conta o quadro de gestão da empresa, o grau de lesão dos interesses do trabalhador, o carácter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
Porém, como adverte Maria do Rosário Palma Ramalho (Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Edição, Almedina, pág. 1011) não poderão apreciar-se tais elementos em moldes tão estritos e exigentes como no caso da justa causa disciplinar: a dissemelhança entre as figuras do despedimento disciplinar e da resolução do contrato por iniciativa do trabalhador assim o impõem.
Isto é, e dito de outro modo: na apreciação de justa causa de resolução pelo trabalhador o grau de exigência tem de ser menor que o utilizado na apreciação de justa causa de despedimento – uma vez que o trabalhador perante o incumprimento contratual do empregador não tem formas de reacção alternativas à resolução, enquanto este perante o incumprimento contratual do trabalhador pode optar pela aplicação de uma sanção conservatória do vínculo laboral, em detrimento da sanção mais gravosa de despedimento.

De acordo com o que se encontra estatuído no referido artigo 394.º, exigem-se três requisitos para que se verifique uma situação de justa causa subjectiva para a resolução do contrato com justa causa:
(i) um requisito objectivo, traduzido num comportamento do empregador violador dos direitos ou garantias do trabalhador;
(ii) um requisito subjectivo, consistente na atribuição desse comportamento ao empregador;
(iii) um requisito causal, no sentido de que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Deste modo, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, ou seja, é necessária a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral
Como princípio geral, a culpa do empregador presume-se, nos termos do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, de acordo com o qual «incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o incumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua».
Por isso, quando ocorra a violação de um qualquer dever contratual por parte do empregador, vale a regra ínsita no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, o que significa que, demonstrados os comportamentos que configuram, na sua materialidade, violação de deveres contratuais imputados ao empregador (cuja prova, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, compete ao trabalhador), a culpa do mesmo presume-se, havendo de ter-se por verificada, caso a presunção não seja ilidida pelo empregador.
Todavia, a lei expressamente qualifica de culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta até ao termo daquele prazo (n.º 5 do artigo 394.º).
Como assinala Leal Amado (Contrato de Trabalho, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 460), «neste tipo de casos, em que a mora do empregador excede estes marcos temporais, mais do que uma mera presunção juris tantum de culpa, estabelece-se uma ficção legal de culpa patronal na falta de pagamento da retribuição (a qual, portanto, não admite prova em contrário)».
Na verdade, como se afirmou, tendo em conta que de acordo com os princípios gerais se presume a culpa do empregador nos termos do artigo 799.º, do Código Civil, incumbindo, por isso, a este provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua, seria destituído de sentido que no aludido n.º 5 do artigo 394.º do Código Trabalho, designadamente quando a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por período de 60 dias, se estabelecesse novamente uma presunção ilidível de culpa.
Mas, como também já se afirmou, a justa causa de resolução é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações (n.º 4 do artigo em referência): isto é, da existência de culpa no não cumprimento pontual de uma obrigação não decorre, forçosamente, justa causa para a resolução do contrato pelo trabalhador; esta terá de aferir-se nos termos do n.º 3 do artigo 351.º do Código do Trabalho, por remissão feita pelo n.º 4 do artigo 394.º, pelo que deve atender-se ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre este e a sua entidade empregadora, aos demais envolvimentos e circunstâncias precedentes e posteriores ao comportamento invocado como constituindo justa causa [neste sentido, e embora no domínio da anterior legislação, podem ver-se, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 02-04-2008 (Proc. n.º 2904/07 – 4.ª Secção) e de 18-02-2009 (Proc. n.º 3442/08 – 4.ª Secção), ambos disponíveis em www.dgsi.pt].
Tudo isto com o fim de apurar se a violação culposa por parte do empregador tornou praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

No caso em apreciação, não parece oferecer dúvidas que se verificam os dois primeiros requisitos mencionados para a justa causa de resolução, ou seja, o não pagamento do subsídio de férias de 2012 e dos subsídios de Natal de 2012 e 2013 (requisito objectivo), não pagamento esse imputável à empregadora (requisito subjectivo).
A dúvida suscita-se em relação ao nexo causal entre tal comportamento e a resolução do contrato (3.º requisito), o mesmo é dizer se tal comportamento da empregadora, pela sua gravidade e consequências tornou praticamente impossível a subsistência da relação do trabalho.

A este propósito, refira-se, em breve parêntesis que a exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer opina pela anulação da sentença, a fim de se apurarem factos tendentes à verificação ou não de justa causa de resolução.
Porém, lendo e relendo a petição inicial e a contestação, e tendo em conta o princípio do dispositivo, não se detecta que outros factos concretos devessem ser apurados: na verdade, é certo que de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 72.º do CPT, findos os debates, pode o tribunal mandar ampliar a matéria de facto, desde que seja articulada, resulte da discussão e seja relevante para a boa decisão da causa; contudo, como disse, do articulado das partes, para além da matéria de facto provada, não se vislumbra qualquer outra factualidade alegada que pudesse ser apurada.

Fechado o parêntesis, vejamos o que resulta da matéria de facto:
- o Autor auferia a retribuição mensal base de € 598,55 (n.º 3);
- a Ré não procedeu ao pagamento dos subsídios de férias e de Natal de 2012 e 2013, os quais totalizam € 2.394,20 (n.º 17);
- em razão de tal facto, o Autor resolveu o contrato de trabalho por carta datada de 17-02-2014, recebida pela Ré no dia 25 do mesmo mês e ano (n.ºs 15 e 16).
É incontroverso que os subsídios em causa integram a retribuição e que os subsídios de Natal de 2012 e 2013, bem como do subsídio de férias de 2012 se encontravam em falta há mais de 60 dias, daí resultando a presunção, inilidível de culpa da entidade empregadora.
A retribuição mensal que o Autor auferia situava-se próximo do salário mínimo nacional: por isso, é expectável, tendo em conta as regras da normalidade e da experiência comum, que fosse com os subsídios em causa que o Autor tivesse também que fazer face às despesas familiares básicas.
Daí que não se vislumbre razão para fazer a distinção – como faz a sentença recorrida – entre a retribuição base, destinada a garantir as necessidades básicas do trabalhador, e os subsídios em causa, como mero complemento daquelea.
Aliás, a realidade vivenciada por muitos trabalhadores, com parcos rendimentos do trabalho, parece afastar-se de tal distinção: basta para tanto ter em conta que a partir de 2013 se tem generalizado o recebimento pelos trabalhadores de tais subsídios ao longo do ano, em duodécimos, permitindo assim que (também) com tais subsídios possam fazer face aos encargos do dia-a-dia.
Como se assinalou, entre outros, no acórdão deste tribunal de 13-10-2016, relatado pelo aqui 1.º adjunto (Proc. n.º 1472/15.4T8FAR.E1, disponível em www.dgsi.pt), em que também estava em causa na apreciação da justa causa de resolução do contrato a falta de pagamento de subsídios de férias e de Natal (equivalentes a um mês e meio de salário mensal), «(…) para a generalidade das pessoas que vive dos rendimentos do seu trabalho, sobretudo quando estes são particularmente baixos, como aqui sucede (em 2013 e 2014 a A. auferia o salário de € 500,00/mês), será de somenos importância qual é o título da prestação remuneratória que possam receber, mas é de particular relevância qual é o montante total da retribuição que possam auferir. Para a grande maioria das famílias portuguesas o valor de um mês e meio de salário de um dos seus membros não é obviamente despiciendo, e a falta do mesmo no rendimento anual afeta negativa e necessariamente o orçamento familiar».
No caso dos autos estava em causa a falta de pagamento equivalente a três salários mensais (subsídio de Natal de 2012 e 2013 e subsídio de férias de 2012): tais prestações, tendo em conta a retribuição mensal do Autor, afectaram necessariamente o orçamento familiar do Autor, pondo em causa a subsistência da relação de trabalho.
Por isso, entende-se por verificada a justa causa de resolução do contrato de trabalho.
Quanto ao montante da indemnização, como estipula o n.º 1 do artigo 396.º do CT, deve ser fixado entre 15 e 45 dias da retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador; e no caso de fracção de antiguidade, o valor é calculado proporcionalmente (n.º 2 do mesmo artigo).
Ora, no caso, e por um lado, não resulta provado um elevado grau de ilicitude da conduta culposa da empregadora, sendo que a culpa provém da presunção legal [artigo 799.º do CC e artigo 127.º, n.º 1, alínea b), do CT]; por outro, o trabalhador tinha significativa antiguidade ao serviço da empregadora (18 anos e 54 dias).
E tendo ainda em conta o montante das prestações em falta, julga-se adequado fixar o valor da indemnização em 20 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fracção de antiguidade, o que determina uma indemnização total de € 7.241,64 [(€ 5.998,55X20:30x18 anos) + (€598,55x20:30:365x54 dias)].
Procedem, por isso e parcialmente, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

5. As custas do recurso da Ré deverão ser por ela suportadas, e as custas do recurso do Autor deverão ser suportadas na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 2/3 para o Autor e em 1/3 para a Ré (artigo 527.º do CPC).

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em:
1. negar provimento ao recurso interposto pela Ré;
2. julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor e, em consequência, declarando a existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho, condena-se a Ré a pagar àquele, a título de indemnização prevista no artigo 396.º do CT, a quantia de € 7.241,64, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
3. quanto ao mais, mantém-se a sentença recorrida.
Custas pela Ré em relação ao recurso por ela interposto, e por ambas partes, na proporção do respectivo decaimento - que se fixa em 2/3 para o Autor e em 1/3 para aquela - em relação ao recurso deste.
Isto sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido ao Autor.
*
Évora, 11 de Janeiro de 2017
João Luís Nunes (relator)
Alexandre Ferreira Baptista Coelho
Moisés Pereira da Silva