Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOÃO SOUSA E FARO | ||
Descritores: | INABILIDADE DAS TESTEMUNHAS NOTÁRIO SIGILO PROFISSIONAL DECLARAÇÕES DE PARTE | ||
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Data do Acordão: | 11/22/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - Não são inábeis como testemunhas as pessoas que estejam vinculadas ao segredo profissional relativamente aos factos abrangidos pelo sigilo: têm é o dever de se recusar a depor sobre os mesmos; II -Ainda que não o faça, nem por isso a testemunha integrante da categoria de pessoas vinculadas ao segredo profissional pode ser de antemão impedida de depor, ou seja, antes de se saber se os factos sobre os quais será questionada se inscrevem no tipo de situações ou de elementos abrangidos pelo segredo; só nesse caso o juiz deve evitar a divulgação pública de tais factos sigilosos, proibindo a sua revelação. III - Está fora do alcance do sigilo profissional do notário a revelação de facto já divulgado através do documento autêntico entretanto tornado público. IV - A inutilidade da prova por declarações de parte não é, no ordenamento jurídico português, fundamento da sua não admissão ou rejeição nem podendo a parte ser cerceada do direito de assistir ao julgamento para que as declarações de parte possam ter, na perpectiva do Tribunal, algum préstimo. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I- RELATÓRIO 1. BB, A. (habilitada no lugar de CC) nos autos à margem identificados nos quais figura como R. CC, não se conformando com os despachos de 21/02/2018 e 27/02/2018, que considerou, o primeiro, a testemunha DD inábil para depor nos termos dos artigos 195.º, n.º1, parte final, e 497.º, n.º1, ambos do CPC, e, o segundo, que indeferiu as declarações de parte da ora Recorrente por se tratar de acto inútil e, por isso, proibido por Lei, nos termos do artigo 139.º do CPC, deles interpôs recurso que concluiu como segue: “A) A testemunha DD foi a notária responsável pelo testamento da Autora CC, entretanto falecida, em 15 de Setembro de 2016 e que se encontra junto aos autos com o requerimento de Habilitação de Herdeiros. B) No entanto, o facto de ter conhecido a falecida no exercício das suas funções não significa, só por si, que o seu depoimento viole os seus deveres deontológicos e profissionais de notário ou que esteja a coberto do segredo profissional. C) Com efeito, as questões a que a Dr.ª DD teria de responder eram de carácter genérico (incidiam essencialmente sobre os cuidados a observar aquando da realização dos testamentos para avaliar a capacidade do testador, bem como a de saber como foi avaliado no caso a capacidade da Autora e como a mesma se encontrava no dia do testamento), não incidiam sobre o teor do testamento, como se pode constatar supra, pelo que as respostas da testemunha não violariam os deveres deontológicos de notário, não sendo abrangidas pelo normativo legal que impede os notários de deporem sobre factos que tiveram conhecimento no exercício das suas funções. D) Sendo certo que, a avaliação da capacidade / incapacidade do testador para testar não é abrangida pelo segredo profissional (ver Acórdão do TRG de 19/12/2011, CJ 2011, T.V., pp 298). E) Acresce que o art.º 497.º, n.º 3, não estabelece qualquer inabilidade ou impedimento da testemunha que esteja sujeita a sigilo profissional. F) Com efeito, o juiz não pode, em princípio, com base nesse preceito, impedir o depoimento de quem se lhe apresente e pretenda depor, antes o deverá admitir valorando depois o depoimento, tendo em atenção essa particularidade. G) O preceito está concebido essencialmente para proteger o depoente e não para o impedir de depor, ou seja, constitui uma prerrogativa, não um impedimento (vide Ac. TRL de 18/09/2014, proferido no âmbito do processo 718/13.8TVLSB-B.L1.-2, disponível em www.dgsi.pt.) H) Por sua vez, nos termos do disposto do artigo 466.º, n.º1, do CPC, “as partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo.” I) Com as declarações de parte, ao contrário do que sucede com o depoimento de parte, não se visa obter nenhuma confissão, destinando-se, unicamente, a esclarecer factos que, no entender da parte, ainda não se encontrem suficientemente esclarecidos, ou que só o próprio é que consiga esclarecer. J) Ora, “a assistência” ou não da parte à audiência não é condição de admissão ou não de tal meio de prova, nem o torna só por si “inútil”, pelo que o tribunal não poderia indeferi-lo com tal justificação e muito menos alegando que a sua audição seria um acto inútil e, por isso, proibido por Lei, nos termos do artigo 139.º do CPC (o tribunal, sublinhe-se, alude a este artigo, embora o mesmo não tenha nada a ver com esta questão…). K) Aliás, as declarações de parte, na esmagadora maioria das vezes, só fazem sentido no final da audiência de julgamento e após a parte ter ouvido os depoimentos das diferentes testemunhas porque só, nessa altura, é que poderá surgir a necessidade de esclarecer factos que não estejam ainda suficientemente esclarecidos. L) Só por manifesta ingenuidade é que, hoje, alguém pode afirmar que o facto de a parte ter estado presente na audiência de julgamento pode pôr em causa a integridade das suas declarações como se o facto de não estar presente na audiência fosse garantia de que a parte não soubesse o que lá se passou. M) Ao recusar tal meio de prova com os fundamentos aduzidos no despacho, agiu o tribunal preconceituosamente relativamente à parte, valorando a sua credibilidade e integridade, sem antes sequer ouvir as suas declarações, o que não é de maneira nenhuma aceitável. N) Decidindo, como decidiu, violou o Exmo. Juiz, designadamente, o disposto nos artigos 195.º, n.º1, 466.º, n.º1 e 497.º todos do CPC. NESTES TERMOS, e porque só assim se fará justiça, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, serem revogados os doutos despachos recorridos, substituindo-se por outros que admitam o depoimento da testemunha DD e as declarações de parte da Recorrente.”.
II- FUNDAMENTAÇÃO 1. Os factos a considerar na decisão deste recurso são os que constam do antecedente relatório e, bem assim, que é o seguinte o teor da decisões proferidas pelo Tribunal “ a quo” no decurso da audiência final: 1.1. No dia 21.1.2018: “ Admito o incidente de impugnação de testemunha deduzido. Quanto ao invocado na mesma, a matéria sobre qual assenta já se mostra confessada nos autos, isto é, o facto da Senhora Notária apenas conhecido a Autora (falecida) no exercício das suas funções, aquando da realização do testamento já junto aos autos, não tendo tido qualquer outro contacto ou relação de proximidade/ parentesco com a mesma. Assim, passo a conhecer, nos termos do disposto no artigo 519.º n.º 3 do C.P.C. Nos termos do artigo 81.º da Lei n.º 155/2015, de 15 de Setembro “1 - O notário é obrigado a sigilo em relação a factos e elementos cujo conhecimento lhe advenha exclusivamente do exercício da profissão ou do desempenho de cargos na Ordem. 2 - Os factos e elementos cobertos pelo sigilo só podem ser revelados nos termos previstos na lei ou, ainda, por decisão da direção da Ordem, ponderados os interesses em conflito.” No artigo 497º do Código de Processo Civil, integrado na subsecção sobre as inabilidades para depor como testemunha, estabelece-se que: 1 - podem recusar-se a depor como testemunhas, salvo nas acções que tenham como objecto verificar o nascimento ou o óbito dos filhos: a) os ascendentes nas causas dos descendentes e os adoptantes nas dos adoptados, e vice-versa; b) o sogro ou a sogra nas causas do genro ou da nora, e vice-versa; c) qualquer dos cônjuges, ou ex-cônjuges, nas causas em que seja parte o outro cônjuge ou ex-cônjuge; d) quem conviver, ou tiver convivido, em união de facto em condições análogas às dos cônjuges com alguma das partes na causa; 2 - incumbe ao juiz advertir as pessoas referidas no número anterior da faculdade que lhes assiste de se recusarem a depor; 3 - devem escusar-se a depor os que estejam adstritos ao segredo profissional, ao segredo de funcionários públicos e ao segredo de Estado, relativamente aos factos abrangidos pelo sigilo, aplicando-se neste caso o disposto no n.º 4 do artigo 417º do Código de Processo Civil. Logo se nota que, ao contrário dos demais para quem a recusa a depor é meramente facultativa, quem esteja adstrito ao segredo profissional se deve recusar a depor. Deste modo bem se pode afirmar que o notário quando indicado para depor como testemunha relativamente a factos a que está obrigado a guardar segredo profissional, para cumprir esta obrigação, deve escusar-se a depor, deve recusar-se a depor, para se seguirem os adequados termos legais. Do já apurado nos autos resulta que a senhora notária teve conhecimento dos factos sobre os quais vai ser inquirida aquando do exercício de funções e apenas por causa delas, sendo alias a avaliação do estado mental de quem pretende praticar tal acto notarial (testamento) parte essencial das mesmas. Assim, tendo a senhora notária tido conhecimento dos factos sobre que era chamada a depor no exercício da sua profissão, não há duvida que esta obrigada a observar o sigilo profissional. Sendo assim, sucedendo que a notária, quando indicado para depor como testemunha relativamente a factos a que está obrigada a guardar segredo profissional, não apresente escusa, visto o disposto no artigo 513º do Código de Processo Civil, deve-se admitir que parte, contra a qual foi indicado como testemunha, possa impugnar a admissão do seu depoimento. O que sucedeu. Como decorre do artigo 515º, n.ºs, 1 e 2, do Código de Processo Civil, a impugnação deve ser deduzida logo que termine o interrogatório preliminar e, sendo admitida, se a testemunha, perguntada à matéria de facto, a confessar, o tribunal, sem necessidade de outras provas, decide imediatamente se a testemunha deve depor. Ora, quanto a tal, mostra-se apurada a factualidade necessária para tanto. Assim, enquanto esta obrigação subsistir por o dever de segredo não ter sido levantado, cumpre entender que o notário é inábil para depor como testemunha relativamente aos factos a que está obrigado a guardar segredo profissional. Desta forma, se a notária, quando indicado para depor como testemunha relativamente a factos a que está obrigado a guardar segredo profissional, não apresente escusa e caso se aperceba da ocorrência, visto o disposto no artigo 513, º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o tribunal deve obstar ao depoimento- Vd. Ac. S.T.J., de 20/9/2007, processo 07B2224, www.dgsi.pt. De resto, ponderando o disposto nos artigos 195º, n.º 1, parte final, 497, n.º 1 do C.P.C, é nulo o depoimento que o solicitador produza como testemunha sobre facto a que está obrigado a guardar segredo profissional. Com efeito esse depoimento, não podendo fazer prova em juízo, acaba por poder ser indevidamente considerado no exame e decisão da causa. Pelo que declaro a testemunha inábil para depor, determinando a sua não audição como tal nos autos. Sem custas, atenta a simplicidade. Notifique.”. 1.2. No dia 27.2.2018: “ Estabelece o artigo 466º, nº 1 do NCPC que: «As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto.» Este inovador meio de prova, dirige-se, primordialmente, às situações de facto em que apenas tenham tido intervenção as próprias partes, ou relativamente às quais as partes tenham tido uma percepção directa privilegiada em que são reduzidas as possibilidade de produção de prova (documental, testemunhal ou pericial), em virtude de terem ocorrido na presença circunscrita das partes. E, sujeitá-las a arrolar testemunhas sem conhecimento directo, que apenas reproduzam o que teriam ouvido dizer ou que expressem a sua opinião, tem reduzido interesse e muito limitado valor processual. Acresce que, tais declarações serão sempre livremente apreciadas pelo tribunal, conforme resulta do nº 3 do artigo 466º do NCPC, na parte em que não representem confissão. Como esclarece JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A acção Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013, 278, a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, maxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas. Na verdade, este meio de prova, dirige-se, primordialmente, às situações de facto em que apenas tenham tido intervenção as próprias partes. Quanto a tal, por um lado, cumpre dizer que os habilitados não são, nos termos assim previstos, partes, na medida em que o interesse inicial directo em demandar não era dos mesmos, nem os mesmos tiveram intervenção pessoal no âmbito previsto na norma. Mas como é consabido, e resulta do nº 1 do artigo 352º e nº 2 do artigo 356º, ambos do Código Civil, que o depoimento de parte constitui um meio de provocar a confissão judicial, ou seja, o reconhecimento de factos que é desfavorável à parte que o presta, e aproveita à parte contrária. Todavia, é já hoje aceite por numerosa jurisprudência que as declarações de qualquer uma das partes, proferidas em depoimento de parte, ainda que não sejam susceptíveis de levarem à confissão, não impedem o Tribunal de se socorrer das mesmas para melhor esclarecer e apurar a verdade dos factos, estando sujeitas à livre apreciação do julgador, ao abrigo do disposto no artigo 361º do C.C., conjugadas com os demais meios probatórios. A parte que requer e presta declarações fica sujeita ao dever de cooperação e verdade, submetendo-se a interrogatório conduzido pelo Julgador, podendo os advogados apenas solicitar esclarecimentos. O que na presente situação já não se mostra possível. Na verdade, antes de iniciada a diligência, e apercebendo-se o Tribunal de que era intenção do ilustre mandatário da autora/habilitados mantê-los a assistir a audiência, advertiu expressamente o mesmo de que, caso fosse sua intenção requerer tal meio de prova, deveria retirar da sala os mesmos, sob pena de indeferimento. Não obstante, entendeu o ilustre causídico manter os mesmos a assistir a audiência. Assim, e aqui chegados, a acumular ao supra dito quanto a não abrangência de tal meio de produção de prova aos mesmos, acresce que, mesmo que assim não se entendesse, os mesmos habilitados não estão em condições de, de forma espontânea, prestar declarações e esclarecimentos, por já ter assistido todos os prestados em diligência, retirando assim toda credibilidade/utilidade do mesmo meio. Na verdade, tal situação é a similar a prevista no artigo 458.º n.º 1 do C.P.C, sendo que ali o legislador ali previu expressamente a ausência de contacto entre os intervenientes processuais. Desta forma, proceder a audição dos mesmos, quando toda a prova produzida já foi assistida, é acto inútil e por isso, proibido por Lei, nos termos do artigo 139.º do C.P.C. É que, importa não olvidar, para além de a instrução dever ter por objecto factos necessitados de prova (cfr. artº 410º, do CPC), acresce ainda que ao juiz cumpre recusar o que for impertinente ou meramente dilatório (artº 6º, nº1, do CPC), o que aqui sucede. Assim, indefiro o meio de prova requerido, pelos fundamentos agora expostos.”. 2. Do mérito do recurso |