Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MOREIRA DAS NEVES | ||
Descritores: | PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL CRIME TENTADO ARGUIDO JULGADO NA AUSÊNCIA CONTUMÁCIA EFICÁCIA ERGA OMNES | ||
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Data do Acordão: | 02/28/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I. A prescrição do procedimento criminal constitui um pressuposto negativo da punição, a qual tem por efeito a extinção do respetivo procedimento, em virtude do decurso de certo período de tempo. II. Para efeito da aferição do prazo de prescrição, na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime, são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime, mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes (118.º, § 2.º CP). III. A atenuação por via da tentativa, porque imposta direta e obrigatoriamente pela lei (artigos 23.º, § 3.º e 73.º, § 1.º, al. a) CP), não pode deixar de ser levada em conta na aferição do prazo de prescrição do procedimento criminal. IV. O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado. Mas interrompe-se sempre que se verifique um dos factos previstos no § 1.º do artigo 121.º CP, começando a correr novo prazo depois de cada interrupção. E suspende-se na verificação de alguma das causas previstas nas alíneas do § 1.º do artigo 120.º CP. V. A declaração de contumácia tem efeitos erga omnes (sendo proferida num processo vigora em todos os demais que estejam pendentes) – o que desde logo se infere do disposto nos artigos 335.º, § 2.º e 337.º, § 6.º CPP, dos éditos (incluindo no Diário da República) e do registo único de contumazes, podendo ser decretada pelos Tribunais de Execução de Penas (cf. 114.º, § 3., al. v) LOSJ e anteriormente 124.º, § 2.º, al. g) LFFTJ), sendo simultaneamente causa de suspensão e de interrupção da prescrição (artigos 120.º, § 1.º, al. c) e 121.º, § 1.º, al. c) CP). VI. Não se verifica a prescrição do procedimento criminal se entre a data da última interrupção do prazo prescricional e a data da notificação da condenação ao arguido julgado na ausência, descontado o tempo em que o prazo de prescrição esteve suspenso, não decorreu o prazo normal da prescrição acrescido de metade (artigo 121.º, § 3.º CP). | ||
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Decisão Texto Integral: | I - RELATÓRIO 1. AA, nascido a …/…/1989, com os demais sinais dos autos, foi regulamente julgado na ausência e, a final, condenado por sentença proferida a 27/11/2013, pela prática de um crime de extorsão na forma tentada, previsto no artigo 223.º, § 1.º do Código Penal (CP). A sentença só lhe veio a ser notificada no dia 15/7/2022, após se tornar conhecido o seu paradeiro. O arguido recorreu da sentença suscitando a questão da prescrição do procedimento criminal, rematando a respetiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «A - Os factos pelos quais o arguido vem condenado ocorreram no dia 24 de Janeiro de 2010; B - O arguido foi notificado da acusação onde lhe foi imputada a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de extorsão previsto e punido pelo art. 223º do Código Penal, em 04.07.2012. C - O crime imputado é punível com prisão até cinco anos, contudo o arguido foi absolvido do crime de que vinha acusado e condenado no crime de extorsão na forma tentada ao abrigo do disposto no art. 22º, 23º, 73º e 223º do Código Penal, D - Pelo que, em conformidade com o disposto no art. 73º do Código Penal, o que determina que o prazo de prescrição do respectivo procedimento seja de cinco anos, nos termos do disposto no art. 118º, nº 1, c) do C. Penal; E - O prazo de prescrição do procedimento interrompeu-se em 04.07.2012 com a notificação da acusação e esteve, simultaneamente, suspenso pelo período de três anos, conforme disposto no art. 120º, nºs 1, b) e 2 do C. Penal; F - Porque após a notificação da acusação não voltou a ocorrer qualquer outra causa de interrupção do prazo de prescrição do procedimento, a prescrição do procedimento ocorreu cinco anos depois, ressalvado o período de suspensão e, portanto, a 04.07.2020; G - Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 119º, nº 1, 120º, nºs 1, b) e 2 e 121º, nº 1, b) e 2, todos do C. Penal, o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se consumou, interrompe-se e suspende-se, simultaneamente, pelo período máximo de três anos, com a pendência do procedimento após a notificação da acusação, passando a correr, depois, novo prazo de prescrição. H - A Lei nº 19/2013, de 21 de Fevereiro, que procedeu á alteração do C. Penal, introduziu nova causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, estabelecendo na alínea e) do nº 1 do art. 120º do citado código que a prescrição do procedimento criminal se suspende durante o tempo em que, a sentença condenatória, após a notificação do arguido, não transitar em julgado , fixando no nº 4 do mesmo artigo que, neste caso, a suspensão não pode ultrapassar cinco anos, ou dez anos, caso tenha sido declarada a excepcional complexidade. I - Contudo o regime aplicável à prescrição do procedimento criminal é o vigente à data da consumação do facto, excepto se lei posterior for mais favorável. J - Os factos ocorreram a 24 de Janeiro de 2010, iniciando-se então a contagem do prazo normal de prescrição, que é o de cinco anos, K - O arguido foi notificado da acusação por via postal simples com prova de depósito, 04.07.2012, data esta em que se interrompeu o prazo de prescrição em curso (art. 121º, nº 1, b) do C. Penal). L - Por outro lado, também com a notificação da acusação se suspendeu a contagem do novo, suspensão que se manteve por três anos (art. 120º, nºs 1, b) e 2 do C. Penal), o que significa que o prazo de prescrição só voltou a correr em 04.07.2015. M - E assim, não tendo ocorrido qualquer outra causa de interrupção ou de suspensão do procedimento pois, a notificação ao arguido da sentença condenatória, enquanto causa inovadora de suspensão, nos termos da alínea e) do nº 1 do art. 120º do C. Penal (na redacção da Lei nº 19/2013, de 21 de Fevereiro), porque constitui lei nova, posterior á pratica dos factos e menos favorável, não pode ser aplicável, N - Pelo que o novo prazo de cinco anos iniciado em 04.07.2015 atingiu o seu limite em 04.07.2020. O - Pelo que a prescrição do procedimento criminal nos autos exercido contra o arguido ocorreu nessa data. P - Pelo que deverá em conformidade ser declarado extinto por prescrição o procedimento criminal contra o arguido, o que se requer. Q - Sob pena de violação do disposto nos arts. 118º, 119º,120º do Código Penal e bem assim de inconstitucionalidade por violação das garantias de defesa, assegurados pelos arts. 20º e 32º do Constituição da república Portuguesa. Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por V. Exas. deve conceder-se provimento ao presente recurso, fazendo-se a costumada JUSTIÇA!» 2. Admitido o recurso, o Ministério Público respondeu pugnando pela sua improcedência, aduzindo, em síntese, que (transcrição): «1 - O recorrente foi notificado da sentença proferida a 27 de novembro de 2013 pelo Tribunal Judicial do …, no âmbito do processo n.º 24/10.0GBCTX, pela qual foi condenado pela prática de um crime de extorsão na forma tentada. 2 - É alegado pelo recorrente que “o crime imputado é punível com pena de prisão até cinco anos, contudo o arguido foi absolvido do crime que vinha acusado e condenado no crime de extorsão na forma tentada ao abrigo do disposto no artigo 22.º, 23.º, 73.º e 223.º do Código Penal”, concluindo que “em conformidade com o disposto no artigo. 73.º do Código Penal, o que determina o prazo de prescrição do respetivo procedimento seja de cinco anos, nos termos do disposto no art.º 118.º, n.º 1, c) do C. Penal”. 3 - O Ministério Público deduziu acusação contra o recorrente por este se encontrar suficientemente indiciado pela prática de um crime de extorsão, previsto e punido pelo artigo 223.º do Código Penal, tendo este vindo a ser condenado pela prática daquele mesmo crime de extorsão, muito embora na forma tentada. 4 - A prática de um crime na forma tentada não configura um tipo de crime diferente daquele que é praticado na forma consumada. 5 - Tendo sido o recorrente condenado pela prática de um crime de extorsão previsto pelo artigo 223º do Código Penal, punido, nos termos do nº 1 do mesmo artigo, com pena de prisão de seis meses a cinco anos, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de dez anos, nos termos do artigo 118.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal. 6 - O artigo 118.º, n.º 2, do Código Penal, estipula que “para efeito do disposto no número anterior, na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime, mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes”. 7 - Quer isto dizer que, o facto de o crime ter sido cometido na forma tentada, havendo lugar, desta forma, a atenuação da pena, o que configura uma circunstância atenuante nos termos dos artigos 23.º, n.º 2, e 73.º, ambos do Código Penal, esta alteração da moldura penal não releva para a determinação do prazo da prescrição do procedimento criminal. 8 - As circunstâncias agravantes ou atenuantes a que se refere o aludido artigo 118.º, n.º 2, do Código Penal, são todas aquelas previstas na Parte Geral do Código Penal, sendo apenas excecionadas as circunstâncias agravantes ou atenuantes previstas na Parte Especial do Código Penal que deram origem a novos tipos, privilegiados ou qualificados. 9 - Assim, tendo o recorrente sido condenado pela prática de um crime de extorsão, ainda que na forma tentada, punido com pena de prisão até cinco anos, nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do Código Penal, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de dez anos, atendendo ao disposto no artigo 118.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do código penal. 10 - Desta forma, tendo em conta que a última causa de interrupção da prescrição ocorreu a 8 de maio de 2015, por efeito da declaração de contumácia, nos termos do artigo 121, nº 1, alínea c), do Código Penal, e não com a notificação da acusação como alega o recorrente, tendo começado a correr novo prazo de prescrição nos termos do número 2 do mesmo artigo, e ainda que não se verifica o disposto no artigo 121, n 3, do Código Penal, podemos concluir que o procedimento criminal não se encontra prescrito.» 3. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância, na intervenção a que alude o artigo 416.° do CPP, emitiu parecer no sentido de o recurso não ser merecedor de provimento. 4. No exercício do contraditório o recorrente nada acrescentou. 5. No dia 10 de janeiro de 2023 o recurso veio a ser rejeitado por decisão sumária do relator, em razão da sua manifesta improcedência, porquanto contando-se o prazo prescricional do procedimento desde a data da prática do facto ilícito (24/1/2010); o mesmo veio a ser interrompido com a notificação da acusação (a 4/7/2012); e no dia em que foi declarado contumaz (8/5/2015) – cf. artigo 121.º, § 1.º, als. b) e c) CP. E que, a mais disso, aquele prazo esteve suspenso: - a partir de 27/11/2013 (data da leitura da sentença, que lhe não foi notificada em razão da sua ausência voluntária sem paradeiro conhecido) até ao dia 15/7/2022 (data da sua notificação); - mesmo se não se considerasse a referida data da leitura da sentença, sempre se teria de considerar suspenso o prazo de prescrição a partir de 8/5/2015 (declaração de contumácia) (1) até
15/7/2022 (data da notificação da sentença) – cf. artigos 120.º, § 1.º, al. c) CP; e 336.º, § 1.º e 337.º, § 1.º, 5.º e 6.º CPP – circunstâncias estas que não parecem ter sido consideradas pelo recorrente. Daí que até à data da notificação da sentença condenatória (15/7/2022) o referido prazo de prescrição do procedimento criminal não se esgotou. Dadas os referidos marcos determinantes das interrupções do prazo de prescrição e das suspensões do mesmo, correspondendo o prazo máximo de prescrição do procedimento é de 7 anos e 6 meses (prazo ordinário de 5 anos, acrescido de metade - artigo 121.º, § 3.º CP), na data da notificação da sentença ao arguido/recorrente (15/7/2022), o procedimento não se mostrava prescrito. 6. Veio agora o arguido/requerente reclamar para a Conferência, apresentando os seguintes fundamentos: A- Os factos pelos quais o arguido vem condenado ocorreram no dia 24 de janeiro de 2010; B- O arguido foi notificado da acusação onde lhe foi imputada a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de extorsão previsto e punido pelo art. 223º do Código Penal, em 04.07.2012. C- O crime imputado é punível com prisão até cinco anos, contudo o arguido foi absolvido do crime de que vinha acusado e condenado no crime de extorsão na forma tentada ao abrigo do disposto no art. 22.º, 23.º, 73.º e 223.º do Código Penal, D- Pelo que, em conformidade com o disposto no art. 73.º do Código Penal, o que determina que o prazo de prescrição do respectivo procedimento seja de cinco anos, nos termos do disposto no art. 118.º, n.º 1, c) do C. Penal; E- O prazo de prescrição do procedimento interrompeu-se em 04.07.2012 com a notificação da acusação e esteve, simultaneamente, suspenso pelo período de três anos, conforme disposto no art. 120.º, n.ºs 1, b) e 2 do C. Penal; F- Porque após a notificação da acusação não voltou a ocorrer qualquer outra causa de interrupção do prazo de prescrição do procedimento, a prescrição do procedimento ocorreu cinco anos depois, ressalvado o período de suspensão e, portanto, a 04.07.2020; G- Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 119.º, n.º 1, 120.º, n.ºs 1, b) e 2 e 121.º, nº 1, b) e 2, todos do C. Penal, o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se consumou, interrompe-se e suspende-se, simultaneamente, pelo período máximo de três anos, com a pendência do procedimento após a notificação da acusação, passando a correr, depois, novo prazo de prescrição. H- A Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro, que procedeu á alteração do C. Penal, introduziu nova causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, estabelecendo na alínea e) do n.º 1 do art. 120.º do citado código que a prescrição do procedimento criminal se suspende durante o tempo em que, a sentença condenatória, após a notificação do arguido, não transitar em julgado, fixando no n.º 4 do mesmo artigo que, neste caso, a suspensão não pode ultrapassar cinco anos, ou dez anos, caso tenha sido declarada a excecional complexidade. I- Contudo o regime aplicável à prescrição do procedimento criminal é o vigente à data da consumação do facto, exceto se lei posterior for mais favorável. J- Os factos ocorreram a 24 de janeiro de 2010, iniciando-se então a contagem do prazo normal de prescrição, que é o de cinco anos, K- O arguido foi notificada da acusação por via postal simples com prova de depósito, 04.07.2012, data esta em que se interrompeu o prazo de prescrição em curso (art. 121º, nº 1, b) do C. Penal). L- Por outro lado, também com a notificação da acusação se suspendeu a contagem do novo, suspensão que se manteve por três anos (art. 120.º, n.ºs 1, b) e 2 do C. Penal), o que significa que o prazo de prescrição só voltou a correr em 04.07.2015. M- E assim, não tendo ocorrido qualquer outra causa de interrupção ou de suspensão do procedimento pois, a notificação ao arguido da sentença condenatória, enquanto causa inovadora de suspensão, nos termos da alínea e) do nº 1 do art. 120.º do C. Penal (na redacção da Lei nº 19/2013, de 21 de fevereiro), porque constitui lei nova, posterior á pratica dos factos e menos favorável, não pode ser aplicável, N- Pelo que o novo prazo de cinco anos iniciado em 04.07.2015 atingiu o seu limite em 04.07.2020. O- Pelo que a prescrição do procedimento criminal nos autos exercido contra o arguido ocorreu nessa data. P- Pelo que deverá em conformidade ser declarado extinto por prescrição o procedimento criminal contra o arguido, o que se requer. Q- Sob pena de violação do disposto nos arts. 118.º, 119.º, 120.º do Código Penal e bem assim de inconstitucionalidade por violação das garantias de defesa, assegurados pelos arts. 20.º e 32.º do Constituição da república Portuguesa. Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por V. Exas. deve conceder-se provimento à presente reclamação para a conferência e em conformidade ser o recurso apresentado submetido e apreciado.» 5. Na vista dada ao Ministério Público nada se acrescentou. II – DA DECISÃO RECLAMADA A decisão reclamada tem, no essencial, o seguinte teor: «O curso do tempo tem reflexos, nomeadamente, ao nível da prescrição do procedimento criminal. A prescrição do procedimento criminal constitui um pressuposto negativo da punição, a qual tem por efeito, justamente, a extinção do procedimento, em virtude do decurso de certo período de tempo. O decurso do tempo, conforme refere Figueiredo Dias (2), é “sob certas condições, razão bastante para que o direito penal se abstenha de intervir ou de efetivar a sua reação”, uma vez que “a censura comunitária traduzida no juízo de culpa esbate-se se não chega mesmo a desaparecer”, tendo ainda reflexo nas exigências de prevenção especial que se mostram muito fortes logo a seguir ao cometimento do facto, começando progressivamente a desvanecer-se com o decurso do tempo. Dispõe o artigo 118.º CP, sobre os prazos de prescrição, que: “1. O procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos: (…) b) 10 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a 5 anos, mas que não exceda 10 anos; c) 5 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a 1 ano, mas inferior a 5 anos; (…) 2. Para efeito do disposto no número anterior, na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime, mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes.” Dispõe depois o artigo 119.º do mesmo código, quanto ao início do prazo, que: “1. O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.” O aludido prazo suspende-se nos casos previstos no artigo 120.º: “1. A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: (…) c) Vigorar a declaração de contumácia; d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência; (…) 6 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.” Interrompendo-se aquele prazo nos seguintes casos (artigo 121. CP): “a) Com a constituição de arguido; b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo; c) Com a declaração de contumácia; (…) 2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição. 3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 118.º, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a dois anos o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo.” 2.1 Marcos relevantes De acordo com o que se mostra documentado nos autos, os marcos relevantes para a questão a decidir são, então, os seguintes: - O recorrente foi condenado por um crime de extorsão na forma tentada, o qual é punível com pena de prisão até 3 anos e 4 meses (artigos 23.º, § 1.º e 73.º CP); - O facto ilícito fora praticado no dia 24/1/2010; - A acusação foi-lhe notificada no dia 4/7/2012; - No dia 27/11/2013 o arguido/recorrente foi regularmente julgado na ausência; - Nessa data não lhe foi notificada a sentença, em razão de o mesmo não ter comparecido à respetiva sessão da audiência, na qual aquela foi lida publicamente; nem o tendo sido posteriormente por se ter ausentando sem dar notícia do seu paradeiro e não tendo sido possível localizá-lo; - No dia 8/5/2015 foi declarada a contumácia; - A sentença recorrida veio a ser-lhe notificada a 15/7/2022 (conforme certificam os autos). 2.2 Apreciando A primeira asserção, necessária para clarificar o que turvo ainda se possa apresentar, é que para efeito da aferição do prazo de prescrição, na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime, são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime, mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes (118.º, § 2.º CP). O recorrente cometeu um crime de extorsão na forma tentada, o qual é punível com uma pena de prisão até 5 anos especialmente atenuada, isto é, o crime que efetivamente cometeu é punível com prisão até 3 anos e 4 meses (artigos 23.º, § 3.º e 73.º, § 1.º, al. a) CP). Contrariamente ao que sustenta o Ministério Público a atenuação por via da tentativa, porque imposta direta e obrigatoriamente pela lei (artigos 23.º, § 3.º e 73.º, § 1.º, al. a) CP), não pode deixar de ser levada em conta na aferição do prazo de prescrição do respetivo procedimento criminal. (3) Isto é, para efeitos do artigo 118.º o crime cometido pelo arguido é punível com pena de prisão até 3 anos e 4 meses. E, como assim, o prazo de prescrição do procedimento é de 5 anos – artigo 118.º, § 1.º, al. c) CP. Tal prazo prescricional conta-se desde a data da prática do facto ilícito (artigo 118.º, § 1.º CP), que foi a 24/1/2010; e interrompeu-se com a notificação da acusação (no dia 4/7/2012); e no dia da declaração de contumácia (8/5/2015) – cf. artigo 121.º, § 1.º, als. b) e c) CP. O que significa que em cada uma destas datas começou a correr novo prazo de prescrição (artigo 121.º, § 2.º CP). Mas aquele prazo também esteve suspenso por duas ordens de razões: - a partir de 27/11/2013 (data da leitura da sentença, que lhe não foi notificada em razão da sua ausência voluntária sem paradeiro conhecido) até ao dia 15/7/2022 (data da notificação); - mesmos que se não considerasse essa circunstância, sempre teria de se considerar que esteve suspenso a partir de 8/5/2015 (declaração de contumácia) (4) até 15/7/2022 (data da notificação da sentença) – cf. artigos 120.º, § 1.º, al. c) CP; e 336.º, § 1.º e 337.º, § 1.º, 5.º e 6.º CPP – circunstâncias estas que não parecem ter sido consideradas pelo recorrente. Ora, até à data da notificação da sentença condenatória ao arguido/recorrente o prazo de prescrição do procedimento criminal não se esgotou. E assim porquanto tal prazo foi interrompido em 4/7/2012, e em 8/5/2015, reiniciando-se em cada uma dessas ocasiões. Tendo estado suspenso durante todo o período que decorreu desde a data da leitura da sentença (27/11/2013) até à notificação desta ao arguido (15/7/2022); bem assim como durante todo o período da contumácia (de 8/5/2015 a 15/7/2022) - o qual se desconta integralmente (artigos 120.º, § 1.º, als. c) e d) CP e 121.º, § 3.º CP). Nestas circunstâncias, com interrupções do prazo de prescrição e suspensões do mesmo, o prazo máximo de prescrição do procedimento corresponderá ao prazo ordinário, que como vimos é de 5 anos, acrescido de metade (conforme preceitua o artigo 121.º, § 3.º CP), isto é, 7 anos e 6 meses. Ora, se tivermos em conta a data da prática dos factos (24/1/2010), o referido prazo máximo de prescrição (7 anos e 6 meses) e descontarmos os 8 anos, 7 meses e 12 dias de impossibilidade de notificação da sentença ao arguido (ou os 7 anos 2 meses e 7 dias - por via da suspensão em razão da contumácia), na data da notificação da sentença ao arguido/recorrente (15/7/2022), o procedimento não se mostrava prescrito. 3. Custas Em razão do decaimento total no recurso o recorrente deverá suportar taxa de justiça entre 3 e 10 UC (artigo 520.º, § 3.º CPP). III. Dispositivo Destarte e por todo o exposto: i) rejeita-se o recurso, em razão da sua manifesta improcedência; ii) Condena-se o recorrente nas custas a que deu causa, com taxa de justiça que se fixa no mínimo legal de 3 UC (artigo 420.º, § 3.º CPP).» III - APRECIANDO Vejamos agora os fundamentos da reclamação. Sustenta o reclamante que: a)o prazo ordinário de prescrição relativo ao caso é de 5 anos; b) após a notificação da acusação não voltou a ocorrer qualquer causa de interrupção do procedimento criminal; c) a al. e) do § 1.º do artigo 120.º CP constitui «causa inovadora de suspensão, (na redação da Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro),» sendo lei nova posterior á pratica dos factos ilícitos e menos favorável, não pode ser aplicável, sob pena de violação das garantias de defesa (artigos 20.º e 32.º do Constituição). Verificamos que os fundamentos da reclamação são integralmente os alinhados no recurso, pretendendo o recorrente que os mesmos sejam apreciados pela conferência. Importará começar por referir, tal como já se consta da decisão reclamada, que o recorrente tem razão quanto ao primeiro dos enunciados fundamentos do recurso. Mas já não relativamente aos demais. Consta do artigo 119.º, § 1.º que «o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado». Ora, tendo o facto ilícito sido praticado no dia 24/1/2010, a prescrição ocorreria a 24/1/2015, caso não se verificasse alguma das causas de interrupção e/ou de suspensão do decurso do prazo daquela. Ora, não ocorreu apenas uma, mas duas causas de interrupção do prazo prescricional: - com a notificação da acusação a 4/7/2012; - e com a declaração de contumácia, a 8/5/2015; em conformidade com o que consta das alíneas b) e c) do § 1.º do artigo 121.º CP. E aquele prazo esteve suspenso: - desde a data da leitura da sentença, ocorrida a 27/11/2013 (artigo 120.º, § 1.º, al. d) CP), até à notificação daquela ao arguido em 15/7/2022; - tendo ocorrido ainda outro fundamento para de suspensão, decorrente da declaração de contumácia ocorrida a 8/5/2015 (artigo 120.º, § 1.º, al. c) CP), prevendo a lei a sua caducidade quando o contumaz se apresentar ou for detido (artigo 336.º, § 1.º CPP). Como de deixou dito, as causas de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal foram as previstas nas als. c) e d) do § 1.º do artigo 120.º do citado compêndio normativo, na medida em que a sentença condenatória não foi notificada ao arguido por o mesmo ter sido julgado na ausência e por, depois disso, ter sido declarada a sua contumácia. Não apenas não se conta entre as assinaladas causas de suspensão do prazo de prescrição a prevista na al. e) do § 1.º do artigo 120.º CP, a que vem referida pelo reclamante, como a limitação de 3 anos ao prazo de suspensão, previsto no § 2.º do artigo 120.º CP, se reporta apenas à al. b) do § 1.º do artigo 120.º CP, que não constituiu fundamento da decisão reclamada! Recordemos então o essencial: - o prazo de prescrição foi interrompido na data da notificação da acusação ao arguido (no dia 4/7/2012); - e no dia da declaração de contumácia (8/5/2015) – cf. artigo 121.º, § 1.º, als. b) e c) CP. O que significa que em cada uma destas datas começou a correr novo prazo de prescrição (artigo 121.º, § 2.º CP), relevando a última por entre as duas tal prazo se não ter esgotado. Mas o prazo de prescrição esteve também suspenso durante todo o período que decorreu desde a data da leitura da sentença, que foi a 27/11/2013, até à notificação desta ao arguido, ocorrida a 15/7/2022. Mesmo que assim se não fosse, por força da declaração de contumácia, tal prazo sempre estaria suspenso a partir de 8/5/2015 até à data da detenção do arguido. Ora, aquele período de suspensão (de 27/11/2013 a 15/7/2022) desconta-se integralmente, em conformidade com o disposto nos artigos 120.º, § 1.º, als. c) e d) CP e 121.º, § 3.º CP). Dadas as supra referidas interrupções do prazo de prescrição do procedimento e subsequentes recomeços de contagem do prazo ordinário de 5 anos, este deverá será acrescido de metade (por causa das duas interrupções ocorridas), conforme preceituado no artigo 121.º, § 3.º CP, passando a ser de 7 anos e 6 meses, «ressalvado o período de suspensão», isto é, não se contando os períodos em que o processo esteve suspenso. Ora, se tivermos em conta a data da prática dos factos (24/1/2010), o referido prazo máximo de prescrição de 7 anos e 6 meses (dadas as duas referidas interrupções) e descontarmos os 8 anos, 7 meses e 12 dias de impossibilidade de notificação da sentença ao arguido (ou os 7 anos 2 meses e 7 dias - por via da suspensão em razão da contumácia), na data da notificação da sentença ao arguido/recorrente (15/7/2022), o procedimento não se mostrava prescrito. O recorrente alega que numa dada interpretação das normas se vulneram as suas garantias de defesa, previstas nos artigos 20.º e 32.º da Constituição. Não precisando, contudo, a que normas se reporta nem em que dimensão normativa elas poderão gerar essa vulneração! Temos por certo que nenhuma dessas garantias lhe foram coartadas, com referência aos atos processuais praticados a que fizemos referência, nomeadamente os relativos ao cumprimento dos princípios e regras atinentes à prescrição do procedimento criminal, aplicados que foram de modo percetivo e em termos que se nos afiguram juridicamente incontroversos e, nessa medida, insuscetíveis de vulneração de qualquer direito fundamental, incluindo os que com referências aos normativos constitucionais invocados se poderão considerar. Termos em que a reclamação deverá ser indeferida. IV - DISPOSITIVO Destarte e por todo o exposto indefere-se a reclamação apresentada. Custas pelo reclamante com taxa de justiça que se fixa em 2 UC. Évora, 28 de fevereiro de 2023 J. F. Moreira das Neves (relator) Maria Clara Figueiredo Fernanda Palma --------------------------------------------------------------------------------------- 1 A declaração de contumácia tem efeitos erga omnes (sendo proferida num processo vigora em todos os demais que estejam pendentes) – o que desde logo se infere do disposto nos artigos 335.º, § 2.º e 337.º, § 6.º CPP, dos éditos (incluindo no Diário da República) e do registo único de contumazes, podendo ser decretada pelos Tribunais de Execução de Penas (cf. 114.º, § 3., al. v) LOSJ e anteriormente 124.º, § 2.º, al. g) LFFTJ), sendo simultaneamente causa de suspensão e de interrupção da prescrição (artigos 120.º, § 1.º, al. c) e 121.º, § 1.º, al. c) CP). 2 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas/Editorial Notícias, pp. 704. 3 Neste sentido cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2008, Universidade Católica Editora, p. 329 (ponto 9 da anotação ao artigo 118.º). 4 A declaração de contumácia tem efeitos erga omnes (sendo proferida num processo vigora em todos os demais que estejam pendentes) – o que desde logo se infere do disposto nos artigos 335.º, § 2.º e 337.º, § 6.º CPP, dos éditos (incluindo no Diário da República) e do registo único de contumazes, podendo ser decretada pelos Tribunais de Execução de Penas (cf. 114.º, § 3., al. v) LOSJ e anteriormente 124.º, § 2.º, al. g) LFFTJ e artigos 97.º, § 3.º e 137.º CEPMPL), sendo simultaneamente causa de suspensão e de interrupção da prescrição (artigos 120.º, § 1.º, al. c) e 121.º, § 1.º, al. c) CP). |