Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | MARTINHO CARDOSO | ||
| Descritores: | REENVIO PARCIAL ÂMBITO DO NOVO ACÓRDÃO | ||
| Data do Acordão: | 11/06/2018 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | DECRETADA A NULIDADE DO ACÓRDÃO | ||
| Sumário: | I - Determinado por um tribunal superior o reenvio do processo para novo julgamento total ou parcial da questão – há sempre lugar, após o novo julgamento e na Instância inferior, ao proferimento de uma nova sentença ou acórdão, no qual se incorporam os resultados da prova produzida em consequência do reenvio, ou seja, se acrescenta à matéria de facto já assente como provada e não provada mais factos, se reformula a fundamentação da decisão da matéria de facto, acrescentando a parte referente ao resultado do reenvio, e se conhece afinal do objecto total ou parcial do processo, balizado pelos objectivos do reenvio, e consoante o mesmo se mostra definido por referência à acusação, à pronúncia, aos pedidos cíveis, às contestações e à discussão da causa, isto é, o tribunal "a quo" extrai as consequências jurídicas do que se provou ou deixou de provar em resultado do reenvio – fundamentação jurídica e penas que até podem vir a ser uma reprodução do que já constava do acórdão primitivo, se o acrescento da matéria de facto provada e não provada derivado do reenvio não impuser uma reformulação da fundamentação jurídica e das penas concretas já aplicadas. II – Enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, o acórdão proferido pelo tribunal recorrido que se limita a enunciar os novos factos provados resultantes do reenvio e respectiva fundamentação. | ||
| Decisão Texto Integral: | I Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal colectivo acima identificados, do extinto Círculo Judicial de Évora, foram, na parte que agora interessa ao recurso, condenados pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos art.º 21.°, n.° 1, e 24.°, al. c), do Decreto-lei n.º 15/93, de 22-1, os arguidos: - CA, - CC, - OG e - MR Tendo a arguida MA sido absolvida do mesmo crime. # Na sequência de vários recursos apresentados pelos arguidos, quer interlocutórios, quer da decisão condenatória, proferiu esta Relação o acórdão de 21-6-2011, no qual se decidiu o seguinte, na parte que agora interessa ao caso: 3.° Determinar, nos termos do disposto no art.° 426.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, o reenvio do processo para novo julgamento apenas na parte necessária a apurar se entre os vários arguidos detidos no âmbito da acção encoberta identificada no ponto 58 dos factos provados se contam os arguidos destes autos; se for esse o caso, averiguar o desempenho do(s) agente(s) infiltrado(s) em relação aos arguidos destes autos por forma a ser possível aferir, à luz dos art.° 125.° e 126.° do Código de Processo Penal, da validade da prova assim produzida, julgamento a efectuar pelo tribunal competente, nos termos do art.° 426.°-A do CPP. — devendo o tribunal "a quo" para o efeito, no uso das faculdades conferidas pelos art.° 3.°, n.° 6, e 4.°, n.° 1 e 4, da Lei n.° 101/2001, de 25-8, fazer juntar aos autos o relatório confidencial da mencionada acção encoberta, bem como, se o achar conveniente, inquirir o(s) agente(s) infiltrado (s) nos termos e com as cautelas previstas no mencionado art.° 4.°, n.° 4 – ficando assim prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos recursos. # Regressados os autos à 1.ª Instância e após algumas diligências que agora não interessa ao caso especificar, foi a audiência adequadamente reaberta perante um colectivo de juízas diferente do que compusera o tribunal anterior, finda a qual, foi elaborada a seguinte peça processual: "Acordam as Juízes que integram o Tribunal Colectivo: I- Relatório Tendo sido julgados no extinto Círculo Judicial de Évora os seguintes arguidos: - CA, solteiro, comerciante, nascido em 19.03.1970, natural da Colômbia, filho de…, residente na Calle…, em Madrid – Espanha; - MA, solteira, secretária, filha de…, natural de Colômbia, residente na Calle…, em Espanha; - CC, divorciado, oficial de joalharia, filho de …, natural de Madrid, nascido e 29.10.1970, residente em calle …, em Madrid; - OG, divorciado, joalheiro, filho de…, natural de Madrid, nascido em 13.07.1974, residente em Calle …, Madrid; e - MR, solteiro, técnico de manutenção, filho de …, natural de Estugarda, Alemanha, nascido em 26.08.1972, residente na Calle …, em Madrid; Pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21.°, n.° 1, e 24.°, al. c), ambos do D.L. n.° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-B, anexa ao referido diploma, decidiu o Tribunal Colectivo absolver a arguida MA e condenar os restantes arguidos como autores materiais de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.°, n.° 1, do mencionado diploma, cada um na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão. Na sequência de vários recursos apresentados pelos arguidos, quer interlocutórios quer da decisão condenatória, o Venerando Tribunal da Relação de Évora decidiu, além do mais (negando provimento e julgado improcedentes alguns dos recursos), determinar, nos termos do disposto no artigo 426.°, n.º1, do Código de Processo Penal, o reenvio do processo para novo julgamento, apenas para apurar se entre os vários arguidos detidos no âmbito da acção encoberta identificada no ponto 58 dos factos provados se contam os arguidos destes autos e, se for esse o caso, averiguar o desempenho do(s) agente(s) infiltrado(s) em relação aos arguidos destes autos, por forma a ser possível aferir, à luz dos art.° 125.° e 126.° do Código de Processo Penal, da validade da prova assim produzida, julgamento a efectuar pelo Tribunal competente, nos termos do art.° 426.°-A do C.P.P., devendo o Tribunal "a quo" para o efeito, no uso das faculdades conferidas pelos artigos 3.°, d.° 6, e 4 °, n.° 1 e 4, da Lei n.° 101/2001, de 25/8, fazer juntar aos autos o relatório confidencial da mencionada acção encoberta, bem como, se o achar conveniente, inquirir o(s) agente(s) infiltrado(s) nos termos e com as cautelas previstas no mencionado artigo 4.°,n°4. Procedeu-se a audiência de julgamento, que decorreu com observância do formalismo legal, no decurso da qual, por impossibilidade de localização e notificação dos arguidos CA e MA do despacho que designou data para realização do julgamento, se determinou a cessação de conexão e separação de processos, no que a estes arguidos respeita (artigo 30.°, n.° 1, al. b), c) e d), do Código de Processo penal), tudo nos termos constantes da respectiva acta. A audiência decorreu na ausência dos arguidos CC e MR também, neste ponto, com observância do formalismo legal. Mantem-se a regularidade da presente instância, nada obstando à apreciação do mérito da causa. II- Fundamentação A) Factos provados Após deliberação, e tendo presente a delimitação do objecto de julgamento fixada pelo Tribunal Superior, o Tribunal Colectivo considerou provada a seguinte factualidade: 1-Em função dos actos praticados no âmbito da acção encoberta com o n.° 32/09.3TELSB, foram detidos os arguidos dos presentes autos, CC, OG e MR; 2-A referida acção encoberta foi desenvolvida por um funcionário de investigação criminal que assumiu o nome de "Paulo" e por um terceiro actuando sob o controlo das autoridades, conhecido por " colaborador Diego"; 3-A acção encoberta teve o seu início nos finais de Março de 2009, através de informação dada pelo "colaborador Diego", no sentido de que um indivíduo de nacionalidade colombiana, também conhecido por "Diego" mas cuja identidade nunca se logrou apurar, procurava pessoa ou pessoas que facilitassem a saída do aeroporto de Lisboa, sem passar pela fiscalização, de uma grande quantidade de cocaína a enviar por avião, em malas, a partir do estrangeiro; 4-Iniciada a acção, o "colaborador Diego" pôs "Paulo" em contacto com o "suspeito Diego", via telefone e email, agindo este como se de um funcionário do aeroporto de tratasse, disponibilizando-se para assegurar a saída do produto estupefaciente daquele local, sem passar pela fiscalização; 5-Após uma primeira informação de que as malas chegariam ao aeroporto de Lisboa, num voo proveniente de Caracas – Venezuela, no dia 05 de Abril de 2009, o "suspeito Diego" veio a informar "Paulo" que o envio não se tinha concretizado e que a operação ficaria adiada por uns dias; 6-No dia 18.04.2009, "Paulo" encontra-se com o "suspeito Diego" que o informa do objectivo de receber a cocaína em Portugal para depois ser transportada para Espanha, referindo que lhe competia retirar as malas com a droga do interior do aeroporto, perguntando-lhe, ainda, se posteriormente seria possível providenciar pela disponibilização de uma pista para fazer aterrar avião de grande porte transportando droga, respondendo-lhe o primeiro que "tudo era possível"; 7-No dia 19.04.2009 o "suspeito Diego" informa "Paulo", via email, que as malas já tinham passado pelo controlo do aeroporto de Caracas, fornecendo o código e descrição das malas, bem como a informação de que as mesmas chegariam a Lisboa no dia seguinte; 8-No dia 20.04.2009, pelas 06.00horas, chegou ao aeroporto de Lisboa o voo TP130, proveniente de Caracas, do qual "Paulo" e elementos da Polícia Judiciária retiraram duas malas, contendo cerca de 54 kg de Cocaína; 9-O produto estupefaciente foi retirado do aeroporto e levado pela P.J. para um local seguro e, posteriormente, transportado para uma garagem na zona do Estoril, onde esteve sempre controlada exclusivamente por aquela força policial; 10-Nesse mesmo dia 20.04.2009, "Paulo" encontra-se com indivíduo que conhece por "Padrinho" e cuja identidade nunca se apurou, que lhe foi apresentado pelo "colaborador Diego" e que o informou do que iria acontecer em seguida, referindo-lhe que a droga seria transportada para Espanha, sendo que para o efeito iriam aparecer em Lisboa duas equipas distintas, uma vez que a droga seria transportada por duas vezes; 11-Combinam então um encontro à noite com indivíduo identificado por "Xino" e que se veio a apurar tratar-se de CA, tendo os contactos com o mesmo sido feitos pelo "colaborador Diego"; 12-Estabelecido este encontro, em Lisboa, assertam como o mesmo a entrega de 15 kg da cocaína para ser transportada para Espanha, descrevendo CA os carros que utilizariam, um para bater a estrada e outro com compartimento especial para transporte da droga, combinaram encontro para o dia seguinte, às 15.00 horas, para carregamento da viatura; 13-À hora combinada, do dia 21.04.2009, "Paulo" e o "colaborador Diego" encontram-se com CA, sendo que este vinha acompanhado por mais três indivíduos, com quem os primeiros não falaram no local do encontro, e que eram os arguidos CC, OG e MR; 14-Combinam, então, que até ao local de carregamento da cocaína, só iriam "Paulo", CA ("Xino") e o arguido ÓG, conhecido pelo primeiro por "Ciclista" e que, na altura, era o condutor da carrinha Mitsubichi, modelo L200, de matrícula espanhola; 15-Saíram de Lisboa em dois veículos, a referida carrinha e um Ford Focus, seguindo no primeiro "Paulo" e o arguido OG e no segundo o "colaborador Diego" e CA ("Xino"); 16-Pararam junto a um cemitério, onde ficou o veículo Ford Focus, passando apenas CA para a carrinha Mitsubichi que seguiu viagem com três ocupantes; 17-Chegados à garagem onde se encontrava a droga, o arguido OG abriu o compartimento secreto que haviam instalado no veículo e, depois de CA verificar cada um dos quinze pacotes contendo cocaína, o primeiro inseria-os em sacos de plástico, embalava-os em vácuo com a utilização de máquina que levara para o efeito, e arrumava-os no referido compartimento; 18-Terminada essa operação, OG fechou novamente o compartimento secreto, entregou a máquina de ernbalamento em vácuo a CA para que este a levasse quando saísse da carrinha, e voltaram a Lisboa, depois de se terem encontrado no cemitério com o Ford Focus, regressando a Lisboa da mesma forma como tinham chegado até àquele local; 19-Em Lisboa encontraram-se com os restantes arguidos e com MA, partindo todos com destino a Madrid, o arguido OG ao volante da carrinha Mitsubichi, CA e MA no Ford Focus e os arguidos CC e MR num Mercedes; 20-Cerca de uma ou duas semanas depois, apareceu o segundo grupo de indivíduos para efectuar o transporte dos restantes quilogramas de cocaína para Espanha, cuja detenção deu origem a outro processo de natureza criminal, com o n.° 221/09.OJELSB; 21-"Paulo" e o "colaborador Diego" não tiveram quaisquer outros contactos com os arguidos, para além dos supra relatados. Relativamente à situação social e económica do arguido OG: 22-O arguido OG actualmente exerce a profissão de mecânico para uma equipa espanhola de ciclismo e para a selecção espanhola de ciclismo; 23-Depois de restituído à liberdade, casou-se e foi pai novamente, inexistindo registo da prática pelo mesmo de novos factos que tenham levado à sua condenação pela prática de crimes. B) Factos não provados Com relevo para a decisão a proferir, não se apurou que "Paulo" e o "colaborador Diego" tenham mantido qualquer contacto, pessoal ou por qualquer meio, com os arguidos dos presentes autos ou com CA, ainda em Espanha e antes de estes se deslocarem para Portugal. C) Convicção do Tribunal O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica de toda a prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, procedendo-se, em seguida à explanação da mesma. Como determinado pelo Tribunal Superior, colheu-se nos autos informação relativa à acção encoberta que teve lugar e cuja existência já se tinha apurado no âmbito do julgamento anterior, incluindo o respectivo relatório final, tudo constante de fls. 2806 a 2813 e 2855 a 2857. De tais documentos, mormente, das informações de fls. 2806 e 2807, retira-se a detenção dos arguidos dos presentes autos no âmbito de tal acção encoberta, para além de outras detenções relativas ao processo n.° 221/09.OJEJSB. A acrescer aos referidos documentos, o Tribunal tomou declarações ao único arguido que compareceu em audiência – OG – e inquiriu o funcionário que agiu como agente encoberto no âmbito da referida acção, identificado como "Paulo", com a observância dos formalismos legais de protecção do mesmo (artigo 4.°, n.° 3 e 4, da Lei n.° 101/2001, de 25/8, e 4.° e 5.°, da Lei n.° 93/99, de 14/7). No que ao primeiro concerne, mostrou-se credível no relato que fez relativamente aos factos objecto do novo julgamento e também quanto à sua actual situação profissional e familiar, descrevendo-os de forma segura e objectiva. Acresce que o seu relato se mostrou, no essencial, coerente com o depoimento do funcionário "Paulo", este ainda mais seguro no relato que efectuou, afigurando-se ao Tribunal que, com a ressalva das limitações inerentes à confidencialidade e às questões de segurança que envolvem a questão, o seu relato foi muito elucidativo, por detalhado e objectivo, expondo ao Tribunal a forma como a acção decorreu – quer nos contactos que estabeleceu, quer na sua concreta actuação relativamente aos factos. Também destes relatos que, como se disse, coincidiram na forma como ocorreu a entrega da cocaína no dia 21.04.2009 (factos sobre os quais ambos se pronunciaram), alcançou o Tribunal a detenção dos arguidos no âmbito da acção encoberta, permitindo perceber que o indivíduo referenciado como "Xino" é CA e que o indivíduo conhecido por "Ciclista" é o arguido OG, atento o relato coincidente das respectivas condutas. A restante factualidade decorreu do relato do funcionário "Paulo" que, pelos motivos já indicados se mostrou essencial, e cuja coerência e pormenor permitiu completar e até corrigir as informações constantes do relatório final elaborado. Este funcionário mostrou-se peremptório ao afirmar que os contactos que relatou foram os únicos que manteve com os arguidos dos presentes autos, bem como com CA, circunstância que também foi corroborada pelo arguido OG, no que ao mesmo respeita. Por último, o Tribunal considerou o certificado de registo criminal junto aos autos, relativo ao arguido OG. III- Objecto do presente julgamento Perante o teor das alegações efectuados pelos sujeitos processuais no decurso da audiência, cumpre referir que, como resulta do supra elaborado relatório, a audiência de discussão e julgamento a que a presente decisão se reporta, tem o objecto antes determinado e delimitado pelo Tribunal da Relação de Évora, através do acórdão proferido nos autos em sede de recurso, constante de fls. 2651 e seguintes. Não se limitando o referido aresto ao respectivo dispositivo (supra transcrito), este Tribunal considerou a fundamentação no mesmo explanada para fixar o concreto objecto sobre o qual lhe cumpre emitir pronúncia, desde logo quando no mesmo se menciona o seguinte: "(..) Passemos agora à análise da questão que atravessa verticalmente todos os recursos interpostos nos presentes autos ( ..) a de o tribunal "a quo" ter prescindido da junção aos autos do relato da intervenção do agente encoberto a que aludem os art.° 3. °, n.° 6 e 4.° n.° 1, da Lei n.° 101/2001, de 25-8, insistente e reiteradamente solicitada pelos arguidos desde a instrução. (...) Que ao entrarem em Portugal os arguidos já vinham determinados a cometer o ilícito — disso não há dúvida; a questão da provocação ao crime põe-se é em Espanha, antes de eles iniciarem a viagem; aí é que se levanta a questão de se pelo menos o arguido CA, o autor da ideia segundo o ponto 2 dos factos provados, não terá sido convencido, angariado para fazer o transporte do estupefaciente ao qual não procederia se não tivesse sido aliciado pelo agente encoberto, e que o levou depois e por sua vez, num efeito dominó, a angariar os demais arguidos homens para a execução dessa tarefa, (..) Assim, a questão fulcro/ que emerge de todos os recursos (à excepção do 1.° interlocutório do arguido CC) consiste em decidir da suficiência ou não da matéria de facto provada, no sentido de permitir ao tribunal aquilatar dos contornos da acção encoberta cuja existência está dada como assente no ponto 58 dos factos provados. Isto é, em determinar se existe factualidade provada suficiente que permita ou não concluir que o crime objecto dos autos foi provocado por terceiro ou por agentes da Polícia Judiciária encobertos, como invocam os recorrentes CA e Carlos CC em suas contestações. (..) Assim e no caso dos autos, há, desde logo, que apurar se entre os vários arguidos detidos no âmbito da acção encoberta identificada no ponto 58 dos factos provados se contam os arguidos destes autos. Se não for esse o caso, o assunto morre aí. Se for, então terão que ser averiguados os factos que permitam apreender a quem se ficou realmente a dever o despoletar do início da situação, se foi por autodeterminação do arguido CA, como consta do ponto 2 dos factos provados, ou se foi por sugestão de algum agente encoberto, como aquele arguido e mais o CC alvitraram nas suas contestações e depois em audiência todos defenderam. Isto só será possível através da discussão em julgamento do relatório confidencial a que alude o art. ° 3. ° n.° 6 e permitida pelo art.° 4. 0, n.° 1, e da inquirição do(s) agente(s) encoberto(s) pela forma e com as cautelas referidas no art.° 4. 0, n.° 4, todos da Lei n.° 101/2001. (...) (...) não havia para o tribunal "a quo" outro remédio senão o de mandar vir mesmo o relatório confidencial da AE (...) Não o tendo feito (..) essa omissão impossibilita este tribunal de recurso de apreciar se os factos ocorridos em Espanha e que determinaram os arguidos à prática do ilícito se integram ou não nos limites da acção encoberta mencionada no ponto 58 dos factos provados, ou se constituem antes um meio proibido de fazer prova e se há arguidos que deviam ser inocentados e outros com penas despropositadas (...) O esclarecimento e conhecimento desses factos e situações tornaram-se fundamentais e imprescindíveis. Esta patologia consubstancia o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude o art. ° 410. 0, n.° 2 al. a), que é de conhecimento oficioso. (--) Ora, salvo o devido respeito, como atrás julgamos ter ficado demonstrado, é insofismável que dependia (e continua a depender) da resposta às mencionadas questões a validade ou a proibição da prova (art. 126.° n.° 1 e 2 al. a)) decorrente da correspondente acção encoberta: (..) Não sendo passível esse vício ser sanado nesta instância, terá de determinar-se o reenvio do processo para novo julgamento relativamente apenas àquele segmento de prova (art.° 426. ° n.° 1). (..)" Assim, considera este Tribunal que lhe cumpre apenas apurar os factos ali referido, relativamente aos quais se verificou a indicada insuficiência de matéria de facto, permitindo ao Tribunal Superior apreciar a questão que se suscitou em recurso relativamente à validade da prova. Tanto assim é, que o Tribunal Superior não determinou que este Tribunal proferisse decisão final, a qual, a nosso ver, também não se mostraria possível, em função do princípio da plenitude, previsto no artigo 328.°-A, n.° 1, do Código de Processo Penal, e pelo facto de uma decisão mais abrangente, determinar a ponderação de prova produzida e examinada perante Tribunal Colectivo diverso. IV- Decisão Por tudo exposto, o Tribunal Colectivo delibera considerar como provados e não provados os factos supra, os quais acrescerão aos apreciados no âmbito do primitivo acórdão proferido nesta instância. (…) # Inconformado com o assim decidido, o arguido MR interpôs o presente recurso, no qual põe em causa que a documentação junta no entretanto aos autos na sequência do ordenado pelo primeiro acórdão desta Relação seja aquela que o acórdão da Relação determinou, mais impugnando a nova matéria de facto que no acórdão agora em recurso ficou assente como provada. O Exmo. Magistrado do M.º P.º do tribunal recorrido respondeu. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer. Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Procedeu-se a exame preliminar. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. II E fazendo-o, cumpre decidir o seguinte, independentemente das questões postas pelo recorrente: Na sequência de esta Relação ter constatado a existência na decisão recorrida do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que se refere o art.º 410.º, n.º 2 al.ª a), do Código de Processo Penal, ordenou o reenvio do processo para repetição parcial do mesmo, ao abrigo do disposto nos art.º 426.º, n.º 1 e 426.º-A, do Código de Processo Penal. As regras contidas nestes art.º 426.º, n.º 1 e 426.º-A foram respeitadas, pelo que nada há a apontar à competência do tribunal "a quo" que elaborou o acórdão agora sob recurso, nem se mostra existir qualquer impedimento das Senhoras Juízas que compõem o colectivo. A questão está na decisão do tribunal "a quo" de que neste 2.º acórdão, o que conhece do resultado do reenvio, lhe cumpre apenas apurar os factos ali referido, relativamente aos quais se verificou a indicada insuficiência de matéria de facto, permitindo ao Tribunal Superior apreciar a questão que se suscitou em recurso relativamente à validade da prova. Tanto assim é, que o Tribunal Superior não determinou que este Tribunal proferisse decisão final, a qual, a nosso ver, também não se mostraria possível, em função do princípio da plenitude, previsto no artigo 328 °-A, n.° 1, do Código de Processo Penal, e pelo facto de uma decisão mais abrangente, determinar a ponderação de prova produzida e examinada perante Tribunal Colectivo diverso. Parece pois resultar do entendimento da 1.º Instância que este acórdão por si proferido e agora em recurso seria uma espécie de apenso, um anexo ao acórdão digamos assim principal, ou talvez ainda, uma espécie de incidente de verificação ou para aferição da legalidade de prova usada no acórdão principal como fundamentação da decisão da matéria de facto. Acontece que nada disto, deste pretenso apenso ou anexo ao acórdão principal, ou incidente de verificação ou para aferição da legalidade de prova existe no Código de Processo Penal. Ou seja, a 1.ª Instância produziu uma peça que não existe, não tem cabimento, não é permitida no nosso actual ordenamento processual. E o Tribunal Superior não determinou que este Tribunal [ou seja, a 1.ª Instância] proferisse decisão final, porque não era preciso dizê-lo ou ordená-lo. Determinado por um tribunal superior o reenvio do processo para novo julgamento total ou parcial da questão – e há sempre lugar, após o novo julgamento e na Instância inferior, ao proferimento de uma nova sentença ou acórdão, no qual se incorporam os resultados da prova produzida em consequência do reenvio, ou seja, se acrescenta à matéria de facto já assente como provada e não provada mais factos, se reformula a fundamentação da decisão da matéria de facto, acrescentando a parte referente ao resultado do reenvio, e se conhece afinal do objecto total ou parcial do processo, balizado pelos objectivos do reenvio, e consoante o mesmo se mostra definido por referência à acusação, à pronúncia, aos pedidos cíveis, às contestações e à discussão da causa, isto é, o tribunal "a quo" extrai as consequências jurídicas do que se provou ou deixou de provar em resultado do reenvio – fundamentação jurídica e penas que até podem vir a ser uma reprodução do que já constava do acórdão primitivo, se o acrescento da matéria de facto provada e não provada derivado do reenvio não impuser uma reformulação da fundamentação jurídica e das penas concretas já aplicadas. Assim, no caso em apreço, quem em primeira linha se tem de pronunciar sobre a legalidade da prova resultante da acção encoberta evidenciada pela prova produzida na repetição parcial do julgamento decorrente do reenvio é o tribunal a 1.ª Instância. Só se os sujeitos processuais recorrerem dessa avaliação é que a mesma irá ser conhecida pela Relação. Repare-se que, na parte decisória do “acórdão” agora sob recurso, decidiu-se considerar como provados e não provados os factos supra, os quais acrescerão aos apreciados no âmbito do primitivo acórdão proferido nesta instância. Mas o que a 1.ª Instância tinha a fazer era reformular o primitivo acórdão, acrescentar ao rol da matéria de facto assente como provada daquele primitivo acórdão os factos como tal apurados neste julgamento parcial agora realizado por força do reenvio (e até fazendo referência a que tal acrescento se devia ao resultado do reenvio), retocar a fundamentação da decisão da matéria de facto em termos de justificar ter sido ou não a acção do agente encoberto uma provocação para o cometimento do crime por banda dos arguidos e, de acordo com as conclusões daí resultantes, desenvolver a argumentação jurídica adequada a absolver ou a manter ou a alterar, no todo ou em parte, as condenações já proferidas. Tirando o acrescento à matéria de facto assente como provada e à fundamentação da convicção, até poderia suceder ser o resto do acórdão exactamente igual ao anterior. E – com o devido respeito – esta actividade não tem coisa alguma a ver, não colide com o estatuído no art.º 328.°-A, n.° 1, do Código de Processo Penal, que se destina a regular uma outra fase do processo, pelo facto de (como se diz no acórdão recorrido) uma decisão mais abrangente, determinar a ponderação de prova produzida e examinada perante Tribunal Colectivo diverso, porque pode ser essa – e, no caso dos autos, é essa, precisamente –, uma das finalidades queridas pela lei com o reenvio para um novo julgamento parcial da causa. Em face do exposto, o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia (art.º 379.º, n.º1, al.ª c) do Código de Processo Penal). O que se acaba de decidir prejudica o conhecimento das questões postas no recurso. III Termos em que se decide anular, por omissão de pronúncia (art.º 379.º, n.º1, al.ª c) do Código de Processo Penal) acórdão recorrido, proferido em 22-6-2017, o qual deve ser substituído por outro, elaborado pelo mesmo colectivo que o produziu, no qual se reformule o primeiro acórdão produzido pela 1.ª Instância, por forma a nele acrescentar ao rol da matéria de facto assente como provada os factos como tal apurados neste julgamento parcial agora realizado por força do reenvio (e fazendo referência a que tal acrescento se deve ao resultado do reenvio), retocar a fundamentação da decisão da matéria de facto em termos de justificar ter sido ou não a acção do agente encoberto uma provocação para o cometimento do crime por banda dos arguidos e, de acordo com as conclusões daí resultantes, desenvolver a argumentação jurídica adequada (a qual poderá até ser a que já consta do acórdão primitivo) a absolver ou a manter ou a alterar, no todo ou em parte, as condenações já proferidas. Não é devida tributação. # Évora, 6-11-2018 (elaborado e revisto pelo relator) JOÃO MARTINHO DE SOUSA CARDOSO ANA MARIA BARATA DE BRITO |