Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA ALEXANDRA SANTOS | ||
Descritores: | MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO NULIDADE DE SENTENÇA OMISSÃO DE PRONÚNCIA REGULAMENTO GERAL DE EDIFICAÇÕES URBANAS | ||
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Data do Acordão: | 03/08/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO CÍVEL | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
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Sumário: | I – Se pela fundamentação da decisão de facto se conclui que a convicção do Juiz foi formada analisando criticamente as provas e especifica os alicerces que foram decisivos para a sua convicção, está o Tribunal Superior impossibilitado de a censurar, a menos que na formação dela ocorra violação de normas legais sobre as provas. II – Tendo o autor na petição inicial alegado factos conducentes à violação de preceitos legais, sendo a sentença omissa quanto a esta situação, a sentença está viciada de nulidade por omissão de pronúncia. III – Constando dos autos todos os elementos necessários ao conhecimento duma questão omitida, o Tribunal de recurso deve conhecer da situação omitida, por força do artigo 715º, nº 1, do Código de Processo Civil. IV – O Regulamento Geral de Edificações Urbanas contém normas de natureza proibitiva e impositiva, competindo às autoridades administrativas a fiscalização do seu cumprimento. V – Pode um cidadão, por violação do seu direito de propriedade, pedir nos Tribunais Comuns a demolição de obra levada a cabo por um vizinho, invocando normas de direito público. | ||
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Decisão Texto Integral: | * PROCESSO Nº 1453/06 ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA “A” e mulher “B” intentaram contra “C” e mulher “D” a presente acção com processo ordinário pedindo: A - Que sejam os RR. condenados na demolição da obra construída a poente do prédio dos AA., consistente na construção de um edifício com rés-do-chão e primeiro andar, de que faz parte integrante a empena cega de 8 metros e 20 centímetros de altura, que confina com o logradouro do prédio dos AA. B - Que sejam os RR. condenados a demolirem a passagem aérea construída no limite sul do logradouro do prédio dos AA. C - Que sejam os RR. condenados a pagarem aos AA. a quantia de Esc. 1.500.000$00 - € 7.481,97 - ou a que vier a ser apurada em execução de sentença, correspondente aos custos de reparação dos danos causados no seu prédio pelo alçamento das construções dos RR. D - Que sejam os RR. condenados a pagarem aos AA. a quantia de Esc. 2.500.000$00 - € 12.469,95 - de danos não patrimoniais originados pela construção da obra. Subsidiariamente pedem o seguinte: A - Que sejam os RR. condenados a pagarem aos AA. a quantia de Esc. 15.000.000$00 - € 7.819,68 - correspondente à desvalorização patrimonial do prédio dos AA., resultante das construções levadas a cabo pelos RR.. B - Que sejam os RR. condenados a pagarem aos AA. a quantia de Esc. 1500.000$00 - € 7.481,97 - ou a que vier a ser apurada em execução de sentença, correspondente aos custos de reparação dos danos causados no prédio dos AA. pelo alçamento das construções dos RR. C - Que sejam os RR. condenados a pagarem aos AA. a quantia de Esc. 2.500.000$00 - € 12.469,95 - de danos não patrimoniais originados pela construção da obra. Alegam para tanto e em resumo, que os RR. seus vizinhos confinantes, fizeram nas suas casas obras ilegais, elevando muros e paredes por forma a privar a casa dos AA. da luz directa do sol, assim gerando humidades, além de que tais obras provocaram danos na própria edificação pertencente aos AA., que se sentem muito angustiados e nervosos. Citados contestaram os RR. nos termos de fls. 42 e segs. excepcionando a incompetência material do tribunal e impugnando o alegado pelos AA., concluindo pela procedência das excepções e consequente absolvição da instância ou pela total improcedência da acção. Os AA. responderam a fls. 55 e segs., concluindo pela improcedência da excepção de incompetência material do tribunal. Foi proferido o despacho saneador, onde além do mais, foi julgada improcedente a excepção invocada, declarando-se o tribunal absolutamente competente e foram seleccionados os factos assentes e controvertidos com a elaboração da base instrutória, sem reclamação. Realizada a audiência de julgamento, o tribunal respondeu à matéria de facto pela forma constante de fls. 261/264 que não sofreu reclamação. Foi, em seguida proferida a sentença de fls. 321 e segs., que julgando a acção inteiramente improcedente absolveu os RR. dos pedidos contra eles formulados. Inconformados, apelaram os AA. alegando e formulando as seguintes conclusões: 1 - Os AA. invocam como causa de pedir, para além de outras, a violação da norma do art° 73 do RGEU, na medida em que a altura do muro construído pelos RR. ao longo do limite nascente do logradouro dos AA. faz com que a distância entre a janela da sala do rés-do-chão do prédio dos AA. e o muro dos RR. seja inferior a metade da altura deste muro. 2 - O tribunal não se pronunciou quanto a esta causa de pedir invocada pelos RR. 3 - A falta de pronúncia torna a sentença nula, nos termos do art° 668° nº 1 al. d) do CPC. 4 - Dado que o logradouro é o único espaço livre dos AA. quando estão em sua casa, a resposta ao quesito 7° deveria ter sido "provado". 5 - Os depoimentos prestados em juízo acessíveis pela gravação da prova impõem que a resposta correcta ao quesito 13° seja "provado". 6 - A resposta ao quesito 15° deveria ter sido: Provado que, pelo lado oeste a delimitação do logradouro se fazia com um muro com, no máximo, três metros de altura. Com efeito, a análise dos depoimentos prestados em audiência levam à conclusão de que, pelo lado dos AA. e tendo em conta uma eventual existência de diferenças de cotas de soleira entre o prédio dos AA. e o dos RR., seria essa, no máximo a altura do muro. 7 - Na resposta ao quesito 16° dever-se-ia ter consignado que a altura do muro, do lado sul, anterior à construção dos R.R. não seria superior a 2 metros na parte mais baixa e cerca de 2,80 metros na parte mais alta junto à parede dos AA. 8 - A resposta ao quesito 18 deveria ter sido "provado" dada a prova produzida não só pelas testemunhas mas também pelo relatório pericial e os esclarecimentos prestados pelos peritos em tribunal. 9 - As respostas aos quesitos 22° e 23° deveriam ter sido "provado" estabelecendo-se claramente a relação de causalidade entre a construção levada a cabo pelos RR. e os danos sofridos pelo AA. 10 - As normas do RGEU constituem a concretização de direitos e garantias consagrados pela Constituição da República e, como tal, fontes de direitos pessoais e densificação de direitos e garantias constitucionais à inviolabilidade do domicílio, à garantia e respeito da propriedade privada, à habitação em condições de higiene e conforto e ao ambiente e qualidade de vida a defender pelo respeito de normas de ordenação urbanística, que defenda e preserve esses valores e direitos. 11 - Tal como é fonte de direitos subjectivos a exercitar pelos cidadãos contra todos aqueles, sejam entidades públicas ou privadas que, desrespeitando as normas da correcta construção lesam os seus direitos e garantias. 12 - Fachada para efeitos do art° 59 do RGEU é toda e qualquer face exterior de um edifício que opera a separação entre o interior e o exterior do mesmo. 13 - A norma do art° 59 do RGEU aplica-se em relação a qualquer das fachadas, uma vez que a lei não distingue nem é possível nem sistematicamente coerente limitar a sua aplicação apenas a uma ou a algumas fachadas. 14 - A fachada lateral do prédio dos RR. que deita sobre o lado poente do logradouro dos AA. não cumpre a disposição do art° 59°, uma vez que o ângulo formado pela linha traçada entre a parte superior da fachada lateral dos RR. e a base do prédio dos AA. é superior a 45°. 15 - A distância entre a janela do rés-do-chão dos AA. e o muro construído pelos RR. é de 3 metros. 16 - Para cumprir o disposto no art° 73° do RGEU, a distância entre a janela do rés-do-chão dos AA. e a parede dos RR. que lhe fica fronteira, não deverá ser inferior a metade da altura da parede dos RR., medida desde a cota soleira ou pavimento da divisão dos AA. onde se situa a janela e a parte superior da parede dos RR .. 17 - Deste modo, para cumprir o disposto no art° 73° do RGEU, a parede dos RR. que se ergue no lado poente do logradouro dos AA. não deveria exceder 6 metros . 18 - Provou-se, sem margem para dúvida que os danos sofridos pelos AA. na sua propriedade são provocados pela construção levada a efeito pelos RR. pelo que é devida indemnização pelos danos provadamente sofridos pelos AA. igual ao custo provável da reparação. Não foram apresentadas contra-alegações. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação do recorrente, abrangendo apenas as questões aí contidas (art°s 684 na 3 e 690 nº 1 do CPC), verifica-se que são as seguintes as questões a decidir: - a nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art° 668º na 1 al. d) do CPC) - a relativa à impugnação da decisão sobre a matéria de facto - a aplicação ao caso das normas do RGEU, designadamente os seus art°s 590 e 730 e o seu reflexo sobre a pretendida procedência da acção. * São os seguintes os factos que foram tidos por provados na 1ª instância: Assentes na ESPECIFICAÇÃO: A - Os AA. têm inscrito a seu favor (inscrição G-2) o direito de propriedade sobre o prédio urbano sito na Rua … nº 82 em …, descrito na C.R.P. de … com o nº 05741/050398. B - Este imóvel consiste num edifício composto por cave, rés-do-chão, primeiro andar e terraço. C - Do prédio dos AA. faz parte um logradouro, situado a todo o cumprimento da parede exterior poente do mesmo. D - Esse logradouro mede 3 metros de largura, por 6,20 metros de comprimento. E - O prédio propriedade dos AA. é confinante, a sul e a poente com um prédio urbano propriedade dos RR .. F - Com entrada pela Rua …, nº 96. G - Desde Outubro de 2000, os RR. têm efectuado neste imóvel diversas obras. H - Essas obras consistem na reconstrução de dois edifícios. , I - Um deles confronta a poente com a propriedade dos AA .. J - Na construção do edifício a poente do dos AA. e contíguo ao muro que delimita por esse lado o logradouro destes, os RR. elevaram uma construção, cuja parede exterior nascente, cega, tem uma altura de 8,40 metros. L - A sul do logradouro dos AA. e encostado ao seu muro, está a ser levantada uma passagem para o edifício construído a poente da casa dos AA. e o situado a sul, ambos pertencentes aos RR. M - O primeiro andar do edifício pertencente aos AA. tem, na sua parede exterior poente, uma janela. N - A Câmara Municipal de …, com data de 21/07/2000, emitiu o alvará de licença de construção n° 566/2000, relativo ao prédio dos RR., no qual, além do mais, se consignou: "trata-se de alteração e ampliação do prédio existente, com construção de compartimentos em rés-da-chão e de um 1 ° andar". PROVADOS EM JULGAMENTO: 1 ° - A parede exterior nascente contígua ao muro que delimita pelo lado poente o logradouro dos AA. dista três metros da parede exterior poente do prédio dos AA., medidos na perpendicular ao plano das janelas da mesma. 2º - A altura entre o pavimento da passagem provada em L) e o pavimento do logradouro do prédio dos AA. é de 3,75 metros. 3º - A passagem provada em L) está vedada por um muro com 1,55 metros de altura em relação ao pavimento da dita passagem. 4° - A janela situada no lado poente do 1º andar do edifício dos AA. dista 1,45 metros da esquina deste edifício. 5º - Este primeiro andar constitui uma unidade habitacional independente, que os AA. arrendaram a “E” e mulher “F”. 6º - A construção da parede provada em J) torna o logradouro dos AA. mais insalubre e mais húmido e dificulta mais a penetração do Sol. 7º - Do lado poente, o logradouro do prédio dos AA. é o único espaço de acesso dos seus moradores ao ar livre enquanto estão em casa. 8º - O logradouro do prédio dos AA. é agora delimitado do poente pelo provado em J) e do sul pelo provado em 2° e em 3°. 9º - Unindo o topo da parede exterior nascente do prédio erguido pelos RR. à linha de intersecção com o terreno do prédio dos AA., obtém-se uma recta com uma inclinação superior a 45 graus. 10 - O parapeito da janela provada em 4° encontra-se a 0,95 metros de altura em relação ao chão da passagem provada em L). 11º - O prédio dos AA., com rés-do-chão e primeiro andar, foi construído há mais de 45 anos. 12º (Não existe no original). 13º (Não existe no original). 14º - A parede do prédio dos AA., a nascente do logradouro, tem a altura de 6,85 metros. 15º - Do lado poente, a delimitação do logradouro dos AA. fazia-se com uma edificação com cerca de 4 metros de altura. 16º - Do lado sul, a delimitação do logradouro dos AA. fazia-se com um muro com a altura de cerca de 3,75 metros. 17º - (Não existe no original). 18º - Existem musgos e fungos ao longo das paredes e no chão. 19º - (Não existe no original). 20º - Há humidade numa zona localizada da parede sul da sala de estar dos AA. 21° - São visíveis, no lado exterior da parte da casa virada a oeste, os musgos e fungos provados em 18°. 22º - Verifica-se a existência de fissuras e o empolamento de estuques e rebocos numa zona localizada da parede sul da sala de estar dos AA .. 23° - O provado em 22° deve-se a humidade. 24º - A eliminação dos defeitos provados em 18°, 20° e 22° custa cerca de € 1.638,00. 25º - Cerca de um ano antes das construções efectuadas nos extremos sul e oeste, o prédio dos AA. tinha sido todo reconstruído, com o reboco das paredes, portas novas, substituição dos pavimentos, cozinha nova, louças de "WC" novas, terraços novos, canalização nova, rede de esgotos nova, instalação eléctrica nova e pintura integral do imóvel. 26º e 27° - O valor de mercado do prédio dos AA., após o provado em 25° é de cerca de € 175.000,00. 28º - (Não existe no original). 29°, 33° e 34° - Os AA. têm-se mostrado afectados e nervosos. 30º, 31º e 32º - (Não existe no original). Estes os factos. Embora os apelantes comecem por suscitar a questão da nulidade da sentença, afigura-se-nos mais correcto apreciar, em primeiro lugar, a questão relativa à impugnação da decisão de facto com a qual se fixará a factualidade a considerar para a resolução das questões de direito suscitadas. Insurgem-se os apelantes contra a decisão de facto da 1ª instância relativamente às respostas aos quesitos 7°, 13°, 15°, 16°, 17°, 22° e 23° que consideram incorrectamente julgados, face à prova produzida, pretendendo a sua alteração. Vejamos. Como se sabe, os poderes de modificação da matéria de facto pela Relação contêm-se no art° 712 do C.P.C., maxime no n° 1 al. a), nos termos do qual a Relação pode alterar a decisão sobre a matéria de facto da 1ª instância se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada nos termos do art° 690-A do C.P.C. a decisão com base neles proferida. Este último preceito, introduzido pelo D.L. 39/95 de 15/2 visa responder à preocupação expressa no texto preambular do diploma nos seguintes termos: "a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso". No julgamento da matéria de facto, o tribunal aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, excepto quando a lei exija formalidades especiais para a prova de factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada (art° 655 nºs 1 e 2 do C.P.C.). Nessa decisão, o tribunal declarará quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificará os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador - art° 653 na 2 do CPC. A análise crítica das provas pressupõe uma ponderação explicitada e exteriorizada dos meios de prova produzidos. É pela fundamentação invocada para a decisão que, normalmente, se afere a correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas. Mas, a livre apreciação das provas segundo a prudente convicção do juiz é, salvo quando a lei disponha em sentido contrário (v.g. prova documental ou confessória), uma actividade lógica e racional que se desenvolve no foro íntimo do julgador, incontrolável pelas partes e pelas instâncias de recurso, isto é, sem que aquelas possam calcular antecipadamente o resultado das provas nem prever com segurança os meios, motivos e momento em que se completa a formação da convicção necessária para decidir, nem estas possam censurar e controlar posteriormente tal actividade. Se pela fundamentação da decisão se conclui que a convicção do juiz foi formada a partir dessa análise, está o tribunal de recurso impedido de a censurar, a menos que na formação de tal convicção ocorresse violação de normas legais sobre as provas. E na formação dessa convicção, entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova - seja audio ou vídeo - por mais fiel que ela seja das incidências concretas da audiência. Por isso, o controle da 2a instância sobre a decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância não visa a formação de uma nova convicção sobre cada facto impugnado, mas sim a razoabilidade da fundamentação invocada para a formação daquela convicção. Ou seja, o que decorre das alíneas a), b) e c) do nº 1 do art° 712 do C.P.C. é que a sindicância da Relação em sede de matéria de facto não visa alterar a decisão de facto com base na susceptibilidade de uma convicção diversa, fundada no depoimento das mesmas testemunhas, mas sim modificar o julgamento da matéria de facto porque as provas produzidas na 1ª instância impunham decisiva e forçosamente, outra diversa da aí tomada. O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios ou leis científicas, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório ou evidente), seja também quando a apreciação e valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas excluindo este. Não basta, pois, que as provas permitam, dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os art°s 690-A nº 1 al. b) e 712 n° 1 al. a) e b) do CPC, terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento. Portanto, impugnada a matéria de facto controvertida e julgada com base em prova gravada, a 2a instância pode alterá-la desde que os elementos de prova (normalmente depoimentos) produzidos e indicados pelo recorrente como mal ou incorrectamente apreciados, imponham forçosamente, isto é, em juízo de certeza (que não de mera probabilidade ainda que elevada) e sem margem para quaisquer dúvidas, outra decisão. Se a interpretação, apreciação e valoração das provas permitir uma decisão, diversa da proferida mas sem excluir logicamente a razoabilidade desta, neste caso, pode haver erro na apreciação das provas, mas não será juridicamente relevante para efeitos de modificação da matéria de facto pelo Tribunal Superior. A divergência quanto à decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto será relevante na Relação apenas quando resultar demonstrada pelos meios de prova indicados pelo recorrente a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, sendo necessário para que ele se verifique, que os mencionados meios de prova se mostrem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente (cfr. Ac. R.C. de 3/10/2000, CJ T.IV, pág. 27) Ora, da análise da conjugação da prova produzida sobre a matéria de facto em causa, mormente dos depoimentos registados, tendo presente o atrás exposto (com destaque para o respeito pela livre convicção do julgador) verifica-se que inexistem elementos que permitam ou imponham decisão diversa da proferida em 1ª instância, tendo suporte inteiramente razoável na prova produzida, as respostas dadas aos factos impugnados. Com efeito, no que respeita à resposta ao quesito 7°, mostra-se a mesma consentânea com a respectiva fundamentação, nos termos da qual a convicção do julgador assentou na conjugação do laudo pericial com a inspecção judicial realizada; Relativamente ao quesito 13° onde se perguntava se "a construção, antes da edificação levada a cabo pelos RR. dispunha de um logradouro luminoso e arejado?", que mereceu do tribunal resposta negativa, pretendem os apelantes que a sua alteração para provado, com base nos depoimentos das testemunhas que indica. No que respeita às respostas negativas, fundamentou o Exmo Juiz no facto de que "a prova que se formou foi menos do que suficiente para levar o tribunal a dar como provada a matéria perguntada ou para dá-la como completamente provada" . Ou seja, a prova testemunhal produzida não foi suficiente para, por si só, convencer o julgador. E, na verdade, o facto das apontadas testemunhas referirem que "antes das obras entrava o sol" não significa que então o referido logradouro fosse "luminoso" termo que contém em si um grau de luz intenso. Não existem pois, elementos de prova suficientes que imponham forçosamente resposta diferente da que foi dada. Relativamente ao quesito 15° onde se perguntava se "pelo lado oeste, a delimitação do logradouro fazia-se com um muro com cerca de 2 metros de altura?" respondeu o tribunal "Provado apenas que, do lado poente, a delimitação do logradouro dos AA. se fazia com uma edificação com cerca de quatro metros de altura". Na respectiva fundamentação pode ler-se: "Ao quesito 15° foi determinante o declarado pela testemunha …. Construtor civil de profissão depôs com sinceridade e não teve dúvida em esclarecer que construiu a parte do prédio dos RR. agora em causa, não obstante alguma discrepância entre a linguagem que está habituado a utilizar e a que foi usada para lhe colocar as questões. E foi esta testemunha quem explicou que construiu a parede a poente do quintal dos AA, mas por cima de outra antiga, pertencente a um antigo ginásio e já então com uma altura não inferior a 4 metros. Houve por isso que explicar (mais) esta resposta, já que não faria sentido um prédio antigo, mesmo térreo, somente com a altura de dois metros, conforme se perguntava" Insurgem-se os AA. quanto a esta resposta por entenderem "não ser razoável que na apreciação da prova produzida quanto a esta questão se deva valorizar o depoimento da testemunha … em detrimento de todas as outras que situam a altura do muro ou parede existente a poente do logradouro dos AA. em, no máximo três metros" Trata-se pois, de discordância em relação à convicção do julgador bem explicitada na sua fundamentação e insindicável em sede de recurso. Relativamente à resposta ao quesito 16° onde se perguntava se "Pelo lado sul, a delimitação do logradouro fazia-se com um muro também com cerca de 2 metros de altura?", respondeu o tribunal "Provado apenas que, do lado sul, a delimitação do logradouro dos AA. se fazia com um muro com a altura de cerca de 3,75 metros" No que a esta matéria respeita fundamentou o Exmo julgador a sua convicção nos seguintes termos: "A conjugação do laudo pericial com o auto de inspecção judicial determinou muito marcadamente a resposta ao quesito 16°, visto que se torna claro que o muro antigo, a sul, atingia praticamente a actual altura da passagem provada em L), pelo menos em um terço da sua largura (dele muro antigo). E visto que a dita passagem se encontra a 3,75 metros de altura quesito 2 ° - o muro a sul teria sempre de atingir aproximadamente ("cerca de ") essa altura". Ora, insurgem-se os apelantes quanto a esta resposta alegando que a mesma "só se entende por lapso" fundando-se nos depoimentos das testemunhas que indicam e bem assim no auto de inspecção judicial. Também aqui não se vislumbra qualquer razão aos AA .. Desde logo porque se se tratou de lapso, deveria ter reclamado da referida resposta no momento próprio, o que não fez. Por outro lado porque se afigura que a mesma está em consonância com os elementos que serviram de fundamento à convicção do julgador - a conjugação do laudo pericial (onde se refere, na resposta ao quesito 4° que "a altura entre o topo do muro da passagem e o pavimento do logradouro é de 5,30 metros sendo que a altura entre o pavimento da passagem e o pavimento do logradouro é de 3,75 metros") e o auto de inspecção judicial onde se constatou que a parede antiga, na sua parte mais alta atingia a plantibanda ou friso de separação entre o r/c e o 1° andar dos AA., parede sobre a qual (após reconstrução do muro até àquela altura) foi construído o pavimento da passagem provada em L); Assim, não parece existirem dúvidas de que o muro antigo em causa tinha na sua parte mais alta (pelo menos em um terço da sua largura) os cerca de 3,75 metros que hoje se medem entre o pavimento o logradouro e o pavimento da passagem. Quanto ao quesito 18° onde se perguntava se "Em resultado da falta de exposição ao sol, desenvolveram-se musgos e fungos ao longo das paredes e no chão?", respondeu o tribunal, restritivamente "Provado apenas que existem musgos e fungos ao longo das paredes e no chão". Insurgem-se os apelantes contra tal resposta, pretendendo que a prova produzida, pericial e testemunhal que indicam aponta no sentido de que existe uma relação directa entre a falta de exposição à luz solar directa do logradouro e o aparecimento dos musgos e fungos no mesmo pelo que a resposta teria que ser totalmente provada. No que se refere à fundamentação deste quesito louvou-se o Exmo Juiz "predominantemente no laudo pericial e em parte no auto de inspecção judicial" Ora, compulsado o primeiro não resulta efectivamente que o "desenvolvimento" de musgos e fungos ao longo das paredes e chão do logradouro dos AA. seja resultado da falta de exposição directa à luz solar, decorrente das construções levadas a efeito pelos RR .. Com efeito na sequência da pergunta formulada no quesito 14° onde se perguntava se "A partir da construção da parede feita pelos RR. no extremo oeste o logradouro deixou de ter luz" e a que os peritos responderam que "deixou de ter luz solar directa", perguntou-se em seguida se "No logradouro dos AA. desenvolveram-se musgos e fungos ao longo das paredes e no chão" ao que os peritos responderam: "Existem musgos e fungos ao longo das paredes e no chão". Isto é, os próprios peritos não estabeleceram relação directa entre os fungos e musgos existentes e a falta de exposição à luz solar directa, pois substituíram o termo verbal "desenvolveram-se" pelo termo verbal "existem" embora também afirmem que a não existência de luz solar directa amplie o aparecimento destes (quesito 16° da perícia). Só que das respostas periciais, no seu conjunto, quanto a esta matéria fica a ideia de que já antes, havendo luz solar directa o logradouro teria humidades propícias ao aparecimento dos ditos bolores e musgos (por exemplo, a resposta ao quesito 8° onde os peritos referem que "anteriormente à construção do muro o espaço em questão já não podia ser considerado lugar salubre". Também na inspecção judicial diz-se apenas que o prédio dos AA. e o muro apresentam manchas aparentemente causadas por humidade, sendo certo que o local se apresenta inteiramente seco (referindo-se que a tal não serão alheias as condições meteorológicas de seca verificadas na altura da diligência) Afigura-se, pois, totalmente razoável a resposta dada, sendo irrelevantes os depoimentos das testemunhas que o tribunal entendeu não considerar na formação da sua livre convicção. Por fim relativamente às respostas ao quesitos 22° e 23° em que se perguntava respectivamente se as zonas de humidade… (com o nascimento de fungos que se começaram a formar no interior da edificação pertencente aos AA. após as edificações levadas a cabo pelos RR.) "provocaram nas paredes e tectos o aparecimento de fissuras e o empolamento de estuques e rebocos?" e se "Tais defeitos são devidos à falta de arejamento e insolação motivados pela construção da parede no extremo oeste e também do aumento de parede no extremo sul do logradouro?", respondeu o tribunal: Quesito 22°: "Provado apenas que se verifica a existência de fissuras e o empolamento de estuques e rebocos numa zona localizada da parede sul da sala de estar dos AA." e Quesito 23º: "Provado apenas que o provado em 22° se deve a humidade". Também quanto a estas respostas o Exmo juiz fundamentou a sua convicção "predominantemente no laudo pericial e em parte no auto de inspecção judicial" . Insurgem-se os apelantes contra as mesmas entendendo que também aqui o Exmo julgador ficou aquém da prova produzida pois do depoimento da testemunha … resultará que foi a construção dos RR. que provocou as humidades e fissuras pois este terá verificado que os RR. tinham encostado a sua construção à dos AA. sem que tivessem isolado a junção entre as duas paredes pelo que é a água que ali se infiltra que provoca as humidades e fissuras. Ora, trata-se também de um depoimento que o tribunal no âmbito da sua livre convicção na apreciação da prova entendeu não valorar, dando prevalência ao laudo pericial (que nada refere a respeito da falta de "isolamento da junção entre as duas paredes") respondendo de acordo com o mesmo face, designadamente, às respostas aos quesitos 18°,21° e 22° daquele laudo. Afigura-se, pois, razoável a fundamentação das referidas respostas não existindo nos autos elementos que determinem forçosa e inequivocamente resposta diversa da dada na 1ª instância relativamente aos pontos de facto controvertidos indicados pelos apelantes. Por todo o exposto improcedem as conclusões da alegação dos apelantes no que respeita à impugnação da matéria de facto. Tem-se, pois, por assente a factualidade que vem provada da 1ª instância. Passando agora à apreciação do recurso no que se refere à incorrecta aplicação do direito defendida pelos apelantes (mesmo em face daquela factualidade): Quanto à nulidade da sentença. Invocam os apelantes a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia (artº 668 n° 1 al. d) do CPC) porquanto tendo invocado como causa de pedir, além de outras, a violação da norma do art° 73 do RGEU, o tribunal não se pronunciou a mesma. Têm razão os apelantes. Com efeito, conforme se verifica da petição inicial os apelantes alegam nos art°s 28º, 29°, 32° e 33° factos que a seu ver violam o disposto no art° 73° do RGEU, que constituem, assim, uma das causas de pedir formuladas na presente acção; Ora, compulsada a sentença sob recurso, verifica-se que, efectivamente, ela é omissa relativamente a esta questão pelo que sofre do apontado vício de nulidade, o que se impõe declarar. Todavia, dispondo este tribunal de todos os elementos necessários ao conhecimento da questão omitida, nos termos do disposto no art° 715 n° 1 do CPC, impõe-se o seu conhecimento nesta instância, o que se fará, por questão de método, pela ordem constante das conclusões da alegação dos apelantes. Constitui, pois, questão a decidir nesta sede saber se os RR. com a sua construção violaram normas do RGEU, designadamente os seus art°s 59º e 73º. Conforme resulta do disposto no art° 1305 do C. C., o direito de propriedade confere ao seu titular o gozo de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das respectivas coisas, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas. Estas limitações ao exercício do direito de propriedade, tanto podem derivar do direito privado, como do direito público. As limitações emergentes do direito privado, resultantes especialmente das relações de vizinhança encontram consagração normativa, sobretudo no artºs 1344° e segs. do C.C. As limitações emergentes do direito público, que procuram combinar o direito de propriedade com o interesse colectivo, são diversas, em correspondência com os diferentes fins relevantes a salvaguardar, como é o caso da "fixação de regras mínimas a observar na construção de edifícios, por razões de segurança, salubridade e higiene e ainda de ordem estética, ligadas nomeadamente, à boa ordenação urbanística das povoações" (Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 4a ed., pág. 201) É neste âmbito que se insere, nomeadamente, o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), aprovado pelo DL 38382 de 7/08/1951. Relativamente à aplicação deste regulamento aos interesses particulares, têm-se dividido os nossos tribunais superiores. Assim, entende parte da jurisprudência que o RGEU apenas contém limitações de direito público ao exercício de certos aspectos do direito de propriedade, não constando entre os seus fins próprios, a tutela de interesses particulares. O referido regulamento não confere qualquer direito subjectivo aos proprietários de imóveis, nem as suas normas podem ser invocadas para a protecção de direitos particulares face a outros particulares, devendo a sua aplicação concretizar-se pela via administrativa, na jurisdição própria (cfr. Acs. da R. Lx. de 24/01/91 C, T.I, p.148; de 24/06/2003 CJ T. III p. 118; da R.P. de 25/11/93 CJ T. V, p. 230; da R.C. de 16/11/99, CJ T. V p. 29). Doutro modo, oposta a esta posição, situa-se uma outra corrente que entende que o RGEU visa também a protecção de interesses particulares, protecção essa que para ser efectiva impõe o reconhecimento do correspondente direito subjectivo, incluindo o de o particular solicitar perante os tribunais judiciais a condenação de outrem na demolição de obra que fira o seu direito de propriedade por violação de normas do RGEU, desde que a Câmara Municipal tenha o poder de ordenar tal demolição (cfr. Acs. do STJ, CJ STJ T. III, p. 20; de 28/01/2003 CJ STJ T. I, p. 61; de 30/09/2004 CJ STJ, T. lII, p.37 e segs.) Os tribunais portugueses têm ainda adoptado uma posição intermédia segundo a qual, embora o RGEU não conceda direitos subjectivos a proprietários de imóveis, visa proteger também interesses particulares, cuja violação pode fundar responsabilidade civil extracontratual (cfr. Acs do STJ de 15/05/2003, proc. 03B535 e de 08/07/2003 proc. 03A2112 acessíveis in dgsi.pt; da R.Lx. de 14/11/96, CJ T. V, p. 96; da R. de Guimarães de 2/10/2002 CJ T.IV, p. 273). Conforme resulta do preâmbulo do DL 38382 que prevê o RGEU "ele interessa, em primeiro lugar aos "serviços do Estado e dos corpos administrativos" - a estes em especial - pela função directiva e disciplinadora que, através daquele instrumento legal lhes cabe exercer sobre as actividades relacionadas com as diferentes espécies de edificações (...)", ele "interessa também muito aos técnicos a quem caiba conceber e projectar uma edificação, porquanto, pela respectiva consulta para aplicação dos preceitos que estatui, os habilita a dotar a construção projectada com os requisitos necessários ao fim em vista (...)"; e "Finalmente, o regulamento interessa sobremaneira ao "público" visto que, como fruidor permanente ou temporário das habitações, o referido diploma lhe dá garantia, pela sua aplicação, de que os locais de moradias terão sido erigidos e se manterão de modo a proporcionar-lhe condições vantajosas para a sua saúde e bem-estar (. . .)" O RGEU contém normas de natureza proibitiva e impositiva que têm como destinatários todos aqueles que pretendam executar novas edificações ou quaisquer obras de construção civil, reconstrução, ampliação, alteração, reparação ou demolição das edificações e obras existentes dentro do perímetro urbano ou zonas rurais e localidades a elas equiparadas. E conforme resulta dos art°s 2° a 14° e 160° e segs., compete às autoridades administrativas a fiscalização do seu cumprimento, bem assim a tomada de medidas destinadas a cumprir esse desiderato, designadamente, o embargo das obras e a imposição da sua demolição. Assim sendo, o escopo das normas do RGEU não integra a concessão ou o reconhecimento de direitos subjectivos a particulares, isto sem prejuízo do direito que assiste a um vizinho de questionar perante as autoridades e tribunais administrativos o cumprimento e respeito pelas normas de direito público ligados ao licenciamento de construção e cujo incumprimento lese também os seus indicados direitos privados (cfr. Ac. do STA de 17/03/2005 proc. 0714/03 acessível in dgsi.pt). Porém, nada obsta a que um particular, com fundamento no seu direito de propriedade e sua violação por outro particular peça nos tribunais comuns a demolição de obras por este construídas, invocando também normas de direito público (Ac. do Tribunal de Conflitos de 16/02/2005, in dgsi.pt, proc. 14/04). Com efeito, normas há no regulamento que para além do mero interesse público da segurança, aspecto estético e salubridade das edificações, têm em vista a protecção do interesse particular do fruidor das habitações, maxime das que se situam na vizinhança das obras em execução, como é o caso das normas dos art°s 59° a 63° do RGEU as quais impõem restrições às distâncias e alturas dos edifícios, relativamente aos prédios vizinhos, por forma a que fiquem assegurados o arejamento, iluminação natural e exposição à acção directa dos raios solares, não só do prédio objecto dos trabalhos (art° 58° do RGEU), mas também dos prédios vizinhos. Ora, a violação de tais normas poderá originar responsabilidade civil extracontratual, nos termos do disposto nos art° 483 nº 1, segunda parte do C. Civil. E nesta perspectiva cumpre apreciar se os RR. violaram o RGEU e se de tal violação resulta a obrigação de demolição da obra executada em desconformidade com aquelas normas, in casu, dos art°s 59° e 73° daquele regulamento. Dispõe o art° 59 do RGEU que "a altura de qualquer edificação será fixada de forma que em todos os seus planos verticais perpendiculares à fachada nenhum dos seus elementos, com excepção de chaminés e acessórios decorativos, ultrapasse o limite definido pela linha recta a 45º traçada em cada um desses planos a partir do alinhamento da edificação fronteira, definido pela intersecção do seu plano com o terreno exterior". Sobre o conceito de "fachada" para efeitos deste artigo discordam os apelantes da sentença recorrida que entendeu referir-se unicamente à parte da frente do edifício, o seu rosto, defendendo, ao invés que "é toda e qualquer face exterior de um edifício que opera a separação entre o interior e o exterior do mesmo". Não têm, porém, razão, os apelantes; não obstante os seus doutos argumentos, pois não se nos oferece dúvida de que o legislador empregou a palavra "fachada" nos artes 59° e 60° do Regulamento no sentido de "lado principal ou fronteiro de um edificio", constituindo, aliás, jurisprudência pacífica que o estatuído naqueles artigos se aplica unicamente às fachadas principais dos edifícios (cfr. por todos, Acs. do STJ de 30/11/1995 acessível in dgsi.pt; de 26/09/96, CJ STJ T.III p. 21; do STA de 3/11/2005 proc. 0939 in dgsi.pt; da R. Lx de 20/04/2006 e de 28/09/2006, in dgsi.pt.. Cfr. ainda José Pais do Amaral, "RGEU Afastamento entre Edificações" Coimbra Editora, págs 28/31 ). Assim sendo, não é aplicável ao caso dos autos o referido art. 59 pois o provado em 9 dos factos provados descriminados na sentença recorrida ("unindo o topo da parede exterior nascente do prédio erguido pelos RR à linha de intersecção com o terreno do prédio dos AA. obtém-se uma recta com uma inclinação superior a 45º) não se refere à parede fronteira do edifício dos RR. mas a uma parede lateral/nascente. Improcedem, pois, as conclusões da alegação dos apelantes no que a esta questão se refere. Quanto à questão a violação do arte 73 do RGEU, questão que se conhece, nos termos do art° 715 do CPC em substituição do tribunal recorrido. Dispõe o art° 73 do RGEU que "As janelas dos compartimentos das habitações deverão ser sempre dispostas de forma que o seu afastamento de qualquer muro ou fachada fronteiros, medido perpendicularmente ao plano da janela e atendendo ao disposto no artº 75º não seja inferior a metade da altura desse muro ou fachada acima do nível do compartimento, com o mínimo de 3 metros. Além disso, não deverá haver a um e outro lado do eixo vertical da janela qualquer obstáculo à iluminação a distância inferior a 2 metros, devendo garantir-se, em toda esta largura, o afastamento mínimo de 3 metros acima fixado" . Pretendem os apelantes que vindo provado que a distância entre as janelas do rés-do-chão da casa dos AA. e o muro erguido pelos RR. é de 3 metros, correspondente à largura do logradouro, e que a altura da parede dos RR. é agora de 8,65 metros na parte mais elevada e de 7 metros na zona do beiral, a parede fronteira à janela não poderia ter uma altura superior a 6 metros, pelo que se mostra violado o referido dispositivo legal. Também quanto a esta questão afigura-se-nos que não assiste razão aos apelantes. É que, a norma do art° 73°, à semelhança da norma do art° 58°, regula as condições dos edifícios a construir, ou seja, in casu, a obrigação do afastamento mínimo a que se refere este artigo é para as construções a edificar que tenham janelas que deitem sobre muro ou fachada fronteira, o que não é o caso da janela em apreço existente na casa dos AA. Como se decidiu no recente Ac. do STJ de 24/10/2006 "O artO 73º preocupou-se apenas com a fixação de requisitos exclusivamente respeitantes ao edifício a construir ao exigir a distância mínima de três metros entre as janelas nele abertas e o muro ou fachadas a elas fronteiros, sendo assim, somente de aplicação ao prédio projectado e não se mostrando que este tenha na empena virada para o prédio dos AA, qualquer janela" (acessível via Internet, in dgsi.pt, proc. N° 06A2593) Improcedem, pois, in totum, as conclusões da alegação dos apelantes, impondo-se a confirmação da sentença recorrida. DECISÃO Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. Custas pelos apelantes. Évora, 2007.03.08 |