Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
415/23.6T8STB.E1
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: ABUSO DE DIREITO
BOA-FÉ
SOCIEDADES COMERCIAIS
REPRESENTAÇÃO
DIVIDENDOS
Data do Acordão: 02/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Uma das modalidades do abuso de direito, denominada suppressio, consiste na situação do direito que, não tendo sido, em certas circunstâncias, exercido durante um determinado lapso de tempo, não possa mais sê-lo por, de outra forma, se contrariar a boa fé.
2 - A “boa fé” deve entender-se como norma de conduta ou princípio de atuação, significando que as pessoas devem comportar-se no exercício dos seus direitos e deveres com honestidade, correção e lealdade, de molde a não defraudar a legítima confiança ou expectativa dos outros.
3 - Constitui abuso de direito a invocação da insuficiência da assinatura de apenas um dos membros do Conselho de Administração da ré para a vincular, quando: a) aquela é imputável à própria sociedade-ré, a qual não podia deixar de saber que era necessária a assinatura de outro administrador para a vincular; b) tal invocação ocorre depois de mais de dez anos passados sobre a assinatura do documento assinado em representação da sociedade ré por apenas um membro do seu conselho de administração e através da qual esse membro da administração declarou, em representação da sociedade ré, que esta iria proceder à transferência dos dividendos correspondentes às ações sobre o seu capital social de que são titulares os garantes do crédito do Banco Autor, nos termos por aqueles indicados; c) a sociedade ré transferiu, em 2013, 2019 e 2022, e nos termos indicados pelos mesmos garantes, seus acionistas, os dividendos correspondentes aos exercícios de 2012, 2018 e 2021, respetivamente.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 415/23.6T8STB.E1
(2.ª Secção)

Relatora: Cristina Dá Mesquita
Adjuntos: José Saruga Martins
Maria Domingas Simões


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
(…) – Vinhos de Portugal, SA, ré na ação declarativa comum que lhe foi movida pelo Banco (…), SA, interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo de Comércio de Setúbal, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o qual julgou a ação totalmente procedente e, em consequência, condenou a ré a proceder à transferência para a conta de depósito à ordem n.º (…), aberta junto do autor, do montante correspondente aos dividendo relativos aos exercícios sociais de 2012 a 2017, devidos relativamente às ações da ré empenhadas a favor do Banco (…), no montante global de € 1.084.891,44 (um milhão e oitenta e quatro mil, oitocentos e noventa e um euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos até 18.01.2023 no montante de € 496.251,81 (quatrocentos e noventa e seis mil e duzentos e cinquenta e um euros e oitenta e um cêntimos) e vincendos desde essa data e até efetivo e integral pagamento, à taxa legal sucessivamente aplicável a juros comerciais.

I.2.
A recorrente (…) – Vinhos de Portugal, SA formulou alegações que culminam com as seguintes conclusões:

«DA NULIDADE DA DECISÃO RECORRIDA, EM RAZÃO DA FALTA DE PRONÚNCIA SOBRE QUESTÃO EM QUE A MESMA ERA DEVIDA
A. A Sentença recorrida ao ignorar o facto do Autor não poder exigir o pedido de pagamento de dividendos à Ré, os relativos aos períodos anteriores à declaração de vencimento antecipado, violou o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, questão que a Ré expressamente suscitou, e que não se vê, sequer, analisada.
B. O Autor não dispunha de um usufruto das ações mas, sim, de um penhor – o que constitui uma garantia que depende do vencimento – artigo 675.º, n.º 1, do CPC.
C. Razão pela qual a Recorrente fez o pagamento dos dividendos de acordo com as instruções dos seus acionistas, como ficou em toda a linha demonstrado pela testemunha (…) e pelo Mapa ordenado juntar pelo Tribunal.
D. O que na Decisão Recorrida mereceu apenas: “A R. (..) vem referir (…) que sempre cumpriu com as instruções dos seus acionistas para efeitos de distribuição de dividendos.”
E. Mas a Recorrente referiu muito mais do que isso nos artigos 72º e 73º da sua Contestação, até porque a colher a interpretação do Autor, aparentemente também acolhida pelo Decisão Recorrida, de que a Recorrente emitiu uma garantia de pagamento, tal garantia seria sempre nula nos termos do artigo 6.º e 409.º do CSC, por não ter a Bacalhôa participação, nem qualquer interesse nos contratos invocados pelo Recorrido.
F. Pelo que existia matéria cuja apreciação estava dependente do tribunal a quo e que gerou omissão de pronúncia por parte deste nos termos do disposto na alínea c) do artigo 615.º do CPC, relativo às nulidades.
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
G. Da Decisão Recorrida parece resultar que a (…) – Vinhos de Portugal, SA apenas produziu a prova que resultou dos documentos cuja junção foi ordenada pelo Tribunal, pois tudo o resto foi ignorado, por não constar de tal Decisão, e sem justificação aparente, pelo menos que se consiga descortinar nela.
H. O Ponto 25 dos factos dados como provados não passa de uma alegação do Autor, sem qualquer suporte na prova produzida, da qual, quanto muito poderia levar a que desse como provado que Em 16 de março de 2012, as partes Contratuais emitiram um documento, que anexaram ao Acordo nesse dia celebrado, do qual decorre uma solicitação para que a partir dessa data o pagamento de quaisquer dividendos ou outros rendimentos relativos às Ações empenhadas fosse efetuado por crédito na conta de depósito à ordem n.º (…), aberta em nome da (…) junto do Banco (…), isto é, na CRSD, conforme documento de fls. 133 verso dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido
Depoimento da Testemunha (…) – Diligencia_415-23.6T8STB_2024- 02-07_10-27-31 aos 59 minutos em diante.
Depoimento da Testemunha (…) – Diligencia_415-23.6T8STB_2024-02-07_13-56-21 – 11 minutos e 30 segundos.
I. O Ponto 27 não tem de igual modo qualquer tipo de suporte para que seja dado como provado, ainda para mais depois de consultar a Certidão Comercial da (…) – Vinhos de Portugal, SA junta com a PI, e tanto assim é que a Ré invoca a ilegitimidade do documento n.º 7 junto com a PI para a vincular, precisamente por não cumprir com a forma de obrigar que decorria dos seus estatutos.
Depoimento da Testemunha (…), Diligência 415-23.6T8STB_2024-02-07_13-56-21 – 16 minutos
Depoimento da Testemunha (…), Diligência 41523.6T8STB_2024-02-07_10-27-31, aos 57 minutos e 30 segundos
J. Cabia ao Autor demonstrar a legitimidade da Ré e a sua vinculação aquele documento n.º 7, o que não logrou fazer, falha que o Tribunal a quo tratou de fazer através de juízo não alicerçado no direito, pois o que poderia ter dado como provado era “O referido documento foi assinado por (…) em representação da Devedora (…), e dos Garantes, ele próprio e a Associação de (…), com poderes para tanto, tendo (…) assinado em nome da (…) – Vinhos de Portugal, SA o recebimento de tal documento.
K. O Ponto 35 não tem qualquer cabimento e é contrário à prova feita, tanto documental como testemunhal, da qual resulta que a (…) – Vinhos de Portugal, SA essa transferência na sequência de uma troca de mails entre a Testemunha (…) com a Testemunha (…)
Depoimento Testemunha (…), Diligencia_415-23.6T8STB_2024-02-07_13-56-21, minuto 14.
L. Até porque a (…) – Vinhos de Portugal, SA não tinha conhecimento de qualquer conta, para além das que lhe eram comunicadas pelo Acionista, devendo o Tribunal dar como provado que “Em Julho de 2019, a (…) transferiu para a conta indicada pelo Banco (…), por referência ao exercício de 2018, os dividendos relativos às acções empenhadas, em conformidade com o mail de (…) de 2 de Julho de 2019, em resposta ao mail de (…), de 27 de Junho de 2019, junto em audiência de julgamento a fls. (…)
M. O Ponto 36 ao começar por “de igual modo” também não tem como ser dado como provado, devendo dele constar “De igual modo (…) e por referência ao exercício de 2021, a
(…) – Vinhos de Portugal, SA voltou a transferir para a conta então indicada pelo Banco (…)
N. O Ponto 37 é uma mera alegação do Autor, claramente contrariada pelos depoimentos das Testemunhas (…), (…) e (…), e ainda do mapa junto por ordem do Tribunal.
O. Pois a 24 de maio de 2013 a BVP transferiu o valor de € 154.429,52 para a conta junto do Banco (…), PT50 … (Conta Responsável Serviço Dívida), a 23 de maio de 2014 transferiu € 187.521,56 para a conta junto do Banco (…), PT50 (Conta Corrente Caucionada), que com data valor desse mesmo dia, o Autor tratou de creditar na conta PT50 (…) (CRSD), a 1 de junho de 2015 transferiu € 187.521,56 para a conta junto do Banco (…) e esta conta PT50 (…) (CCC), e a 28 de junho de 2016 transferiu € 165.450,20 para a conta junto do Banco (…), PT50 (…) (CCC), tudo de acordo com instruções do seu acionista, a (…).
P. O que está em conformidade com o dado como provado no Ponto 56, que colide com este Ponto 37, do qual deveria resultar: De acordo com as instruções recebidas do acionista (…), a (…) – Vinhos de Portugal, SA transferiu os dividendos que lhe cabiam, relativos aos exercícios de 2012 a 2015, por conta das ações empenhadas pela (…), para as contas do Banco (…) PT50 (…) (dividendos de 2012) e PT50 … (2013, 2014 e 2105), tendo o valor de 2013, pago em 2014, sido depois transferido para a conta PT50 (…).
Q. Do mesmo modo, o Ponto 51 volta a assentar unicamente em alegações, não demonstradas, do Autor, pois o que resulta do quadro junto como dos depoimentos das testemunhas (…), (…) e (…), é que no que diz respeito aos dividendos de 2012 (pagos em 24 de maio de 2013), de 2013 (pagos em 23 de maio de 2014), de 2014 (pagos em 1 de junho de 2015), de 2015 (pagos em 28 de junho de 2016) eles foram todos pagos para contas tituladas pelo Acionista (…) junto do Banco (…), e todos por indicação anual do próprio acionista, sendo que por coincidência, ou não, o pagamento de 24 de Maio de 2013 foi para a tal conta identificada no documento n.º 7, junto com a PI.
R. Os dividendos devidos à (…) nos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015, pagos respetivamente em 2013, 2014, 2015 e 2016, entraram em contas do Banco (…).
Depoimento Testemunha (…), Diligencia_415- 23.6T8STB_2024-02-07_10-27-31, 1 hora e 6 minutos.
Depoimento da Testemunha (…), Diligencia_415-23.6T8STB_2024-02-07_13-56-21, 02 minutos.
Depoimento da Testemunha (…), Diligencia_415-23.6T8STB_2024-02-07_14-39-15 – 01 minutos e 30 segundos.
S. A considerar-se existir alguma obrigação da (…) – Vinhos de Portugal, SA de entregar tais dividendos nas contas do Banco (…), essa obrigação foi cumprida, tendo tais valores entrado na esfera do Banco (…) e ficado na sua disponibilidade, pelo que do Ponto 51 deveria constar Quanto aos dividendos de 2012 (pagos em 24 de Maio de 2013), de 2013 (pagos em 23 de Maio de 2014), de 2014 (pagos em 1 de Junho de 2015), de 2015 (pagos em 28 de Junho de 2016) eles foram todos pagos para contas tituladas pelo Accionista (…) junto do Banco (…), e todos por indicação anual do próprio accionista, não tendo sido transferidos os dividendos relativos (…).
T. O Tribunal dá ainda como provado, sem o fazer de forma clara e linear, que “Quanto aos demais, à data da entrada da p.i. em Juízo o Autor desconhecia ainda se os dividendos tinham sido distribuídos entre 2013 e 2016, pelo que não podem estar os mesmos prescritos.”, que fez constar do Primeiro Parágrafo da página 45 da Sentença.
U. E depois mais dá como provado que à data da entrada da p.i. em Juízo o Autor desconhecia ainda se os dividendos tinham sido distribuídos entre 2013 e 2016 e que “Acontece que, como resultou provado, o Autor apenas teve conhecimento da distribuição dos dividendos referentes aos exercícios de 2012 a 2015 em 06.07.2020 (facto 42)”, para concluir “sendo que intentou a presente ação com base em estimativas, as quais estão corretas, como se verificou pelas atas das assembleias gerais juntas pela Ré apenas em 10.01.2024 (factos 57 e 58)”.
V. Isto mesmo quando o que resulta claramente da prova, designadamente do mapa de pagamentos de dividendos da (…), é que nas datas de 24/05/2013, 23/05/2014, 01/06/2015 e 28/06/2016 a (…) – Vinhos de Portugal, SA transferiu para contas junto do Banco (…) dividendos, sendo que os únicos valores transferidos pela (…) – Vinhos de Portugal, SA para o Banco (…) diziam exclusivamente respeito a dividendos.
W. Pois o que o Tribunal nesta parte faz, eventualmente para confirmar as alegações do Autor, é considerar que o Banco (…) não tinha como saber da distribuição dos dividendos, nem dos montantes distribuídos, que só soube em julho de 2020 Mais de três anos depois da declaração de vencimento antecipado.
X. No entanto, o que o Autor fez para intentar a presente ação podia tê-lo feito logo em 2013, em 2014, em 2015 e em 2016, que foi fazer contas, que foi dar-se ao trabalho de verificar as transferências recebidas em contas por si geridas.
Y. O Tribunal trata o Autor como se de um normal cidadão, um normal agente de comércio se tratasse, pois só assim se concebe o que considera logo a seguir “Quer isto dizer que ninguém pode exercer um direito que não conhece ter, que não sabe se lhe assiste. Se o desconhece e o prazo se escoou não se pode verdadeiramente falar de inércia (há apenas decurso dum lapso de tempo) e, menos ainda, de negligência, sendo que pela prescrição se sanciona a inércia negligente do titular do direito.
Z. No entanto o Autor é tão só o maior banco privado português e quisesse o Autor, ou melhor, tivesse o A. dado ao trabalho de verificar quais os valores que foram transferidos para contas junto de si, tituladas pela (…), com a designação expressa de pagamento de dividendos, ainda para mais provenientes da (…) – Vinhos de Portugal, SA, e teria percebido imediatamente qual o montante do dividendo total distribuído em cada um desses anos (de 2012 a 2016), qual o montante do dividendo que caberia por cada uma das ações empenhadas, a cada um dos garantes, e ao devedor (…). O que é confirmado pelo depoimento das Testemunhas (…) _415-23.6T8STB_2024-02-07_11-49-36 – 21 minutos e (…), Diligencia_415-23.6T8STB_2024-02-07_13-56-21 - 23 minutos.
AA. Devendo pois ser aditado um Ponto 59 aos factos provados Não se logrou apurar a data exata em que o Autor tomou conhecimento da distribuição de dividendos no período entre 2012 e 2017, mas desde 24 de maio de 2013 que tem informação necessária para fazer esse apuramento, no que diz respeito à distribuição de 2012, desde 23 de maio de 2014 no que à distribuição de 2013 diz respeito, desde 1 de junho de 2015 no que à distribuição de 2014 concerne, e desde 28 de junho de 2016 no que à distribuição de 2015 diz respeito.
DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE DIREITO
BB. A Decisão Recorrida – em clara adesão à petição inicial e sem qualquer fundamento de direito válido – considerou a aqui Recorrente vinculada ao pagamento dos dividendos peticionados pelo Autor nesta ação, pela transcrição de tudo quanto foi alegado pelo Autor, nomeadamente quanto ao set contratual do qual a Ré nem fez parte.
CC. Mediante o despacho proferido sobre a exceção de ilegitimidade invocada pela Ré, o tribunal a quo entendeu-a legítima tendo por base a “Instrução Irrevogável datada de 16.03.2012 e junta à Petição Inicial como documento n.º 7, a qual lhe foi dirigida pelos seus
acionistas (…) – Sociedade de Gestão, SGPS, S.A. (“…”), (…) (“…”) e (…) (…).”
DD. Ora, não só a Decisão Recorrida não se cingiu, como devia, ao suposto documento que intitula de “instrução irrevogável” – em mera adesão à narrativa do Recorrido, como tal menção é feita sem qualquer escrutínio jurídico, o que sempre seria devido pelo tribunal.
EE. Como, em absoluta contrariedade com todas as disposições vigentes em matéria de obrigação de sociedades, fez uma interpretação do mesmo (no sentido da feita pelo Autor) e da vinculação da Ré que não se pode aceitar.
FF. No entendimento do tribunal a quo, o referido documento consistiu, ele próprio, numa garantia da Recorrente prestada a favor do Recorrido e em substituição da sua efetiva contraparte no ACF, os garantes acionistas da Recorrente.
GG. E é, assim, que vem agora condenar a Recorrente à entrega dos dividendos desde 2012, dividendos que se encontram todos pagos aos acionistas, e a maior parte entregue nas contas junto do Banco (…), que fez o que bem entendeu com tais valores.
HH. Sem prejuízo de considerações acerca da vinculação ou não da Recorrente à declaração nela inserta, é muito diferente considerar-se que, com o aludido documento, a Recorrente assumiu garantir o pagamento ao Autor / Recorrido, ou dizer-se que a Recorrente deu a conhecer ao Autor / Recorrido as instruções recebidas.
II. E é nesta diferença que reside o erro em que laborou, com o devido respeito, a decisão do tribunal a quo.
JJ. A aludida declaração apenas prova, aceitando-se sem conceder a teoria da vinculação, que a Recorrente informou o Autor/Recorrido de que tinha recebido as instruções aí insertas.
KK. É manifesto da aludida declaração que a Recorrente não quis, de forma alguma, prestar uma garantia mas, apenas, e tão só, fazer uma declaração de conforto relativa à eventual necessidade de execução das mesmas (em caso de execução do penhor).
LL. E só pode ter, no contexto negocial em que se insere, o sentido de uma garantia de ter sido dada a instrução de pagamento, pelo ordenante – o acionista, à Recorrente, e nunca de uma garantia dada pela Recorrente em nome do seu acionista.
MM. Ainda, no sentido da teoria cara ao tribunal a quo refira-se, a vontade real da Recorrente com a declaração constante do doc. 7 da petição inicial, não foi a de se responsabilizar prestando uma garantia atípica, mas a de comprovar uma instrução recebida de um acionista.
NN. A aludida declaração, por si só, não tem a virtualidade de gerar: nem o incumprimento dos garantes, de modo a que a garantia seja imediatamente exequível, nem desencadear a execução de que dependem esses direitos e nem a dispensa do Recorrido de informar a Recorrente do vencimento das obrigações garantidas pelo aludido penhor de ações – como muito bem foi feito a propósito do exercício dos direitos de voto.
OO. Não se pode aceitar o recurso à “Teoria da impressão do destinatário” (que se destina ao apuramento de sentido das declarações negociais).
PP. É que, perante um documento que não foi assinado pelos administradores necessários, na qualidade e com poderes para o ato, o presente caso não se enquadra nas situações em que se pretenda apurar qual o sentido de uma declaração que não é percetível.
QQ. O mal de que enferma a declaração é da falta de legitimidade do signatário para vincular a sociedade recorrente, e não qualquer carência na interpretação do seu sentido.
RR. Tão pouco cabe na letra do set contratual que a Recorrente (que não é interveniente
do mesmo) vai garantir ao Recorrido as obrigações do seu acionista, no seu lugar – como determinou a Decisão recorrida.
SS. Ainda menos resulta, que esta o vá fazer sem que haja vencimento antecipado ou execução da garantia do acionista dada ao Autor / Recorrido.
TT. Também dispõe o artigo 238.º que “Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.”
UU. O texto é inequívoco relativamente à instrução e ao conhecimento da mesma. Não pode ser extrapolado como sendo uma garantia da Recorrente dada ao Recorrido.
VV. Até é desadequado o Acórdão que cita a Decisão Recorrida sobre a aludida teoria e ao razoável esclarecimento, zelo e sagacidade do declaratário.
WW. Ora, cumpre recordar que, neste caso, o declaratário é uma instituição financeira, qualificada e com mais informação do que um declaratório normal e com mais do que as atribuições aludidas supra.
XX. Pelo que não é de convocar a aludida teoria para acautelar uma qualquer “desprotecção” deste interveniente, que bem sabia quem vinculava a Recorrente e bastou-se com as assinaturas presentes na aludida declaração.
YY. Ainda a propósito de “as circunstâncias que precederam a assinatura do documento, bem como as negociações respetivas e a finalidade prática visada pelas partes” que convoca para concluir que “é certo que a Ré se quis obrigar com a assinatura do documento, se obrigou efetivamente e o A ficou convencido dessa obrigação”, não resulta do processo nem foi alegada qualquer factualidade relativa às circunstâncias que precederam a assinatura, nem negociações, nem finalidade – não consta da matéria de facto – ainda menos relativamente à Recorrente / Ré, que não foi parte do mesmo.
ZZ. Mas refere ainda, a Decisão recorrida, que não faria sentido que o A ficasse privado de uma das suas maiores garantias do risco, o Autor sempre teria a sua garantia face ao risco, mas a sua execução dependia do incumprimento.
AAA. Reitera-se, uma garantia é isso mesmo, não visa nenhuma antecipação de cumprimento, até porque não existe incumprimento.
BBB. Mas mais. Se fazia sentido, porque não cuidou o Autor de obter uma declaração que vinculasse a Recorrente? Porque é que, até 2017, não cuidou de exigir os aludidos dividendos? Ou porque é que, quando transferidos os dividendos para a CRSD por instruções do acionista, os mesmos tenham permitido ser movimentados?
CCC. A decisão Recorrida considerou que um declaração assinada por quem não vinculou a Recorrente, que não continha uma obrigação mas um reconhecimento de uma instrução, consistiu numa garantia autónoma de pagamento de um montante de que a Recorrente não era devedora, por via de um contrato em que esta não participou e que uma instituição financeira qualificada estava convencida disso mesmo.
DDD. Mas ainda que se entenda, por bastante dever de cautela e patrocínio sem conceder, que com a Declaração a Recorrente se obrigou à transferência, essa transferência apenas seria devida após notificação da Recorrente pelo Recorrido relativa ao vencimento das obrigações subjacentes à garantia prestada pelo seu acionista, como se verá infra. (o que veio a suceder após a declaração de vencimento antecipado, foram transferidos os dividendos).
EEE. Até haver vencimento das obrigações do acionista, e de a Recorrente ser informada em conformidade com os termos contratuais que se impunha (e que foram cumpridos para o exercício do direito de voto), era ao acionista que impunha dar instruções à Recorrente relativamente à transferência dos dividendos.
FFF. Ou seja, os instrumentos previstos e assinados no contrato visavam habilitar o Recorrido em caso de Execução, mas não o isentavam de a provocar.
GGG. Pelo que era inexigível à Recorrente, porque de uma mera garantia se tratava, a entrega dos dividendos anteriormente à declaração de vencimento antecipado.
HHH. É certo que se estipulou que o penhor incluía os respetivos direitos acessórios, porém tal inclusão é, de igual modo, apenas uma garantia que depende de execução; não é controvertido que “abrangem os direitos acessórios”, mas apenas em evento de incumprimento. Até então, representam uma garantia.
III. Nos “Termos do Penhor Financeiro de Ações” referido, é expressamente mencionado que é “em garantia do cumprimento integral e atempado de todas e cada uma das obrigações”, e não “em cumprimento” das mesmas, daí que a respetiva execução dependa, tal como refere a Cláusula 3ª dos “Termos do Penhor Financeiro de Ações” que o exercício dos direitos acessórios só pode ser exercido caso se “verifique uma situação de incumprimento” ou equiparada – o que não sucedeu até 2017.
JJJ. Também quando refere que foi constituído a favor do A um penhor financeiro da CRSD no ponto específico.
iii) refere-se “o penhor sobre a CRSD pode ser imediatamente executado caso venha a ser declarada a antecipação do vencimento (Cl. 16.6) e que o mesmo “subsistirá enquanto perdurarem quaisquer das responsabilidades que assegurar, ainda que sob condição”.
KKK. Dizer que a denominada (pelo Autor, e não pelos instrumentos contratuais) “instrução irrevogável” relativa aos direitos acessórios (dividendos), cujo exercício estava contratualmente dependente do incumprimento, determinava a obrigação imediata da Recorrente de transferência dos montantes para o Recorrido, seria o mesmo que, no caso da Procuração Irrevogável dizer que a mesma determinava que o BCP detinha os direitos de voto, à partida, que este apenas veio exercer, e bem, após o momento do vencimento antecipado devidamente declarado e formalmente comunicado.
LLL. A aludida instrução não era mais do que um anexo contratual de toda uma Operação que a Ré desconhecia e cuja efetivação carecia de ser formalmente enquadrada à Ré aqui Recorrente – conforme veio a suceder no momento da Declaração antecipada de vencimento.
MMM. Como ensina o Prof. Vaz Serra (BMJ n.º 58 – 210) no seu estudo sobre o penhor “com o vencimento do penhor, tem o credor o direito de se satisfazer sobre o valor da coisa. (…) é nesse momento que o credor passa a poder exigir a sua satisfação pelo valor da coisa empenhada, dado que é nele que o credor pode reclamar a prestação para cuja garantia existe o penhor”.
NNN. Execução extraprocessual que se encontra consagrada no n.º 1 do artigo 675.º do Código Civil, que prevê que esteja vencida a obrigação.
OOO. O tribunal a quo confundiu, assim, o facto de existir um penhor sobre ações e direitos acessórios e equiparou-o a um usufruto em que, como direito real de gozo, efetivamente, os frutos do bem pertencem ao usufrutuário.
PPP. O penhor de direitos acessórios, da forma como foi configurado nos instrumentos contratuais em causa, depende de execução.
QQQ. Como bem refere Miguel Pestana de Vasconcelos (in O Penhor de participações sociais) é comum pactuar-se a atribuição dos direitos sociais ao credor a partir do incumprimento do devedor. O que as partes “pretendem com a atribuição do exercício do direito aos lucros não é criar um meio adicional de satisfação imediata da dívida…” – como entendeu o tribunal a quo, mas reforçar a posição deste para o caso de incumprimento do devedor”, incumprimento que apenas veio a ocorrer em 2017.
RRR. Concluindo que a entrega dos montantes decorrentes dos lucros ao sócio fará todo o sentido quando o valor da participação social seja já suficiente, mesmo atendendo à margem de segurança, para tutelar o credor – tudo o que sucede, in casu.
SSS. Mas ainda que assim não se entendesse, o direito aos dividendos que exige o Autor já se encontra prescrito, porquanto a Recorrente transferiu dividendos devidos à (…) para contas junto do Banco (…), estando o Recorrido em condições de saber, em todos esses anos, e através de contas simples, as distribuições de dividendos efetuadas aos titulares de acções empenhadas.
TTT. Ainda para mais sendo o Recorrido uma instituição de crédito qualificada, tendo ao seu dispor inúmeros mecanismos, recursos e pessoal habilitado, podia e devia, pelo menos desde 2017, agir com vista à salvaguarda dos seus pretensos direitos.
UUU. Escolhe só o fazer muito mais tarde, com a Notificação Judicial Avulsa, para além dos prazos de prescrição já corridos por conta dos exercícios de 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016.
VVV. Exercícios relativamente aos quais a prescrição do direito aos dividendos deve ser decretada.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deverá o presente recurso de apelação ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser a decisão do Tribunal a quo:
1) Julgada nula por omissão de pronúncia;
2) alterada na matéria de facto provada;
3) e revogada a Decisão Recorrida, com o que se fará justiça!»

I.3.
O recorrido apresentou resposta às alegações de recurso, que culminam com as seguintes conclusões:
«A. A Sentença do Tribunal a quo que julgou a ação integralmente procedente não merece qualquer censura;
B. Ao invés, censura merece a conduta da Recorrente (…) – Vinhos de Portugal, SA que, bem sabendo ter-se vinculado à obrigação de transferir para a CRSD os dividendos correspondentes às Ações Empenhadas, no contexto dos penhores financeiros constituídos a favor do Banco (…) que, igualmente, bem conhecia, vem aqui defender que aquilo a que se vinculou é “letra morta”, procurando introduzir de forma propositada a confusão nestes autos;
C. Para além de argumentos da Recorrente (…) – Vinhos de Portugal, SA não colherem, é importante não perder de vista que a presente ação tem um objeto muito circunscrito, centrando-se numa obrigação específica e autónoma de quaisquer outros contratos, assumida expressamente pela (…) – Vinhos de Portugal, SA na Instrução Irrevogável datada de 16 de março de 2012 e que consta do documento n.º 7 da Petição Inicial.
(i) Quanto à invocada nulidade da Sentença por omissão de pronúncia
D. Improcede a invocada nulidade da Sentença por omissão de pronúncia porquanto:
− As “questões” que cumpre ao Tribunal a quo não se confundem com todos os argumentos invocados pelas partes;
− A (…) – Vinhos de Portugal, SA invocou duas exceções sobre as quais o Tribunal a quo se pronunciou;
− Centrando-se a presente ação, conforme delimitada pelo Banco (…), na obrigação que a (…) – Vinhos de Portugal, SA assumiu nos termos da Instrução Irrevogável, o Tribunal a quo começou por interpretar atender a vários elementos de interpretação na determinação do sentido que atribuiu ao teor da Instrução Irrevogável e às declarações negociais aí contidas e, posteriormente, aplicando-os ao caso concreto, concluiu pela obrigação da (…) – Vinhos de Portugal, SA a transferir para a conta CRSD o montante dos dividendos correspondentes às ações empenhadas a favor do Banco (…) a partir de 16 de março de 2012, bem como pelo incumprimento de tal obrigação, justificando, assim, a procedência da presente ação;
− Como tal, de acordo com a interpretação da Instrução Irrevogável sufragada pelo Tribunal a quo, a obrigação assumida pela (…) – Vinhos de Portugal, SA produziu efeitos a partir de 16 de março de 2012, e não a partir do vencimento antecipado. Aliás, em lado nenhum o Tribunal a quo atribuiu à Instrução Irrevogável o caráter de “usufruto de ações” ou “garantia de pagamento”;
− Sucede que a Recorrente simplesmente não concorda com a decisão do Tribunal a quo.
No entanto, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia não é o meio adequado para a Recorrente sindicar o conteúdo da decisão.
(ii) Quanto à impugnação da matéria de facto
E. A respeito da impugnação da matéria de facto, é importante deixar algumas notas introdutórias:
− Em primeiro lugar, ao contrário do que sustenta a Recorrente, é falso que o Tribunal a quo tenha desconsiderado a prova produzida pela (…) – Vinhos de Portugal, SA – cfr. página 33 da Sentença, donde consta a fundamentação do Tribunal a quo relativamente à sua decisão sobre os pontos 44 a 58 da matéria de facto, a qual assentou em prova documental e testemunhal trazida pela própria Recorrente;
− Em segundo lugar, o objeto desta ação é muito circunscrito e a maioria dos factos relevantes para a boa decisão da causa encontram-se provados por documento ou por acordo das partes, assumindo a prova testemunhal uma função essencialmente complementar ou acessória, pelo que andou bem o Tribunal a quo ao considerar essencialmente a prova documental junta aos autos;
− Em terceiro lugar, o Tribunal a quo andou bem ao considerar fundamentalmente os depoimentos de quem participou diretamente nas negociações e celebração da Instrução Irrevogável (e dos demais contratos celebrados entre o Banco (…) e as entidades associadas a (…) e que ilustram o contexto e finalidade da Instrução Irrevogável) e de quem manifestou ter conhecimento da Instrução Irrevogável e seu contexto;
− Em quarto lugar, a impugnação da matéria de facto trazida pela Recorrente demonstra que, na verdade, esta discorda apenas da argumentação jurídica do Tribunal a quo; e
− Em quinto lugar, os diversos pontos da decisão de facto do Tribunal a quo que a (…) – Vinhos de Portugal, SA não impugna e com os quais se conforma demonstram a improcedência da sua impugnação.
Improcede a impugnação do ponto 25 dos factos provados, porquanto:
− A impugnação da Recorrente é confusa e, consequentemente, não se compreende verdadeiramente qual a sua discordância, o que, por si só, bastaria para concluir pela sua improcedência;
− Não obstante, a decisão do Tribunal a quo não merece qualquer reparo, uma vez que reflete aquilo que decorre do teor da Instrução Irrevogável (junta como documento n.º 7 da Petição Inicial e não impugnada pela Recorrente), bem como do depoimento da testemunha (…) que, tendo tido intervenção direta na negociação e celebração do ACF e da Instrução Irrevogável, confirmou que, apesar de constituírem contratos distintos e autónomos, ambos foram negociados e celebrados ao mesmo tempo e pelas mesmas pessoas individuais que, por sua vez, são representantes dos Garantes e da própria Bacalhôa (cfr. pontos 28, 29 e 54 dos factos provados);
− Assim, decorre expressamente da Instrução Irrevogável que, por força da mesma, os Garantes – a saber, a (…), a (…) e (…), que foram parte no ACF – solicitaram à (…) – Vinhos de Portugal, SA que, dali em diante, o pagamento de quaisquer dividendos ou outros rendimentos relativos às ações empenhadas fosse efetuado por crédito na conta de depósito à ordem número (…), aberta em nome da (…) junto do Banco (…), isto é, na CRSD;
− A título final, importa salientar que o suposto desconhecimento da Instrução Irrevogável
invocado pela Recorrente chega a assumir contornos abusivos, porquanto (i) não o alegou
na Contestação, (ii) não nega que as assinaturas que dela constam são de (…) e de (…) e, bem assim, que essas pessoas eram (e são) administradores da (…) – Vinhos de Portugal, SA e (iii) apela ao depoimento de um funcionário seu – (…) – que, para além de não ser administrador da (…) – Vinhos de Portugal, SA, afirmou desconhecer, sem o dever de conhecer, os documentos dirigidos ou assinados pela administração da (…) – Vinhos de Portugal, SA, pelo que o seu desconhecimento quanto à Instrução Irrevogável sempre seria irrelevante.
Improcede a impugnação do ponto 27 dos factos provados, porquanto:
− A alegação da Recorrente demonstra a própria improcedência da sua impugnação, uma vez que reflete que a (…) – Vinhos de Portugal, SA não discorda verdadeiramente do facto que impugna, porquanto não nega (i) a identidade da pessoa que assinou a Instrução Irrevogável em representação dos Garantes (isto é, …) e da (…) – Vinhos de Portugal, SA (isto é, …), (ii) que os Garantes eram a (…), (…) e (…), (iii) que (…) é filho de (…);
− O que a (…) – Vinhos de Portugal, SA pretende questionar é a suficiência ou insuficiência de poderes de (…) para representar a (…) – Vinhos de Portugal, SA. No entanto, tal discussão constitui matéria de direito que, como tal, não cumpre apreciar em sede de impugnação da matéria de facto;
− Sem prejuízo do acima referido, os meios de prova indicados pela Bacalhôa no ponto 33 das suas alegações não são relevantes para este efeito.
H. Improcede a impugnação dos pontos 35 e 36 dos factos provados, porquanto:
− Os pontos 35 e 36 dos factos provados correspondem aos artigos 39º e 40º da Petição Inicial, que não foram impugnados na Contestação e, como tal, resultam provados por acordo das partes;
− A (…) – Vinhos de Portugal, SA não contesta que os dividendos relativos aos exercícios de 2018 a 2021 foram transferidos para a CRSD, correspondente à conta indicada na Instrução Irrevogável.
Pretende apenas sustentar o seu suposto desconhecimento da Instrução Irrevogável e da CRSD aí indicada – que não corresponde à verdade, conforme resulta dos pontos 26 e 28, 32 e 38 dos factos provados, que a (…) – Vinhos de Portugal, SA não impugnou –, baseando-o no depoimento prestado por um funcionário seu (a testemunha …) que atestou não pertencer ao Conselho de Administração, não ter participado nas negociações e celebração dos ACF e da Instrução Irrevogável e não ter conhecimento dos documentos assinados ou dirigidos ao Conselho de Administração da (…) – Vinhos de Portugal, SA ou ao Presidente da mesa da assembleia geral da (…) – Vinhos de Portugal, SA;
− O email com base no qual a Recorrente fundamenta a sua impugnação – a saber, o email
enviado pela testemunha (…) à testemunha (…) em 2 de julho de 2019 – corrobora que após julho de 2019, os dividendos correspondentes às ações empenhadas foram efetivamente transferidos pela (…) – Vinhos de Portugal, SA para a CRSD, em conformidade com a Instrução Irrevogável.
I. Improcede a impugnação dos pontos 37 e 51 dos factos provados, porquanto:
− A impugnação dos pontos 37 e 51 dos factos provados não contraria a decisão proferida pelo Tribunal a quo, segundo a qual os dividendos correspondentes às Ações tituladas pela (…), (…) e (…) e empenhadas a favor do Banco (…), relativos aos exercícios sociais de 2012 a 2017, não foram transferidos para a CRSD, tendo apenas sido transferidos, relativamente aos exercícios de 2012 e 2013, os dividendos correspondentes às ações empenhadas pela (…);
− A decisão do Tribunal a quo assenta na prova produzida nestes autos:
(i) Quanto às ações empenhadas detidas por (…) e pela (…), foi a própria (…) – Vinhos de Portugal, SA que confessou nestes autos, mediante requerimento de 21 de novembro de 2013 (ref.ª Citius 7627845), que “nunca transferiu quaisquer dividendos entre 2013 e 2018 (exercícios de 2012 a 2017) que fossem devidos ao (…), ou à (…), para contas junto do Banco (…), pura e simplesmente por não reconhecer qualquer obrigação sua para o fazer”.
(ii) Quanto às ações empenhadas detidas pela (…), a (…) – Vinhos de Portugal, SA veio juntar um documento aos autos, mediante requerimento de 10 de janeiro de 2024 (ref.ª Citius 7726823), do qual decorre que, ao contrário do que a (…) – Vinhos de Portugal, SA havia defendido na sua Contestação (cfr. artigos 53º, 60º e 67º), não transferiu quaisquer montantes para a CRSD (conta bancária com o IBAN PT50 …) entre 2014 e 2018;
− Acresce que, mesmo que se admitisse que outros dividendos foram eventualmente pagos
à (…) para outras contas bancárias tituladas pela mesma junto do Banco (…), sobre as quais não incide o penhor financeiro constituído a favor do Banco (…), nem as limitações previstas no ACF, tal sempre seria absolutamente irrelevante para a boa decisão da causa, uma vez que aqui se discute o incumprimento da obrigação da (…) – Vinhos de Portugal, SA a transferir montantes para a CRSD. Mas mais do que isso: tal sempre corroboraria a necessária procedência desta ação;
− Por fim, a matéria factual que a (…) – Vinhos de Portugal, SA pretende introduzir na lista de factos provados já resulta do ponto 56 da lista de factos provados.
J. Improcede o requerido aditamento pontos 59 dos factos provados, porquanto:
− A prova produzida nestes autos demonstra que, conforme considerado provado, e bem, pelo Tribunal a quo, apesar das insistências do Banco (…) para obter informação relativa à distribuição de dividendos, por forma a apurar o (in)cumprimento da obrigação a que a (…) – Vinhos de Portugal, SA se vinculou nos termos da Instrução Irrevogável, a (…) – Vinhos de Portugal, SA remeteu-se sucessivamente ao silêncio (cfr. pontos 31, 32 e 38 a 41 dos factos provados);
− Apenas em 8 de julho de 2020 a (…) – Vinhos de Portugal, SA disponibilizou parte dos elementos solicitados pelo Banco (…) e que lhe permitiam apurar se e em que medida é que a obrigação assumida pela (…) – Vinhos de Portugal, SA na Instrução Irrevogável vinha sendo cumprida (cfr. ponto 43 dos factos provados, não impugnado pela Recorrente), nada tendo disponibilizado quanto aos dividendos referentes aos exercícios de 2012, 2013, 2014 e 2015 (cfr. ponto 46 dos factos provados, não impugnado pela Recorrente), relativamente aos quais foi apenas 10 de janeiro de 2024, mediante a junção a estes autos (determinada pelo Tribunal a quo, a requerimento do Banco) das atas das assembleias gerais da (…) – Vinhos de Portugal, SA que aprovaram as contas desses mesmos exercícios, que o Banco (…) pôde finalmente obter conhecimento acerca do montante dos dividendos distribuídos (cfr. ponto 58 dos factos provados);
− Como tal, a (…) – Vinhos de Portugal, SA vem sustentar nestes autos que o Banco (…) deveria conhecer uma informação que sucessivamente solicitou à (…) – Vinhos de Portugal, SA e que esta sucessivamente omitiu…
− Apenas com o conhecimento das deliberações sociais tomadas pela (…) – Vinhos de Portugal, SA relativamente à distribuição de dividendos é que o Banco (…) poderia aferir do montante total de dividendos distribuídos relativamente a cada exercício social, conforme explicaram as testemunhas (…) e (…).
(iii) Quanto à impugnação da matéria de direito
K. Como se avançou, o centro desta ação, que constitui a respetiva causa de pedir, consiste na Instrução Irrevogável junta aos autos como documento n.º 7 da Petição Inicial, a qual dispõe que:
Tendo presente o penhor das ações representativas do V. capital social de que somos titulares, constituído pelas signatárias a favor do Banco (…), (…) solicitamos a V. Exas. que de ora em diante o pagamento de quaisquer dividendos ou outros rendimentos relativos às referidas ações seja efetuado por crédito da conta a conta de depósito à ordem n.º (…), domiciliada junto do Banco (…).
A presente instrução é emitida em benefício do Banco (…), pelo que apenas poderá ser alterada ou revogada com o consentimento deste” (cfr. pontos 25 e 26 dos factos provados).
L. A aludida Instrução Irrevogável surgiu no contexto dos penhores financeiros constituídos a favor do Banco (…) sobre (i) 16.508.157 ações da (…) – Vinhos de Portugal, SA detidas por (…), (…) e (…), incluindo os respetivos direitos acessórios, e (ii) a totalidade do saldo da conta de depósito à ordem n.º (…), aberta em nome da (…) junto do Banco (isto é, a CRSD), podendo, após a sua execução, o Banco proceder à mobilização do saldo disponível na CRSD para efeitos de reembolso dos créditos garantidos (cfr. pontos 4 a 6, 15 a 22 dos factos provados).
M. Assim, conforme nos explicaram a testemunhas (…) e o depoente (…), a CRSD foi constituída no contexto do ACF, com a finalidade específica e exclusiva de receber os fluxos gerados pelas participações financeiras que integravam a garantia constituída a favor do Banco (…), pelo que, uma vez verificados os pressupostos, podiam ser executados para pagar a dívida.
Consequentemente, a Instrução Irrevogável tinha o propósito exclusivo de garantir a canalização dos rendimentos das ações empenhadas para a CRSD.
N. Tal contexto e finalidade da Instrução Irrevogável era do perfeito conhecimento da (…) – Vinhos de Portugal, SA, uma vez que, apesar de não ter sido parte no ACF, os seus representantes (a saber, … e …) são igualmente representantes dos Garantes (ou, no caso de …, próprio Garante) que subscreveram o ACF e, por isso, conheciam perfeitamente os penhores financeiros constituídos a favor do Banco (cfr. pontos 28, 29 e 54 dos factos provados). Além do mais, conforme confirmou a testemunha (…), os referidos administradores da (…) – Vinhos de Portugal, SA (… e …) eram interlocutores das várias entidades do Grupo (…) nas negociações do ACF.
O. Acresce que, para além do elemento teleológico, apurado em função do seu contexto e
finalidade, também o próprio elemento literal da Instrução Irrevogável não deixa dúvidas quanto ao sentido das declarações negociais aí contidas, pois esta é clara quanto (i) à obrigação da (…) – Vinhos de Portugal, SA, objeto da instrução (a saber, efetuar o pagamento de quaisquer dividendos ou outros rendimentos relativos às ações empenhadas para determinada conta), (ii) ao seu âmbito temporal (a saber, “de ora em diante” e, como tal, a partir de 16 de março de 2012) e (iii) à conta para a qual deveriam ser transferidos os montantes (a saber, a conta de depósito à ordem n.º (…), domiciliada junto do Banco (…), que, conforme resulta das cláusulas 1.1.(g) do Contrato de Financiamento com Penhor e 1.1.(f) dos Termos do Penhor Financeiro de Ações, corresponde à CRSD.
P. Tendo ainda sido convencionada a sua irrevogabilidade e imutabilidade sem o consentimento do Banco (…) – pelo que a (…) – Vinhos de Portugal, SA sabia que quaisquer indicações que posteriormente recebesse dos Garantes, seus acionistas, sobre esta matéria, não teriam qualquer eficácia se não houvesse consentimento do Banco (…) para alterar a referida instrução –, a testemunha (…) confirmou que o Banco (…) nunca autorizou qualquer alteração ou revogação da Instrução Irrevogável.
Q. E sempre se diga que a necessária procedência da presente ação não queda afetada pela
circunstância de os montantes peticionados terem sido eventualmente transferidos diretamente para os Garantes, uma vez que tal pagamento não tem qualquer eficácia liberatória da obrigação assumida pela Bacalhôa, conforme o disposto no artigo 770.º do Código Civil.
R. Por sua vez, no que diz respeito à declaração de vontade da (…) – Vinhos de Portugal, SA, decorre expressamente da Instrução Irrevogável que esta se comprometeu a cumprir a instrução de transferência dos dividendos e quaisquer outros rendimentos inerentes às ações empenhadas nos termos que os Garantes indicaram, em benefício do Banco (…), porquanto declarou que “Recebemos a presente instrução e agiremos em conformidade” e apôs a sua assinatura no referido documento.
S. Como tal, a Instrução Irrevogável constitui um negócio jurídico autónomo e o seu teor é claro e não deixa margem para dúvidas: a (…) – Vinhos de Portugal, SA assumiu, expressamente, em benefício do Banco (…), a obrigação de realizar o pagamento de quaisquer dividendos ou outros rendimentos relativos às referidas ações empenhadas por crédito na CRSD (cfr. páginas 39 a 41 da Sentença).
T. No entanto, apesar de ter distribuído dividendos por referência aos exercícios sociais de 2012 a 2017 (cfr. pontos 44, 47, 49 e 51 dos factos provados), a (…) – Vinhos de Portugal, SA não logrou cumprir a obrigação que assumiu (cfr. ponto 37 dos factos provados), em contornos, aliás, especialmente gravosos, porquanto ignorou sucessivamente os pedidos de informação que o Banco (…) lhe foi dirigindo relativamente à distribuição de dividendos (cfr. pontos 31, 32, 38 a 41 e 46 dos factos provados), pelo que, conforme, e bem, concluiu o Tribunal a quo, deve ser condenada, em cumprimento da Instrução Irrevogável, a transferir para a CRSD os dividendos correspondentes às ações empenhadas que não transferiu (cfr. pontos 45, 48, 50 e 51 dos factos provados), no valor total de € 1.084.891,44, ao qual acrescem juros de mora à taxa sucessivamente aplicável a juros comerciais.
U. Acresce que os argumentos invocados pela (…) – Vinhos de Portugal, SA para tentar reverter a decisão proferida pelo Tribunal a quo não procedem:
− Em primeiro lugar, é falso que a obrigação da (…) – Vinhos de Portugal, SA apenas produzisse efeitos após o vencimento antecipado da dívida, uma vez que (i) decorre expressamente do teor da Instrução Irrevogável que a obrigação da (…) – Vinhos de Portugal, SA produziria efeitos “de ora em diante” – e, por isso, a partir de 16 e março de 2012 –, não se encontrando sujeita a qualquer condição prévia nem, muito menos, à declaração de vencimento antecipado da dívida; (ii) a tese da Recorrente foi contrariada pela sua própria testemunha, (…); (iii) não está em causa qualquer execução da garantia ou sequer o exercício de quaisquer direitos acessórios pelo Banco (a conta CRSD é titulada pela …, mas o seu saldo é objeto de penhor), mas sim o incumprimento de uma obrigação contratual e autónoma que a (…) – Vinhos de Portugal, SA assumiu expressamente e em benefício do Banco (…) que, naturalmente, não depende de qualquer vencimento antecipado da dívida da (…).
− Em segundo lugar, é igualmente falso que a Instrução Irrevogável não tenha sido assinada por quem vincula a Recorrente, uma vez que esta se encontra objetivamente assinada por dois administradores da (…) – Vinhos de Portugal, SA (a saber, … e …), conforme resulta dos pontos 27, 28, 29 e 54 dos factos provados, que, como tal, demonstraram a sua concordância relativamente ao seu teor, pelo que andou bem o Tribunal a quo (cfr. páginas 39 e 40 da Sentença). Ao que acresce que a argumentação da Recorrente sempre seria abusiva, uma vez que, para além de tal vício formal lhe ser imputável, é manifestamente contrário à boa-fé que esta, decorridos mais de 10 (dez) anos, se prevaleça de um vício que a própria causou (artigo 334.º do CC).
− Em terceiro lugar, também não é verdade que a obrigação da (…) – Vinhos de Portugal, SA tenha prescrito.
Por um lado, tratando-se do cumprimento de uma obrigação contratual autónoma, o prazo de prescrição é de 20 anos (cfr. artigo 309.º do Código Civil) e, obviamente, ainda não decorreu. Por outro lado, mesmo que se entendesse que o prazo de prescrição é de 5 anos, o mesmo interrompeu-se, por força da notificação judicial avulsa de 28 de abril de 2021, relativamente aos dividendos relativos aos exercícios de 2015, 2016 e 2017 (cfr. pontos 57 e 58 dos factos provados) e, quanto aos demais dividendos, o Banco (…) apenas teve conhecimento da distribuição de tais dividendos em 6 de julho de 2020 (cfr. ponto 42 dos factos provados e página 45 da Sentença) e dos respetivos montantes em 10 de janeiro de 2024 (cfr. pontos 57 e 58 dos factos provados e página 45 da Sentença), pelo que antes dessa data não poderia exercer o seu direito e, como tal, o prazo de prescrição não iniciou a sua contagem, nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil.
Adicionalmente, cumpre salientar caráter novamente abusivo da alegação da Recorrente, pois conforme está provado nestes autos (cfr. pontos 31, 32, 38, 39, 40, 41, 42, 43 e 46 dos factos provados), a (…) – Vinhos de Portugal, SA recusou-se sucessivamente a fornecer ao Banco (…) a informação por este solicitada e que lhe permitia apurar se e em que termos foram distribuídos dividendos pela (…) – Vinhos de Portugal, SA, pelo que contribuiu diretamente com a sua conduta omissiva para que o Banco (…) ficasse impedido de compreender cabalmente se a (…) – Vinhos de Portugal, SA vinha cumprindo ou não a obrigação assumida na Instrução Irrevogável.
− Em quarto lugar, e por fim, é do mais elementar senso comum que, mesmo que os dividendos correspondentes às ações empenhadas tenham sido transferidos para outra conta bancária titulada pela (…) junto do Banco (…), tais montantes não entram na esfera jurídica do Banco (…), pois (i) o Banco (…) não é titular dessa conta bancária; (ii) os montantes depositados nessa conta bancária não pertencem ao Banco (…) e não constituem transferências ou pagamentos efetuados ao Banco (…); e (iii) o Banco (…) não tem poderes de movimentação sobre os montantes aí depositados.
(iv) Dispensa do remanescente da taxa de justiça
V. Deverá ainda ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça devido pela presente apelação ou, subsidiariamente, pelo menos, reduzido, porquanto encontram-se verificados os pressupostos de dispensa previstos no n.º 7 do artigo 6.º do RCP e, além do mais, a tributação do recurso de apelação por intermédio da aplicação tabelar do RCP implicaria uma oneração excessiva e desajustada das partes (artigo 20.º da CRP).
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, requer-se a V. Exas. se dignem julgar o presente recurso integralmente improcedente, mantendo-se na íntegra a Sentença recorrida.
Adicionalmente, requer-se a V. Exas. que seja dispensado, ou subsidiariamente reduzido, o pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos supra peticionados.»

I.4.
O recurso foi admitido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.
As questões a decidir são as seguintes:
1 – Nulidade da sentença.
2 – Impugnação da decisão de facto.
3 – Reapreciação do mérito da decisão.
4 – Dispensa do remanescente da taxa de justiça.

II. 3.
FACTOS
II.3.1.
O tribunal a quo julgou provada a seguinte factualidade:
«1. O A. é uma sociedade comercial que tem por objeto o exercício da atividade bancária com a latitude consentida na lei.
2. A R. é uma sociedade anónima que se dedica à produção agrícola e pecuária, comércio de vinhos e derivados e também organização de atividades de animação turística.
3. Parte das ações representativas do capital social da Ré é detida pelos seguintes acionistas (doravante conjuntamente designados “Acionistas” ou “Garantes”), conforme resulta nomeadamente das listas de presenças das assembleias gerais da Ré ocorridas em 24 de maio de 2019 e 3 de julho de 2020:
• (…) – Sociedade de Gestão, SGPS, S.A, pessoa coletiva n.º (…), com sede na Rua da (…), n.º 32, (…) (“…”);
• (…), associação sem fins lucrativos, pessoa coletiva n.º (…), atualmente com sede no (…), n.º 172, (…) (doravante também designada “…” ou “…”); e pelo
• Sr. (…) (“…”).
4. No âmbito de financiamentos contraídos pela (…) junto do Banco (…) entre 1998 e 2009, foram constituídos penhores financeiros sobre ações da R. a favor do Banco (…) para garantia do bom cumprimento das responsabilidades assumidas pela (…).
5. Assim, o A. é titular de, entre outros, penhores financeiros sobre:
a) Um total de 16.508.157 ações representativas do capital social da Sociedade, detidas pela …, pela … e por … (“Ações” ou “ações empenhadas”), conforme discriminado na seguinte tabela:
Acionista / Garante N.º ações empenhadas
- Sr. (…) – 4.156.978
- (…) – 1.320.499
- (…) – 11.030.680
b) A totalidade do saldo da conta de depósito à ordem n.º (…), aberta em nome da (…) junto do Banco … (Conta Reserva do Serviço da Dívida, “CRSD”).
6. Os Garantes foram dando conhecimento à (…) – Vinhos de Portugal, SA da constituição dos penhores financeiros a favor do Banco (…) sobre as ações por si detidas, solicitando-lhe que promovesse os correspondentes registos, o que a (…) – Vinhos de Portugal, SA fez.
7. Na sequência de negociações para o efeito havidas, em 16 de março de 2012, o conjunto de financiamentos concedidos pelo Banco (…) à (…) veio a ser objeto do Acordo de Consolidação de Financiamentos (doravante “ACF”), o qual se mostra junto como documento nº 6 de fls. 88 a 133, tendo como partes, por um lado, o Banco (…) e, por outro, a (…) e os demais Garantes.
8. No âmbito do referido ACF, as partes acordaram consolidar num só financiamento a totalidade dos aludidos financiamentos e das respetivas garantias, modificando-lhes os respetivos termos e condições contratuais nos termos previamente ajustados, que passaram a constar do ACF e respetivos anexos (cfr. Cláusula 1.1. do Acordo).
9. Não constituindo, nem produzindo os efeitos de uma novação de dívida (cfr. Cláusula 1.6. do ACF), convencionou-se no ACF que, após consolidação, se manteriam em pleno vigor e eficácia as garantias – que são identificadas no Anexo B – constituídas a favor do Banco (…) no âmbito dos financiamentos objeto de consolidação, que passariam a cobrir todas e cada uma das obrigações que para a (…) resultassem do contrato que veio a materializar o financiamento consolidado e que constitui o Anexo 1.3. do ACF (cfr. Cláusula 1.3. do ACF).
10. Mais se convencionou que os financiamentos consolidados nos termos do ACF e as garantias prestadas no âmbito dos mesmos passariam a reger-se exclusivamente pelos termos e condições constantes do Anexo 1.3. do ACF (cf. Cláusula 1.3. do ACF).
11. O referido Anexo 1.3. do ACF corresponde ao Contrato de Financiamento com Penhor que passou a vigorar entre as partes.
12. Na esteira do que se havia convencionado na Cláusula 1.3. do ACF quanto à sua manutenção e validade, na Cláusula 15 do Contrato de Financiamento com Penhor veio a ser clausulado que, após consolidação, se manteriam em pleno vigor e eficácia as garantias constituídas a favor do Banco (…), SA no âmbito dos financiamentos objeto de consolidação incluindo os penhores financeiros sobre as 16.508.157 ações representativas do capital social da (…) – Vinhos de Portugal, SA , passando a reger-se pelos termos e condições do Sub-Anexo 15. (a), ou seja, pelos Termos do Penhor Financeiro de Ações – cfr. Cláusulas 1.1(a) e 15.1(a) do Contrato de Financiamento com Penhor, bem como lista de Ações Empenhadas, que constitui o seu Sub-Anexo 1.1(b).
13. Assim, de acordo com o disposto na Cláusula 15.1(a) do Contrato de Financiamento com Penhor, a (…), a (…) e (…) constituem a favor do Banco (…), SA as garantias enumeradas no Anexo B., desde já acordando as partes que os penhores de Ações mantêm-se em vigor, passando a reger-se nos seus aspetos contratuais pelos termos e condições constantes do Sub-Anexo 15.(a).
14. No Apêndice 1.1. dos Termos do Penhor Financeiro de Ações são identificadas, como parte dos Ativos Financeiros empenhados, as 16.508.157 ações representativas do capital social da (…) – Vinhos de Portugal, SA, dadas em penhor pela (…), pela (…) e por (…):
“Apêndice 1.1.
Ativos Financeiros
Conta Títulos-(…)
Titular-(…)
Ações-(…), Vinhos de Portugal, SA
Emissão-(…)
Cofre-Banco (…), SA
Quantidade-11.030.680
Modalidade/Forma de Representação-Ações Ordinárias Nominativas/Emissão Privada;
Conta Títulos-(…)
Titular-(…)
Ações-(…), Vinhos de Portugal, SA
Emissão-(…)
Cofre-Banco (…), SA
Quantidade-4.156.978
Modalidade/Forma de Representação-Ações Ordinárias Nominativas/Emissão Privada;
Conta Títulos-(…)
Titular-AC
Ações-(…), Vinhos de Portugal, SA
Emissão-(…)
Cofre-Banco (…), SA
Quantidade-1.320.499
Modalidade/Forma de Representação-Ações Ordinárias Nominativas/Emissão Privada.”
15.Para além de outras condições que foram especialmente acordadas, os penhores financeiros sobre as Ações constituídos a favor do Banco (…), SA pela(…), (…) e (…) incluíam os respetivos direitos acessórios.
16.Decorre do disposto na Cláusula 2.1. dos Termos do Penhor Financeiro de Ações:
“Em garantia do cumprimento integral e atempado de todas e de cada uma das Obrigações Garantidas, e até ao momento em que todas as Obrigações Garantidas se encontrem total e integralmente cumpridas de forma definitiva e incondicional, a GARANTE constitui a favor do Banco (…), SA penhor financeiro de primeiro grau, de acordo com o regime previsto no Decreto-Lei 105/2004, de 8 de Maio, sobre os respetivos Ativos Financeiros, incluindo os correspondentes Direitos Acessórios (…)”.
17. Estipula a Cláusula 2.2. dos Termos do Penhor Financeiro de Ações o seguinte:
“Para todos os efeitos legais e contratuais, e sem prejuízo do disposto na cláusula seguinte, os penhores financeiros constituídos sobre os respetivos Ativos Financeiros incluem (e qualquer penhor a constituir ao abrigo do presente Contrato incluirá) o direito do Banco (…), SA exercer todos e quaisquer Direitos Acessórios (…)”.
18.De acordo com a alínea j) da Cláusula 1.1. dos Termos do Penhor Financeiro de Ações, os direitos acessórios abrangem:
“Todos e quaisquer direitos, presentes ou futuros, decorrentes da titularidade dos Activos, nomeadamente:
(i) todos os direitos a receber e reter todos os dividendos e qualquer outra forma de receita, lucro ou prémio devidos por força de cada um dos Activos;
(ii) todos e quaisquer direitos de preferência na transmissão dos Activos;
(iii) todos os direitos a receber outros activos que possam ser outorgados ou oferecidos ou atribuídos com respeito a cada um dos Activos;
(iv) todos e quaisquer outros direitos, valores mobiliários, dinheiro ou bens que possam ser atribuídos ou adquiridos com cada um dos Activos”.
19. Nos termos do ACF, os penhores financeiros abrangem os direitos acessórios às Ações empenhadas, incluindo, entre outros, o direito a dividendos e a qualquer outra forma de receita, lucro ou prémio devidos por força das ações.
20. Foi também constituído a favor do Autor um penhor financeiro da CRSD – definida, nos termos do disposto na Cláusula 1.1.(g) do Contrato de Financiamento com Penhor e na Cláusula 1.1.(f) dos Termos do Penhor Financeiro de Ações, como “a conta de depósito à ordem n.º (…), aberta em nome da (…) junto do Banco (…), SA”.
21. Nos termos da Cláusula 16.1. do Contrato de Financiamento com Penhor, “para garantia do bom e pontual cumprimento de todas as Obrigações Garantidas, a (…) constitui a favor do Banco (…), SA, primeiro penhor financeiro, de acordo com o regime previsto no Decreto-Lei n.º 105/2005, de 8 de Maio, sobre a totalidade do saldo em cada momento disponível na CRSD”.
22. No âmbito do penhor financeiro constituído sobre a totalidade do saldo disponível na CRSD, as partes acordaram ainda, nas Cláusulas 16.3., 16.5., 16.6., 16.7., 16.9. e 16.10. do Contrato de Financiamento com Penhor, uma série de condições adicionais relativas à referida conta bancária, tendo, nomeadamente, a (…) ficado impedida de movimentar os saldos disponíveis na CRSD sem o consentimento do Banco (…) ou de constituir ónus sobre a CRSD sem referência ao penhor financeiro constituído a favor do Autor, e encontrando-se, pelo contrário, o Banco (…), SA autorizado a movimentar o saldo disponível na CRSD após a execução do penhor financeiro em apreço com vista ao reembolso dos créditos garantidos, nos seguintes termos:
(i) “A (…) reconhece que não poderá movimentar a débito ou modificar por qualquer modo a conta empenhada, que ficará cativa até completa extinção das responsabilidades garantidas, salvo com o prévio consentimento do Banco (…)” – cfr. Cláusula 16.3.;
(ii) “A (…) fica obrigada a participar ao Banco (…), todos os acontecimentos que modifiquem os seus direitos sobre a conta empenhada e, além disso, a não assinar quaisquer autos de penhora ou arresto da mesma, sem que desses autos fique a constar que a mesma se encontra dada de penhor nos termos do presente Contrato” – cfr. Cláusula 16.5;
(iii) “O penhor sobre a CRSD pode ser imediatamente executado caso venha a ser declarada a antecipação do vencimento” – cfr. Cláusula 16.6.;
(iv) “Em execução do penhor sobre a CRSD, poderá o Banco (…), proceder à mobilização do saldo disponível na CRSD na medida do estritamente necessário para que sejam reembolsados todos os créditos garantidos” – cfr. Cláusula 16.7.;
(v) “O penhor subsistirá enquanto perdurarem quaisquer das responsabilidades que assegura, ainda que sob condição, abrangendo, reformas, prorrogações, moratórias ou quaisquer outras reformulações de que as mesmas venham a ser objeto” – cfr. Cláusula 16.9.;
(vi) “Caso venha a ser autorizado pelo Banco (…) a constituição de depósitos a prazo que tenham por objeto o numerário empenhado, nos termos da presente cláusula e que estejam associados à CRSD, o penhor manter-se-á em vigor e inalterado abrangendo os mesmos e, portanto, manter-se-ão empenhados todos os ditos depósitos a prazo que venham desta forma a ser constituídos” – cfr. Cláusula 16.10.
23. Consta na Cláusula 2.9. dos Termos do Penhor Financeiro de Ações, que as partes acordaram mandatar e autorizar irrevogavelmente o Banco (…), SA a praticar os atos necessários à eficácia do penhor financeiro constituído a seu favor, conforme se segue:
“Para efeitos do disposto na presente cláusula, a GARANTE desde já mandata e autoriza o Banco (…), a praticar, em seu nome e por sua conta, todos os atos eventualmente necessários à eficácia do penhor nos termos previstos neste Contrato, designadamente a assinar todas as declarações necessárias ou convenientes para o efeito, a requerer registos e a apresentar os documentos comprovativos dos penhores”.
24. E, nos termos e para os efeitos do disposto na Cláusula 9.1(c) dos Termos do Penhor Financeiro de Ações, os Garantes emitiram ainda uma procuração irrevogável a favor do Banco (…), para este exercer os direitos sociais relativos às Ações, incluindo o direito aos lucros dos títulos empenhados e o direito de participar e deliberar em assembleias gerais da (...).
25. Em 16 de março de 2012, os Garantes emitiram e endereçaram à (...) um documento, nos termos do qual solicitaram que a partir dessa data o pagamento de quaisquer dividendos ou outros rendimentos relativos às Ações fosse efetuado por crédito na conta de depósito à ordem n.º (…), aberta em nome da (…) junto do Banco (…), isto é, na CRSD, conforme documento de fls. 133 verso dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.
26.O referido documento tem o seguinte teor:
“Exmos. Senhores,
Tendo presente o penhor das ações representativas do V. capital social de que somos titulares, constituído pelas signatárias a favor do Banco (…), SA, sociedade aberta, com sede na Praça (…), no Porto, com o capital social de € 6.064.999.986,00, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto, com o número único de matrícula, de pessoa coletiva e de identificação fiscal n.º … (“Banco …”), solicitamos a V. Exas. que de ora em diante o pagamento de quaisquer dividendos ou outros rendimentos relativos às referidas ações seja efetuado por crédito da conta de depósito à ordem n.º (…), domiciliada junto do Banco (…).
A presente instrução é emitida em benefício do Banco (…), pelo que apenas poderá ser alterada ou revogada com o consentimento deste.”
27. O referido documento foi assinado por (…), em representação dos Garantes (…, … e …), e por … (filho de …), em representação da (…) – Vinhos de Portugal, SA.
28. De acordo com o artigo 7º dos Estatutos da (…), junto a fls. 134 e seguintes, (…) é, juntamente com (…), associado instituidor da (…) e detém os correspondentes títulos de participação e respetivos direitos de voto.
29. (…), juntamente com (…), é também membro do Conselho de Administração da (…).
30. Consta do documento referido em 26, antes da assinatura de (…) em representação da R a seguinte frase:
“Recebemos a presente instrução e agiremos em conformidade”.
31. O Autor remeteu à Ré as cartas que constam de fls. 141 verso e seguintes dos autos, datadas de 20.12.2017 e 22.05.2019, que aqui se dão por reproduzidas, onde:
(i) Relembrou que os penhores financeiros sobre as Ações abrangem também os respetivos Direitos Acessórios, incluindo, entre outros, o direito a dividendos e a qualquer outra forma de receita, lucro ou prémio devidos por força das ações;
(ii) Relembrou que a Instrução Irrevogável mantém-se em vigor, porquanto não foi alterada ou revogada pelo Banco (…), enquanto beneficiário da mesma;
(iii) Solicitou informação sobre se haviam sido distribuídos lucros nos anos posteriores à Instrução Irrevogável; e
(iv) Solicitou ainda que, a terem sido realizados quaisquer pagamentos aos acionistas da (…) – Vinhos de Portugal, SA, a Ré informasse o Banco (…) sobre a natureza, data e montantes dos pagamentos realizados.
32. A Ré não respondeu a tais missivas nem prestou qualquer informação ao Banco (…) sobre a distribuição de dividendos nos anos anteriores.
33. Na sequência da declaração de vencimento antecipado das Obrigações Garantidas nos termos do ACF, realizada por carta registada com aviso de receção de 8 de maio de 2017, os penhores passaram a abranger os direitos de voto inerentes às Ações, nos termos da Cláusula 3.3. dos Termos do Penhor Financeiro de Ações.
34. Assim, na assembleia geral da (…) – Vinhos de Portugal, SA que ocorreu no dia 24 de maio de 2019 – e nas assembleias gerais que se seguiram –, o Banco (…) exerceu efetivamente o seu direito de voto sobre os diversos pontos da ordem do dia, designadamente a aprovação de distribuição de dividendos respeitantes ao exercício social de 2018 aos acionistas da (…) – Vinhos de Portugal, SA.
35. Após o que, em julho de 2019, a (…) – Vinhos de Portugal, SA transferiu para a CRSD, por referência ao exercício de 2018, os dividendos relativos às Ações, em conformidade com a Instrução Irrevogável, no valor global de € 260.851,45 (duzentos e sessenta mil e oitocentos e cinquenta e um euros e quarenta e cinco cêntimos):
(i) € 187.521,56, por referência às ações empenhadas pela (…);
(ii) € 22.448,48, por referência às ações empenhadas pela (…);
(iii) € 50.881,41, por referência às ações empenhadas pelo Sr. (…).
36. De igual modo, após um período em que não foram distribuídos dividendos devido à situação de pandemia, em setembro de 2022, e por referência ao exercício de 2021, a (…) – Vinhos de Portugal, SA voltou a transferir para a CRSD os dividendos relativos às Ações, no valor montante total de € 321.737,12 (trezentos e vinte e um mil e setecentos e trinta e sete euros e doze cêntimos).
37. Quanto aos dividendos relativos aos exercícios de 2012 a 2017, a (…) – Vinhos de Portugal, SA não transferiu para a CRSD, os dividendos relativos às Ações.
38. Em 22 de maio de 2020, o Banco (…) remeteu nova carta à (…) – Vinhos de Portugal, SA (igualmente com conhecimento para os Garantes), recordando que não havia recebido dividendos relativos aos exercícios de 2012 a 2017 e, nessa medida, interpelando-a a transferir para a CRSD os dividendos correspondentes às Ações relativos aos exercícios sociais desde 2012 até àquela data, tudo conforme carta junta a fls. 148 a 149 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
39. Na mesma data, em 22 de maio de 2020, também com conhecimento aos Garantes, o Banco (…) voltou a dirigir à (…) – Vinhos de Portugal, SA um pedido de informações sobre assuntos sociais, que expressamente elencou no Anexo I àquela carta, incluindo designadamente as atas das assembleias gerais da Ré de 2012 a 2019 e respetiva documentação de suporte, necessárias à verificação da distribuição de dividendos relativos àqueles exercícios, tudo conforme carta de fls. 150 a 153 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzida.
40. Mantendo-se a ausência de resposta da (…) – Vinhos de Portugal, SA, para além de o Banco (…) ter intentado, em junho de 2020, a competente ação declarativa requerendo o inquérito judicial à (…) – Vinhos de Portugal, SA com vista à obtenção de informações sobre assuntos sociais, incluindo a informação necessária à verificação da distribuição de dividendos relativamente aos exercícios de 2012 a 2017, o qual veio a correr termos neste Juízo de Comércio do Tribunal da Comarca de Setúbal, J2, sob o n.º de processo 3102/20.3T8STB (“Inquérito Judicial”), o qual, a final, veio a ser julgado parcialmente procedente, conforme fls. 166 verso a 198 dos autos.
41. O Autor veio também a apresentar, na assembleia geral da Ré realizada em 3 de julho de 2020, uma declaração de voto, que ficou consignada em ata, mostrando desagrado pela ausência de resposta aos pedidos de documentação oportunamente dirigidos pelo Banco (…) ao Conselho de Administração da Sociedade, tudo conforme ata da assembleia geral da (…) – Vinhos de Portugal, SA realizada em 3 de julho de 2020, junta a fls. 198 verso a 201, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
42. Por carta datada de 6 de julho de 2020, a (…) – Vinhos de Portugal, SA respondeu à missiva do Banco (…) de 22 de maio de 2020, referindo que “sempre pagou os dividendos de 2013 a 2019 de acordo com as instruções recebidas de quem exerceu, em cada momento, o direito social ao dividendo”, tudo conforme carta junta a fls. 201 verso dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
43. Por carta datada de 8 de julho de 2020, a Ré remeteu ao Banco (…) Relatórios e Contas da Sociedade mas apenas relativos aos exercícios de 2017, 2018 e 2019, bem como as atas das assembleias gerais da Sociedade nas quais foram aprovadas as contas relativas aos exercícios de 2016, 2017 e 2018, tudo conforme carta junta a 202 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzida.
44. Relativamente aos exercícios 2016 e 2017, a (…) – Vinhos de Portugal, SA distribuiu a título de dividendos os valores globais de, respetivamente, € 805.479,98 (oitocentos e cinco mil e quatrocentos e setenta e nove euros e noventa e oito cêntimos) e € 1.045.500,00 (um milhão e quarenta e cinco mil e quinhentos euros), conforme atas das assembleias gerais da Sociedade ocorridas em 2017 e 2018 e anexas à sua carta de 8 de julho de 2020.
45. Relativamente aos exercícios de 2016 e 2017, por referência às Ações empenhadas, foram distribuídos os seguintes valores, num montante global de € 491.014,50 (quatrocentos e noventa e um mil e catorze euros e cinquenta cêntimos):
Exercício 2016:
Ações (…) - € 165.460,20
Ações (…) - € 19.807,49
Ações (…) - € 44.895,36
Total - € 230.163,05
Exercício 2017:
Ações (…) - € 187.521,56
Ações (…) - € 22.448,48
Ações (…) - € 50.881,41
Total - € 260.851,45.
46. Apesar de lhe terem sido solicitados, a (…) – Vinhos de Portugal, SA não disponibilizou ao Banco (…) os documentos solicitados relativamente aos exercícios de 2012 a 2016.
47. Quanto ao exercício de 2015, a Ré pagou a título de dividendos um valor global de € 779.279,00 (setecentos e setenta e nove mil e duzentos e setenta e nove euros).
48. Sendo que ao Autor caberia o pagamento de € 199.306,27 (cento e noventa e nove mil e trezentos e seis euros e vinte e sete cêntimos), conforme se discrimina:
Exercício 2015:
Ações (…) - € 134.603,42
Ações (…) - € 19.807,49
Ações (…) - € 44.895,36
Total - € 199.306,27.
49. Quanto ao exercício de 2014, a Ré pagou a título de dividendos um valor global de € 883.182,64 (oitocentos e oitenta e três mil e cento e oitenta e dois euros e sessenta e quatro cêntimos).
50. Sendo que ao Autor caberia o pagamento de € 260.851,45 (duzentos e sessenta mil e oitocentos e cinquenta e um euros e quarenta e cinco cêntimos):
Exercício 2014:
Ações (…) - € 187.521,56
Ações (…) - € 22.448,48
Ações (…) - € 50.881,41
Total - € 260.851,45.
51. Quanto aos exercícios de 2012 e 2013, foram transferidos para a CRSD, respetivamente em 2013 e em 2014, os dividendos correspondentes às ações empenhadas pela (…), não tendo sido transferidos os dividendos relativos às ações empenhadas pela (…) e por (…), os quais ascenderem a um total de € 133.719,22 (cento e trinta e três mil, setecentos e dezanove euros e vinte e dois cêntimos):
Exercício 2012:
Ações (…) - € 18.486,99
Ações (…) - € 41.902,34
Total - € 60.389,33.
Exercício 2013:
Ações (…) - € 22.448,48
Ações (…) - € 50.881,41
Total - € 73.329,89.
52. O Autor, em 26 de abril de 2021, requereu uma notificação judicial avulsa no presente Tribunal, a qual foi realizada em 28.04.2021, com vista a:
(i) notificar a Ré para proceder à transferência para a CRSD dos dividendos correspondentes às Ações relativos aos exercícios sociais de 2012 a 2017, no valor total de, estimado à data de acordo com a informação que o Banco (…) tinha, € 1.092.563,54, acrescidos de juros de mora, vencidos e vincendos, os quais ascendiam, à data, a € 361.534,03 (trezentos e sessenta e um mil e quinhentos e trinta e quatro euros e três cêntimos); e
(ii) interromper, nos termos e para os efeitos do artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil, qualquer prazo de prescrição aplicável, e informar a Ré da intenção do Banco (…) de exercer judicialmente os seus direitos através da cobrança coerciva das quantias referidas em (i) por via da competente ação judicial, caso não ocorresse o pagamento voluntário por parte da Ré, tudo conforme documento de fls. 281 verso a 294 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
53. Em 18 de maio de 2021, a Ré endereçou uma carta ao Banco (…), nos termos da qual referiu, entre outros aspetos, que não reconhecia os direitos invocados pelo Banco (…) na referida notificação judicial avulsa, reservando-se o exercício de todos os direitos de defesa para a ação judicial que o Banco (…) anunciou pretender mover contra a Ré em caso de não pagamento voluntário da quantia reclamada, carta essa que se mostra junta a fls. 219 veros a 220 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
54. A Ré, em 16.03.2012, tinha como Presidente do Conselho de Administração (…) e como vogais do Conselho de Administração, entre outros, (…).
55. E obrigava-se com a assinatura do Presidente do Conselho de Administração dentro dos limites dos poderes delegados; pela assinatura de quaisquer dois administradores ou pela assinatura em conjunto de um administrador e de um mandatário no âmbito dos poderes conferidos.
56. A Ré transferiu os montantes relativos aos dividendos da (…) de 2013, 2014 e 2015 para uma conta no Banco (…) que não a CRSD, por instruções expressas dessa sua acionista.
57. A Ré realizou assembleias gerais de acionistas, respetivamente, em:
Exercício de 2012 – 24.04.2013;
Exercício de 2013 – 24.04.2014;
Exercício de 2014 – 28.04.2015;
Exercício de 2015 – 17.05.2016;
Exercício de 2016 – 19.05.2017;
Exercício de 2017 – 25.05.2018, tendo nas mesmas sido aprovadas a distribuição de dividendos.
58. A Ré juntou aos autos cópia das atas das assembleias gerais supra referidas em 10.01.2024».

III. 4.
Apreciação do objeto do recurso
III.4.1.
Nulidade da sentença
Neste segmento do seu recurso a apelante (…) – Vinhos de Portugal, SA defende que a sentença recorrida está ferida de nulidade por omissão de pronúncia, alegando que o julgador a quo não se pronunciou sobre uma questão suscitada na sua contestação, a saber, a de o autor não poder exigir o pagamento de dividendos pela ré ao autor anteriormente à declaração de vencimento antecipado (porque, alega, o autor não dispunha de um usufruto de ações mas de uma garantia, o penhor de ações).
Vejamos.
Como ponto prévio dir-se-á que o artigo 615.º do CPC contempla vícios intrínsecos da sentença, ou seja, vícios traduzidos numa violação de uma disposição reguladora da forma do ato processual na medida em que o ato executado é formalmente diferente do legalmente previsto (trata-se do chamado error in procedendo ou erro de atividade). O que é diferente do erro de julgamento, isto é, do vício na formação dos raciocínios lógicos, tanto dedutivos como conclusivos, que operam como fundamentos de facto e de direito da parte dispositiva[1].
No que respeita ao vício de omissão de pronúncia, o mesmo mostra-se contemplado na primeira parte da alínea d) do artigo 615.º, n.º 1, do CPC, de acordo com o qual é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Aquele preceito legal tem de ser concatenado com o disposto no artigo 608.º/2 do mesmo diploma normativo de acordo com o qual o juiz deve conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, ou seja, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e exceções invocadas e, ainda, de todas as exceções de conhecimento oficioso, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Ou seja, para efeitos de verificação do vício omissão de pronúncia, “questões” a decidir são o(s) pedido(s) deduzidos pelo autor/reconvinte, as respetivas causas de pedir e as exceções invocadas ou de conhecimento oficioso.
É jurisprudência pacífica que o dever de decidir não obriga a que o julgador se pronuncie sobre todos os argumentos sustentados pelas partes uma vez que estes não se confundem com “questões”. Como cristalinamente ensinava Alberto dos Reis[2] «(…) São na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».
Em síntese, o conceito de “questões” para efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC não exige que o julgador proceda a uma apreciação exaustiva de todos os argumentos invocados pelas partes, nem, em contraponto, que se limite à argumentação introduzida pelas partes.
No caso sub judice, o julgador a quo apreciou as questões que se lhe colocavam e que lhe cabia, por isso, decidir na sentença sob recurso, a saber: a) se a ré/apelante estava (ou não) obrigada a proceder à transferência para a conta de depósito à ordem n.º (…), aberta junto do Banco (…) do montante correspondente aos dividendos relativos aos exercícios da ré dos anos de 2012 a 2017 por referência às ações objeto de penhor financeiro constituído a favor do autor Banco (…), SA e, em caso afirmativo, se aquela incumpriu aquela obrigação; e b) se os dividendos peticionados pelo autor, com exceção dos relativos ao ano de 2017, bem como os respetivos juros se encontravam prescritos, ao abrigo do disposto no artigo 310.º do Código Civil (exceção invocada pela ré na sua contestação e cujo conhecimento o tribunal relegou para a sentença).
E o tribunal decidiu ambas.
Se o autor podia, ou não, exigir o pagamento daqueles dividendos relativo a períodos anteriores à declaração de vencimento antecipado terá, eventualmente, a ver com o mérito da decisão, ou seja, com o julgamento de direito da ação, não sendo esta a sede própria para sindicar aquele julgamento.
Em face do exposto, e porque a sentença não padece do vício de forma que lhe é imputado, improcede este segmento do recurso.

III.4.2.
Impugnação da decisão de facto
Na impugnação da decisão de facto visa-se obter uma reapreciação da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância, ou seja, apurar se determinados factos foram incorretamente julgados, ou por terem sido indevidamente considerados assentes quando deveriam ter sido julgados não provados, ou por terem sido considerados não provados quando deveriam ter sido considerados assentes (artigo 662.º, n.º 1, do CPC).
Neste segmento do seu recurso a apelante discorda da decisão do julgador a quo quanto aos pontos de facto provados n.ºs 25, 27, 35, 36, 37 e 51, pretendendo também ver aditado ao elenco dos factos provados a seguinte factualidade: «Não se logrou apurar a data exata em que o autor tomou conhecimento da distribuição de dividendos no período entre 2012 e 2017, mas desde 24 de maio de 2023 que tem a informação necessária para fazer esse apuramento, no que diz respeito à distribuição de 2012, desde 23 de maio de 2024 no que à distribuição de 2013 diz respeito, desde 1 de junho de 2015 no que à distribuição de 2014 concerne e desde 28 de junho de 2016 no que à distribuição de 2015 diz respeito».
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
Ponto de facto provado n.º 25 - Em 16 de março de 2012, os Garantes emitiram e endereçaram à (…) – Vinhos de Portugal, SA um documento, nos termos do qual solicitaram que a partir dessa data o pagamento de quaisquer dividendos ou outros rendimentos relativos às Ações fosse efetuado por crédito na conta de depósito à ordem n.º (…), aberta em nome da (…) junto do Banco (…), isto é, na CRSD, conforme documento de fls. 133 verso dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido».
Impugna a apelante tal julgamento do tribunal de primeira instância, sustentando que «se trata de uma alegação do autor sem qualquer suporte na prova produzida» e invoca os depoimentos das testemunhas (…) e (…), acabando por concluir que «quando muito, poderia ser julgado provado que “Em 16 de março de 2012, as partes contratuais emitiram um documento, que anexaram ao acordo nesse dia celebrado, do qual decorre uma solicitação para que a partir dessa data o pagamento de quaisquer dividendos ou outros rendimentos relativos às ações emprenhadas fosse efetuado por crédito na conta de depósito à ordem n.º (…), aberta em nome da (…) junto do Banco (…), isto é, na CRSD, conforme documento de fls. 133 verso dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido”.».
A impugnação da decisão de facto está sujeita a ónus que se mostram explicitados no artigo 640.º do CPC, epigrafado de Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto.

Aquele preceito legal dispõe o seguinte:

«1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da requerida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravadas, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3- O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».

A propósito do regime sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o sr. conselheiro Abrantes Geraldes[3] destaca que «sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.

b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;

c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;

d) (…)

e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recurso de pendor genérico ou inconsequente […]».

As exigências legais supra referidas têm uma dupla função: por um lado delimitar o âmbito do recurso e, por outro, permitir o exercício do contraditório pela parte contrária porquanto só quando se sabe especificamente o que é impugnado e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo.

Em síntese, o regime legal supra descrito impõe que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados relativos a cada um dos factos impugnados que imporiam uma solução diversa e o resultado pretendido relativamente a cada um dos pontos de facto impugnados, sob pena de rejeição da impugnação da decisão de facto, logo, sem possibilidade de convite ao aperfeiçoamento. Note-se que no que respeita ao ónus previsto no artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPC, o recorrente não se pode limitar a indicar meios de prova que, na sua perspetiva, imporiam uma decisão diversa; tem, ao invés, de indicar as concretas razões de censura quanto ao julgamento de facto do tribunal recorrido, ou seja, explicar por que motivo, tendo em conta os meios de prova que indica, deverá prevalecer a solução por si preconizada e não aquela que consta da decisão sob recurso.

Dito isto, concluímos que no que respeita ao enunciado de facto em apreço a apelante não cumpre o ónus previsto na alínea b), do artigo 640.º, n.º 1, do CPC porque, contra o decidido pelo tribunal recorrido, se limita a invocar os depoimentos de duas testemunhas, sem sequer indicar as razões pelas quais os respetivos depoimentos imporiam um julgamento diverso daquele que foi empreendido pelo tribunal recorrido. De qualquer modo, sempre se dirá que o enunciado em questão reflete o teor do documento junto a fls. 133 dos autos, o qual não foi sequer impugnado pela ré/apelante.

Em face do exposto, e por falta de cumprimento do ónus de impugnação previsto no artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPC, rejeita-se este segmento da impugnação da decisão de facto.


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Ponto de facto provado n.º 27 - O referido documento foi assinado por (…), em representação dos Garantes (…, … e …), e por … (filho de …), em representação da (…) – Vinhos de Portugal, SA.

A propósito do enunciado em questão diz a apelante que da certidão comercial da (…) – Vinhos de Portugal, SA resulta que para obrigar a ré são necessárias duas assinaturas, à data em que o documento foi elaborado, e invoca os depoimentos das testemunhas (…) e (…); conclui dizendo que «o que poderia ter dado como provado era “O referido documento assinado por (…) em representação da devedora (…) e dos garantes, ele próprio e a (…), com poderes para tanto, tendo (…) assinado em nome da (…) – Vinhos de Portugal, SA o recebimento de tal documento”».

Se bem percebemos a impugnação da apelante, o cerne da mesma consiste em pôr em causa a suficiência/insuficiência de poderes de (…) para vincular a ré (…) – Vinhos de Portugal, SA. Porém, essa não é uma questão de facto, mas sim uma questão jurídica, porventura a tratar em sede de julgamento de direito.

Quanto à alteração de redação do enunciado preconizada pela apelante, cumpre dizer o seguinte: dizer-se/escrever-se que “assinou em nome da (…)” é o mesmo que escrever/dizer que “assinou em representação da (…)” pois a “representação” implica justamente que alguém pratica atos ou realiza negócios jurídicos em nome de outrem (artigo 258.º do Código Civil); acresce que no ponto de facto provado n.º 30 se dá como provado que (…) assinou o dito documento “em representação da ré” e esse facto não foi impugnado pela apelante. Afigura-se-nos também que não se pode restringir o teor da declaração emitida por … (em representação da …) ao recebimento do documento, pois que como consta do ponto de facto provado n.º 30 – o qual não foi impugnado pela apelante – (…) declarou também “agiremos em conformidade”.

Por todo o exposto, improcede totalmente este segmento da impugnação.


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Facto provado n.º 35 - Após o que, em julho de 2019, a (…) – Vinhos de Portugal, SA transferiu para a CRSD, por referência ao exercício de 2018, os dividendos relativos às Ações, em conformidade com a Instrução Irrevogável, no valor global de € 260.851,45 (duzentos e sessenta mil e oitocentos e cinquenta e um euros e quarenta e cinco cêntimos):

(i) € 187.521,56, por referência às ações empenhadas pela (…);
(ii) € 22.448,48, por referência às ações empenhadas pela (…);
(iii) € 50.881,41, por referência às ações empenhadas pelo Sr. (…).
e
Facto provado n.º 36 - De igual modo, após um período em que não foram distribuídos dividendos devido à situação de pandemia, em setembro de 2022, e por referência ao exercício de 2021, a (…) – Vinhos de Portugal, SA voltou a transferir para a CRSD os dividendos relativos às Ações, no valor montante total de € 321.737,12 (trezentos e vinte e um mil e setecentos e trinta e sete euros e doze cêntimos).
Os enunciados em questão serão analisados em conjunto porque aquilo que a apelante questiona relativamente a ambos é o facto de ter sido julgado provado, em ambos, que as transferências a que aludem ambos foram realizadas “em conformidade com a instrução irrevogável”.
Diz a apelante que resultou do depoimento da testemunha (…) que as transferências referidas nos pontos de facto em apreço foram feitas na sequência de uma troca de emails com a testemunha (…), documentos que foram juntos em sede de audiência de julgamento, e não “em conformidade com qualquer instrução”, aduzindo que esta «era totalmente desconhecida da (…) – Vinhos de Portugal, SA». Conclui, dizendo que:
a) quanto ao facto provado n.º 35, o tribunal deve dar como provado «Em julho de 2019, a (…) – Vinhos de Portugal, SA transferiu para a conta indicada pelo Banco (…), por referência ao exercício de 2018, os dividendos relativos às ações empenhadas, em conformidade com o email de (…) de 2 de julho de 2019, em resposta ao email de (…), de 27 de junho de 2019, junto em audiência de julgamento de fls.».
b) quanto ao ponto de facto provado n.º 36 o tribunal deve dar como provado que «De igual modo, após um período em que não foram distribuídos dividendos devido à situação de pandemia, em setembro de 2022, e por referência ao exercício de 2021, a (…) – Vinhos de Portugal, SA voltou a transferir para a conta então indicada pelo Banco (…), os dividendos relativos às Ações, no valor montante total de € 321.737,12 (trezentos e vinte e um mil e setecentos e trinta e sete euros e doze cêntimos).
Previamente se dirá que na fundamentação da sentença o julgador deve «discriminar os factos», «declarando aqueles que julga provados e quais os que julga não provados» (artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC) e que os “factos” a que alude o legislador no artigo 607.º do CPC são os factos materiais, concretos e precisos que hajam sido alegados e sobre os quais tenha recaído prova; quaisquer juízos de natureza conclusiva devem ser formulados a jusante, quando o julgador aprecia criticamente a matéria de facto provada. Donde, só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados; as conclusões, envolvam elas juízos valorativos de facto ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo eles mesmos serem objeto de prova.
Dito isto, julgamos que a expressão “em conformidade com a instrução irrevogável” constitui um juízo de natureza conclusiva que não decorre de quaisquer factos contidos na redação do enunciado, pelo que deve a mesma ser eliminada da redação de ambos os enunciados.
Pretende a apelante que no ponto de facto provado n.º 35 se introduza a seguinte menção: que a transferência ali referida foi realizada «em conformidade com o email de (…) de 2 de julho de 2019, em resposta ao email de (…), de 27 de junho de 2019, junto em audiência de julgamento de fls.».
Ora, aqui temos, de novo, um juízo conclusivo – “em conformidade com” (…) - que não é suscetível de ser extraído dos factos contidos naquele enunciado, pelo que este tribunal está impedido de verificar se aquele aditamento resulta (ou não) da prova produzida, mostrando-se despicienda a reapreciação dos meios de prova indicados pelo apelante para tal desiderato. Ainda assim sempre se dirá que a alteração da redação quer do ponto de facto provado n.º 35 quer do ponto de facto provado n.º 36 preconizada pela apelante, fundando-se, para tal desiderato, no depoimento da testemunha (…) conjugada com os emails supra referidos, levaria a supor que, até então, isto é, até ao momento em que ocorreu a troca dos emails que a apelante refere, a (…) – Vinhos de Portugal, SA desconhecia para que conta deveria transferir os dividendos em causa, quando, na verdade, isso nem sequer resulta dos documentos (emails) que invoca. Efetivamente, no email enviado pela testemunha (…) a (…), datado de 2 de julho de 2019, diz-se expressamente que «na instrução irrevogável dirigida a V. Exas. em 16 de março de 2012 pelos acionistas é expressamente indicado que o pagamento de dividendos ou outros rendimentos relativos às ações representativas do V. capital social, empenhadas a este Banco, deveria ser efetuado por crédito da conta de depósito à ordem n.º (…), domiciliada junto do Banco (…)», acrescentando, ainda, o seguinte: «Recordamos que a conta acima referida foi irrevogavelmente designada desde 16 de março de 2012 como local de pagamento de dividendos pelos V. acionistas em causa, pelo que todos os pagamentos de dividendos desde essa data deverão ser canalizados para a referida conta, sob pena de se considerarem como não efetuados. (…)». Ou seja, resulta do próprio teor do email que a (…) – Vinhos de Portugal, SA há muito tinha conhecimento que as transferências dos dividendos correspondentes às ações dos seus acionistas (…), (…) e (…) deveriam ser efetuadas para a conta identificada no documento referidos nos pontos de facto provados n.ºs 25 e 26.
Por todo o exposto procede parcialmente este segmento da impugnação e, em conformidade, determina-se que os pontos de facto em apreço passem a ter a seguinte redação:
«35 - Após o que, em julho de 2019, a (…) – Vinhos de Portugal, SA transferiu para a CRSD, por referência ao exercício de 2018, os dividendos relativos às Ações, no valor global de € 260.851,45 (duzentos e sessenta mil e oitocentos e cinquenta e um euros e quarenta e cinco cêntimos):

(i) € 187.521,56, por referência às ações empenhadas pela (…);
(ii) € 22.448,48, por referência às ações empenhadas pela (…);
(iii) € 50.881,41, por referência às ações empenhadas pelo Sr. (…).
«36 - Após um período em que não foram distribuídos dividendos devido à situação de pandemia, em setembro de 2022, e por referência ao exercício de 2021, a (…) – Vinhos de Portugal, SA voltou a transferir para a CRSD os dividendos relativos às Ações, no valor montante total de € 321.737,12 (trezentos e vinte e um mil e setecentos e trinta e sete euros e doze cêntimos).

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Facto provado n.º 37 Quanto aos dividendos relativos aos exercícios de 2012 a 2017, a (…) – Vinhos de Portugal, SA não transferiu para a CRSD, os dividendos relativos às Ações – e facto provado n.º 51 - Quanto aos exercícios de 2012 e 2013, foram transferidos para a CRSD, respetivamente em 2013 e em 2014, os dividendos correspondentes às ações empenhadas pela (…), não tendo sido transferidos os dividendos relativos às ações empenhadas pela (…) e por (…), os quais ascenderem a um total de € 133.719,22 (cento e trinta e três mil e setecentos e dezanove euros e vinte e dois cêntimos):
Exercício 2012:
Ações (…) - € 18.486,99
Ações (…) - € 41.902,34
Total - € 60.389,33
Exercício 2013:
Ações (…) - € 22.448,48
Ações (…) - € 50.881,41
Total - € 73.329,89.
Estes enunciados de facto serão analisados conjuntamente porque relacionados entre si. No que a eles respeita a apelante defende que estes pontos de facto colidem entre si e que o ponto de facto n.º 37 é «claramente contrariado pelos depoimentos das testemunhas (…), (…) e (…)». Propõe a apelante que o ponto de facto provado n.º 37 fique com a seguinte redação: «De acordo com as instruções recebidas do acionista (…), a (…) – Vinhos de Portugal, SA transferiu os dividendos que lhe cabiam, relativos aos exercícios de 2012 a 2015, por conta das ações empenhadas pela (…), para as contas Banco PT … (dividendos de 2012) e PT … (2013, 2014 e 2015), tendo o valor de 2013, pago em 2014, sido depois transferido para a conta PT …».
Quanto ao ponto de facto n.º 51, diz a apelante que aquilo que resulta quer do mapa junto aos autos por iniciativa do tribunal quer dos depoimentos das testemunhas (…), (…) e (…) é que, no que diz respeito aos dividendos de 2012 (pagos em 24 de maio de 2013), de 2013 (pagos em 23 de maio de 2014), de 2014 (pagos em 1 de junho de 2015), de 2015 (pagos em 28 de junho de 2016) foram todo eles pagos para contas tituladas pelo acionista (…) junto do Banco (…) e todas por indicação da (…) e que o pagamento de 24 de maio de 2013 foi para «a tal conta indicada no documento n.º 7 junto com a PI» (sic). Conclui, dizendo que «independentemente da (…) – Vinhos de Portugal, SA ter ou não a obrigação de pagar os dividendos devidos a estes acionistas com ações empenhadas para uma conta específica, certo é que esses pagamentos entraram na esfera jurídica do Banco (…), o que é confirmado pelo próprio, sendo que o que depois aconteceu a esses valores não é da responsabilidade da BVP».
No que ao ponto de facto n.º 51 respeita a apelante diz que deve ser julgado provado que «Quanto aos dividendos de 2012 (pagos 24 de maio de 2013), de 2013 (pagos em 23 de maio de 2014), de 2014 (pagos em 1 de junho de 2015), de 2015 (pagos em 28 de junho de 2016) eles foram todos pagos para contas tituladas pela acionista (…), junto do Banco (…), e todos por indicação anual do próprio acionista, não tendo sido transferidos os dividendos relativos às ações empenhadas pela (…) e por (…), os quais ascenderem a um total de € 133.719,22».
Vejamos.
Parece-nos evidente a existência de uma contradição entre o facto provado n.º 37 e o facto provado n.º 51 na medida em que aquilo que se diz no ponto de facto provado n.º 37 é que a (...) não transferiu para a CRSD quaisquer dividendos relativos aos exercícios de 2012 a 2017 e no ponto de facto n.º 51 dá-se como provado que quanto aos exercícios de 2012 e 2013, a ré transferiu para a CRSD (em 2013 e 2014, respetivamente) os dividendos correspondentes às ações empenhadas pela (…).
Não vem impugnado que:
(i) a (…) – Vinhos de Portugal, SA não procedeu à transferência de quaisquer dividendos relativos às ações tituladas pela (…) e (…) e aos exercícios sociais de 2012 a 2017 (cfr. ponto de facto provado n.º 51); e
(ii) a (…) – Vinhos de Portugal, SA procedeu à transferência para a CRSD dos dividendos das ações tituladas pela (…) relativos aos exercícios de 2012 e 2013 (e tanto que assim é que estes não são reclamados nos autos), embora, como resulte do ponto de facto provado n.º 54 – que não foi impugnado – os dividendos relativos ao exercício de 2013 foram num primeiro momento transferidos para uma outra conta junto do Banco (…), que não a CRSD, e só depois transferidos para a CRSD, o que não releva para a decisão a proferir pois que os dividendos correspondentes às ações da (…) e relativos aos exercícios sociais de 2012 e 2013 não foram reclamados nos autos.
Por conseguinte, o âmbito do ponto de facto provado n.º 37 tem de ser restringido de molde a dele excluir os dividendos relativos às ações da (…) e aos exercícios de 2012 e 2013, passando o mesmo a ter a seguinte redação:
«A (…) – Vinhos de Portugal, SA não transferiu para a CRSD os dividendos correspondentes às ações da (…) e às ações de (…) relativos aos exercícios de 2012 a 2017 e os dividendos correspondentes às ações da (…) relativos aos exercícios de 2014 a 2017».
Saber se a (…) – Vinhos de Portugal, SA cumpriu a sua obrigação de entregar os dividendos ao Banco (…) ainda que o tenha feito para contas diferentes daquela que está prevista no documento a que aludem os pontos de facto provados n.ºs 25 e 26 é já uma questão de direito, a apreciar noutra sede.
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Aditamento pretendido pela apelante: «Não se logrou apurar a data exata em que o autor tomou conhecimento da distribuição de dividendos no período entre 2012 e 2017, mas desde 24 de maio de 2023 que tem a informação necessária para fazer esse apuramento, no que diz respeito à distribuição de 2012, desde 23 de maio de 2024 no que à distribuição de 2013 diz respeito, desde 1 de junho de 2015 no que à distribuição de 2014 concerne e desde 28 de junho de 2016 no que à distribuição de 2015 diz respeito».
Ora, estamos, além do mais, perante um juízo de natureza conclusiva que não é extraível de factos contidos no enunciado em causa. Com efeito, aquele juízo não resulta de qualquer factualidade ínsita no enunciado.
Como supra assinalámos, só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados; as conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova.
Acresce que o enunciado que a apelante pretende ver aditado ao elenco dos factos constitui matéria integrada no thema decidendum do presente pleito, pois que está ali contida uma resposta plausível à exceção de prescrição que foi invocada pela apelante em sede de contestação.

Em face do exposto, assumindo o enunciado em questão natureza conclusiva e reportando-se também ao thema decidendum, não pode o mesmo figurar no elenco da matéria de facto, razão pela qual improcede este segmento da impugnação.


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DECISÃO

Em face do exposto:

1) Rejeita-se a impugnação relativamente ao ponto de facto provado n.º 25.

2) Julga-se parcialmente procedente a impugnação de facto e, em conformidade:

2.1. Altera-se a redação dos pontos de facto provados n.º 35, 36 e 37, que passará a ser a seguinte:

«35 - Após o que, em julho de 2019, a (…) – Vinhos de Portugal, SA transferiu para a CRSD, por referência ao exercício de 2018, os dividendos relativos às Ações, no valor global de € 260.851,45 (duzentos e sessenta mil e oitocentos e cinquenta e um euros e quarenta e cinco cêntimos):

(i) € 187.521,56, por referência às ações empenhadas pela (…);
(ii) € 22.448,48, por referência às ações empenhadas pela (…);
(iii) € 50.881,41, por referência às ações empenhadas pelo Sr. (…).»
«36 - Após um período em que não foram distribuídos dividendos devido à situação de pandemia, em setembro de 2022, e por referência ao exercício de 2021, a (…) – Vinhos de Portugal, SA voltou a transferir para a CRSD os dividendos relativos às Ações, no valor montante total de € 321.737,12 (trezentos e vinte e um mil e setecentos e trinta e sete euros e doze cêntimos).
«37 - A (…) – Vinhos de Portugal, SA não transferiu para a CRSD, os dividendos correspondentes às ações da (…) e às ações de (…) relativos aos exercícios de 2012 a 2017 e os dividendos correspondentes às ações da (…) relativos aos exercícios de 2014 a 2017».


II.4.3.

Reapreciação do mérito da decisão

No presente recurso de apelação está em causa a sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância que, julgando a ação procedente, condenou a ré/apelante a proceder à transferência para a conta de depósitos à ordem (…), aberta junto o Banco (…), do montante correspondente aos dividendos correspondentes às ações empenhadas a favor do Banco (…) e relativos aos exercícios sociais de 2012 a 2017, no montante global € 1.084.891,44, acrescidos de juros de mora vencidos até 18.01.2023, no montante de € 496.251,81 e vincendos desde essa data e até efetivo e integral pagamento, à taxa legal sucessivamente aplicável a juros comerciais.

A apelante (…) – Vinhos de Portugal, SA insurge-se contra a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância, argumentando, em síntese, o seguinte:

– Os dividendos que foi condenada a pagar encontram-se todos pagos aos acionistas e a maior parte entregue nas contas junto do Banco (…), «que fez o que bem entendeu com tais valores»;

– O julgador a quo fez uma interpretação do documento n.º 7 anexo à petição inicial «em absoluta contrariedade com todas as disposições vigentes em matéria de obrigação de sociedades» e da vinculação da ré à mesma; a declaração inserta naquele documento apenas prova que a ré informou o autor de que tinha recebido as instruções aí insertas, não lhe podendo ser atribuído o sentido de uma «garantia dada pela recorrente em nome do seu acionista»; e tal declaração, por si só, não dispensa o recorrido de informar a recorrente do vencimento das obrigações garantidas pelo penhor de ações;

– O documento em causa não foi assinado pelos administradores necessários, na qualidade e com poderes para o ato, pelo que o presente caso não se enquadra nas situações em que de pretenda apurar qual o sentido de uma declaração que não é percetível; o mal que enferma a declaração é a da falta de legitimidade do signatário para vincular a sociedade recorrente e não qualquer carência de interpretação do seu sentido;

- Ainda que se entenda que com a referida declaração a recorrente se obrigou à transferência, esta apenas seria devida após notificação da recorrente pelo recorrido relativa ao vencimento das obrigações subjacentes à garantia prestada pelo seu acionista, o que veio a suceder com o vencimento antecipado; mesmo os direitos acessórios apenas são exigíveis com o evento do incumprimento pois até lá aqueles apenas representam uma garantia;

– O direito aos dividendos que o Banco (…) exige já se encontra prescrito porquanto a recorrente transferiu dividendos devidos à (…) para contas junto do Banco (…), estando o recorrido em condições de saber, em todos esses anos, a através de contas simples, as distribuições de dividendos efetuadas aos titulares de ações empenhadas.

Apreciando.

O cerne do presente recurso relaciona-se com o documento n.º 7 anexo à petição inicial e ao qual aludem os pontos de facto provados n.º 25 e 26 pois que foi nele que o autor, ora recorrido, fundou a obrigação que imputa à (…) – Vinhos de Portugal, SA, a saber, a de proceder ao pagamento, por crédito na conta de depósito à ordem n.º … (CRSD), domiciliada junto do Banco (…), de quaisquer dividendos ou outros rendimentos correspondentes às ações empenhadas a seu favor pelos acionistas da (…) – Vinhos de Portugal, SA, (…), (…) e o sr. (…).

Começamos por referir que resulta da factualidade provada que aquele documento surge no contexto da celebração de um contrato denominado “acordo de consolidação de financiamentos” (“ACF”) que teve como outorgantes o autor/recorrido Banco (…), a (…), a (…) e (…). Através de tal contrato (“ACF”) foi convencionado consolidar num só financiamento a totalidade dos financiamentos (e respetivas garantias) que haviam sido contraídos pela (…) – Sociedade de Gestão, SGPC, SA junto do Banco (…) entre os anos de 1998 e 2009 e no âmbito dos quais tinham sido constituídos penhores financeiros[4] sobre um total de 16.508.157 ações representativas do capital social da (…) – Vinhos de Portugal, SA, das quais 11.030.680 pertencem à (…), 1.320.499 pertencem à (…) e 4.156.978 pertencem a (…). Por força de tal acordo (“ACF”), os aludidos financiamentos e respetivas garantias foram consolidados num só financiamento passando uns e outros (financiamentos e garantias) a reger-se pelo “ACF” e respetivos anexos.

Aqueles financiamentos estavam, portanto, garantidos por penhores financeiros constituídos sobre 16.508.157 ações do capital social da (…) – Vinhos de Portugal, SA, distribuídas pela (…), pela (…) e por (…), penhores que incluíam «todos e quaisquer direitos acessórios» nomeadamente o direito a receber e reter todos os dividendos e qualquer outra forma de receita, lucro ou prémio devidos por força daquelas ações (factos provados n.ºs 17, 18 e 19). Donde, pode afirmar-se que o (credor) Banco (…), além da garantia que incidia sobre as participações sociais em si (ações), tinha também como garantia do seu crédito, o dinheiro do pagamento dos dividendos correspondentes àquelas ações.

O direito ao pagamento dos dividendos é um direito de crédito. Donde, a garantia que foi constituída a favor do Banco (…) é formada por dois penhores que incidem respetivamente sobre participações sociais e créditos pecuniários (nomeadamente os dividendos correspondentes àquelas participações sociais).

Está igualmente provado que no âmbito daquele acordo de consolidação de financiamentos foi constituído a favor do Banco (…) um penhor sobre a totalidade do saldo, em cada momento disponível, de uma conta de depósitos à ordem n.º (…), aberta em nome da (…), junto do Banco … (doravante designada por CRSD) (facto provados n.ºs 20 e 21). Quanto a esta conta bancária, a (…) ficou impedida de movimentar os saldos nela disponíveis sem o consentimento do Banco (…) e este, por seu turno, ficou autorizado a movimentar o saldo disponível na CRSD após execução do penhor financeiro com vista ao reembolso dos créditos garantidos (facto provado n.º 22). Ou seja, o Banco (…) – credor garantido – podia mobilizar o saldo da conta acima mencionada logo que se verificasse o facto que desencadeie a execução da garantia (ou seja, o incumprimento do financiamento). Assim, por convenção das partes (Banco …, …, … e …), o saldo daquela conta (CRSD) ficou afeto à garantia do crédito do Banco (…), o que significa que a (…), titular daquela conta, tornou-se titular fiduciária das somas nela depositadas.

Como supra assinalámos, foi no contexto da celebração do “acordo de consolidação de financiamentos” supra resumido, e na mesma data, que a (…), a (…) e (…) emitiram e subscreveram o documento a que aludem os pontos de facto provados n.ºs 25 e 26, o qual endereçaram à ré/apelante (…) – Vinhos de Portugal, SA.

O texto de tal documento é o seguinte:

“Exmos. Senhores,
Tendo presente o penhor das ações representativas do V. capital social de que somos titulares, constituído pelas signatárias a favor do Banco (…), S.A., sociedade aberta, com sede na (…), no Porto, com o capital social de € 6.064.999.986,00, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto, com o número único de matrícula, de pessoa coletiva e de identificação fiscal n.º … (“…”), solicitamos a V. Exas. que de ora em diante o pagamento de quaisquer dividendos ou outros rendimentos relativos às referidas ações seja efetuado por crédito da conta a conta de depósito à ordem n.º (…), domiciliada junto do Banco (…).
A presente instrução é emitida em benefício do Banco (…), pelo que apenas poderá ser alterada ou revogada com o consentimento deste.”
Como referimos supra o direito aos dividendos é um direito de crédito do sócio sobre a sociedade.
Nos termos do disposto no artigo 681.º, n.º 2, do Código Civil[5], relativamente ao penhor de créditos, é necessária a notificação ou aceitação do devedor do crédito empenhado para o penhor produzir efeitos. Assim, o penhor de direitos de crédito só será eficaz após a notificação ou aceitação do devedor do crédito empenhado, exceto nos casos em que se trate de um penhor sujeito a registo, em que os seus efeitos se produzirão a partir do registo (artigo 681.º, n.º 2, in fine).

Naquele documento os acionistas da (…) – Vinhos de Portugal, SA, (…), (…) e (…):

(i) Comunicaram à (…) – Vinhos de Portugal, SA o penhor das ações representativas do capital social de que são titulares a favor do Banco (…); e

(ii) Solicitaram à (…) – Vinhos de Portugal, SA, que, “dali em diante”, o pagamento dos dividendos ou outros rendimentos relativos às respetivas ações fosse efetuado por crédito da conta de depósito à ordem n.º (…), domiciliada junto do Banco, conta essa titulada pela (…).

Aquela missiva contém uma declaração negocial recipienda, isto é, uma declaração que teve (e tem) um destinatário determinado – a (…) – Vinhos de Portugal, SA. E foi a esta última que aquela foi efetivamente dirigida (ponto de facto provado n.º 25).

Dispõe o artigo 224.º, do Código Civil epigrafado Eficácia da declaração negocial, o seguinte:

«1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada. 2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida. 3. A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz.»

Em face do preceito legal supra transcrito, a declaração recipienda torna-se apta a produzir os efeitos queridos pelo declarante:

a) logo que é efetivamente conhecida pelo destinatário (isto é, logo que ele toma conhecimento do respetivo conteúdo); ou

b) quando chega ao poder do destinatário em condições de ser por ele conhecida (n.º 3); ou

c) a partir do momento em que, normalmente, teria sido recebida pelo destinatário, caso este não tivesse obstado, com culpa, à sua oportuna receção.

«Deste modo, se a declaração negocial é efetivamente conhecida, nada mais se torna necessário averiguar – impõe-se a teoria do conhecimento ou da perceção, aquela que, como regra, se afigura mais justa, dado ser a que melhor salvaguarda o destinatário de uma declaração: esta só produzirá efeitos quando a pessoa a quem vai endereçada acede ao respetivo conteúdo. Para a lei basta, no entanto, que a declaração chegue ao poder do destinatário, em condições de ser por ele conhecida, para se tornar eficaz, revelando-se indiferente que tome, ou não efetivo conhecimento do respetivo conteúdo. (…)»[6].

No caso em apreço, em face da factualidade provada dúvidas não temos de que a declaração negocial contida naquele documento foi efetivamente conhecida pela (…) – Vinhos de Portugal, SA, ou seja, que esta teve acesso ao respetivo conteúdo e que do mesmo ficou inteirada. Com efeito, não só está provado que (…), que era, à data, vogal do Conselho de Administração da (…) – Vinhos de Portugal, SA apôs a sua assinatura debaixo da declaração «Recebemos a presente instrução e agiremos em conformidade», como o documento em causa foi também subscrito e assinado por (…), que era à data Presidente do Conselho de Administração da (…) – Vinhos de Portugal, SA, irrelevando para o efeito da tomada de conhecimento do teor do documento que não o tenha assinado em representação da (…) – Vinhos de Portugal, SA. Consequentemente, o penhor constituído em benefício do Banco (…) sobre o direito aos dividendos correspondentes às ações representativas do capital social da (…) – Vinhos de Portugal, SA, pertencentes à (…), à (…) e a (…) foi notificado à Sociedade ré e aqui apelante, tornando-se dessa forma eficaz relativamente a ela.

Em face do disposto no artigo 681.º, n.º 2, do CC para que o penhor em causa produza efeitos relativamente à sociedade ré – que é a devedora dos dividendos – basta que tal penhor lhe haja sido notificado, como efetivamente foi.

No citado documento a (…), a (…) e (…) não só comunicaram à sociedade (…) – Vinhos de Portugal, SA o penhor sobre o direito aos dividendos em benefício do Banco (…) como lhe solicitaram que, a partir daquela data de 16 de março de 2012, o pagamento dos dividendos inerentes às respetivas ações fosse transferido para a conta de depósitos ali identificada, acrescentando, ainda, que a “instrução” ali contida era emitida em benefício do Banco (…) pelo que «apenas poderia ser alterada ou revogada com o consentimento do Banco (…)».

No documento a que aludem os pontos de facto provados n.ºs 25 e 26 encontra-se inserida uma outra declaração negocial com o seguinte teor: «Recebemos a presente instrução e agiremos em conformidade».

Na primeira parte daquela declaração é acusada a receção/conhecimento do documento e respetivo teor, emitido e subscrito pelos acionistas da (…) – Vinhos de Portugal, SA (o que bastaria para garantir a produção de efeitos daquele penhor relativamente ao terceiro devedor daqueles dividendos, a sociedade … – Vinhos de Portugal, SA). Mas, escreveu-se, também, que «agiremos em conformidade». Como declaração negocial que é, a sua interpretação está sujeita às regras hermenêuticas da interpretação dos negócios jurídicos contempladas nos artigos 236.º e ss. do Código Civil. É consabido que o artigo 236.º/1, do Código Civil consagra a chamada teoria da impressão do destinatário, estabelecendo como regra que o sentido da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um “declaratário normal”, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante, a menos que este não pudesse razoavelmente contar com tal sentido. Para apurar o “sentido da declaração” nos termos previstos no artigo 236.º/1 relevam todas as circunstâncias que acompanhem a conclusão do contrato e possam, objetivamente, inculcar num declaratário hipotético, razoável e cuidadoso, colocado na posição do declaratário real, um determinado sentido para a declaração, tais como a letra do negócio, os textos circundantes, os antecedentes e a prática negocial, o contexto e o objetivo em jogo – assim, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, Almedina, 4.ª Edição reformulada e atualizada, Almedina, pág. 718. Também Adriano Vaz Serra, in RLJ, ano 110, pág. 42, refere que na interpretação da declaração negocial devem ser ponderadas «os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo, a finalidade prosseguida pelo declarante, as negociações prévias, as precedentes relações negociais entre as partes, os hábitos do declarante (de linguagem ou outros), os usos da prática em matéria terminológica ou de outra natureza que possa interessar, os modos de conduta por que se prestou observância ao negócio concluído», referindo o mesmo autor, in RLJ, ano 104, pág. 63, que as circunstâncias atendíveis na interpretação da declaração negocial são quer as contemporâneas da mesma, quer as anteriores à sua conclusão, quer ainda as posteriores, importando que quer o declaratário quer o declarante ajam de boa fé, o primeiro investigando o que o declarante quis, tendo em consideração todas as circunstâncias por si conhecidas, e o segundo deixando a declaração valer no sentido em que um declaratário mediante uma averiguação cuidadosa tinha de atribuir-lhe.

Dito isto, julgamos que, para um declaratário normal colocado na posição do real declaratário (artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil), a expressão «agiremos em conformidade» significa que o destinatário da solicitação inserta naquele documento – e sobre o qual recai a obrigação de proceder ao pagamento dos dividendos aos seus sócios depois de aprovado o balanço de cada exercício e deliberada a distribuição dos mesmos pelos sócios – aquiesceu ao que lhe foi solicitado, isto é, aceitou efetuar o pagamento dos dividendos correspondentes às ações da (…), da (…) e de (...) na conta da (…) que ali foi indicada, junto do Banco (…) e a partir da data de 16 de março de 2012. Ao dizer que “agiremos em conformidade” assumiu expressamente a obrigação de canalizar, dali em diante, para a conta de depósito à ordem n.º (…), domiciliada junto do Banco (…), titulada pela (…), os dividendos correspondentes às ações da (…), da (…) e de (…), até ordem em contrário e desde que houvesse o consentimento do Banco (…).

Aqui chegados, cumpre dizer que a fixação do sentido daquela declaração negocial “agiremos em conformidade” não se confunde com a outra questão que a apelante suscita e que é saber se a ré (…) – Vinhos de Portugal, SA se obrigou validamente a efetuar o pagamento dos dividendos correspondentes às ações da (…), da (…) e de (…) na conta mencionada no documento referido nos pontos de facto provados n.ºs 25 e 26 – a conta de depósito à ordem n.º (…), titulada pela (…), domiciliada junto do Banco (…) – até que tal ordem fosse alterada ou revogada com o consentimento do Banco (…).

As sociedades comerciais têm, como as demais pessoas coletivas em geral, órgãos executivos, os quais têm, entre outros, o poder de as representar perante terceiros. Ou seja, as sociedades têm um órgão que as representa externamente, que exprime a vontade do ente coletivo (dos sócios). Assim, a sociedade só poderá realizar qualquer ato através do órgão respetivo e a competência deste último provém da lei. Diz-nos Pinto Furtado[7] que «no rigor dos princípios, os “representantes não representam a pessoa coletiva: são parte integrante desta, constituindo como que formas hipostáticas da sua substância, a revelarem-na como a pessoa falante ou atuante; por isso se explica que os seus poderes, como geralmente se reconhece, tenham, em princípio, a extensão da capacidade de agir da sociedade».

De acordo com o disposto no artigo 405.º n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, o conselho de administração nas sociedades anónimas tem exclusivos e plenos poderes de representação da sociedade. E o artigo 408.º, n.º 1, do mesmo diploma normativo dispõe que os poderes de representação do conselho de administração são exercidos conjuntamente pelos administradores, ficando a sociedade vinculada pelos negócios jurídicos concluídos pela maioria dos administradores ou por eles ratificados, ou por um número menor destes fixado no contrato de sociedade.

Por sua vez, dispõe o artigo 409.º, n.º 1 e n.º 4, do Código das Sociedades Comerciais o seguinte:

«Os atos praticados pelos administradores, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato de sociedade ou resultantes de deliberações dos acionistas, mesmo que tais limitações estejam publicadas» (n.º 1) e «Os administradores obrigam a sociedade, apondo a sua assinatura, com a indicação dessa qualidade» (n.º 4).

In casu está provado que:

(i) em 16.03.2012, a ré (…) – Vinhos de Portugal, SA tinha como Presidente do Conselho de Administração (…) e como vogais do Conselho de Administração, entre outros, (…) e que a ré se obrigava com a assinatura do Presidente do Conselho de Administração dentro dos limites dos poderes delegados, pela assinatura de quaisquer dois administradores ou pela assinatura em conjunto de um administrador e de um mandatário no âmbito dos poderes conferidos;

(ii) no documento a que aludem os factos provados n.ºs 25 e 26 e abaixo da declaração: «Recebemos a presente instrução e agiremos em conformidade» foi aposta (apenas) a assinatura de (…) «em representação da (…) – Vinhos de Portugal, SA».

Resulta já do exposto supra que (…) não podia, sozinho, vincular a sociedade (…) – Vinhos de Portugal, SA. Não se olvida que (…) também assinou o documento, mas não o fez enquanto representante da (…) – Vinhos de Portugal, SA; fê-lo, tão só, em representação das acionistas (…) e (…) e em nome próprio. Isto é, o que ele ali declarou nunca foi em representação da sociedade (…) – Vinhos de Portugal, SA.

Diz, então, a apelante que «estamos perante um documento que não foi assinado pelos administradores necessários, na qualidade e com poderes para o ato», que a declaração em causa «enferma do vício de falta de legitimidade do signatário para vincular a sociedade recorrente, (…) não se tratando de uma situação em que se pretende apurar o sentido da declaração».

Será assim?

Dispõe o artigo 334.º do Código Civil que é ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico desse direito.

Designa-se como “abuso de direito” o exercício do poder formal realmente conferido pela ordem jurídica a certa pessoa, mas em aberta contradição, seja com o fim (económico-social) a que esse poder se encontra adstrito, seja com o condicionalismo ético-jurídico (boa-fé e bons costumes) que, em cada época histórica, envolve o seu reconhecimento. (…) a circunstância de o vício típico do abuso do direito residir, não na carência ou falta do poder formal que constitui a essência do direito subjetivo ou da faculdade exercida, mas num elemento (teleológico ou ético-jurídico) que, interessando embora à regularidade substancial do exercício desse poder, é racionalmente dissociável dele, justifica a autonomia conceitual daquela figura. Autonomia imposta pelo facto de os efeitos do abuso do direito não coincidirem, em toda a linha, nem com as consequências da falta (pura e simples) do direito, nem com a disciplina própria do facto ilícito» – Antunes Varela, RLJ 114, págs. 75 e seguintes.

Dizem Pires de Lima/Antunes Varela[8]que «O abuso de direito pressupõe logicamente a existência do direito (direito subjetivo ou mero poder legal), embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes. A nota típica do abuso de direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido». Menezes Cordeiro[9] refere que «o abuso de direito apresenta-se, afinal, como uma constelação de situações típicas em que o Direito, por exigência do sistema, entende deter uma atuação que, em princípio, se apresentaria como legítima». Diz o mesmo autor que «os “limites impostos pela boa-fé” têm em vista a boa-fé objetiva, remetendo para os «dados básicos do sistema, concretizados através de princípios mediantes: a tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente às diversas questões». Isto é, os princípios da tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente às diversas questões operam como princípios mediantes entre a boa-fé e os casos concretos.

A “boa fé” deve entender-se como norma de conduta ou princípio de atuação, significando que as pessoas devem comportar-se no exercício dos seus direitos e deveres com honestidade, correção e lealdade, de molde a não defraudar a legítima confiança ou expectativa dos outros.

No caso sub judice, o vício invocado pela apelante – insuficiência de poderes de (…) para vincular a (…) – Vinhos de Portugal, SA – é imputável à própria sociedade, a qual não podia deixar de saber que era necessária a assinatura de outro administrador para vincular a sociedade. Com efeito, (…), que até assinou o documento em causa, não o assinou com a indicação de que o fazia, também, na qualidade de administrador da (…) – Vinhos de Portugal, SA.

Acresce que para além do vício ora invocado ser imputável à própria (...), a sua invocação ocorre depois de mais de dez anos passados sobre a assinatura daquele documento, na qual (…), “em representação da (…) – Vinhos de Portugal, SA”, declarou que esta última «iria agir em conformidade» com o que lhe estava a ser solicitado.

Uma das modalidades do abuso de direito, denominada suppressio, consiste na situação do direito que, não tendo sido, em certas circunstâncias, exercido durante um determinado lapso de tempo, não possa mais sê-lo por, de outra forma, se contrariar a boa fé[10].

A suppressio tem sido reconduzida, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, ao exercício inadmissível de direitos, por contrariar a boa-fé, exigindo, em alguns casos, a mediação do venire contra factum proprium[11], o qual ocorre quando o agente adota uma conduta inconciliável com as expectativas (legitimamente) adquiridas pela contraparte decorrente do modo como o primeiro atuou antes.

Menezes Cordeiro salienta que nesta modalidade do abuso de direito é necessário um determinado período de tempo sem exercício do direito e indícios objetivos de que o mesmo não mais seria exercido, não havendo necessidade de culpa do titular não-exercente.

No caso não só estão decorridos mais de dez anos sobre a data da assinatura aposta sob a declaração «Recebemos a presente instrução e agiremos em conformidade», como, inclusive, a (…) – Vinhos de Portugal, SA transferiu, logo em 2013, para a conta de depósitos indicada no documento a que aludem os factos provados n.ºs 25 e 26, os dividendos relativos às ações por referência ao exercício de 2012, em julho de 2019, transferiu para a para a CRSD, ou seja, para a conta de depósitos indicada no documento a que aludem os factos provados n.ºs 25 e 26, os dividendos relativos às ações por referência ao exercício de 2018 e em setembro de 2022 voltou a transferir para a CRSD os dividendos correspondentes às ações por referência ao exercício de 2021, sendo que a transferência para a CRSD dos referidos dividendos é uma obrigação que resulta do documento a que aludem os pontos de facto provados n.ºs 25 e 26. Ou seja, aquelas transferências do dividendos relativos aos exercícios de 2012, 2018 e de 2019, respetivamente, constituem “indícios objetivos” de que a invocação de que insuficiência de poderes de (…) para vincular a (…) – Vinhos de Portugal, SA não mais seria exercida.

Por todo o exposto, concluímos que a invocação da falta de legitimidade de (…) para vincular a sociedade (…) – Vinhos de Portugal, SA constitui uma situação de abuso de direito porque contrária à boa-fé, não podendo a mesma proceder.

A (…) – Vinhos de Portugal, SA estava efetivamente vinculada a proceder às transferências para a CRSD dos dividendos correspondentes às ações da (…), da (…) e de (…) por referência aos exercícios de 2012 a 2017, não só porque lhe foi devidamente notificado o penhor sobre o direitos a dividendos dos seus acionistas (…), (…) e (…), como, inclusive, aceitou proceder à transferência dos mesmos para a conta que lhe foi indicada por aqueles seus acionistas.

E cumpriu ela essa obrigação?

Está provado que a (…) – Vinhos de Portugal, SA cumpriu essa obrigação no que respeita aos dividendos correspondentes às ações da (…) por referência aos exercícios de 2012 e 2013, razão pela qual os mesmos não são reclamados nos presentes autos.

Está provado que a (…) – Vinhos de Portugal, SA não transferiu, de todo, os dividendos correspondentes às ações da (…) e de (…) por referência aos exercícios de 2012 a 2017, bem como os dividendos correspondentes às ações da (…) por referência aos exercícios de 2016 e 2017. No que respeita aos dividendos da (…) reportados aos exercícios de 2014 e 2015 está provado que os transferiu para uma conta no Banco (…), que não a CRSD, por instruções expressas dessa sua acionista.

No seu recuso a apelante defende que não deve ser condenada a pagar os dividendos reportados aos exercícios de 2014 e 2015 correspondentes às ações da (…) porque os transferiu para uma conta do Banco (…), donde, na sua perspetiva, aqueles dividendos terão entrado na esfera jurídica do Banco autor, que fez deles “o que bem entendeu”.

O Banco apelado, por sua vez, defende que aquelas transferências não têm eficácia liberatória porque não foram realizadas para a conta devida.

Não assiste razão à apelante, senão vejamos.

Dispõe o artigo 406.º/1, do Código Civil epigrafado Eficácia dos contratos, que o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei. Significa isto que todas as cláusulas acordadas devem ser, ponto por ponto, integralmente cumpridas, no momento próprio. O devedor apenas cumpre a obrigação, na íntegra, quando realiza a prestação a que está vinculado (artigo 767.º/2, do CC).

No caso a (…) – Vinhos de Portugal, SA estava obrigada a proceder ao pagamento dos dividendos correspondentes às ações dos seus acionistas supra mencionados para uma determinada conta, justamente aquela que consta do documento a que aludem os pontos de facto provados n.ºs 25 e 26 e sabia que só poderia deixar de o fazer se o Banco (…) desse o consentimento necessário para tal desiderato. Por conseguinte, ao transferir os dividendos para uma conta diferente daquela para a qual estava obrigado a transferir os dividendos das ações, ainda que junto do Banco (…), e por instrução da (…), não cumpriu a obrigação a que estava vinculada. O facto de ter seguido instruções da (…) não a isenta da culpa no incumprimento, pois a (…) – Vinhos de Portugal, SA sabia que a instrução que recebera dos seus acionistas (e que aceitara) só podia ser revogada ou alterada com o consentimento do Banco (…) e não foi alegado e não se provou que o Banco (…) consentiu em que a transferência em causa fosse feita para outra conta que não a CRSD.

As transferências efetuadas pela (…) – Vinhos de Portugal, SA não tiveram, portanto, eficácia liberatória, ou seja, a ré/apelante não se exonerou da sua obrigação com o depósito daqueles dividendos em conta diversa daquela que se mostra identificada no documento a que aludem os pontos de facto provados n.ºs 25 e 26.

Finalmente quanto ao argumento de que os direitos acessórios apenas são exigíveis com o evento do incumprimento do crédito garantido o mesmo não procede, pois aquilo a que a apelante estava vinculada, enquanto devedora dos dividendos, era a proceder ao depósito dos mesmos, após o respetivo vencimento, numa conta de depósitos aberta em nome da (…), junto do Banco (…), que este último poderia mobilizar logo que se verificasse o facto que desencadeia a execução da garantia. Ou seja, o facto de o credor garantido apenas poder mobilizar o saldo da conta apenas em caso de incumprimento do contrato de financiamento não interfere com a obrigação da (…) – Vinhos de Portugal, SA de proceder à transferência dos dividendos logo que o respetivo direito dos garantes se vencesse.

Em face de todo o exposto, improcede este segmento do recurso.

Finalmente a questão da prescrição.

Extrai-se da sentença recorrida o seguinte trecho: «Em concreto, o Réu excepciona com a prescrição prevista pelo artigo 310.º do Código Civil (CC). Refere que podendo os direitos referentes aos dividendos ter sido exercidos, respetivamente, em 24.04.2013 (2012), 24.04.2014 (2013), 28.04.2015 (2014), 17.05.2016 (2015), 19.05.2017 (2016) e 25.05.2018 (2017), apenas estes últimos não estarão prescritos. O mesmo sucede com os respetivos juros, considerando o disposto no artigo 310.º, alínea d), do CC. O Autor respondeu, alegando que através de notificação judicial avulsa requerida em 26.04.2021, pediu a notificação da Ré para proceder à transferência para a CRSD dos dividendos correspondentes às ações relativos aos exercícios de 2012 a 2017, acrescidos de juros de mora, o que só por si basta para interromper a prescrição relativamente aos dividendos que se venceram entre 2016 e 2018 relativos aos exercícios dos anos de 2015 a 2017. Quanto aos demais, à data da entrada da p.i. em Juízo o Autor desconhecia ainda se os dividendos tinham sido distribuídos entre 2013 e 2016, pelo que não podem estar os mesmos prescritos. Resulta da factualidade dada como provada que a assembleias gerais de acionistas da Ré se realizaram, respetivamente, em 24.04.2013 (2012), 24.04.2014 (2013), 28.04.2015 (2014), 17.05.2016 (2015), 19.05.2017 (2016) e 25.05.2018 (2017), tendo aí sido aprovadas as distribuições de dividendos. Como refere o artigo 217.º, n.º 2, do CSC, o direito aos dividendos vence-se 30 dias após a deliberação da distribuição. Assim, o direito do Autor ter-se-ia vencido, respetivamente, em 24.05.2013, 24.05.2014, 28.05.2015, 17.06.2016, 19.06.2017 e 25.06.2018. Acontece que, como resultou provado, o Autor apenas teve conhecimento da distribuição dos dividendos referentes aos exercícios de 2012 a 2015 em 06.07.2020 (facto 42), sendo que intentou a presente ação com base em estimativas, as quais estão corretas, como se verificou pelas atas das assembleias gerais juntas pela Ré apenas em 10.01.2024 (factos 57 e 58). Ora, de acordo com o disposto no artigo 306.º, n.º 1, do CC, o prazo de prescrição apenas começa a correr quando o direito puder ser exercido, e este apenas pode ser exercido quando é conhecido. Quer isto dizer que ninguém pode exercer um direito que não conhece ter, que não sabe se lhe assiste. Se o desconhece e o prazo se escoou não se pode verdadeiramente falar de inércia (há apenas decurso dum lapso de tempo) e, menos ainda, de negligência, sendo que pela prescrição se sanciona a inércia negligente do titular do direito. Não pode dizer-se que haja negligência da parte do titular dum direito em exercitá-lo enquanto ele o não pode fazer valer por causas objectivas, isto é, inerentes à condição do mesmo direito (cfr. Acórdão do STJ de 08.11.2005, Processo n.º 05A3169, disponível em WWW.DGSI.PT). Assim, o prazo de prescrição relativamente ao direito do Autor apenas se iniciou com o conhecimento da distribuição de dividendos, conhecimento esse que ocorreu com a carta datada de 06.07.2020 que lhe foi remetida pela Ré.

Logo, improcede a exceção de prescrição invocada pela Ré, quer quanto aos dividendos, quer quanto aos juros peticionados.»

A tal fundamentação contrapõe a apelante que «a recorrente transferiu dividendo devidos à (…) para contas junto do Banco (…) estando o recorrido em condições de saber, em todos estes anos, a através de contas simples, as distribuições de dividendos efetuadas aos titulares de ações empenhadas».
Quid juris?
Em primeiro lugar, dir-se-á que não estão em causa apenas dividendos relativos às ações da (…), mas também todos os dividendos correspondentes às ações da (…) e de … (e apenas os dividendos relativos às ações da (…) e aos exercícios de 2014 e 2015 foram transferidos para uma conta junto do Banco que não a CRSD).
Em segundo lugar, não está alegado ou provado que a conta para a qual foram feitas aquelas transferências fosse titulada pelo Banco (…), ou que este tivesse poderes de movimentação sobre os montantes aí depositados, ou que soubesse quais os valores para ela transferidos e que os mesmos correspondiam a dividendos de ações. Aliás, está provado – e não foi impugnado – que apenas por carta datada de 6 de julho de 2020, a D. Improcede a invocada nulidade da Sentença por omissão de pronúncia porquanto:
− As “questões” que cumpre ao Tribunal a quo não se confundem com todos os argumentos
invocados pelas partes;
− A (…) – Vinhos de Portugal, SA invocou duas exceções sobre as quais o Tribunal a quo se pronunciou;
− Centrando-se a presente ação, conforme delimitada pelo Banco (…), na obrigação que a (…) – Vinhos de Portugal, SA assumiu nos termos da Instrução Irrevogável, o Tribunal a quo começou por interpretar atender a vários elementos de interpretação na determinação do sentido que atribuiu ao teor da Instrução Irrevogável e às declarações negociais aí contidas e, posteriormente, aplicando-os ao caso concreto, concluiu pela obrigação da (…) a transferir para a conta CRSD o montante dos dividendos correspondentes às ações empenhadas a favor do Banco (…) a partir de 16 de março de 2012, bem como pelo incumprimento de tal obrigação, justificando, assim, a procedência da presente ação;
− Como tal, de acordo com a interpretação da Instrução Irrevogável sufragada pelo Tribunal a quo, a obrigação assumida pela (…) – Vinhos de Portugal, SA produziu efeitos a partir de 16 de março de 2012, e não a partir do vencimento antecipado. Aliás, em lado nenhum o Tribunal a quo atribuiu à Instrução Irrevogável o caráter de “usufruto de ações” ou “garantia de pagamento”;
− Sucede que a Recorrente simplesmente não concorda com a decisão do Tribunal a quo.
No entanto, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia não é o meio adequado para a Recorrente sindicar o conteúdo da decisão.
(…) – Vinhos de Portugal, SA respondeu à missiva do Banco (…), de 22 de maio de 2020, referindo que sempre pagou os dividendos de 2013 a 2019 de acordo com as instruções recebidas de quem exerceu, em cada momento, o direito social ao dividendo, mas não informou sequer qual o montante dos dividendos pagos, e apenas por carta de 8 de julho de 2020, a (…) – Vinhos de Portugal, SA remeteu ao Banco (…) os relatórios de contas relativos aos exercícios de 2017, 2018 e 2019 e as atas das assembleias gerais nas quais foram aprovadas as contas relativas aos exercícios de 2016, 2017 e 2018.
Pelo exposto, não merece censura a fundamentação e decisão do tribunal a quo a propósito da prescrição, pelo que improcede também este concreto fundamento do recurso.

*
Improcede, assim, totalmente, a apelação.
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Da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça

O Banco (…), apelado, pretende ser dispensado do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Judiciais (RCJ), argumentando, em síntese, que «o presente recurso não se reveste de um grau de complexidade elevado, nem a conduta processual do Banco foi tal que justifique a aplicação da taxa de justiça estabelecida tabelarmente, razão pela qual entende ser-lhe aplicável a possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no artigo 6.º, n.º 7, do RCJ, impondo-se adicionalmente tal conclusão à luz dos princípios constitucionais da proporcionalidade, acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, porquanto o valor do remanescente da taxa de justiça não se afigura ajustado e proporcional à tramitação e à complexidade do presente recurso, pelas razões acima expostas».
O pedido de dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente em causa foi suscitado com efeitos limitados ao presente recurso.
De acordo com o disposto no artigo 1.º/1, do RCP todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados no Regulamento das Custas Processuais, considerando-se como tal, cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa originar uma tributação própria (artigo 1.º/2).
Por sua vez dispõe o artigo 3.º/1, do Regulamento das Custas Processuais que as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.
O pagamento da taxa de justiça está correlacionado com o impulso processual (artigo 530.º do CPC), seja do lado ativo, seja do lado passivo, «como se fosse uma mera contrapartida de um pedido de prestação de um serviço»[12].
O artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais[13] estabelece que nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça[14] é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Por sua vez dispõe o artigo 14.º/9, do mesmo diploma legal[15] que nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta final.
No que respeita às causas de valor superior a € 275.000,00 não se exige logo o pagamento da taxa de justiça pelo valor total, ou seja, com referência ao valor base de tributação, ficando a parte dispensada temporariamente do pagamento da taxa de justiça que corresponde ao montante que excede aquele valor[16]; porém, como não se trata de uma verdadeira isenção, esse remanescente que ficou por pagar será depois exigido a menos que o juiz dispense aquele pagamento, nos termos previstos no artigo 6.º/7, do RCP. Como se diz no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.05.2018, processo n.º 3582/16.1TBLRA-B.C1, consultável em www.dgsi.pt., «na verdade, o citado n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais visa atenuar antes do termo da causa a obrigação de pagamento da taxa de justiça nas ações de mais valor e está conexionado com o que se prescreve no fim da tabela I (já mencionada atrás): o referido remanescente é considerado na conta final a realizar após o trânsito em julgado da decisão final».
O artigo 7.º/6, prevê, portanto, a possibilidade de dispensa (total ou parcial) do valor da taxa de justiça que resultaria da mera aplicação dos valores constantes das tabelas previstas no Regulamento das Custas Processuais (artigo 6.º/1, do RCP) evitando, dessa forma, uma eventual desproporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público da administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado[17]. A este propósito, refere-se no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2022, de 10-11-2021 (publicado no Diário da República n.º 1/2022, Série de 03-01-2022) que «A ratio desta norma é, assim, evitar casos de disparidade clara entre o expediente do tribunal e a conta de custas, por uma questão de justiça material e do cumprimento dos princípios da proporcionalidade e adequação e ainda o livre acesso à justiça, todos plasmados na CRP».
Não é controvertido que é ao juiz que cabe apreciar, oficiosamente ou requerimento das partes, a verificação dos pressupostos de que a lei faz depender a dispensa, total ou parcial, do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Se não tiver sido dispensado tal pagamento, o remanescente da taxa de justiça deve ser considerado na conta final.
Resulta do disposto no artigo 6.º/7, do RCP que mesmo nas causas de valor superior a € 275.000,00 a regra continua a ser o pagamento integral da taxa de justiça resultante da aplicação dos critérios legais, assumindo natureza excecional a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo daquele normativo. Tal dispensa tem de resultar de uma avaliação empreendida pelo julgador no sentido da verificação dos respetivos pressupostos no caso concreto; nessa avaliação há que ponderar, no mínimo, a complexidade da causa e a conduta processual das partes. O critério da “complexidade da causa” extrai-se do disposto no artigo 530.º/7, do CPC[18] e a conduta processual das partes deve ser apreciada tendo em consideração os deveres de conduta previstos nos artigos 7.º (dever de cooperação) e 8.º (dever de boa-fé processual). Na decisão sumária proferida em 20-12-2021, no âmbito da Revista n.º 2104/12.8TBALM.L1.S1[19], o Supremo Tribunal de Justiça considerou que «(…) nada obsta a que se ponderem outros fatores associados num sentido ou noutro ao princípio da proporcionalidade como seja, o valor dos interesses económicos em causa, os resultados obtidos, o facto de alguma ou de ambas as partes serem pessoas individuais ou coletivas ou de exercerem ou não uma atividade comercial empresarial ou prosseguirem outros fins. Também não está afastada a possibilidade de se ponderar a necessidade de contribuição das partes para os encargos inerentes à disponibilização de um sistema de justiça de acesso livre e universal, assim como a utilidade que os interessados pretendem extrair dos serviços prestados. Ou bem assim o facto de alguma das partes ter formulado pedidos com valor manifestamente excessivo relativamente ao que foi concedido, aspeto que, quando tal seja relevante, não deve penalizar a parte contrária».
No final, e tudo ponderado, o julgador tem de formular um juízo de proporcionalidade da taxa de justiça a pagar em função do valor da causa.
No caso em apreço, verificamos que as questões jurídicas suscitadas no recurso não são particularmente complexas, a impugnação da decisão de facto não foi extensa e também não envolveu a apreciação de prova complexa, limitando-se à análise de depoimentos testemunhais e a documentos, a resposta às alegações de recurso não foram particularmente prolixas, limitando-se ao necessário para a defesa da posição do recorrido.
Em suma, o valor já suportado pelo Banco (…) a título de taxa de justiça com a apresentação de resposta às alegações – € 2.448,00 – afigura-se-nos ajustado e proporcional, pelo que se justifica o deferimento do pedido de dispensa do pagamento, pelo recorrido, do remanescente da taxa de justiça que seria devida pela aplicação tabelar do Regulamento das Custas Processuais.
Em face do exposto, deve ser deferido o requerido pelo recorrido.


Sumário: (…)


III. DECISÃO
Em face o exposto, acordam o seguinte:
1 – Julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
2 – Dispensar o Banco (…), SA, do pagamento, na presente instância de recurso, do remanescente da taxa de justiça devida pela resposta ao recurso.
Notifique.
DN.
Évora, 27 de fevereiro de 2025
Cristina Dá Mesquita
José Saruga Martins
Maria Domingas Simões

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[1] Rui Pinto, O Recurso Civil Uma Teoria Geral, 2018 Reimpressão, AAFDL Editora, pág. 253.
[2] Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3.ª edição Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 143.
[3] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, 2018, págs. 165-166.
[4] O penhor financeiro é uma modalidade dos contratos de garantia financeira regulada pelo D/L n.º 105/2004, de 08.05, o qual resulta da transposição da Diretiva 2002/47/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 06.06.2002, alterada pela Diretiva 2009/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 06.05.2009.
[5] Inserido na subsecção III-Penhor de direitos, e epigrafado Forma e publicidade, tendo o seguinte teor: «Se, porém, tiver por objeto um crédito, o penhor só produz os seus efeitos desde que seja notificado ao respetivo devedor, ou desde que este o aceite, salvo tratando-se de penhor sujeito a registo, pois neste caso produz os seus efeitos a partir do registo.»
[6] Fernando Ferreira Pinto, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pág. 505.
[7] Curso de Direito das Sociedades, 5.ª Edição revista e atualizada, com a colaboração de Nelson Rocha, Almedina, págs. 343-344.
[8] Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição revista e atualizada com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Lda., pág. 300.
[9] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V, Almedina, 2011, págs. 241 e seguintes.
[10] Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Coleção Teses, Almedina, pág. 797.
[11] Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Coleção Teses, Almedina, pág. 810.
[12] Salvador da Costa, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 2017, 6.ª Edição, Almedina, pág. 17.
[13] Resultante da alteração introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13.02.
[14] O referido “remanescente”, considerando o disposto na parte final da tabela I anexa ao Regulamento das Custas Judiciais, consubstancia-se no seguinte: nas ações de valor superior a € 275.000,00 ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por € 25.000,00 ou fração, 3 UC, no caso da coluna I-A, 1,5 UC, no caso da col. B, e 4,5 UC, no caso da coluna C.
[15] Dispositivo legal que resultou da Lei n.º 27/19, de 28.03.
[16] O referido “remanescente”, considerando o disposto na parte final da tabela I anexa ao Regulamento das Custas Judiciais, consubstancia-se no seguinte: nas ações de valor superior a € 275.000,00 ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por € 25.000,00 ou fração, 3 UC, no caso da coluna I-A, 1,5 UC, no caso da col. B, e 4,5 UC, no caso da coluna C.
[17] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, de 15.07.2013.
[18] De acordo com este normativo legal, para efeitos de condenação no pagamento da taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que: a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou c) impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
[19] Relator Abrantes Geraldes, consultável em www.dgsi.pt.