Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
48/23.7PBPTM-U.E1
Relator: JORGE ANTUNES
Descritores: ARGUIDO NÃO REQUERENTE DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO
IMPUTAÇÃO DE CRIME EM AUTORIA MATERIAL
DEBATE INSTRUTÓRIO
NOTIFICAÇÃO
NULIDADE
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não tendo o arguido/recorrente requerido a abertura de instrução e não constando na acusação uma imputação sob o regime da comparticipação no que toca ao arguido/recorrente e não se subsumindo a sua situação também em nenhuma das outras alíneas previstas pelo artigo 24.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não se impunha que lhe fosse efetuada qualquer notificação para presença no debate instrutório, pois que conforme resulta da lei a mesma não se impunha em face das imputações ilustradas na acusação.
Não ocorre qualquer nulidade, nem se pode afirmar que o arguido foi impedido de participar em ato processual que lhe dizia respeito. A instrução é uma fase facultativa do processo, à qual o recorrente renunciou ao não ter apresentado com êxito um requerimento de abertura de instrução que o legitimasse a participar nos atos dessa fase.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

*

I – RELATÓRIO

i. Em 23 de dezembro de 2024, o Ministério Público encerrou o Inquérito nº 48/23.7PBPTM deduzindo acusação contra o aqui recorrente AA e outros dez arguidos, imputando-lhes a prática dos seguintes crimes:

A) Ao arguido BB, em autoria material e em concurso real e efetivo:

- Um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 e art.24.º, als. i) e j), ambos do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência às Tabelas I-B, I-C, anexas a esse diploma e art.69.º, n.º 1, al. b) do Código Penal; e

- Dois crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º, n.sº 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03/01, por referência aos artigos 121.º e 122.º, ambos do Código da Estrada.

B) Ao arguido CC, em autoria material e em concurso real e efectivo:

- Um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 e art.24.º, als. i) e j), ambos do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência às Tabelas I-B, I-C, anexas a esse diploma e art.69.º, n.º 1, al. b) do Código Penal; e

- Quatro crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º, n.sº 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03/01, por referência aos artigos 121.º e 122.º, ambos do Código da Estrada.

C) Ao arguido AA, em autoria material e em concurso real e efectivo:

- Um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 e art.24.º, als. i) e j), ambos do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência às Tabelas I-B, I-C, anexas a esse diploma e art.69.º, n.º 1, al. b) do Código Penal;

- Três crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º, n.sº 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03/01, por referência aos artigos 121.º e 122.º, ambos do Código da Estrada; e

- Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. d), por referência ao art.º 3.º, n.º 2, p) ii), n.º 5, al. e), n.º 6, ambos do RJAM.

D) Ao arguido DD, em autoria material, um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 e art.24.º, als. i) e j), ambos do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência às Tabelas I-B, I-C, anexas a esse diploma e art.69.º, n.º 1, al. b) do Código Penal;

E) Ao arguido EE, em autoria material, um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 e art.24.º, al. j), ambos do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência às Tabelas I-B, I-C, anexas a esse diploma e art.69.º, n.º 1, al. b) do Código Penal;

F) Ao arguido FF, em autoria material e em concurso real e efectivo:

- Um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 e art.24.º, als. i) e j), ambos do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência às Tabelas I-B, I-C, anexas a esse diploma e art.69.º, n.º 1, al. b) do Código Penal;

- Um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência às Tabelas I-B, I-C, II-A, anexas a esse diploma e art.69.º, n.º 1, al. b) do Código Penal;

- Quatro crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º, n.sº 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03/01, por referência aos artigos 121.º e 122.º, ambos do Código da Estrada; e

- Dois crimes de falsas declarações, p. e p. pelo art.348.º-A do Código Penal;

- Um crime de depoimento ou de declaração, p. e p. pelo art.359.º, n.ºs. 1 e 2 do Código Penal;

- Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. d), por referência ao art.3.º, n.º 2, al. j, n.º 4, al. a), ambos do RJAM; e

- Uma contraordenação, p. e p. pelo art.91.º n.º 1 por referência ao art.2.º, n.º 1, al. ag) e art.3.º, n.º 9, al. e), todos do RJAM.

G) Ao arguido GG, em autoria material e em concurso real e efectivo:

- Um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência às Tabelas I-A, I-B, I-C, anexas a esse diploma e art.69.º, n.º 1, al. b) do Código Penal;

- Dois crimes de receptação, p. e p. pelo art.231.º, n.º 2 do Código Penal.

H) Ao arguido HH, em autoria material, um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência às Tabelas I-A, I-B, anexas a esse diploma e art.69.º, n.º 1, al. b) do Código Penal (requerendo a respetiva condenação como reincidente, nos termos do disposto nos arts.75.º e 76.º, ambos do Código Penal.

I) Ao arguido II, em autoria material e em concurso real e efectivo:

- Um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência às Tabelas I-A, I-B, I-C, anexas a esse diploma; e

- Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. d), por referência ao art.º 3.º, n.º 2, al. e), ambos do RJAM.

J) À arguida JJ, como cúmplice, um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência às Tabelas I-A e I-B anexas a esse diploma.

K) Ao arguido KK, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência à Tabela I-C anexa a esse diploma.

ii. O arguido AA, aqui recorrente, requereu a abertura da instrução, mas viu o seu requerimento rejeitado (foi proferido, em 06/03/2025, despacho de rejeição do respetivo Requerimento para Abertura da Instrução, com fundamento na sua inadmissibilidade legal1).

Tendo sido admitida a abertura de instrução requerida pelos arguidos BB, EE, DD e II, foi designada data para o debate instrutório.

iii. Em 27 de março de 2025, o arguido aqui recorrente apresentou nos autos de Instrução nº 48/23.7PBPTM requerimento [ref.ª …) com o seguinte teor:

“AA, notificado da designação de dia para a realização do debate instrutório vem dizer que é seu desejo no mesmo comparecer”.

iv. Sobre o requerimento referido em iii. recaiu o despacho de 28.03.2025, com o seguinte teor:

“Requerimento de 27.03.2025 [ref.ª …]:

Visto.

Com todo o respeito que é merecido pela defesa do arguido AA, o requerimento que antecede labora num evidente equívoco, pois que este arguido não foi notificado da data que designa o debate instrutório.

Conforme ressuma limpidamente do processo, o despacho que designou a data para realização do debate instrutório foi apenas notificado aos arguidos BB, EE, DD e II [e respectivos(as) Il. defensores(as)].

Posto isto, e em obediência ao disposto no artigo 297.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, não se impondo a notificação do arguido AA para marcar presença no debate instrutório a realizar no âmbito dos presentes autos, nada se impõe determinar.

Notifique.”.

v. O Debate instrutório teve lugar no dia 4 de abril de 2025, sem a presença do arguido AA e do respetivo mandatário.

vi. No dia 10 de abril de 2025, a defesa do arguido AA apresentou requerimento com o seguinte teor:

“AA, arguido nestes autos, tendo sido notificado do despacho judicial prolatado a 28 de Março 2025 (Referência Citius …) no qual se indeferiu o pedido de comparência do arguido no Debate Instrutório e tendo tido conhecimento da efetuação desse Debate no passado dia 4 de Abril 2025, vem arguir a sua nulidade, com os seguintes fundamentos:

1.º - O arguido tem o direito de comparecer a todos os atos processuais que lhe disseram respeito “apud” o disposto no art.º 61.º n.º 1 alínea a) do CPP.

2.º - Por decisão judicial proferida no dia 28 de Março 2025 o arguido foi impedido pelo Tribunal de a esse debate comparecer.

3.º- Ao impedir a presença do arguido no Debate Instrutório foi violado o art.º 61.º n.º 1 alínea a) do CPP, bem como o princípio do contraditório havendo ainda sido cometida a nulidade insanável a que alude o art.º 119.º alínea c) do CPP.

4.º.- Pelo que se requer seja declarada a nulidade do Debate Instrutório efetuado no apontado dia 4 de Abril de 2025”.

vii. Sobre o requerimento referido em vi. recaiu o despacho de 15.04.2025 [ref.ª …] que indeferiu a nulidade do debate instrutório, nos seguintes termos:

“Requerimento de 10.04.2025 [ref.ª …]:

Visto.

***

A defesa do arguido AA veio arguir a nulidade do debate instrutório realizado no passado dia 4 de Abril de 2025, nos termos do disposto nos artigos 61.º, n.º 1, alínea a) e 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal.

Vejamos.

Repristinando aqui o raciocínio já expendido no nosso despacho de 28 de Março de 2025, entendemos que não assiste qualquer razão ao arguido.

De acordo com o artigo 297.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, “a designação de data para o debate instrutório é notificada ao Ministério Público, ao arguido e ao assistente pelo menos cinco dias antes de aquele ter lugar. Em caso de conexão de processos nos termos das alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo 24.º, a designação da data para o debate instrutório é notificada aos arguidos que não tenham requerido a instrução.”

Perante o estatuído neste artigo haverá nulidade do debate instrutório por ausência de arguido e Il. defensor?

Para responder a esta questão é necessário conjugar a leitura dos artigos 297.º, n.º 3 e 24.º, ambos do Código de Processo Penal, com o libelo acusatório da autoria do Ministério Público.

Comecemos por este último.

Da leitura daquela peça processual, podemos verificar que o arguido AA [à semelhança dos demais arguidos, diga-se] está acusado, além do mais, da prática, em autoria material (leia-se, imediata), de 1 (um) crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, alíneas i) e j) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01.

Vejamos, agora, a redacção do artigo 24.º, n.º 1, alíneas c), d) e e), do Código de Processo Penal:

“1 - Há conexão de processos quando:

(…)

c) O mesmo crime tiver sido cometido por vários agentes em comparticipação;

d) Vários agentes tiverem cometido diversos crimes em comparticipação, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros; ou

e) Vários agentes tiverem cometido diversos crimes reciprocamente na mesma ocasião ou lugar.”

No caso sub judice, apesar de ter existido uma conexão processual, não consta na acusação uma imputação sob o regime da comparticipação no que toca ao arguido AA.

De igual modo, a sua situação também não se subsume a nenhuma das outras alíneas previstas pelo artigo 24.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Assim, e à semelhança do que sucedeu com outros arguidos, não foi efectuada qualquer notificação para presença no debate instrutório, pois que conforme resulta da lei a mesma não se impunha em face das imputações ilustradas na acusação.

Pelo exposto, e porque não existe qualquer “mal” a ser reparado, indefere-se a nulidade ora invocada pela defesa do arguido AA a propósito do debate instrutório.

Notifique.”.

viii. Em 22.04.2025 o arguido interpôs recurso do despacho proferido em 15.04.2025, peticionando a declaração de nulidade, com todos os efeitos legais, do Debate Instrutório realizado no dia 4 de abril de 2025, “devendo o mesmo acto processual ser repetido com notificação prévia, da nova data, do recorrente e seu mandatário”.

Extraiu o recorrente as seguintes conclusões da sua motivação de recurso:

1. A argumentação do douto despacho recorrido é de ordem meramente formal.

2. Sustentando, na sua essência que o art.º 297.º n.º 3 do CPP não deve ter aplicação no caso (pese embora reconheça a existência de conexão processual) (?) até porque na acusação não existe, alguma imputação ao recorrente AA sob o regime de comparticipação, razão pela qual este não foi notificado da data do Debate Instrutório.

3. Com o devido respeito não será assim. De facto, na acusação, o recorrente vem acusado em regime de comparticipação e de pertencer a uma organização criminosa.

4. O que decorre de vários artigos do libelo acusatório, a saber: o art.º 1.º,onde se refere que os arguidos se dedicaram de forma concertada e organizada ao tráfico de droga/ (pág.22 da mesma).No art.º 3.º onde se imputa aos arguidos AA, CC, DD, EE, e FF a sua colaboração e desempenho de tarefas de tráfico de droga juntamente com o arguido BB. No art.º. 4.º onde se diz que o BB seria o “cabecilha” desta organização, sendo a pessoa que controlava a dita organização” (SIC – a pág.. 23 da acusação), o que pressupõe um regime de comparticipação criminosa dos restantes arguidos.

5. Ainda no mencionado art.º 4.º da acusação quando se afirma que o BB era “o fornecedor de estupefacientes aos demais arguidos” controlando toda a organização,…assumindo a liderança do grupo, coordenando e comunicando ordens aos demais identificado arguidos” ( a pág. 24 da acusação).

6. O que pressupõe, como se vê, um regime de comparticipação.

7. No art.,º 5.º do libelo acusatório, onde se estabelece a comparticipação entre o recorrente AA, DD, CC, EE, na modalidade de encontros com o arguido BB que dos outros “recebeu diversos valores monetários, em numerário, utilizados na compra concretizada de produto estupefaciente” – o que indicia claramente um regime de comparticipação. entre o arguido BB e a mando deste, os arguidos

8. E ainda em outros artigos do extenso libelo acusatório: art.º 6.º,8.º,9.º,10.º11.º( onde aqui se alude a resolução criminosa do BB e que, “a mando deste” os arguidos CC, AA, DD, EE e FF, utilizavam a habitação situada em …, no concelho de … bem como uma garagem em ….

9. No art.º 12.º da acusação ( a pág. 26)

10. No art.º 13.º da referida acusação (onde se alude à organização criminosa e às actividades desenvolvidas no seio desta pelos outros arguidos “na prossecução da descrita actividade do tráfico” e da colaboração entre os arguidos BB e CC em que “definia as ordens e instruções conexas” ( a pág. 26 da acusação), o que, mais uma vez, pressupõe um regime de óbvia comparticipação.

11. Nos sub-itens do art.º 13.º (alíneas a) a z) e aa) (paginas 27 a 32 inclusivé) inúmeras referências a essa colaboração (comparticipação) dos outros arguidos e especialmente nos sub-itens 13d) 13e) e 13f) onde se expraia a comparticipação do recorrente AA.

12. No sub-item 13j) (colaboração entre o BB e os restantes arguidos).

13.º “Para melhor controlar a referida organização as atividades desenvolvidas pelos outros arguidos na prossecução da descrita actividade de tráfico…foram frequentes os telefonemas ” ( a pág.. 26).

E ainda:

14.º - “Nos dias…. através de diversos contactos telefónicos, o arguido BB deu instruções aos demais identificados arguidos (10) – a pág. 29 sob o item 13.K; (em negrito nosso).

15.ºArt.º 26.º da acusação ( a pág.. 42 da mesma):“Durante o período temporal referido… o arguido EE dedicou-se juntamente com os demais arguidos e sob a liderança do arguido BB, à venda e distribuição de produto estupefaciente

Para além de outras passagens ínsitas no libelo acusatório

16.º - VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO – O escopo do referenciado art.º 297.º n.º 3 do CPP refere expressamente que para o caso de eventual conexão processual (seja ela explícita ou implícita) todos os arguidos deverão ser notificados para a efetuação do debate instrutório, o que faz todo o sentido.

17.º - Reafirmando-se que o douto despacho recorrido concede a existência da apontada conexão processual A qual. como se viu “supra” resulta à saciedade da leitura do libelo acusatório.

18.º - Tem aplicação “in casu” quer o disposto no art.º 327.º do CPP (válido para qualquer audiência em que os arguidos estejam presentes, e sem esquecer que o debate instrutório se trata efectivamente de uma audiência), bem como o disposto no art.º 289.º n.º 1 do CPP (faculdade de qualquer arguido do processo poder participar no debate instrutório).

Preceito este violado no recorrido despacho

19.º - O douto despacho viola claramente o princípio do contraditório, ou seja, a exigência contida quer no mencionado art.º 327.º do CPP quer o do art.º 289.º n.º 1 do CPP bem como o art.º 32.º n.º 1 e 3 da Constituição da República. O qual consiste numa das principais garantias do direito de defesa dos arguidos, que é precisamente o exercício do contraditório.

20.º - Sobretudo no caso bem específico destes autos em que a decisão de pronúncia (ou não pronúncia) dos arguidos requerentes da instrução poder afetar a posição processual do recorrente AA.

21.º -Pela mesma razão se mostra ter sido violada a faculdade concedida aos arguidos no art.º 61.º n.º 1 alínea a) do CPP: Estar presente aos actos processuais que diretamente lhe disserem respeito” – preceito que se mostra também ter sido violado.

22.º - A falta de notificação do arguido AA e do seu mandatário para estar presente no Debate Instrutório, - e como corolário lógico, a ausência do recorrente e seu advogado a esse mesmo Debate – por afetar diretamente a posição do arguido AA no processo e limitar o seu direito de defesa, integra nulidade insanável prevista no art.º 119.º alínea c) do CPP, por violação do art.º 61.º n.º 1 alínea c) , 289.º n.º 1 e 327.º ambos do CPP e art.º 32.º n.º 1 e 3 da Constituição da República.

23.º - Sendo jurisprudencialmente assente que o arguido tem direito a assistir a todos os actos e diligências de prova que directa ou indiretamente lhe digam respeito ao longo do inquérito, Instrução e fase de julgamento.

24.º - Chamado a pronunciar-se sobre um caso em tudo semelhante ao destes autos, o Tribunal ad Relação do Porto (Acórdão de 21 de Fevereiro de 2018 proferido no processo 33/14.0TELSB.P1 sendo Desembargador Relator Francisco Mota Ribeiro ), veio a entender que a realização do Debate Instrutório deveria ser notificada mesmo aos arguidos não requerentes do RAI – igualmente num caso em que a conexão processual derivava do conteúdo do libelo acusatório, se bem que o Digno MP não a tivesse expressamente invocado.

25.º - exarando-se nesse douto Acórdão e a esse propósito o seguinte, que com a devida vénia se transcreve:

“E no ponto…onde se diz (referindo-se à acusação)

“Todos os arguidos singulares agiram sempre e em todas as suas condutas de forma livre voluntária e consciente de forma reiterada pelo período temporal supra descrito, em comunhão de esforços…”

E prosseguindo:

“Não obsta a este entendimento a circunstância de na parte final da acusação, quando se indicam as disposições legais aplicáveis (aliás, como vimos, em desarmonia com o respetivo texto), parecer afastar-se a comparticipação. Decidir, só por isso não aplicar in casu a norma do art.º 297.º n.º 3 no segmento que agora interessa, seria seguramente sobrevalorizar aspectos de índole formal em detrimento do substancial, o que nos parece injustificável. Dúvidas não haverá, portanto, que se configura, em concreto um caso de conexão enquadrável na previsão das alíneas c) e d) do n.º1 do art.º 24.º do CPP:”

26.º - As nulidades insanáveis podem ser declaradas a todo o tempo.

27.º - Não tendo ocorrido a notificação nem do recorrente, nem do seu mandatário, encontra-se verificada a nulidade prevista no art.º 119.ºc) do CPP.

28.º - A verificação de tal nulidade, por força do disposto no art.º 122.º n.º 1 do CPP torna inválido o acto praticado (Debate Instrutório) bem como os que dele dependerem e aqueles que puderem afectar.

29.º - A omissão descrita – que traduz uma irregularidade processual e mesmo nulidade – foi tempestivamente arguida pelo recorrente.

30.º - E determina, face ao disposto no art.º118.º n.º 2 e 123.º n.º 1 do CPP a invalidade dos actos praticados.

31.º - Pelo que verificada a respectiva nulidade, deve ser declarada e com todos os efeitos legais, a nulidade do Debate Instrutório realizado no dia 4 de Abril de 2025, devendo o mesmo acto processual ser repetido com notificação prévia, da nova data, do recorrente e seu mandatário.”.

ix. Em 27.04.2025 o arguido interpôs recurso do despacho proferido em 28.03.2025, peticionando a sua revogação, com todas as consequências legais.

Extraiu o recorrente as seguintes conclusões da sua motivação de recurso:

1. A argumentação do douto despacho recorrido é de ordem meramente formal, apontando-se que se o arguido não foi notificado, não tinha de comparecer ao debate.

2. E num segundo tema, que o arguido não foi notificado dada a redacção do art.º 297.º n.º 3 do CPP, mas nada mais se invocando “a propos”.

3. Os despachos judiciais devem ser fundamentados, de facto e de direito, “apud” o disposto, a tal propósito, no art.º 97.º n.º 5 do CPP.

4. Salvo o devido respeito – que é muito e bem devido, por diversa interpretação legislativa, - a explicação encontrada no despacho recorrido não integra o conceito de fundamentação, a que se refere o citado art.º 97.º do CPP.

5. Sendo que o despacho recorrido se não pode considerar “tout court” um despacho de mero expediente.

6. Sem conceder,

7. O art.º 297.º n.º 3 do CPP deve ter aplicação no caso “subjuditio” (aliás, em douto despacho posterior proferido a 15 .04.25 – Referência Citius … de 15.04.2025 o M.º JIC viria a reconhecer a existência de conexão processual – a pág.2 – parágrafo 6.º do citado despacho), muito embora a mesma aí seja desconsiderada face ao conteúdo da acusação.

8. Com o devido respeito não será assim. De facto, - como se apontou já em anterior Motivação - na acusação, o recorrente vem acusado em regime de comparticipação e de pertencer a uma organização criminosa.

9. Como consta do libelo acusatório, mormente nas seguintes passagens desse mesmo libelo: “no art.º 1.º, onde se refere que os arguidos se dedicaram de forma concertada e organizada ao tráfico de droga/ (pág.22 da mesma).No art.º 3.º onde se imputa aos arguidos AA, CC, DD, EE, e FF a sua colaboração e desempenho de tarefas de tráfico de droga juntamente com o arguido BB. No art.º. 4.º onde se diz que o BB seria o “cabecilha” desta organização, sendo a pessoa que controlava a dita organização” (SIC – a pág.. 23 da acusação), o que pressupõe um regime de comparticipação criminosa dos restantes arguidos.

10. No mesmo art.º 4.º da acusação quando se afirma que o BB era “o fornecedor de estupefacientes aos demais arguidos” controlando toda a organização,…assumindo a liderança do grupo, coordenando e comunicando ordens aos demais identificado arguidos” ( a pág. 24 da acusação).

11. O que pressupõe, como se vê, um regime de comparticipação.

12. Ainda sob o art.º 5.º da acusação , em que se estabelece a comparticipação entre o recorrente AA, DD, CC, EE, na modalidade de encontros com o arguido BB que dos outros “recebeu diversos valores monetários, em numerário, utilizados na compra concretizada de produto estupefaciente” – o que indicia claramente um regime de comparticipação. entre o arguido BB e a mando deste, os arguidos

13. Como noutros itens do extenso libelo acusatório: art.º 6.º,8.º,9.º,10.º11.º( onde aqui se alude a resolução criminosa do BB e que, “a mando deste” os arguidos CC, AA, DD, EE e FF, utilizavam a habitação situada em …, no concelho de … bem como uma garagem em …. Ou no art.º 12.º da acusação ( a pág. 26)

14. Ainda sob o art.º 13.º da referida acusação (onde se alude à organização criminosa e às actividades desenvolvidas no seio desta pelos outros arguidos “na prossecução da descrita actividade do tráfico” e da colaboração entre os arguidos BB e CC em que “definia as ordens e instruções conexas” ( a pág. 26 da acusação), o que, mais uma vez, pressupõe um regime de óbvia comparticipação.Ou nos sub-itens do art.º 13.º (alíneas a) a z) e aa) (paginas 27 a 32 inclusivé) inúmeras referências a essa colaboração (comparticipação) dos outros arguidos e especialmente nos sub-itens 13d) 13e) e 13f) onde se expraia a comparticipação do recorrente AA. E ainda no sub-item 13j) (colaboração entre o BB e os restantes arguidos).

15. “Para melhor controlar a referida organização as atividades desenvolvidas pelos outros arguidos na prossecução da descrita actividade de tráfico…foram frequentes os telefonemas ” ( a pág.. 26).

E ainda:

16.º - “Nos dias…. através de diversos contactos telefónicos, o arguido BB deu instruções aos demais identificados arguidos (10) – a pág. 29 sob o item 13.K; (em negrito nosso).

17.ºArt.º 26.º da acusação ( a pág.. 42 da mesma):“Durante o período temporal referido… o arguido EE dedicou-se juntamente com os demais arguidos e sob a liderança do arguido BB, à venda e distribuição de produto estupefaciente

Para além de outras passagens ínsitas no mesmo libelo acusatório

18..º- O escopo do referenciado art.º 297.º n.º 3 do CPP refere expressamente que para o caso de eventual conexão processual (seja ela explícita ou implícita) todos os arguidos deverão ser notificados para a efetuação do debate instrutório, o que faz todo o sentido. Por isso, o arguido deveria ter sido notificado para comparecer no Debate Instrutório.

19.º - Ao assim não ter decidido foi violado o art.º 297.º n.º 3 do CPP, o art.º 61.º n.º 1 alínea a) e b) do CPP por erro de interpretação. Uma vez que no final do debate – e em sede de decisão instrutória o Juiz obrigatoriamente se terá de pronunciar sobre o estatuto coactivo dos arguidos.

20º - O douto despacho ora em crise viola claramente o princípio do contraditório, bem como o art.º 32.º n.º 1 e 3 da Constituição da República. O qual consiste numa das principais garantias do direito de defesa dos arguidos, que é precisamente o exercício do contraditório.

21.º - Sobretudo no caso bem específico destes autos em que a decisão de pronúncia (ou não pronúncia) dos arguidos requerentes da instrução poder afetar a posição processual do recorrente AA.

22.º -Pela mesma razão se mostra ter sido violada a faculdade concedida aos arguidos no art.º 61.º n.º 1 alínea a) do CPP: Estar presente aos actos processuais que diretamente lhe disserem respeito” – preceito que se mostra também ter sido violado.

23.º - A falta de notificação do arguido AA e do seu mandatário para estar presente no Debate Instrutório, - e como corolário lógico, a ausência do recorrente e seu advogado a esse mesmo Debate - por afetar diretamente a posição do arguido AA no processo veio a limitar o seu direito de defesa, vindo essa ausência a integrar a nulidade insanável prevista no art.º 119.º alínea c) do CPP, por violação do art.º 61.º n.º 1 alínea c) , 289.º n.º 1 e 327.º ambos do CPP e art.º 32.º n.º 1 e 3 da Constituição da República.

24.º - Já que o arguido tem direito a assistir a todos os actos e diligências de prova que directa ou indiretamente lhe digam respeito ao longo do inquérito, Instrução e fase de julgamento.

25.º - Chamado a pronunciar-se sobre um caso em tudo semelhante ao destes autos, o Tribunal ad Relação do Porto (Acórdão de 21 de Fevereiro de 2018 proferido no processo 33/14.0TELSB.P1 sendo Desembargador Relator Francisco Mota Ribeiro ), veio a entender que a realização do Debate Instrutório deveria ser notificada mesmo aos arguidos não requerentes do RAI – igualmente num caso em que a conexão processual derivava do conteúdo do libelo acusatório, se bem que o Digno MP não a tivesse expressamente invocado.

26.º - exarando-se nesse douto Acórdão e a esse propósito o seguinte, que com a devida vénia se transcreve:

“E no ponto…onde se diz (referindo-se à acusação) “Todos os arguidos singulares agiram sempre e em todas as suas condutas de forma livre voluntária e consciente de forma reiterada pelo período temporal supra descrito, em comunhão de esforços…”

E prosseguindo:

“Não obsta a este entendimento a circunstância de na parte final da acusação, quando se indicam as disposições legais aplicáveis (aliás, como vimos, em desarmonia com o respetivo texto), parecer afastar-se a comparticipação. Decidir, só por isso não aplicar in casu a norma do art.º 297.º n.º 3 no segmento que agora interessa, seria seguramente sobrevalorizar aspectos de índole formal em detrimento do substancial, o que nos parece injustificável. Dúvidas não haverá, portanto, que se configura, em concreto um caso de conexão enquadrável na previsão das alíneas c) e d) do n.º1 do art.º 24.º do CPP:”

27.º - As nulidades insanáveis podem ser declaradas a todo o tempo.

28.º - Não tendo ocorrido a notificação nem do recorrente, nem do seu mandatário, encontra-se verificada a nulidade prevista no art.º 119.ºc) do CPP.

x. Ambos os recursos foram admitidos, com regime de subida em separado.

xi. O Ministério Público respondeu aos recursos, pugnando pela sua improcedência, tendo concluído em ambos os casos do seguinte modo:

“A nosso ver, assiste absoluta razão ao despacho judicial posto em crise. De facto, por um lado, o arguido recorrente não requereu a abertura de instrução – por isso, em consequência desse facto, não teria de ser chamado a uma fase (facultativa) que o próprio não requereu.

Por outro lado, e ao abrigo da norma extensiva do art. 297.º/3 do C.P.P. (notificação e admissão ao debate instrutório de arguidos não requerentes de abertura de instrução), mencionada no despacho recorrido, impõe-se relevar que, de acordo com as regras da comparticipação criminosa – em que a solução/decisão instrutória de um dos co-arguidos pode prejudicar/beneficiar ou influenciar a posição de outro(s) co-arguido(s) não requerentes de abertura de instrução – nem sequer são aqui chamadas à colação, uma vez que o crime de tráfico de estupefacientes imputado ao arguido/recorrente AA é sob a forma de autoria material (ou seja, de autoria individual e imediata) e não sob a forma de qualquer comparticipação criminosa (vela por dizer, co-autoria, cumplicidade ou instigação). Razão pela qual o seu “chamamento” ao debate instrutório não apresenta qualquer apoio legal.

Concluindo:

Pelo que ficou dito, não sofre o despacho recorrido qualquer gravame, devendo o recurso ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA”.

xii. Instruídos os recursos em dois apensos – o apenso U e o apenso V – subiram os mesmos a este Tribunal da Relação, separadamente, tendo sido aberta vista ao Ministério Público, em cumprimento do disposto no artigo 416º do CPP.

No apenso U (referente ao recurso do despacho proferido em 15.04.2025), o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, concluindo que se deverá “conceder provimento ao recurso apresentado pelo arguido AA e revogar o despacho em crise que deve ser substituído por outro que designe novo dia e hora para a realização do debate instrutório o qual deve ser notificado a todos os arguidos (sem excepção) e respectivos mandatários /defensores para neles intervirem.”.

No apenso V (referente ao recurso do despacho proferido em 28.03.2025), o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, nos seguintes termos: “Concordo com a resposta ao recurso apresentada pelo Exmo. Colega, junto da primeira instância, que aqui dou por reproduzida. Assim, sou de parecer que deve ser negado provimento ao recurso e mantido o douto despacho recorrido”.

xiii. Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP.

xiv. Por decisão proferida em 3 de julho de 2025, foi determinada a apensação dos recursos para processamento conjunto, passando no apenso U a conhecer-se de ambos.

xv. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.

*

II – QUESTÕES A DECIDIR.

Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)

Nos presentes recursos e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, as questões a apreciar e decidir são as de saber se o arguido recorrente deveria ter sido notificado para comparecer no debate instrutório e se, na ausência dessa notificação, ocorreu a nulidade arguida.

*

III – FUNDAMENTAÇÃO.

Para apreciação das questões colocadas pelo recorrente, importa ter presente o teor da acusação deduzida contra os arguidos no encerramento do inquérito (acusação essa que haveria de ser retificada quanto à numeração dos respetivos artigos e alíneas, por despacho proferido em 8 de janeiro de 2024).

Damos aqui por integralmente reproduzidos os factos que nessa peça processual se imputaram aos arguidos, bem como os crimes de que os mesmos foram acusados (juízo de subsunção dos factos nos tipos penais aplicáveis).

Como referido supra, o Ministério Público imputou aos arguidos os seguintes crimes:

A) Ao arguido BB, em autoria material e em concurso real e efetivo:

- Um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 e art.24.º, als. i) e j), ambos do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência às Tabelas I-B, I-C, anexas a esse diploma e art.69.º, n.º 1, al. b) do Código Penal; e

- Dois crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º, n.sº 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03/01, por referência aos artigos 121.º e 122.º, ambos do Código da Estrada.

B) Ao arguido CC, em autoria material e em concurso real e efectivo:

- Um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 e art.24.º, als. i) e j), ambos do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência às Tabelas I-B, I-C, anexas a esse diploma e art.69.º, n.º 1, al. b) do Código Penal; e

- Quatro crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º, n.sº 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03/01, por referência aos artigos 121.º e 122.º, ambos do Código da Estrada.

C) Ao arguido AA, em autoria material e em concurso real e efectivo:

- Um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 e art.24.º, als. i) e j), ambos do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência às Tabelas I-B, I-C, anexas a esse diploma e art.69.º, n.º 1, al. b) do Código Penal;

- Três crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º, n.sº 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03/01, por referência aos artigos 121.º e 122.º, ambos do Código da Estrada; e

- Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. d), por referência ao art.º 3.º, n.º 2, p) ii), n.º 5, al. e), n.º 6, ambos do RJAM.

D) Ao arguido DD, em autoria material, um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 e art.24.º, als. i) e j), ambos do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência às Tabelas I-B, I-C, anexas a esse diploma e art.69.º, n.º 1, al. b) do Código Penal;

E) Ao arguido EE, em autoria material, um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 e art.24.º, al. j), ambos do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência às Tabelas I-B, I-C, anexas a esse diploma e art.69.º, n.º 1, al. b) do Código Penal;

F) Ao arguido FF, em autoria material e em concurso real e efectivo:

- Um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 e art.24.º, als. i) e j), ambos do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência às Tabelas I-B, I-C, anexas a esse diploma e art.69.º, n.º 1, al. b) do Código Penal;

- Um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência às Tabelas I-B, I-C, II-A, anexas a esse diploma e art.69.º, n.º 1, al. b) do Código Penal;

- Quatro crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º, n.sº 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03/01, por referência aos artigos 121.º e 122.º, ambos do Código da Estrada; e

- Dois crimes de falsas declarações, p. e p. pelo art.348.º-A do Código Penal;

- Um crime de depoimento ou de declaração, p. e p. pelo art.359.º, n.ºs. 1 e 2 do Código Penal;

- Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. d), por referência ao art.3.º, n.º 2, al. j, n.º 4, al. a), ambos do RJAM; e

- Uma contraordenação, p. e p. pelo art.91.º n.º 1 por referência ao art.2.º, n.º 1, al. ag) e art.3.º, n.º 9, al. e), todos do RJAM.

G) Ao arguido GG, em autoria material e em concurso real e efectivo:

- Um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência às Tabelas I-A, I-B, I-C, anexas a esse diploma e art.69.º, n.º 1, al. b) do Código Penal;

- Dois crimes de receptação, p. e p. pelo art.231.º, n.º 2 do Código Penal.

H) Ao arguido HH, em autoria material, um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência às Tabelas I-A, I-B, anexas a esse diploma e art.69.º, n.º 1, al. b) do Código Penal (requerendo a respetiva condenação como reincidente, nos termos do disposto nos arts.75.º e 76.º, ambos do Código Penal.

I) Ao arguido II, em autoria material e em concurso real e efectivo:

- Um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência às Tabelas I-A, I-B, I-C, anexas a esse diploma; e

- Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. d), por referência ao art.º 3.º, n.º 2, al. e), ambos do RJAM.

J) À arguida JJ, como cúmplice, um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência às Tabelas I-A e I-B anexas a esse diploma.

K) Ao arguido KK, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22/01 com referência à Tabela I-C anexa a esse diploma.

Sendo esse o teor da acusação deduzida contra o recorrente e os demais 10 arguidos, sublinhamos que a todos eles o Ministério Público imputou a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, em autoria material.

O Ministério Público não imputou aos arguidos a prática do crime de tráfico de estupefacientes em coautoria.

A conjugação dessa imputação do cometimento do crime em autoria material, com os concretos factos imputados e com as previsões legais contidas nos artigos 297.º, n.º 3, e 24º, nº 1, als. c), d) e e), ambos do Código de Processo Penal, encerra a solução para as questões suscitadas pelo recorrente.

Vejamos.

O Recorrente insurge-se quanto à sua não convocação para o debate instrutório alegando que da acusação decorre que o crime lhe é imputado em “em regime de comparticipação e de pertencer a uma organização criminosa”. Para assim concluir indica o recorrente diversas passagens dos factos vertidos na acusação que, na sua perspetiva, consubstanciam a comparticipação.

Certo é que o Ministério Público qualificou os factos como integrando a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, praticado em autoria material.

Poderia o Juiz de Instrução Criminal no despacho em que declarou aberta a instrução e designou data para o debate instrutório (sem prévia realização de quaisquer atos de instrução), alterar a qualificação dos factos feita pelo Ministério Público na acusação, para efeitos de estender a convocação para o debate a arguidos que não sejam requerentes da instrução?

Em nosso entender, a resposta é negativa.

É certo que a alteração da qualificação jurídica dos factos durante o processo pode ocorrer em diversas fases, até mais do que uma vez, sem que isso colida com a estrutura acusatória do Processo Penal nem com as garantias da defesa. Porém, sob pena de completa subversão das regras processuais, há momentos processuais próprios para se proceder à alteração da qualificação jurídica dos factos. Na instrução, tal momento é o da prolação da decisão instrutória, após cumprimento do contraditório e, sempre e incontornavelmente, após realização do debate instrutório. Na prolação da decisão instrutória, o Juiz de Instrução Criminal será chamado, para além do mais, a pronunciar-se sobre a qualificação jurídica dos factos que se mostrem suficientemente indiciados, podendo alterar a imputação efetuada na acusação, desde que se mostre cumprido o contraditório.

Coisa completamente diferente e sem qualquer apoio legal, seria o Juiz de Instrução Criminal, logo no despacho de abertura da instrução, alterar a qualificação jurídica efetuada na acusação, alargando a participação no debate a arguidos não requerentes da instrução, por entender que os mesmos deveriam ser enquadrados numa situação de comparticipação no crime, quando o Ministério Público os acusou em autoria material.

Antes de realizado o debate instrutório não há lugar à correção da qualificação jurídica efetuada na acusação. Por isso, a não convocação para o debate de arguidos que não são os requerentes da abertura de instrução, perante a imputação que consta da acusação, está legitimada pela conjugação dos artigos 297.º, n.º 3 e 24.º, ambos do Código de Processo Penal, não se consubstanciando a nulidade arguida pela defesa.

Detalhemos.

Dispõe o artigo 303.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe Alteração dos factos descritos na acusação ou no requerimento para abertura da instrução:

“1 - Se dos atos de instrução ou do debate instrutório resultar alteração não substancial dos factos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente, ou no requerimento para abertura da instrução, o juiz, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao defensor, interroga o arguido sobre ela sempre que possível e concede-lhe, a requerimento, um prazo para preparação da defesa não superior a oito dias, com o consequente adiamento do debate, se necessário

2 - Não tem aplicação o disposto no número anterior se a alteração verificada determinar a incompetência do juiz de instrução.

3 - Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou no requerimento para abertura da instrução não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de pronúncia no processo em curso, nem implica a extinção da instância.

4 - A comunicação da alteração substancial dos factos ao Ministério Público vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos, se estes forem autonomizáveis em relação ao objecto do processo.

5 - O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o juiz alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou no requerimento para a abertura da instrução.”.

Para a fase de instrução não se encontra no Código qualquer outra previsão relativa à possibilidade de alteração da qualificação jurídica dos factos.

Na fase de instrução, o objeto do processo é conformado pela acusação e pelo requerimento de abertura de instrução. Com os contornos que resultarem dessas distintas peças processuais, o objeto do processo – constituído pelos factos alegados, mas também pela imputação jurídico-penal efetuada – vincula o Tribunal. Trata-se do funcionamento da conjugação dos princípios da vinculação temática e do acusatório.

Por ser assim, admitir-se a alteração da qualificação jurídica dos factos vertidos na acusação logo no despacho de abertura da instrução (e, portanto, antes de praticados os atos de instrução e de realizado o debate instrutório – cfr. art. 303º, nº 1 do CPP), para além de constituir um passo sem qualquer apoio no plano das previsões legais, significaria acolher uma ingerência do tribunal na esfera de atuação do Ministério Público, o que não é compatível com a estrutura acusatória do processo e com o princípio da autonomia do Ministério Público. No fundo, estaria o JIC, mesmo antes de percorrida a fase de instrução e num momento puramente liminar, a corrigir supostos erros do Ministério Público.

Antes do debate instrutório, considerando o desenho processual da fase de instrução do nosso processo penal, não é cogitável uma alteração da qualificação jurídica os factos.

Observando-se o disposto no artigo 303.º do Código de Processo Penal, único preceito referente à fase de instrução em que se regula a tramitação a seguir em caso de alteração da qualificação jurídica dos factos, só no contexto a que aquele preceito se reporta, caberá operacionalizar uma tal alteração. Ela suporá sempre a discussão da causa que dá corpo ao debate instrutório.

Do que dizemos, resulta que, no caso concreto destes autos, ao contrário do que defende o recorrente, não decorre da acusação que o crime de tráfico lhe é imputado em “em regime de comparticipação e de pertencer a uma organização criminosa”. O crime de tráfico é imputado ao arguido AA em autoria material.

Por isso, ao contrário do que defende o recorrente, mostra-se irrepreensível o raciocínio do Senhor Juiz de Instrução Criminal:

“De acordo com o artigo 297.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, “a designação de data para o debate instrutório é notificada ao Ministério Público, ao arguido e ao assistente pelo menos cinco dias antes de aquele ter lugar. Em caso de conexão de processos nos termos das alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo 24.º, a designação da data para o debate instrutório é notificada aos arguidos que não tenham requerido a instrução.”

Perante o estatuído neste artigo haverá nulidade do debate instrutório por ausência de arguido e Il. defensor?

Para responder a esta questão é necessário conjugar a leitura dos artigos 297.º, n.º 3 e 24.º, ambos do Código de Processo Penal, com o libelo acusatório da autoria do Ministério Público.

Comecemos por este último.

Da leitura daquela peça processual, podemos verificar que o arguido AA [à semelhança dos demais arguidos, diga-se] está acusado, além do mais, da prática, em autoria material (leia-se, imediata), de 1 (um) crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, alíneas i) e j) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01.

Vejamos, agora, a redacção do artigo 24.º, n.º 1, alíneas c), d) e e), do Código de Processo Penal:

“1 - Há conexão de processos quando:

(…)

c) O mesmo crime tiver sido cometido por vários agentes em comparticipação;

d) Vários agentes tiverem cometido diversos crimes em comparticipação, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros; ou

e) Vários agentes tiverem cometido diversos crimes reciprocamente na mesma ocasião ou lugar.”

No caso sub judice, apesar de ter existido uma conexão processual, não consta na acusação uma imputação sob o regime da comparticipação no que toca ao arguido AA.

De igual modo, a sua situação também não se subsume a nenhuma das outras alíneas previstas pelo artigo 24.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Assim, e à semelhança do que sucedeu com outros arguidos, não foi efectuada qualquer notificação para presença no debate instrutório, pois que conforme resulta da lei a mesma não se impunha em face das imputações ilustradas na acusação.” (destacados nossos).

Não ocorre qualquer nulidade, nem se pode afirmar que o arguido foi impedido de participar em ato processual que lhe dizia respeito. A instrução é uma fase facultativa do processo, à qual o recorrente renunciou ao não ter apresentado com êxito um requerimento de abertura de instrução que o legitimasse a participar nos atos dessa fase.

Resta sublinhar que o despacho proferido em 28 de março de 2025 se mostra suficientemente fundamentado, quer em termos de facto, quer de direito, pois ali se mencionam os fundamentos do indeferimento da pretensão apresentada pela defesa – os de facto, relacionados com as circunstâncias processuais relevantes, e os de direito, relacionados com a previsão legal reguladora da situação (a notificação para comparência no debate instrutório não foi feita ao arguido AA, mas apenas àqueloutros sujeitos previstos no artigo 297º, nº 3, do CPP). Não ocorre qualquer falta de fundamentação.

Nestes termos, e sem necessidade de ulteriores considerações, impõe-se julgar improcedentes os recursos interpostos pelo arguido AA, confirmando as decisões recorridas nos seus precisos termos.

IV- DECISÃO

Por tudo o exposto, acordam os Juízes Desembargadores na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento aos recursos interpostos pelo arguido AA das decisões proferidas em 28.03.2025 e 15.04.2025, e, consequentemente, em manter tais decisões recorridas nos seus precisos termos.

*

Condena-se o Recorrente em taxa de justiça que se fixa em duas UC por cada um dos recursos em que decaiu.

*

DN.

*

O presente acórdão foi elaborado pelo Relator e por si integralmente revisto (art. 94º, n.º 2 do C.P.P.).

Évora, 10 de julho de 2025

Jorge Antunes (Relator)

Artur Vargues (1º Adjunto)

Mafalda Sequinho dos Santos (2ª Adjunto)

.............................................................................................................

1 Tendo interposto recurso desse despacho de rejeição, viu a decisão ser confirmada por Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 25 de junho último, proferida no Apenso de Recurso 48/23.7PBPTM-T.E1