Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | JAIME PESTANA | ||
| Descritores: | EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO TÍTULO EXECUTIVO CONDENAÇÃO EM QUANTIA A LIQUIDAR EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA | ||
| Data do Acordão: | 05/27/2021 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | A condenação numa obrigação genérica é aquela em que a prestação se encontra determinada apenas por referência a uma certa quantidade, peso ou medida de coisas dentro de um género, mas ainda não está concretamente determinado quais o espécime daquele género que vai servir para o cumprimento da obrigação. | ||
| Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 1388/18.2T8STB.E1 – 2.ª secção. Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
(…) e outros com os sinais dos autos instauraram a presente execução para prestação de facto contra (…), (…) e (…) com base em sentença de condenação transitada em julgado e com o seguinte dispositivo: I. Julgar a acção parcialmente procedente porque parcialmente provada e, consequentemente, condenar os Réus: - A reconhecer que o telhado é parte comum do edifício; - A repor o telhado na sua traça original, restituindo o telhado ao seu estado anterior; - A pagar aos Autores o valor das reparações necessárias com vista à eliminação das fendas causadas pela construção da laje em betão, em montante a liquidar. Nos autos de execução foi proferido o seguinte despacho: O título executivo antes de ser objecto de liquidação é insuficiente para instaurar a execução, e a falta ou insuficiência do título é fundamento de indeferimento liminar ou de rejeição da execução ao abrigo do artigo 734.º do CPC, se ultrapassada a fase liminar. Pelo exposto, ao abrigo do artigo 734.º do CPC, rejeito a execução.
Inconformados recorreram a exequente tendo concluído nos seguintes termos: 1.- Os exequentes têm título executivo, pois a presente execução baseia-se numa sentença condenatória para prestação de facto negativo. 2.- A execução de uma obrigação que tenha por objecto uma prestação de facto negativo, rege-se pelos artigos pelos artigos 876.º e 877.º do C.P.C.. 3.- A indemnização aí prevista pode ser reclamada tanto cumulativamente com a reposição, como de forma autónoma. 4.- Isto resulta muito claro dos artigos 876.º e 877.º do C.P.C.. 5.- A obrigação concreta e resulta da sentença que existe uma prestação de facto, sendo a sentença título executivo. 6.- O valor da execução é o valor do processo que correu termos na 1.ª instância, cujo valor é de € 36.000,00, decorre da acção principal e execução segue anexo e não depende de cálculo aritmético. 7.- O artigo 734.º do C.P.C. permite ao juiz apreciar oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão de bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se tivessem sido apreciadas nos termos do artigo 726.º, indeferimento liminar do requerimento executivo. 8.- Na presente execução não existem bens penhorados, pelo que a o juiz a quo não pode nem rejeitar a presente execução. 9.- Passados que são dois anos desde a entrada da execução no tribunal e depois de efectuadas várias diligências entende o tribunal rejeitar a execução, cuja justiça assim não funciona. 10.- Não são os exequentes que têm de repor o telhado na sua traça original, mas sim os executados. 11.- O despacho do Meritíssimo juiz fez errada interpretação dos artigos 703.º, 704.º, 876.º, 877.º e 734.º, todos do C.P.C.. Os executados apresentaram contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso. Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.
A factualidade relevante para a apreciação do objecto do recurso é a que consta do relatório supra (dispositivo da sentença dada à execução). É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso (artigo 639.º do CPC). Cumpre apreciar a insuficiência do título executivo para instaurar a execução. Como se sabe são requisitos do título executivo a certeza, a liquidez e a exigibilidade. A liquidez ocorre quando o título demonstra a exacta quantidade dos bens devidos ou permite que o número final possa ser apurado aritmeticamente. “O título executivo constitui pressuposto de carácter formal da acção executiva, destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui, assim, a base da execução, por ele se determinando o tipo de acção e o seu objecto (n.º 1), assim como a legitimidade activa e passiva para a acção (artigo 55.º-1). O objecto da execução tem de corresponder ao objecto da situação jurídica acertada no título, o que requer a prévia interpretação deste. (…) É, também, pelo título que se determina o quantum da prestação (…)” (J.L. Freitas, in CPC Anotado, Vol. I, páginas 88). Sustentam os recorrentes que a obrigação constante do título executivo tem por objecto um facto negativo e, por isso, a execução rege-se pelo disposto nos artigos 876.º e 877.º do CPC. Como se sabe as prestações de facto podem ser de facto positivo (obrigações de fazer), de facto negativo (obrigações de não fazer). As obrigações de facto negativo incluem as obrigações de abstenção, ou obrigações de facto negativo em sentido estrito, e as obrigações de impedimento, ou obrigações de acção positiva para um facto negativo. O regime das obrigações de abstenção e das obrigações de impedimento é em grande parte comum (cfr. artigo 829.º, n.º 1, do Código Civil). Como resulta claramente do dispositivo da sentença dada à execução estamos perante uma obrigação de facto positivo – «repor o telhado na sua traça original, restituindo o telhado ao seu estado anterior». Para além da obrigação de facere foram os executados condenados «a pagar aos Autores o valor das reparações necessárias com vista à eliminação das fendas causadas pela construção da laje em betão, em montante a liquidar». Estamos manifestamente perante condenação numa obrigação genérica que, como se sabe, é aquela em que a prestação se encontra determinada apenas por referência a uma certa quantidade, peso ou medida de coisas dentro de um género, mas ainda não está concretamente determinado quais o espécime daquele género que vai servir para o cumprimento da obrigação. No caso de condenação genérica, dispõe o artigo 704.º, n.º 6, do CPC que não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo. A liquidação da obrigação fixada na sentença dada à execução não depende de simples cálculo aritmético, pois depende de alegação e prova de factos que a quantifiquem. O meio processual adequado à liquidação da referida obrigação é, pois, o incidente previsto nos artigos 609.º, n.º 2 e 358.º, n.º 2, do CPC, a deduzir previamente à instauração da execução, no processo onde foi proferida a condenação genérica. Como refere a decisão recorrida ainda que assim não se entendesse, a instauração de incidente de liquidação sempre constituiria condição de exequibilidade da sentença (cfr. artigos 704.º, n.º 6 e 713.º do CPC), o que se afigura incompatível com o alegado no requerimento executivo de “(...) apesar do tempo decorrido os executados não efectuaram as obras o que impossibilita os exequentes de efectuarem as reparações necessárias nas suas fracções (...)”, o que também não se compagina com o valor dado à execução pelos exequentes (€ 36.000,00 euros) sem que se saiba como tal montante foi obtido. Com efeito, pela sentença dada à execução, os executados não foram condenados no pagamento da quantia de € 36.000,00 euros, mas sim em quantia a liquidar em execução de sentença. Acresce ainda que a execução parcial da sentença circunscrita à reposição do telhado na sua traça original desacompanhada das obras necessárias com vista à eliminação das fendas causadas pela construção da laje em betão, apenas seria concretizável se estivéssemos perante quantia líquida e ilíquida em dívida, o que não é o caso. Nestes termos, consubstanciando a sentença dada à execução, na parte relativa ao valor das reparações necessárias com vista à eliminação das fendas causadas pela construção da laje em betão, em montante a liquidar, condenação genérica cuja liquidação não depende de simples cálculo aritmético, é por demais evidente que não constitui título executivo face ao disposto no artigo 704.º, n.º 6, do CPC. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida. Custas a cargo dos recorrentes. Évora, 27 de Maio de 2021 Jaime de Castro Pestana Paulo de Brito Amaral Maria Rosa Barroso |