Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
391/06.0TBBNV.E2
Relator: ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
EQUIDADE
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - o incidente de liquidação tramitado subsequentemente à decisão judicial de condenação tem em vista a concretização do objeto da condenação, com respeito pelo caso julgado ali formado;
- o recurso à equidade, ainda que como ultima ratio, permite obviar se profira decisão de improcedência no incidente de liquidação;
- a decisão assente no juízo de equidade deverá, contudo, sustentar-se em factos que, embora não revelem o valor exato dos danos, permitam aferir o montante adequado a fixar para que seja cumprido o efeito indemnizatório desses mesmos danos, o que inviabiliza se profira decisão assente em critérios de mera arbitrariedade;
- a prolação de despacho saneador tem efeitos preclusivos quanto ao conhecimento das nulidades decorrentes da ineptidão da petição inicial;
- se ocorre inultrapassável ineptidão da petição inicial, designadamente por falta de causa de pedir, ainda que em 1.ª Instância a decisão proferida tenha sido a de improcedência do pedido por falta de fundamentos fácticos, a preclusão do conhecimento da nulidade em sede de recurso, implicando na confirmação da improcedência, é desprovida de sentido, impondo-se a interpretação restritiva o regime legal decorrente do artigo 200.º/2, do CPC;
- tal interpretação restritiva permite, assim, o conhecimento oficioso da ineptidão da petição inicial em sede de recurso, após a prolação da sentença final, se não foi alegada pelo demandado e não foi objeto de apreciação oficiosa no despacho saneador e na sentença.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Requerente: (…) – Produtos Farmacêuticos, SA
Recorrida / Requerida: (…) Portugal, Lda., anteriormente designada (…), Lda.

Trata-se do incidente de liquidação de sentença no âmbito da qual a Requerente formulou o pedido de condenação da Requerida a pagar-lhe a quantia de € 209.098,77, acrescida de juros de mora até efetivo e integral pagamento, a título de indemnização pela denúncia do contrato de concessão comercial com incumprimento do aviso prévio de seis meses.
Para tanto, alegou o seguinte:
- pretende quantificar o valor específico da indemnização a pagar pela Requerida decorrente da condenação genérica, transitada em julgado, relativa à “quantia que se apurar em liquidação de sentença a título de indemnização pela denúncia sem um pré-aviso de seis meses, tendo por referência o valor do lucro líquido médio mensal obtido pela (…), SA no ano de 2004, multiplicada por seis (artigo 29.º, n.º 2, do DL n.º 178/86, de 3 de Julho), com o limite máximo de € 209.099,00”;
- a sentença liquidanda não encontrou nos autos matéria de facto suficiente para quantificar aquela “remuneração”, porque esta deverá corresponder, no entender da sentença, ao “lucro líquido”, que se reporta “a uma quantia líquida, não onerada com quaisquer encargos, o que não se confunde com margens de comercialização”;
- na sentença deu-se como provado, sob o n.º 27, que o lucro bruto da Requerente em 2004, “não foi superior a € 418.197,54”;
- afirma-se na sentença não se conhecer qual o lucro líquido mensal obtido pela Requerente em 2004, que, por isso, precisava de ser liquidado em execução de sentença;
- a sentença podia e devia ter liquidado esta indemnização, uma vez que possuía os elementos de cálculo necessários para o efeito;
- na sentença deu-se como provado, sob o n.º 41, que a Requerente “manteve os três vendedores, o empregado de armazém e o administrativo que tinham estado afetos, a título principal, à comercialização das fraldas “Tena” e “Libero”, suportando os custos inerentes”;
- uma vez que a Requerente não teve diminuição de custos após a denúncia do contrato de distribuição das fraldas, impõe-se que, para que se cumpra a sentença, a Requerente deva receber o lucro bruto ou margem bruta auferida em 2004, no período correspondente ao aviso prévio em falta;
- só assim se garantirá que a Requerente recebe, como indemnização, o lucro líquido, uma vez que continuou a suportar os encargos, que descontava ao lucro bruto auferido com a comercialização das referidas fraldas;
- para a Requerente ser efetivamente indemnizada, em termos líquidos, tem que ser atribuída a margem bruta apurada em relação ao ano de 2004, porque sempre seria essa margem bruta que a Requerente auferiria se a atividade de distribuição não tivesse cessado no ano de 2005;
- sendo-lhe atribuída a margem bruta, e tendo a Requerente que à mesma deduzir os custos suportados com a atividade cessada na segunda metade do ano de 2005, será então efetivamente indemnizada tendo por referência o lucro líquido;
- consta da sentença que o lucro bruto, em 2004, foi não superior a € 418.197,54”, o que significa que o lucro bruto médio mensal da Requerente, no ano de 2004, foi de € 34.849,80 (trinta e quatro mil, oitocentos e quarenta e nove euros e oitenta cêntimos);
- a margem bruta a atribuir à Requerente – para que esta, deduzidos os custos suportados na segunda metade de 2005 com a atividade ilicitamente cessada pela Requerida, seja efetivamente indemnizada em termos líquidos – deverá ser quantificada em € 209.098,77 (duzentos e nove mil e noventa e oito euros e setenta e sete cêntimos).
Em sede de oposição, a Requerida pugnou pela improcedência do Incidente, salientando que, tendo a Requerente aceitado o decidido, não pode agora pretender obter o apuramento do montante indemnizatório a partir de pressupostos diversos daqueles que foram determinados na sentença transitada em julgado (foi determinado que a indemnização seria apurada pelo valor do lucro líquido médio mensal obtido no ano de 2004, pretendendo agora a Requerente ser paga pela margem bruta), nem pode acolher-se a afirmação de que a sentença tinha todos os elementos para concretizar o montante da indemnização. Quanto a juros de mora, a Requerida sustenta que apenas são devidos a contar da liquidação.

II – O Objeto do Recurso
Decorridos os trâmites processuais documentados nos autos, foi proferida sentença julgando o incidente totalmente improcedente, absolvendo a Requerida do pedido.
Inconformada, a Requerente apresentou-se a recorrer, pugnando pela declaração de nulidade da decisão recorrida, a substituir por outra que condene a Requerida a pagar a quantia de € 209.098,77 (duzentos e nove mil e noventa e oito euros e setenta e sete cêntimos), salvo se for entendido ser de ordenar se proceda às averiguações oficiosas necessárias à quantificação da quantia devida, ou com recurso a critérios de equidade caso não se mostre possível a quantificação. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«1. O Tribunal a quo julgou totalmente improcedente o incidente de liquidação de sentença suscitado pela Autora Recorrente, tendo absolvido a Ré Recorrida do pedido, por entender não ter sido feita prova quanto ao montante dos custos incorridos pela Autora Recorrente, que seria necessário subtrair ao montante do lucro bruto, por forma a obter o valor da indemnização em que a Ré Recorrida foi condenada.
2. Porém, a sentença do Tribunal a quo é nula, por violação dos artigos 360.º, n.º 4, do Código de Processo Civil e 566.º, n.º 3, do Código Civil.
3. O incidente de liquidação tem como única finalidade a quantificação da quantia devida, in casu, da indemnização devida pela Ré Recorrida à Autora Recorrente, finalidade esta que é incompatível com uma decisão de improcedência.
4. Nos termos do disposto no artigo 665.º do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação pode substituir-se ao Tribunal a quo, decidindo a causa, se tiver os elementos necessários para essa decisão.
5. No presente caso, o Tribunal da Relação pode conhecer do objeto principal do litígio, porque tem efetivamente os elementos necessários para se substituir ao Tribunal a quo.
6. Resulta da sentença liquidanda que ficou provado, no facto 41., que a Autora Recorrente manteve, no segundo semestre do ano de 2005, os custos inerentes à comercialização dos produtos da Ré Recorrida, sem ter recebido a respetiva faturação.
7. O lucro bruto corresponde ao lucro líquido acrescido dos custos, fixos ou variáveis, que concorrem para a realização das vendas, os quais são suportados pelo recebimento do valor da faturação.
8. Uma vez que a Autora Recorrente manteve os custos após a denúncia do contrato de distribuição das fraldas pela Ré Recorrida, e não recebeu a faturação relativa às vendas, impõe-se que, para que a Recorrente seja indemnizada pelos efetivos danos sofridos com a falta de aviso prévio, em cumprimento da sentença liquidanda, a Autora Recorrente receba o lucro bruto ou a margem bruta auferida em 2004, no período correspondente ao aviso prévio em falta.
9. A Autora Recorrente só será efetivamente indemnizada pelo lucro líquido não recebido se lhe for atribuída a margem bruta apurada em relação ao ano de 2004, porque no segundo semestre de 2005 não auferiu faturação com que amortizar os custos que integram a margem bruta e que efetivamente suportou.
10. Na verdade, a indemnização será a soma do lucro líquido com os custos suportados pela Recorrente, sem o recebimento da respetiva faturação, o que, em termos matemáticos, corresponde à margem bruta, porquanto o que a Recorrente efetivamente perdeu no segundo semestre do ano de 2005 foi a margem líquida das vendas, que não recebeu, mais os custos de comercialização que suportou.
11. Resulta provado da sentença liquidanda, no facto 27, que “[a] (…), S.A. auferiu o lucro bruto, em 2004, não superior a € 418.197,54”, pelo que a indemnização a atribuir à Autora Recorrente deverá ser quantificada em € 209.098,77 (duzentos e nova mil e noventa e oito euros e setenta e sete cêntimos).
12. Sem prescindir, a sentença do Tribunal a quo sempre será nula por violação do disposto no artigo 360.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, conforme referido e conforme resulta do artigo 195.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
13. O Tribunal a quo estava obrigado a indagar oficiosamente, por forma a apurar e quantificar a quantia devida, a título de indemnização pela falta de aviso prévio, pela Recorrida à Recorrente.
14. Além disso, no caso de se mostrar infrutífera a indagação oficiosa do Tribunal, por a produção de prova adicional se ter mostrado infrutífera ou mesmo por a prova pericial não ser adequada ao caso concreto, sempre o Tribunal está obrigado a quantificar a quantia devida com base em critérios de equidade, nos termos do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil.
15. In casu, o Tribunal a quo, tendo considerado improcedente o incidente de liquidação, claramente não procedeu à quantificação da quantia devida segundo critérios de equidade.
16. Assim, a sentença do Tribunal a quo é igualmente nula por violação do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.»
A Recorrida apresentou contra-alegações sustentando que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, já que a Recorrente nenhuma prova fez do lucro líquido relativo ao ano de 2004, nem elementos bastantes existem para recurso à equidade, sob pena a conduzir a decisão assente em mero arbítrio para colmatar a falta de prova de factos que podiam ser provados.

Recebido o processo na presente instância de recurso, foi proferido despacho determinando a notificação das partes para se pronunciarem, querendo, sobre a exceção dilatória decorrente da ineptidão da p.i. por falta de causa de pedir que sustente o pedido de liquidação da quantia devida.
A Recorrida apresentou-se a pugnar pela ineptidão da p.i. por falta de causa de pedir, com todas as demais consequências legais daí decorrentes.
A Recorrente, por sua vez, sustentou não vislumbrar a existência de qualquer ineptidão da petição inicial, que a causa de pedir que dá origem à condenação da Recorrida na obrigação de indemnizar está devidamente presente na sentença liquidanda, importando agora proceder à fixação da quantia devida com recurso, se for até necessário, a uma indagação oficiosa, dirigida pelo juiz, que pode contemplar a produção de prova pericial.

Cumpre conhecer das seguintes questões:
i) da nulidade da sentença;
ii) do valor da indemnização pela denúncia sem o aviso prévio;
iii) da falta de causa de pedir.

III – Fundamentos
A – Os factos
Os factos provados em 1.ª Instância
1. Após a cessão do contrato de distribuição de fraldas, a (…), SA, atualmente (…), SA, ora Autora, decidiu manter os trabalhadores e as estruturas de marketing e de vendas afetas a essa parte do negócio, dessa forma continuando a suportar os respetivos custos, de valor não concretamente apurado.
2. Após os descontos que concedia aos clientes a (…), SA ficava com uma margem de lucro entre 24% e 25%.
Mais está documentalmente provado que:
- no facto provado sob o n.º 27 da sentença consta que “(…), S.A. auferiu o lucro bruto, em 2004, não superior a € 418.197,54”;
- no facto n.º 41 consta que a A “manteve os três vendedores, o empregado de armazém e o administrativo que tinham estado afetos, a título principal, à comercialização das fraldas Tena e Libero, suportando os custos inerentes”;
- por decisão transitada em julgado, a Requerida foi condenada a pagar a “quantia que se apurar em liquidação de sentença a título de indemnização pela denúncia sem um pré-aviso de seis meses, tendo por referência o valor do lucro líquido médio mensal obtido pela (…), SA no ano de 2004, multiplicada por seis (artigo 29.º, n.º 2, do DL n.º 178/86, de 3 de Julho), com o limite máximo de € 209.099,00.”
Da sentença consta no n.º 1 dos factos não provados que:
- A (…), S.A. tinha uma equipa de trabalho de 5 elementos exclusivamente dedicada à armazenagem, expedição, promoção e venda das fraldas “Tena” e “Libero”.

B – As questões do Recurso
i) Da nulidade da sentença
A Recorrente considera que a sentença padece de nulidade, nos termos do disposto no artigo 195.º/1, do CPC, porquanto o Tribunal não podia ter decidido da forma que decidiu, julgando improcedente o incidente de liquidação. Com o que violou o regime decorrente dos artigos 306.º/4, do CPC e 566.º/3, do CC.
Ora vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, do CPC, é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
São as nulidades típicas da sentença, que se reconduzem a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito.[1]
Já as nulidades a que se reporta o artigo 195.º do CPC assumem caráter de nulidades do processo.
A sentença enfermará de nulidade se o vício apontado se reconduzir a qualquer uma das situações previstas no artigo 615.º do CPC e não já, como alega a Recorrente, se o caso couber no disposto no artigo 195.º/1, do CPC.
Está em causa a inobservância do artigo 360.º/4, do CPC, nos termos do qual quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial. Uma vez que, no incidente de liquidação, a questão a tratar é a da medida da liquidação e não já a existência do direito, que foi já reconhecido, foi acautelada a situação decorrente da deficiente prova da factualidade alegada tida como relevante para a determinação do crédito. Recai sobre o juiz o dever de promover diligências para completar a prova produzida, com vista a apurar os elementos fácticos alegados para a fixação da quantia devida.
Consubstancia procedimento, formalidade processual prescrita na lei, cuja omissão pode reconduzir-se a nulidade processual a que alude o artigo 195.º do CPC, caso se afigure não terem sido encetadas oficiosamente diligências de prova para completar a prova produzida relativamente a factos alegados que permitam determinar a quantia devida.
Ora, as nulidades do processo não são diretamente suscetíveis de recurso. O regime legal decorrente dos artigos 199.º e 149.º do CC impõe a respetiva arguição perante o respetivo tribunal decisor, no prazo de 10 dias. Só posteriormente, no caso de discordância com o despacho que aprecie a arguição de nulidade, verificados que estejam os pressupostos para interposição do recurso, é que dessa decisão caberá recurso para o tribunal superior.
É que o objeto dos recursos não são nulidades, mas antes decisões judiciais; as decisões é que são impugnadas por via dos recursos, cabendo ao tribunal superior apreciá-las, confirmando ou revogando. O tribunal de recurso só pode conhecer dela por via da apreciação de decisão proferida em 1.ª Instância que a tenha conhecido e que consubstancie a decisão recorrida. De outro modo, o objeto do recurso seria a apreciação da nulidade e não, como se impunha, o desacerto da decisão judicial que apreciou a reclamação atinente à nulidade.
Mais está em causa a decisão de improcedência, quando se impunha, na ótica da Recorrente, a fixação da quantia devida, ainda que com recurso a critérios de equidade.
Tal questão não contende com a (in)validade da sentença, atento o regime inserto no citado artigo 615.º, reportando-se antes ao (des)acerto do decidido e dos respetivos fundamentos. Consubstancia questão de mérito, que nesse âmbito deve ser apreciada.
Termos em que se conclui não enfermar a sentença das apontadas nulidades.

ii) Do valor da indemnização pela denúncia sem o aviso prévio
O incidente de liquidação encontra-se previsto nos artigos 358.º a 361.º do CPC. Trata-se de incidente da instância posterior ou subsequente à decisão judicial de condenação, enxertado no processo declarativo, implicando na renovação da instância já extinta.
Decorre da circunstância de a decisão judicial de condenação ter sido proferida à luz do disposto no artigo 609.º, n.º 2, do CPC, que estatui que se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
Proferida que foi a sentença final, está agora em causa a concretização do objeto da condenação, com respeito pelo caso julgado ali formado.
Ora, a condenação genérica a que se reporta o presente incidente é a seguinte:
- a condenação da Requerida a pagar a “quantia que se apurar em liquidação de sentença a título de indemnização pela denúncia sem um pré-aviso de seis meses, tendo por referência o valor do lucro líquido médio mensal obtido pela (…), SA no ano de 2004, multiplicada por seis (artigo 29.º, n.º 2, do DL n.º 178/86, de 3 de Julho), com o limite máximo de € 209.099,00.”
Tal condenação foi sustentada, designadamente, na afirmação de que o processo não comportava os elementos necessários ao apuramento da indemnização versada no artigo 29.º/2, do DL n.º 178/86.
Essa indemnização reporta-se aos danos decorrentes da falta de pré-aviso na denúncia do contrato os quais são ressarcidos mediante um valor fixado a forfait, calculado com base na remuneração média mensal auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo do pré-aviso em falta.[2] Na sentença liquidanda foi determinado que essa remuneração mensal corresponde ao lucro líquido, ou seja, à diferença entre o lucro bruto e o valor das despesas suportadas com a atividade concessionada.
Nestes termos, o objeto do presente incidente de liquidação reconduz-se ao apuramento do lucro líquido médio mensal obtido pela (…), SA no ano de 2004, multiplicado por seis.
Assente que está, no n.º 27 da sentença liquidanda, que o lucro bruto, no ano de 2004, não foi superior a € 418.197,54, é manifesto que cabia à Requerente alegar, e provar, qual o concreto valor do lucro bruto não superior a € 418.197,54 e, bem assim, qual o valor dos custos/despesas suportados no ano de 2004 na prossecução da atividade concessionada. Por via do que se apuraria o lucro líquido médio mensal obtido no ano de 2004 e, respeitando o caso julgado formado pela decisão de condenação, se fixaria a quantia devida a coberto da condenação genérica.
Constata-se que tais elementos fácticos não constam do processo. Nem sequer foram alegados, pelo que, adiante-se, nem sequer cabia ao tribunal promover oficiosamente a prova de factos que não foram alegados.
Mais se constata que a Requerente pretendeu, e pretende por via do presente recurso, promover a liquidação daquilo que não consta da condenação genérica: pretende que a indemnização, ao invés de ser calculada com base no lucro líquido médio mensal obtido no ano de 2004, corresponda ao lucro bruto ou margem bruta obtida no ano de 2004, cifrando-se em € 209.099,77. Na ótica da Recorrente, só assim será indemnizada pelo incumprimento do pré-aviso, dado que suportou os custos inerentes à equipa comercial afeta à atividade concessionada.
Ora, o artigo 29.º/2, do DL n.º 178/86 estabelece que a indemnização pela falta de aviso prévio corresponde à quantia calculada com base na remuneração média mensal auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo em falta.
O prazo do pré-aviso decorre da circunstância de o concessionário necessitar de tempo que lhe permita minorar ou anular os efeitos nocivos da cessação da relação contratual, procurando fontes alternativas de rendimento e reestruturando ou reconvertendo os meios utilizados no desenvolvimento da atividade cessante a novas atividades.[3] A indemnização versada no artigo 29.º tem fundamento precisamente na circunstância de o concessionário, em regra e como ocorre no caso vertente, continuar a suportar os custos que suportaria com a execução do contrato. Por isso se determina o valor dessa indemnização por referência à remuneração média mensal auferida no decurso do ano precedente. Tomando-se por certo que o concessionário mantém os custos que afetava ao desenvolvimento da atividade concessionada, pois não terá tido tempo, por falta de aviso, de os cancelar ou reafectar a outra atividade, a indemnização prevista no artigo 29.º/2, do citado diploma visa colocar o concessionário na situação em que estaria caso o contrato tivesse sido executado no período em que ocorreu a falta de pré-aviso. Então, o valor será o da remuneração média mensal auferida no decurso do ano precedente.
Coloca-se, então, a questão de saber a que corresponde a referida remuneração média mensal, prevista no artigo 29.º/2, do citado DL.
Há quem sustente que está em causa o lucro bruto (que, na concessão comercial equivale ao conceito de remuneração do contrato de agência) médio mensal do ano anterior à denúncia, multiplicado pelo tempo em falta.[4] É a orientação perfilhada pela Recorrente, que alega que só a atribuição do valor correspondente ao valor bruto médio mensal seria apta a indemnizar a perda decorrente do não exercício da atividade durante o período de tempo correspondente ao do pré-aviso em falta, tal como se a atividade tivesse sido exercida, já que, por falta de aviso atempado, suportou os custos inerentes ao exercício dessa atividade. Donde, o lucro líquido fica aquém da perda suportada.[5]
Noutra linha de orientação, secundando a tese perfilhada a propósito da indemnização de clientela prevista no artigo 34.º do mesmo diploma, embora reconhecendo tratar-se de indemnizações de diferente natureza, sustenta-se que o que releva é o valor do lucro líquido da atividade concessionada, pois esse é que corresponde à remuneração do concessionário.[6]
No caso que temos em mãos, a condenação objeto de liquidação determinou que a quantia destinada a indemnizar a Requerente pela denúncia sem o pré-aviso de seis meses, a apurar em sede de liquidação de sentença, teria por referência o valor do lucro líquido médio mensal obtido pela (…), SA no ano de 2004, multiplicada por seis. O que se alicerçou na seguinte argumentação:
«Sucede que a expressão “remuneração”, prevista no artigo referido artigo 29.º, n.º 2 e 34.º deve ser entendida, âmbito do contrato de concessão comercial, como lucro líquido, por a mesma ter o sentido de pagamento, e este se reportar a uma quantia líquida, não onerada com quaisquer encargos, o que não se confunde com margens de comercialização (Acs. STJ de 15-11-2007, Rel. Salvador da Costa e de 17-05-2012, Rel. Abrantes Geraldes e TRL de 25-06-2013, Rel. Ana Resende, dgsi.pt). E no caso vertente ignora-se o lucro líquido mensal obtido pela (…), S.A. no ano anterior (para assim se chegar à média em tal período).»[7]
Logo, não cabe aqui discutir se a indemnização prevista no artigo 29.º/2, do DL n.º 178/86 deve determinar-se por referência ao valor do lucro bruto médio mensal obtido no ano de 2004 (como pretende a Recorrente) ou por referência ao valor do lucro líquido médio mensal obtido no ano de 2004 (tal como determinado por decisão transitada em julgado). Não é já tempo de a Recorrente suscitar o debate dessa questão, que se impunha antes no âmbito da ação declarativa.
Impõe-se, assim, liquidar a condenação genérica, nos seus precisos termos.
A indemnização há de corresponder ao valor do lucro líquido médio mensal obtido pela (…), SA no ano de 2004, multiplicada por seis, com o limite máximo de € 209.099.
Nenhum elemento fáctico consta do processo que permita aferir qual é esse valor.
Terá aqui aplicação o regime inserto no artigo 566.º/3, do CC?
Determina tal preceito legal que, se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados.
O recurso à equidade, ainda que como ultima ratio, permite obviar se profira decisão de improcedência no incidente de liquidação.[8] Uma vez que se impõe observar o que foi decidido na sentença, «o incidente de liquidação não pode findar com sentença de improcedência, a pretexto de que o requerente não fez prova, na medida em que tal equivaleria a um non liquet e violaria o caso julgado formado com a decisão definitiva anterior, que reconheceu à parte um crédito apenas dependente de liquidação (cfr. STJ 04/07/2019, 5071/12). Seria, de resto, um paradoxo o incidente de liquidação culminar na negação de um direito anteriormente firmado por sentença. Neste domínio, a única questão em aberto é a da medida da liquidação e nunca a existência do direito respetivo.»[9]
«Se o montante a liquidar respeitar a uma obrigação de indemnização, o tribunal deve fixar o montante líquido segundo critérios de equidade (artigo 566.º, n.º 3, do CC). O regime – que só é aplicável à obrigação de indemnização – deve ser visto como subsidiário da indagação oficiosa estabelecida no n.º 4: sempre que esta indagação se mostre viável, é através dela que o tribunal deve procurar ultrapassar a situação de non liquet sobre o montante da indemnização (STJ 29/5/2014 (130/09); STJ 7/11/2019 (94/14)).»[10]
Importa, no entanto, salientar que o julgamento equitativo do valor exato dos danos processa-se dentro dos limites que se tiverem por provados, como do artigo 566.º/3, do CC resulta. Por via do que a decisão assente no juízo de equidade deverá sustentar-se em factos que, embora não revelem o valor exato dos danos, permitam aferir o montante adequado a fixar para que seja cumprido o efeito indemnizatório desses mesmos danos. O que inviabiliza que a decisão assente em critérios de mera arbitrariedade.
Neste sentido, cfr. Ac. STJ de 03/02/2009 (Mário Cruz):
«É preciso no entanto ter em consideração que a equidade não pode confundir-se com arbitrariedade, e que só a equidade pode funcionar como fonte de direito. E por isso, para o seu funcionamento, é necessário, em última linha, que haja um mínimo de elementos sobre a natureza dos danos e sua extensão, que permita ao julgador computá-los em valores próximos daqueles que realmente lhe correspondem, entre um mínimo e um máximo, ou seja, entre o montante que seja absolutamente inquestionável que é ultrapassado (valor mínimo), mas de forma que não exceda o montante pedido a respeito do dano (valor máximo), já que a condenação não pode exceder o pedido formulado – artigo 661.º, n.º 1, do CPC.
Ora importa não esquecer que essa é tarefa de quem tem o ónus da prova, de nada lhe valendo conseguir provar que teve um dano se não fornecer ao Tribunal elementos mínimos que permitam partir para a aplicação de um juízo equitativo.
Este pressupõe uma colaboração ativa do autor, que tem o ónus da prova concreta dos danos e respetivo montante, e que não pode esperar obter vantagem com a falta de colaboração, a sua inércia ou a oposição a um maior aprofundamento da sua determinação. (…) A arbitrariedade não é consentida no direito.”
Daí que se afirme que “o disposto no n.º 3 não dispensa o lesado de alegar e provar os factos que revelem a existência de danos e permitam a sua avalização segundo um juízo de equidade.”[11]
No caso em apreço, a factualidade apurada é a seguinte:
- a Requerente auferiu o lucro bruto, em 2004, não superior a € 418.197,54;
- a Requerente manteve os três vendedores, o empregado de armazém e o administrativo que tinham estado afetos, a título principal, à comercialização das fraldas Tena e Libero, suportando os custos inerentes;
- após os descontos que concedia aos clientes a (…), SA ficava com uma margem de lucro entre 24% e 25%.
O que, manifestamente, não consente se determine, ainda que em termos de equidade, o valor adequado a indemnizar a Requerente pela denúncia sem o pré-aviso de seis meses, tendo por referência o valor do lucro líquido médio mensal obtido pela (…), SA no ano de 2004, multiplicada por seis.
Atente-se que tal factualidade constava já como provada na sentença liquidanda (cfr. n.ºs 21, 27 e 41), inexistindo evidência ou afirmação de que a referida margem de lucro seja líquida (antes tudo apontando para se trate da margem bruta de lucro, conforme alegado e provado na fase processual anterior), e ainda no facto de constar como não provado que a referida equipa de trabalhadores atuava em exclusivo na comercialização dos produtos em causa. Os limites que se têm por provados, que constavam já da sentença que determinou a subsequente liquidação, não permitem se proceda a juízo de equidade, sendo que a definição de qualquer verba monetária redundaria numa decisão assente na arbitrariedade.
Termos em que, não obstante se trate de incidente de liquidação, não é de acolher a pretensão da Recorrente no sentido da fixação da indemnização com recurso à equidade.[12]

iii) Da falta de causa de pedir
Não obstante improcedam as alegações recursivas formuladas, afigura-se que o desfecho do presente incidente de liquidação, no sentido da improcedência tal como sentenciado em 1.ª Instância, não prescinde da apreciação de requisitos de caráter oficioso atinentes à ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir (cfr. artigo 186.º/1 e 2, alínea a), do CPC).
A ineptidão da petição inicial determina a nulidade de todo o processo (cfr. artigo 186.º/1, do CPC), constitui nulidade que não é sanável, para além de constituir ainda uma exceção dilatória (cfr. artigo 577.º, alínea b), do CPC).
É certo que, nos termos do disposto no artigo 200.º/2, do CPC, as nulidades decorrentes da ineptidão da petição inicial podem ser apreciadas no despacho saneador, se antes o juiz as não houver apreciado; se não houver despacho saneador, pode conhecer-se delas até à sentença final. Então, a prolação de despacho saneador tem efeitos preclusivos quanto ao conhecimento das referidas nulidades, «significando isso, que, proferido o despacho saneador, fica encerrada a hipótese de o juiz suscitar aquelas nulidades.»[13]
Na jurisprudência do STJ[14] alcança-se a seguinte apreciação:
«Resulta, pois, claramente deste preceito legal – que reproduz inteiramente o regime que já constava do anterior artigo 206.º do velho CPC – que a nulidade por ineptidão da petição inicial está irremediavelmente precludida no momento em que é proferida sentença em 1ª instância, não podendo, consequentemente, ter-se por verificada, mesmo por impulso oficioso do Tribunal, apenas na fase de recurso.
E bem se compreende, aliás, o estabelecimento de um tal limite temporal à suscitação do vício de ineptidão, já que a prolação de decisão sobre o litígio – no caso dos autos, decisão sobre o mérito da causa, confirmada, aliás, por um primeiro acórdão, proferido pela Relação – implica necessariamente que, no desenrolar do processo, a eventual e originária insuficiência estrutural da petição inicial tenha sido suprida ou ultrapassada: não só a parte contrária terá contestado a versão do A., compreendendo o sentido essencial da factualidade que ele alegou, como o próprio tribunal, ao apreciar o mérito da causa, terá logrado compreender os pontos fundamentais do litígio que opunha as partes, ultrapassando, através da interpretação que fez dos articulados, as originárias deficiências e insuficiências factuais destes.»
Ora, salvo o devido respeito, bem se compreende tal regime se algum aproveitamento há da petição inicial, permitindo a apreciação do mérito da causa e a prolação de decisão que põe fim ao litígio. Obvia-se, assim, o desaproveitamento do processado e a prolação de decisão de cariz processual, culminando na absolvição do Réu da instância, quando, na verdade, foi alcançável a decisão de mérito, com apreciação substantiva do litígio.
Já se o caso redunda na inultrapassável ineptidão, designadamente por falta de causa de pedir, ainda que em 1.ª Instância a decisão proferida tenha sido a de improcedência do pedido por falta de fundamentos fácticos, a preclusão do conhecimento da nulidade em sede de recurso, implicando na confirmação da improcedência, é desprovida de sentido. Impõe-se a interpretação restritiva o referido regime legal, não obviando a apreciação oficiosa das nulidades que culmine na absolvição da instância. Acompanhamos, assim, os ensinamentos de MTS[15], a saber:
«A imposição da preclusão da apreciação depois do despacho saneador da nulidade de todo o processo e de uma nulidade e exceção dilatória insanável não é aceitável. Não tem sentido deixar que permaneça pendente depois do despacho saneador uma ação em que, p. ex., não há causa de pedir (artigo 186.º, n.º 2, alínea a)) ou em que o pedido é contraditório com essa causa petendi (artigo 186.º, n.º 2, alínea b)). (b) Nem mesmo quando o réu não tenha invocado a ineptidão da p.i. na contestação se pode presumir que o mesmo interpretou convenientemente aquele articulado e que, por isso, não se justifica a apreciação oficiosa daquela ineptidão. O que resultado disposto no artigo 186.º, n.º 3, é diferente: a ineptidão não deve relevar quando o réu a tenha arguido e quando, depois de ouvir o autor, se conclua que aquela parte interpretou convenientemente a p.i..
6 (a) Há que reduzir o âmbito de aplicação do disposto no n.º 2 quanto à ineptidão da p.i. a uma dimensão razoável, fazendo uma interpretação restritiva do disposto nesse preceito e entendendo que a imposição do conhecimento dessa ineptidão no despacho saneador só vale para a hipótese de o réu a ter alegado na contestação (artigo 198.º, n.º 1). (b) O regime é então o seguinte: (i) se a ineptidão da p.i. for alegada pelo demandado na contestação, o tribunal deve conhecer dessa nulidade no despacho saneador (n.º 2); a falta deste conhecimento implica a nulidade, por omissão de pronúncia (artigo 613.º, n.º 3 e 615.º, n.º 1, alínea d)), daquele despacho; (ii) se a ineptidão da p.i. não tiver sido alegada pelo demandado, não há nenhuma preclusão do conhecimento oficioso dessa ineptidão depois do despacho saneador (dif. LF I (2018), n.º 2; GPS (2022), n.º 3; na j., RG 7/2/2019 (82/10); RG 26/1/2023 (2475/21)), salvo se essa ineptidão tiver sido concretamente apreciada ex officio naquele despacho (artigo 595.º, n.º 3, 1.ª parte).»
Tal interpretação restritiva permite, assim, o conhecimento oficioso da ineptidão da petição inicial em sede de recurso, após a prolação da sentença final, se não foi alegada pelo demandado e não foi objeto de apreciação oficiosa no despacho saneador e na sentença.
Passando, então, ao conhecimento da nulidade/exceção dilatória da ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, importa notar que, tal como assinalado na sentença proferida em 1.ª Instância, competia à A alegar e provar os factos indispensáveis ao apuramento do lucro líquido.
Analisada a petição inicial, constata-se que a Requerente não alegou:
- o valor do lucro bruto, não superior a € 418.197,54, da Requerente no ano de 2004, afeto à atividade concessionada;
- o valor dos custos/despesas/encargos suportados pela Requerente, no ano de 2004, para viabilizar a atividade concessionada no mesmo ano de 2004.
Como a Requerente gizou a sua estratégia com o sentido de obter a indemnização a partir da margem bruta apurada em relação ao ano de 2004, não cuidou de carrear para o processo a alegação daqueles factos, indispensáveis à fixação da indemnização visada na condenação genérica objeto de liquidação.
Diz-se inepta a petição quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir – artigo 186.º, n.º 2, alínea a), do CPC.
Por via do princípio do dispositivo consagrado no artigo 5.º do CPC, “a iniciativa do processo e a conformação do respetivo objeto incumbem às partes; pelo que – para além de o processo só se iniciar sob o impulso do autor ou requerente – tem este o ónus de delimitar adequadamente o thema decidendum, formulando o respetivo pedido, ou seja, indicando qual o efeito jurídico, emergente da causa de pedir invocada, que pretende obter e especificando qual o tipo de providência jurisdicional requerida, em função da qual se identifica, desde logo, o tipo de ação proposta ou de incidente ou providência cautelar requerida.”[16]
Na verdade, ao demandante cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir – artigos 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, alínea d), do CPC. Temos, por um lado, os factos essenciais nucleares, aqueles que identificam ou individualizam o direito que se pretende exercer. Outros há que, “não desempenhando tal função, se revelam, contudo, imprescindíveis para que a ação proceda, por também serem constitutivos do direito invocado”[17] – são os factos essenciais complementares. “A falta destes últimos revelará uma petição deficiente ou insuficiente, a carecer de convite ao aperfeiçoamento que permita suprir as falhas da exposição ou da concretização da matéria de facto.”[18]
A causa de pedir consiste no facto jurídico de que procede a pretensão deduzida (artigo 581.º/4, do CPC), cumprindo ao autor que invoca a titularidade de um direito alegar os factos cuja prova permita concluir pela existência desse direito. Acolhida que foi, no nosso ordenamento jurídico, a teoria da substanciação, cabe ao autor “articular os factos dos quais deriva a sua pretensão, constituindo-se o objeto do processo e, por arrastamento, o caso julgado apenas sobre os factos integradores dessa concreta causa de pedir. (…) A causa de pedir, servindo de suporte ao pedido, é integrada pelos factos (por todos os factos) de cuja verificação depende o reconhecimento da pretensão deduzida, nos termos dos artigos 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, alínea d), (…).”[19]
Porque estamos no domínio do incidente de liquidação, cujo objeto é conformado pelo apuramento do valor da indemnização nos termos firmados na sentença transitada em julgado, assente que está o reconhecimento do direito de crédito à Requerente, a falta de alegação dos concretos factos que permitem o apuramento do referido lucro líquido redunda na ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir.
O que, consubstanciando exceção dilatória (artigo 577.º, alínea b), do CPC), implica na absolvição da Requerida da instância (artigo 576.º/2, do CPC).

As custas recaem sobre a Recorrente, vencida na sua pretensão recursória – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Sumário: (…)


IV – DECISÃO
Nestes termos, não obstante improceder o recurso, decide-se pela revogação da decisão recorrida, absolvendo-se a Requerida da instância.

Custas pela Recorrente.

*

Évora, 23 de maio de 2024
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Francisco Matos
Ana Margarida Leite


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[1] Ac. STJ de 23/03/2017 (Tomé Gomes).
[2] Artigo 29.º do DL n.º 178/86
(Falta de pré-aviso)
1 - Quem denunciar o contrato sem respeitar os prazos referidos no artigo anterior é obrigado a indemnizar o outro contraente pelos danos causados pela falta de pré-aviso.
2 - O agente poderá exigir, em vez desta indemnização, uma quantia calculada com base na remuneração média mensal auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo em falta; se o contrato durar há menos de um ano, atender-se-á à remuneração média mensal auferida na vigência do contrato.
[3] Cfr. Ac. STJ de 08/09/2021 (João Cura Mariano).
[4] Cfr. Ac. TRL de 07/05(2005 (Granja da Fonseca).
[5] O que se evidencia pelo seguinte exemplo: nos pretéritos seis meses o valor da faturação foi de 100; os custos inerentes a tal volume faturado foi de 70; o lucro líquido cifra-se em 30. Se nos 6 meses subsequentes (em que ocorreu a falta de aviso prévio) a concessionária suportou os mesmos 70 de custos, a atribuição de 30 correspondente àquele lucro líquido redunda no défice de 40.
[6] Cfr. Ac. STJ de 08/09/2021 (João Cura Mariano) e a vasta jurisprudência aí citada.
[7] Cfr. fls. 15 da sentença liquidanda, sendo que esta matéria não foi objeto dos recursos interpostos.
[8] Cfr. Acs. STJ de 29/05/2014, de 29/06/2017, TRP de 28/03/2012, TRL de 01/10/2014, TRE de 14/07/202.
[9] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. I, 2.ª edição, pág. 463.
[10] MTS, CPC online, artigo 360.º, 6, (a) e (b).
[11] Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 4.ª edição, pág. 584.
[12] Neste sentido, cfr. Ac. TRE de 16/12/2014 (Cristina Cerdeira).
[13] Abrantes Geraldes e outros, ob. cit., pág. 254.
[14] Ac. STJ de 26/03/2015 (Lopes do Rego).
[15] CPC online, artigo 200.º, 5 e 6.
[16] Lopes do Rego, O Princípio do Dispositivo e os Poderes de Convolação do Juiz no Momento da Sentença, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Feitas, vol. I, pág. 789.
[17] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. I, 2.ª edição, pág. 30.
[18] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Pires de Sousa, ob. cit., pág. 30.
[19] Abrantes Geraldes, Paulo Pimento e Pires de Sousa, ob. cit., pág. 26.