Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL BARGADO | ||
Descritores: | AUDIÊNCIA PRÉVIA FALTA DE ADVOGADO JUSTO IMPEDIMENTO ADIAMENTO DA AUDIÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 01/14/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I – Deve aplicar-se à audiência prévia a regra geral prevista para as audiências de julgamento e que está consignada no artigo 603º, nº 1, do Código de Processo Civil, enquadrada na figura de cariz genérico e abrangente do justo impedimento consagrado no artigo 140º do mesmo diploma legal, o que significa que, existindo, comprovadamente, uma situação de justo impedimento que explica e justifica a ausência de um dos advogados ao ato judicial para o qual foi convocado, não pode o mesmo deixar de ser adiado. II – Não faz sentido aplicar indiferenciadamente o disposto no artigo 591º, nº 3, do Código de Processo Civil, que determina que “não constitui motivo de adiamento a falta das partes ou dos seus mandatários”, quer à situação de falta não justificada – na qual o ausente faltou sem motivo, violando desse modo o dever de comparência que lhe incumbia, e assumindo nessa medida as consequências negativas associadas à não comparência que lhe é imputável -, quer à situação de falta devidamente justificada, na qual o ausente só não compareceu por motivos que não lhe são imputáveis e que ocorreram de forma inesperada, não sendo passíveis de superação, não lhe dando margem para a conduta alternativa que pretendia adotar (a comparência ao ato). III – Não tendo o mandatário dos recorrentes podido comparecer à audiência prévia na qual lhe competia assegurar a defesa dos interesses dos seus clientes, no cumprimento do mandato forense que lhe foi conferido, devendo-se a sua imprevista ausência a uma imponderável avaria no seu veículo quando o mesmo se dirigia para o Tribunal, a lei não estabelece um regime de inexplicável indiferença pela impossibilidade objetiva de comparência. (sumário do relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO J… e mulher, E…, instauraram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra M…, A… e mulher C…, S…, e C…, Lda., pedindo que: a) seja declarada a nulidade da escritura de compra e venda do prédio rústico com a área de 12.200 m2, sito em …, União de Freguesias de Azeitão, concelho de Setúbal, descrito na 1ª C.R.P. de Setúbal com o número … e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …; b) os réus sejam condenados, solidariamente, a pagar aos autores: (i) O valor de € 95,000,00, correspondente ao valor efetivamente pago pela aquisição do imóvel; (ii) O valor de € 9.115,00 correspondente ao valor das despesas relacionadas com o imóvel. Contestaram a ação as rés S… e C…, Lda., tendo esta ré, na sequência de convite formulado pelo Tribunal, requerido a intervenção provocada da Companhia de Seguro…, SA, a qual também contestou a ação. Em 13.07.2020 teve lugar a audiência prévia, à qual faltou o mandatário dos autores, que fez chegar ao Tribunal, antes do início da diligência, o fax do seguinte teor: «1.º Está agendada para hoje, às 14h00, audiência prévia. 2.º Quando o Mandatário se dirigia para o Tribunal de Setúbal, o veículo em que se fazia transportar sofreu uma arreliadora avaria mecânica que o impediu de circular. 3.º O Mandatário contactou o seu secretariado, para redigir este requerimento e enviar para o Tribunal a relatar o ocorrido. 4.º O secretariado do Mandatário contactou o Tribunal a relatar o ocorrido. 5.º O Mandatário está a providenciar o reboque do veículo, mas tendo em conta o adiantado da hora, não é possível ao Mandatário obter meio alternativo de transporte a fim de estar presente. 6.º Pelo que o Mandatário se encontra impedido de comparecer na diligência. Requer-se a V. Ex.ª que se digne relevar a falta». No decurso da audiência prévia, a Sr.ª Juíza proferiu o seguinte despacho: «Uma vez que a falta do mandatário não constitui motivo de adiamento, conforme dispõe o art. 591º nº3 do C.P.C, prossegue-se com a diligência agendada. Notifique.» De seguida foi proferido despacho saneador, no qual se conclui pela ilegitimidade dos 2º e 3º réus, pais do 1º réu. Inconformados, os autores apelaram do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com as conclusões que se transcrevem: a) À audiência prévia é aplicável a regra geral prevista para as audiências de julgamento e que está consignada no artigo 603º, nº 1, do CPC, enquadrada na figura de cariz genérico e abrangente do justo impedimento consagrado no artigo 140º do mesmo diploma legal, o que significa que, existindo, comprovadamente, uma situação de justo impedimento que explica e justifica a ausência de um dos advogados ao acto judicial para o qual foi convocado, não existe outra alternativa que não o adiamento a determinar pelo juiz que preside à audiência. b) E é o que ocorre no caso dos autos, tendo em conta que o mandatário se viu confrontado com uma avaria no veículo em que se fazia deslocar para o Tribunal, ficando assim impedido de comparecer à audiência prévia e dando disso conhecimento aos autos antes de a mesma se iniciar. c) O despacho em causa, além de não estar fundamentado com referência às circunstâncias de facto (que simplesmente omite sem fazer qualquer referência ao teor do requerimento sobre o qual decide ou às circunstâncias ali invocadas) que, pretende, subsumir ao disposto no art. 591º nº3, é ostensivamente ilegal, por violação do disposto no art.º 603º, nº 1 e 140º, todos do C.P.C.. d) A presente acção vem instaurada na sequência da aquisição pelos AA. de um prédio, pelo 1° réu, anteriormente justificado a seu favor, que coincide fisicamente com outro, em sobreposição, sendo em consequência peticionada a anulação da escritura de compra e venda e a condenação solidária dos RR. a pagar aos AA.: (i) O valor de €95,000,00 (noventa e cinco mil euros), correspondente ao valor efetivamente pago pela aquisição do imóvel; (ii) O valor de €9.115,00 (nove mil cento e quinze euros) correspondente ao valor das despesas relacionadas com o imóvel; e) A Acção foi pelos AA. instaurada contra (i) 1º R.: o pretenso proprietário, vendedor do prédio; (ii) 2ºs RR.: Pais do 1º R., que negociaram com os AA. a venda/aquisição; (iii) 3ª R.: A Notária que celebrou a escritura de justificação que deu origem à primitiva aquisição pelo 1º R.; (iv) 4º R.: a mediadora imobiliária com a qual os AA. contataram na sequência de um anúncio publicado para a venda do prédio. f) Com relevância para a apreciação da (im)procedência da excepção dilatória arguida pelos 2ºs RR., temos como relevante a seguinte factualidade alegada: O 1.º R. é filho do 2.º RR.; 12º Em Janeiro de 2017, os AA. deslocaram-se ao terreno acompanhados pelo 2º R. que afirmou ser proprietário do mesmo; 13º Os AA. e o 2.º R. acordaram a compra e venda do terreno; 15ºA escritura foi celebrada no Cartório Notarial de Maria dos Anjos Barreiros, em Azeitão.; 16º Só nesta data, os AA. tomaram conhecimento que o proprietário do prédio era o 1º R; 39º Os 1ºs e 2º RR. sabiam que o prédio vendido aos AA. não era propriedade, de nenhum deles, agindo concertadamente, com o deliberado propósito de induzir os AA. em engano. g) O tribunal a quo apreciou a potencial responsabilidade dos 2º RR., perspetivada como responsabilidade contratual, ou seja, apenas quanto à anulação da escritura, sendo que, aí sim, estaria a mesma delimitada pela intervenção negocial destes na própria escritura de compra e venda. h) Porém, tendo em conta os factos alegados, inexiste qualquer dúvida sobre a violação daquele dever geral de conduta, pois quanto ao pedido de condenação solidária no pagamento de indemnização, o tipo de responsabilidade não diverge daquela que cabe à 4ª Ré, imobiliária, encontrando-se a diferença, apenas, nos pressupostos: se a responsabilidade da 4ª Ré, decorre da violação de um dever de conduta, consubstanciado na obrigação de prevenir a situação, a infracção do dever de conduta dos 2ºs RR. encontra respaldo na violação do dever (geral) de boa fé, ao arrogarem-se durante a negociação do prédio como proprietários, actuando em conluio com o 1º R. a fim de vender uma propriedade que sabiam não lhe pertencer. i) Ora, precisamente, da actuação dos 2º RR., a que se referem os artigos 12º, 13º, 16º e 39º, da P.i., resulta que estes, conhecendo a verdadeira situação do prédio, através de um comportamento autónomo do 1º R., induziram os AA. ao engano, estando a causa de pedir, quanto aos 2ºs RR., consubstanciada no dever geral de não ofender direitos ou interesses de outrem, postulado no artº 483°, bem como na responsabilidade pré- contratual, com previsão no artigo 227º, ambos do Código Civil j) Aliás – e embora essa seja matéria de prova – claramente o ideário deste logro, não é do 1º Réu (um jovem de 18 anos…) mas sim dos seus pais, que o instrumentalizaram para obter um enriquecimento ilícito à custa do engano que causaram aos AA., não através (apenas) da idealização deste logro, mas através de actos materiais alegados nos artigos 12º, 13º e 16º da P.I.. k) Como refere Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, pág. 165, na apreciação da legitimidade das partes, não são relevantes as “qualidades da pessoa em si (…) mas antes algo que se conexiona com a causa concreta “de qua agitur”.». l) Pelo que, a decisão recorrida, ao declarar ilegitimidade dos 2ºRR. para a causa, viola flagrantemente o disposto no artº 30º do C.P.C.. Não foram apresentadas contra-alegações. Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir consubstanciam-se em saber: - se deve considerar-se uma situação de justo impedimento a falta do mandatário dos autores à audiência prévia. - se os 2º e 3º réus devem ser considerados partes legítimas, ao invés do decidido no despacho saneador. III – FUNDAMENTAÇÃO A) OS FACTOS Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que constam do relatório precedente. B) O DIREITO Entendem os recorrentes que é aplicável à audiência prévia a regra geral prevista para as audiências de julgamento consignada no artigo 603º, nº 1, do CPC, «enquadrada na figura de cariz genérico e abrangente do justo impedimento consagrado no artigo 140º do mesmo diploma legal, o que significa que, existindo, comprovadamente, uma situação de justo impedimento que explica e justifica a ausência de um dos advogados ao acto judicial para o qual foi convocado, não existe outra alternativa que não o adiamento a determinar pelo juiz que preside à audiência», sendo esse o caso dos autos, considerando «que o mandatário se viu confrontado com uma avaria no veículo em que se fazia deslocar para o Tribunal, ficando assim impedido de comparecer à audiência prévia e dando disso conhecimento aos autos antes de a mesma se iniciar». E assiste inteira razão aos recorrentes. O que está aqui verdadeiramente em causa é efetivamente a verificação de uma situação de justo impedimento, genericamente prevista no artigo 140º do CPC, que obstou à comparência do advogado na diligência judicial para que tinha sido regulamente convocado, sendo que a respetiva data havia sido designada com prévio acordo de todos os mandatários. Ou seja, verificou-se um evento inesperado e imprevisto, de efeitos insuperáveis, traduzido na avaria do automóvel em que o mandatário dos recorrentes se deslocava para o Tribunal, que o impediu de comparecer ao ato processual ou de o praticar, diminuindo ou suprimindo substantivamente, por essa via, a plenitude do exercício das faculdades legais que assistiam à parte que representa, a qual, desse modo, se viu colocada numa situação de inegável e objetivo desfavorecimento em relação à contraparte. A este respeito, fazemos nossas as seguintes palavras do Acórdão da Relação de Lisboa de 11.12.2019[1]: «Esta situação - que contende necessariamente com o estatuto de igualdade substancial entre as partes (que o juiz deverá, em qualquer circunstância, observar e fazer observar, em escrupuloso cumprimento do artigo 4º do Código de Processo Civil) – é extensível a todas as fases do processo em que a lei pressuponha a intervenção do mandatário judicial para exercer os direitos da parte em diligência judicial presidida pelo juiz. Logo, haverá que aplicar ao regime próprio da audiência prévia a regra geral prevista para as audiências de julgamento e que está precisamente consignada no artigo 603º, nº 1, do Código de Processo Civil, enquadrada na figura, de cariz genérico e abrangente, do justo impedimento consagrado no artigo 140º do mesmo diploma legal. O que significa que, existindo, comprovadamente, uma situação de justo impedimento que explica e justifica a ausência de um dos advogados ao acto judicial para o qual foi convocado, não existe outra alternativa que não o adiamento a determinar pelo juiz que preside à audiência. É óbvio que não se aplica na situação sub judice o disposto no artigo 591º, nº 3, do Código de Processo Civil, na medida em que o preceituado nessa norma não afasta nem prejudica o efeito associado à prova do justo impedimento na comparência à audiência prévia. Isto é, contrariamente ao que o juiz a quo sustentou, não tem cabimento nem é razoável aplicar indiferenciadamente o disposto no artigo 591º, nº 3, do Código de Processo Civil, que determina que “não constitui motivo de adiamento a falta das partes ou dos seus mandatários”, quer à situação de falta não justificada – na qual o ausente faltou sem motivo, violando desse modo o dever de comparência que lhe incumbia (inclusive em termos deontológicos), e arcando nessa medida com as consequências negativas associadas à não comparência que lhe é imputável -; quer à situação de falta devidamente justificada, na qual o ausente só não compareceu por motivos que não lhe são imputáveis e que ocorreram de forma inesperada, não sendo passíveis de superação, e não lhe dando margem para a conduta alternativa que pretendia adoptar (a comparência ao acto). A cada uma destas duas situações, em si completamente diversas, tanto na sua natureza como quanto às suas características basilares, corresponderá necessariamente um regime desigual no tratamento que a lei lhe concede, não misturando nem confundindo comportamentos processuais absolutamente contrastantes.» Não tendo o mandatário dos recorrentes podido comparecer à audiência prévia na qual lhe competia assegurar a defesa dos interesses dos seus clientes, no cumprimento do mandato forense que lhe foi conferido, devendo-se a sua imprevista ausência a uma imponderável avaria no seu veículo quando o mesmo se dirigia para o Tribunal, a lei não estabelece um regime de inexplicável indiferença pela impossibilidade objetiva de comparência, como bem se compreende. Acresce que o Sr. Advogado contactou de imediato o seu secretariado no sentido de enviar ao Tribunal o fax a que se alude supra, dando conta do sucedido. Nem se diga – como no despacho que admitiu o recurso -, que nesse fax não foi requerido o adiamento da audiência prévia, pois tal solicitação resulta implícita do conteúdo do próprio fax e, ademais, a falta do advogado é sempre relevante e obriga por si só ao adiamento da diligência face ao justo impedimento que configura. Por conseguinte, procede o recurso, impondo-se a anulação das decisões proferidas na audiência prévia que teve lugar no dia 13.07.2020 e a marcação de nova data para a sua realização. Face ao decidido supra, está necessariamente prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas na presente apelação. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, anulando-se as decisões proferidas na audiência prévia que teve lugar no dia 13.07.2020 e determinando a marcação de nova data para a sua realização. Sem custas, na medida em que a procedência da apelação não é imputável aos réus, nem os mesmos deduziram qualquer oposição ao requerido. * ______________________________________________
Évora, 14 de janeiro de 2021 (Acórdão assinado digitalmente no Citius) Manuel Bargado (relator) Albertina Pedroso (1º adjunto) Tomé Ramião (2º adjunto) [1] Proc. 11749/17.9T8LSB.L2.L1-7, in www.dgsi.pt, citado também pelos recorrentes nas suas alegações. |