Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
409/11.4PAENT.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: ROUBO AGRAVADO
ARMA
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 06/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Pratica o crime de roubo agravado quem, utilizando uma arma, ainda que simulada, fictícia ou de simples alarme, provoque, pelo medo que causa à vítima e pela consideração de que tal medo é o previsível, ou o normal, no homem comum e de são entendimento, a apropriação ilícita de coisa móvel alheia.
Decisão Texto Integral:
Processo nº 409/11.4PAENT.E1

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


I - RELATÓRIO

No âmbito do processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, com o nº 409/11.4PAENT, do Tribunal Judicial do Entroncamento, submetido a julgamento, foi condenado o arguido A, pela prática, como autor material, e reincidente, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, al. b), do Código Penal, por referência ao artigo 204º, nº 2, al. f), e artigos 75º e 76º do mesmo diploma, na pena de cinco anos e seis meses de prisão.
Inconformado, o arguido interpôs recurso, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:
“I. O presente recurso vem interposto da matéria de facto e de direito, nos termos dos artigos 410.º e 412.º do C.P.P., do douto Acórdão, proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca do Entroncamento, referido no processo supra referido, que julgou e condenou o ora recorrente como autor material e reincidente de um crime de roubo agravado, previsto e punível pelos art.ºs 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao art.º 204.º, n.º2, alínea f), 75.º e 76.º, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão e como autor material de uma contra-ordenação ao disposto no art.º 97, n.º 1, do Regime Jurídico das Armas e Suas Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 17/2009, no pagamento da coima de €400 (quatrocentos euros).
Do recurso da matéria de facto
II. O Tribunal, no ponto 2.1 do Acórdão julgou provados os seguintes factos com interesse para a decisão:
“No dia 28 de Setembro de 2011, cerca das 11.05 horas, o arguido A deslocou-se até ao estabelecimento comercial de compra e venda de artigos em ouro, denominado B, sito na Rua Dr. Miguel Bombarda, no Entroncamento, o que fez com o intuito de se apoderar de dinheiro e de objectos de valor que aí encontrasse e que pudesse levar consigo;
Uma vez aí, o arguido entrou no estabelecimento e dirigiu-se até junto da funcionária que aí trabalhava, C;
Levava consigo um chapéu, óculos de sol, um par de luvas e um revólver de fulminantes com o cano desobstruído, o qual é uma réplica em tudo semelhante a uma verdadeira arma de fogo, do tipo revólver;
Acto contínuo, munido das luvas, retirou do interior de uma bolsa que trazia à cintura o referido revólver de fulminantes e apontou-o à C, ao mesmo tempo que disse para a mesma que estava a fazer um assalto, tendo-lhe dirigido também a seguinte expressão “isto não é a brincar” e que queria que esta lhe entregasse todo o dinheiro e ouro que se encontravam na loja.
Nesse momento, a ofendida C, que se encontrava grávida de 7 meses, ficou completamente tolhida de medo que lhe causou a acção do arguido, nomeadamente receosa que ele disparasse um projéctil, que acabou por entregar ao mesmo a quantia de €175 (cento e setenta e cinco euros) em numerário, tendo-lhe também entregue objectos em ouro, a saber:
- Um anel em ouro branco, com pedras brancas, com o valor de 30 Euros;
- Uma pulseira em ouro com malha 3x1, com o valor de 27 Euros;
- Um fio em ouro com o valor de 105 Euros;
- Uma medalha em ouro com o valor de 7 Euros;
Uma vez na posse de tal quantia e valores o arguido saiu do estabelecimento e colocou-se em fuga;
Veio a ser capturado pela P.S.P. breves minutos após ter saído do estabelecimento, nas imediações da mencionada loja, e na posse dos mencionados objectos e valores, que foram posteriormente entregues à representante da firma lesada;
O arguido agiu com o intuito de se apoderar de quantias e valores que sabia não serem suas e sabendo que o fazia contra a vontade da respectiva dona, o que conseguiu;
O arguido, como meio para a plena concretização do seu intento apropriativo, usou da ameaça do uso de um objecto com a aparência de um revólver de fogo, o que fez como forma de levar a ofendida a entregar-lhe os referidos valores e também de modo a obstar qualquer resistência da parte da mesma, a qual não a esboçou sequer, uma vez que ficou tolhida pelo medo que dela se apavorou.
O arguido, na sua acção, usou um objecto com a aparência de ser um revólver de fogo, não tendo qualquer autorização legal para o efeito e sabendo que a lei lhe proibia a sua detenção e uso;
O arguido actuou de modo livre e voluntário e sabendo que a lei não lhe permitia tais condutas (…)”.
III. Quanto aos factos não provados
“Não se dão como provados quaisquer outros factos com relevo para a decisão, designadamente que o arguido destinasse os objectos e valores subtraídos exclusivamente à aquisição de produtos alimentares.”
IV. Formou a sua convicção nas declarações do arguido, ora Recorrente, “que admitiu expressamente os factos levados à acusação, o que foi considerado relevante em face dos detalhes e pormenores que indicou, da circunstância de ter sido detido pela forças policiais alguns breves minutos após a ocorrência do crime ainda com os sinais e objectos subtraídos, além da concordância com a demais prova produzida; também relevou em sede de apreciação da sua situação sócio-familiar e quanto aos motivos para a prática dos factos;
V. b) No depoimento da testemunha C que reconheceu o arguido como sendo a pessoa que entrou na loja onde trabalha, lhe apontou uma arma e exigiu a entrega do dinheiro e do ouro aí existente, pondo-se depois em fuga, que foi convincente porque presenciou os factos directamente, os relatou pormenorizadamente e de forma coerente e isenta; e,
VI. c) No auto de notícia por detenção de fls. 11 (apenas quanto à notícia da detenção do arguido), auto de apreensão de fls.13, auto de exame de fls. 20 e 21, fotografias de fls. 22 a 24, termos de entrega de fls. 46, 91 e 92, C.R.C. de fls. 54 a 57 e 152 a 156, certidão de fls. 59 a 85 e no relatório social que antecede.
VII. Salvo o devido respeito, o Recorrente discorda de que não tenha sido dado como provado que este destinasse os objectos e valores subtraídos exclusivamente à aquisição de produtos alimentares.
VIII. Neste sentido, veja-se o seu depoimento, gravado no suporte digital 20120206101558_41285_64331, dos 05mins0s a 5mins15s, dos 23min28seg a 25min11seg.
IX. Do depoimento do Recorrente resultou que os seus actos foram motivados pelo desespero, dado que tanto ele como a sua mão se encontravam sem dinheiro para comer.
X. Notoriamente arrependido e emocionado, refere mesmo, de 09mins48s a 10mins16s, ter comentado à ofendida em tom de desabafo que era o desespero que o movia, oferecendo aquando da prática do crime um envergonhado pedido de desculpas pelos seus censuráveis actos.
XI. Resulta também do depoimento da testemunha C, apelidado pelo tribunal a quo de pormenorizado, coerente e isento, gravado no suporte digital 20120206105017_41285_64331da,de 03min28seg a 3min55seg, que o Recorrente terá pedido desculpas pelo sucedido, ou referido que não era sua intenção actuar daquela maneira.
XII. Resulta da experiência e do senso comum, que após efectuado o assalto, o agente não irá dirigir qualquer palavra ao ofendido, muito menos para pedir desculpa pelo mesmo.
XIII. Dizem também as regras da experiência que quem pede desculpa, é por ter feito algo que sabe que é errado, mostrando arrependimento, e que quem se encontra desesperado mais facilmente cai no erro de fazer algo errado.
XIV. Não tendo o Recorrente, durante o seu depoimento, faltado à verdade em momento algum, e tendo em conta o depoimento da testemunha C, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que o Recorrente praticou os factos, movido pelo desespero, e que iria destinar os objectos e valores subtraídos exclusivamente à aquisição de produtos alimentares.
XV. Ademais, salvo o devido respeito e melhor opinião, em sede de audiência de julgamento foi produzida prova que o Tribunal a quo não valorou e que não foi atendida no douto Acórdão, e como tal, entendemos que deveria ter sido dado como não provado pelo Tribunal a quo o facto de não ter havido qualquer agressão ou intenção de agressão por parte do Recorrente, fazendo uso da réplica de revólver.
XVI. O mesmo resulta não só do depoimento do Recorrente, gravado no suporte digital 20120206101558_41285_64331, de 5mins16s a 5mins21s e de 30min40seg a 30min56seg, mas também do depoimento da testemunha C.
XVII. Do depoimento do Recorrente resultou claro e inequívoco o facto de em momento algum ter sido demonstrada qualquer intenção em fazer mal à ofendida, algo que nunca lhe passou pela cabeça, rejeitando mesmo, de forma liminar, tal ideia.
XVIII. Do depoimento da testemunha resultou que os actos do Recorrente se traduziram num mero apontar da réplica de revólver que consigo trazia, não tendo resultado provado que o Recorrente tenha utilizado o revólver de fulminantes como meio de agressão ou que tivesse a intenção de o utilizar com tal fim.
XIX. Estes factos, apesar de eventualmente acessórios, assumem relevância significativa e deveriam ter sido tomados em linha de conta pelo Tribunal a quo, e uma vez dados como não provados, impunha-se uma decisão no sentido de condenação do Recorrente, mas na prática do crime de roubo, previsto e punido no artigo 210º do Código Penal.
XX. Face à manifesta insuficiência de prova para condenar o Recorrente como autor material de um crime de roubo agravado, previsto e punível pelos art.ºs 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao art.º 204.º, n.º 2, alínea f), 75.º e 76.º, do Código Penal, deveria funcionar a seu favor o princípio do in dubio pro reo, plasmado no n.º 2 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
XXI. Ademais, pelo supra exposto, o Tribunal a quo interpretou erradamente o artigo 124.º do CPP, o artigo 127.º, o artigo 14.º, n.º 1, o artigo 26.º, primeira parte, e o artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), por referência ao disposto no artigo 204.º, n.º 2, al: f), 75.º e 76.º, n.º 1, todos do Código Penal.
XXII. Não tendo resultado provado que o Recorrente tivesse trazido no momento do crime, arma aparente ou oculta, não pode este ser condenado pelo supra mencionado crime.
XXIII. No que concerne ao conceito de arma, as devidas considerações serão tecidas oportunamente, em sede de Conclusões – Do recurso da matéria de direito.
XXIV. Não obstante, sempre se adiantará que nunca poderá aqui funcionar a agravante qualificativa no n.º 2 do art. 210º do Código Penal, pelo que errou o Tribunal a quo ao condenar o Recorrente pelo supra mencionado crime.
XXV. Destarte, deverá a pena concreta aplicada ao Recorrente ser reduzida e suspensa na sua execução, por força da aplicação dos artigos 70.º e seguintes do CP, uma vez que a culpa e a ilicitude manifestada na prática dos factos, por não terem sido praticados com arma, reclama uma punição menos agravada.
Do recurso da matéria de direito
XXVI. O Tribunal a quo decidiu “…condenar o arguido A como autor material e reincidente de um crime de roubo agravado, previsto e punível pelos art.ºs 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao art.º 204.º, n.º 2, alínea f), 75 e 76.º, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
XXVII. No ponto 3.2 do Acórdão, elenca o Tribunal a quo os factos que permitem concluir pela verificação do crime de roubo, verificando-se os elementos subjectivos e objectivos do tipo legal de tal crime.
XXVIII. Não obstante, o Tribunal a quo decidiu “…condenar o arguido Nélson Lemos Vieira como autor material e reincidente de um crime de roubo agravado, previsto e punível pelos art.ºs 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao art.º 204.º, n.º 2, alínea f), 75 e 76.º, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
XXIX. A forma qualificada deveu-se ao facto de se ter apurado que o Recorrente levava consigo um revólver de fulminantes com o cano desobstruído, o qual é uma réplica semelhante a uma verdadeira arma de fogo, não obstante ter o Tribunal a quo entendido não ser tal objecto uma arma de fogo na definição do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio.
XXX. “Também não é um objecto idóneo a disparar projécteis.”
XXXI. Interroga-se, porém, o douto Acórdão se um revólver de fulminantes, réplica de arma de fogo, do tipo revólver, como a usada pelo Recorrente na prática dos factos, quando empunhada e apontada à vítima, é um instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim.
XXXII. Questionando se tal instrumento poderia ser utilizado como meio de agressão sobre a ofendida, uma vez que um forte golpe com o punho de revólver poderia ser, na óptica do Tribunal a quo, susceptível de causar ferimentos sérios ou a morte de outrem.
XXXIII. Conclui o Tribunal a quo que, dadas as características da réplica de revólver, e apesar de não se tratar de uma verdadeira arma de fogo, ainda assim era perfeitamente idóneo a ser utilizado como uma arma pelo arguido A sobre a vítima C.
XXXIV. Refere então o douto Acórdão que “O arguido se quisesse podia fácil e eficazmente desferir-lhe golpes com o revólver de fulminantes (…) Se a vítima tivesse hesitado ou resistido de alguma forma, é perfeitamente plausível admitir que o arguido lhe poderia ter dado imediatamente (…) um golpe com o revólver. E tal golpe não seria inconsequente, pois o objecto tinha uma dimensão e características (…) que fazem adivinhar lesões bem mais graves do que os golpes dados só com a mão do agressor (situação em que o agressor também se pode ferir a atacar a vítima).
XXXV. Em sede de conclusão, refere o Acórdão que “O que esteve em causa no dia 28 de Setembro p. p. não foi apenas a mera impressão subjectiva da vítima (atemorizada e convencida que lhe estavam a apontar uma verdadeira arma de fogo). Pelo contrário, foi utilizado um instrumento que era apto e idóneo a ser utilizado como meio de agressão. Tal instrumento trouxe ao arguido uma vantagem física objectiva. Ninguém poderá dizer que, naquelas circunstâncias, se a vítima tem reagido, o arguido estaria na mesma posição com ou sem tal revólver de imitação nas mãos. Podia facilmente prevalecer-se desse instrumento e instantaneamente impor-se à vítima, com total rapidez e eficácia, vg. golpeando-a com gravidade com o revólver de imitação. Assim, nas circunstâncias concretamente apuradas, a imitação de revólver utilizada pelo arguido não é instrumento inócuo. Foi um verdadeiro instrumento, ainda que de aplicação definida, que podia ser utilizado como meio de agressão. Por conseguinte, entende-se que tal objecto deve ser considerado uma arma aparente.”
XXXVI. É nosso entendimento que o Tribunal a quo não podia ter condenado o Recorrente na prática de crime de roubo agravado, por força do disposto nas alíneas b) do n.º 2 do artigo 210.º do CP e f) do n.º 2 do artigo 204.º do mesmo diploma, enquadramento jurídico que, salvo melhor opinião, não deveria ter sido seguido.
XXXVII. Inequívoco o facto de estarmos perante um crime de roubo, como resulta aliás de Código Penal Português Anotado e comentado, por Manuel Lopes Maia Gonçalves, 17ª Edição, a páginas 713, e do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-12-2007, processo 07P3210, que explica que “O crime de roubo é um crime complexo (porque segundo Luís Osório contem um crime contra a liberdade e um crime contra o património), de natureza mista, pluriofensivo, em que os valores jurídicos em apreço são de ordem patrimonial – direito de propriedade e de detenção de coisas móveis – e sobretudo de ordem eminentemente pessoal – direito à liberdade individual de decisão e acção, à própria liberdade de movimentos, à segurança, à saúde, à integridade física e mesmo à própria vida alheia (…)”.
XXXVIII. O que nos interessa, porém, é saber se o instrumento utilizado pelo Recorrente interfere ao nível da qualificação como arma, para efeitos de agravação do crime nos termos do art. 210º, n.º 2, al.b), por referência à al. f) do n.º2 do art. 204º.
XXXIX. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Novembro de 2003, proc. n.º 3272/03-3ª; SASTJ, n.º 75,96, sobre o uso de uma pistola de alarme em moldes semelhantes ao presente, responde de forma negativa, “uma vez que aqui a utilização da arma releva como perigosidade objectiva, sem consideração de qualquer efeito intimidativo da vítima, o que resulta desde logo de a lei prever que a arma esteja oculta, pois o que importa é a real perigosidade da mesma para molestar a vítima. E uma pistola de alarme não envolver qualquer perigo objectivo de agressão de bens pessoais”.
XL. Note-se que o Acórdão de que se recorre faz referência a dois entendimentos principais sobre esta matéria: “os que seguem a tese da perigosidade objectiva, que exigem que “seja um meio eficaz de agressão, quer sejam armas ditas próprias destinadas normalmente ao ataque ou defesa e apropriadas a causar ofensas físicas, quer as impróprias, todas as que têm aptidão ofensiva, se bem que não sejam normalmente usadas com fins ofensivos ou defensivos” e os que entendem que “arma”, para os fins do preceito legal em apreço, será todo o instrumento com virtualidade para provocar nas vítimas um justo receio de serem lesadas, independentemente de saberem se a mesma se acha municiada e pronta a disparar, pois se mostra de todo irrazoável, desproporcionado mesmo, do ponto de vista da sua protecção legal, exigir-se esse prévio conhecimento, que lhe podia ser inacessível, impraticável, até, não obstante ter sido, em nexo causal com a exibição da arma, que a entrega da coisa teve lugar, relevando a impressão, analisada à luz de um normal destinatário, de perigo, que àqueles bens representa. A lei não exige um intimorato destinatário, pessoa de excepcional valentia, mas uma pessoa normal, que, como tal, em regra, se deixa impressionar pelo risco que representa uma arma de fogo, quando lhe é apontada”.
XLI. Entende o Tribunal a quo não sufragar qualquer uma das teses e analisar o texto da lei e circunstâncias concretamente apurados, referindo para o efeito que “A definição de arma para efeito de considerar a qualificação do roubo, consta do art. 4º, do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15/3: Para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim. Numa definição simples mas acertada, “aparente” é aquilo que aparece, que é visível e “oculto” é tudo o que se esconde, que não se vê – Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra, 1999, Volume II, pág.79.”
XLII. Entendeu o Tribunal a quo que “Importa então saber, antes de mais, se um revólver de fulminantes com o cano desobstruído, o qual é uma réplica semelhante a uma verdadeira arma de fogo, do tipo revólver, quando é empunhado e apontado à vítima é um instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim (…)existem várias armas de fogo são desenhadas e construídas de tal forma que, além da aptidão para dispararem munições, também podem ser usadas como instrumentos de agressão, nomeadamente com sólidas coronhas ou punhos, suportes para baionetas ou sabres-baionetas, etc…(…)Todos sabem que uma coronhada ou um forte golpe com o punho de um revólver pode causar sérios ferimentos ou até a morte a outrem pois trata-se de um instrumento robusto (…)apesar de não se tratar de uma verdadeira arma de fogo, ainda assim era perfeitamente idóneo a ser utilizado como uma arma pelo arguido A sobre a vítima C. O arguido se quisesse podia fácil e eficazmente desferir-lhe golpes com o revólver de fulminantes (....) Se a vítima tivesse hesitado ou resistido de alguma forma, é perfeitamente plausível admitir que o arguido lhe poderia ter dado imediatamente (…) um golpe com o revólver. E tal golpe não seria inconsequente, pois o objecto tinha uma dimensão e características (…) que fazem adivinhar lesões mais graves do que os golpes dados só com a mão do agressor.
XLIII. Conclui o Acórdão que “O que esteve em causa no dia 28 de Setembro pp. não foi apenas a mera impressão subjectiva da vítima (atemorizada e convencida que lhe estavam a apontar uma verdadeira arma de fogo). Pelo contrário, foi utilizado um instrumento que era apto e idóneo a ser utilizado como meio de agressão (…) Podia facilmente prevalecer-se desse instrumento e instantaneamente impor-se à vítima, com total rapidez e eficácia, v. g. golpeando-a com o revólver de imitação. Assim, nas circunstâncias concretamente apuradas, a imitação de revólver utilizada pelo arguido não é instrumento inócuo. Foi um verdadeiro instrumento, ainda que de aplicação definida, que podia ser utilizado como meio de agressão.”
XLIV. É de todo incompreensível o mar de hipóteses virtuais erigido pelo Tribunal a quo e que vão desaguar à conclusão de que o objecto por si empregue constituía uma arma, para os devidos efeitos legais.
XLV. Entendeu o Tribunal, a nosso ver erradamente, que as dimensões e características do objecto usado pelo Recorrente seriam idênticas às de um verdadeiro revólver, o que não foi provado, e não corresponde à verdade, visto os materiais de que são feitos serem distintos, influenciando desde logo, o peso de cada um.
XLVI. Ainda que correspondesse, tal não implica que se passe a considerar automaticamente o artefacto usado pelo Recorrente como arma.
XLVII. Não ficou provado em qualquer momento da audiência de discussão e de julgamento que o Recorrente teria tido a intenção de agredir a ofendida com a réplica de revólver, sendo que quando questionado nesse sentido, o Recorrente respondeu claramente que não.
XLVIII. Algo que também se pode extrair do conteúdo do depoimento da ofendida, que explicou que o Recorrente se limitara a apontar o objecto.
XLIX. É admirável o exercício de construções de hipóteses virtuais e paralelas que o Tribunal a quo conseguiu construir, uma vez que sem que tivesse ocorrido qualquer ameaça ou intenção de agressão, se imagina uma reacção - que não aconteceu - por parte da ofendida, e com base nessa hipotética situação, se levanta a conjectural hipótese de o Recorrente, em resposta, a poder golpear com a réplica de revólver – algo que não aconteceu e que o mesmo dissera expressamente que nunca iria acontecer.
L. Ademais, tenta explicar e adivinhar o Tribunal a quo que, havendo tal golpe, o mesmo, dadas dimensões e características do objecto (semelhante às de um verdadeiro revólver), não seria inconsequente, e gerador de lesões mais graves do que os golpes dados só com as mãos do agressor, como que sabedor da força que o Recorrente possa aplicar nos golpes que este possa desferir com as mãos, e igualmente ciente de que ao fazê-lo é provável que se magoe, pelo que o mais provável seria mesmo recorrer à réplica de arma.
LI. Pasme-se o facto de ter sido o próprio acórdão a empregar o termo “adivinhar” quando referindo que dadas as características do objecto, faziam-se adivinhar lesões bem mais graves do que meros golpes dados com as mãos.
LII. O Recorrente não pode ser condenado à prática de um crime com base em fabricações hipotéticas.
LIII. O Direito Penal e o sistema de responsabilidade penal é fundado no facto.
LIV. Não podendo o Recorrente ser condenado na prática de um crime de roubo agravado, uma vez que a susceptibilidade dessa punição, no presente caso, está vinculada à acção concreta e tipicamente prevista de ele trazer no momento do crime arma aparente ou oculta, não podendo a pena a aplicar funcionar como resposta aos perigos que no futuro se esperam dos actos do Recorrente.
LV. Não podia o Tribunal a quo condenar o Recorrente na prática de um crime de roubo e agravá-lo quando o fundamento da sua punição agravada se baseou em construções conjecturais repletas de infindáveis “ses”.
LVI. Caso vingasse tal entendimento, o Tribunal a quo terá aberto a “caixa de Pandora”, levando a que, face aos “factos e circunstâncias concretamente apurados”, se possa concluir que um revólver de fulminantes, sabendo para que o mesmo serve, possa ser considerado arma pelo facto de poder ser usado como meio de agressão.
LVII. Tal tipo de considerações poderiam levar, em casos extremos, a que se concluísse que um pugilista fosse um potencial assassino, ambulante, uma vez que, dispondo de mãos, ninguém poderá dizer que as mesmas não poderão servir como meio de agressão, sendo que os golpes desferidos, por força da actividade que desenvolvem, não serão certamente inconsequentes, fazendo adivinhar lesões bem graves.
LVIII. O Tribunal a quo entendeu partir da solução para a fundamentação, agarrando-se a argumentos hipotéticos, virtuais, forçando um entendimento que considerasse o objecto empregue, fosse este qual fosse, como arma.
LIX. O Direito Penal não pode funcionar desta maneira, imposição do princípio da legalidade.
LX. A nosso ver, no nosso direito, a qualificação deverá ser de ordem objectiva, entendimento dos Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 21-06-2011, proc. 1161/10.6PCSTB.E1, que remete para o Ac. STJ de 27/10/2010 (re. Cons. Armindo Monteiro), do Tribunal da Relação de 15-09-2010, Proc. 381/10.8JAPRT-A.P1 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-11-2011, Proc. 01P2055, de 27-10-2010, Proc. 1546/09.0PCSNT.L1.S1, de 21-09, 2011, Proc. 137/ 06.25AGRD-C1.S1, todos no sentido de que não obstante o uso de uma réplica de revólver poder ser meio idóneo à prática do crime de roubo, previsto no art. 210º do Código Penal, pelo facto de ser apta a determinar aquele a quem é exibida receio pela sua vida ou integridade física, não deverá, porém, agravar a pena, pressupondo a agravação um acréscimo efectivo, objectivo, real, de perigo para a vítima, e não apenas subjectivo.
LXI. Deverá relembrar-se ainda, neste particular, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-01-2007, Proc. 06P4351, no qual se discute se a seringa poderá ser uma arma, de acordo com a definição legal do art. 4º do DL n.º 48/95, de 15-3, expondo o acórdão que “A amplitude da letra do conceito impõe uma interpretação se não restritiva, pelo menos declarativa, sob pena de todo e qualquer objecto se poder transformar em arma. Se desenvolvermos o argumento da recorrente quanto à utilização perversa da seringa como instrumento perfurante, poderíamos igualmente referir que objectos ainda menos ofensivos, como um arame, um corta-unhas, um pequeno pau, um simples e pacato palito, podem ter utilizações extremamente perversas e altamente danosas para as pessoas, como seria o caso de introdução profunda na vagina ou no ânus, ou também nos globos oculares ou nos ouvidos, etc., segundo a “fantasia” do agressor, pois é um facto que a perversidade humana não tem limites (e a prática sistemática da tortura ainda hoje em muitos países está aí para o confirmar).”
LXII. Continua o aresto, referindo que “A caracterização de um objecto como arma terá, pois, a ver com as suas características e com a utilização ou afectação normal delas, com a idoneidade dessa utilização ou afectação normal como meio de agressão. O uso desviado das propriedades do objecto não pode servir como critério para o definir como arma. Assim, uma bengala, podendo embora servir para uma agressão (as famosas “bengaladas” dos romances de Eça), não é seguramente uma arma. Um cinto, sendo outrora e possivelmente ainda hoje, mas mais escassamente, meio frequente de “educação” paterna, também certamente ninguém o considerará uma arma. Mesmo uma navalhinha de bolso, daquelas de descascar maçãs, não é “promovida” a arma por haver a possibilidade de ser utilizada como instrumento ofensivo. E um inofensivo guarda-chuva, acompanhante imprescindível das pessoas quando a meteorologia é adversa, pode ser aproveitado como instrumento de agressão, quiçá mortal, se utilizada a sua ponta metálica, sem que seguramente ninguém defenda que o guarda-chuva é uma arma. Já uma pistola, uma faca de ponta e mola, uma moca, por exemplo, não levantam a ninguém dúvidas de que são armas.
LXIII. Punindo o agente por um crime de roubo agravado, nos termos do art.210º, n.º 2, al. b), por referência à al.f) do n.º 2 do art. 204º, ambos do CP, violou o Tribunal a quo o princípio nullum crimen, nulla poena sine lege, uma vez que como o Recorrente no momento do crime não trazia arma aparente ou oculta, não se pode ficcionar um entendimento jurídica da prática de um crime cujos pressupostos objectivos e subjectivos existentes são claros, sendo que se estes não se encontram preenchidos, não deverá haver lugar a tal punição.
LXIV. Ademais, pelo supra exposto, o Tribunal a quo interpretou erradamente o artigo 124.º do CPP, o artigo 127.º, o artigo 14.º, n.º 1, o artigo 26.º, primeira parte, e o artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), por referência ao disposto no artigo 204.º, n.º 2, al: f), 75.º e 76.º, n.º 1, todos do Código Penal, uma vez que foi feita uma subsunção errada dos factos ao crime supra exposto.
LXV. É nosso entendimento que o douto acórdão deve ser substituído por outro em que os factos praticados pelo Recorrente sejam enquadrados apenas nos termos do artigo 210.º, n.º 1 do C.P., sendo que dado o arrependimento expresso e demonstrado pelo mesmo, à confissão dos factos, ao motivo gerador da prática dos mesmos, à sua culpa e ilicitude entende-se ser justa e equitativa a aplicação ao ora Recorrente de uma pena de prisão, suspensa na sua execução, por força da aplicação dos artigos 70.º e seguintes do CP.
TERMOS EM QUE:
Deve o recurso ser julgado procedente, por provado, e consequentemente:
Revogar-se a sentença recorrida no que concerne à fundamentação de facto, considerando-se como provados os seguintes factos:
1. - Que o Recorrente destinasse os objectos e valores subtraídos à aquisição de produtos alimentares;
2. - Que o Recorrente não agrediu nem teve intenção de agredir a ofendida mediante o uso de uma réplica de revólver, nem a ameaçou ou lhe fez qualquer gesto ameaçador;
3. - Que as dimensões e as características da réplica de revólver são distintas das de um revólver normal.
Consequentemente, deverá ser reduzida a medida da pena aplicada ao crime, e/ou reduzida a medida da pena única aplicada, sem prejuízo da substituição da pena única de prisão pela suspensão na sua execução”.
*
O Ministério Público na primeira instância apresentou resposta, concluindo pela improcedência do recurso.
*
Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 306 e 307, acompanhando, no essencial, a posição assumida pelo Ministério Público na aludida resposta e entendendo que o recurso não merece provimento.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não tendo sido exercido qualquer direito de resposta.
Efectuado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objecto do recurso.

Diversas questões são suscitadas no presente recurso, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objecto e poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, as quais, em breve síntese, se podem elencar do seguinte modo:
1ª - Impugnação da matéria de facto.
2ª - Qualificação jurídica dos factos.
3ª - Determinação da medida concreta da pena.
4ª - Aplicação de pena de prisão suspensa na sua execução.

2 - A decisão recorrida.

É do seguinte teor o acórdão objecto do recurso (quanto aos factos, provados e não provados, e quanto à motivação da decisão fáctica):
2. Fundamentação de Facto.
O Tribunal julga provados os seguintes factos com interesse para a decisão:
No dia 28 de Setembro de 2011, cerca das 11,05 horas, o arguido A deslocou-se até ao estabelecimento comercial de compra e venda de artigos em ouro, denominado B, sito na Rua Dr. Miguel Bombarda, no Entroncamento, o que fez com o intuito de se apoderar de dinheiro e de objectos de valor que aí encontrasse e que pudesse levar consigo;
Uma vez aí, o arguido entrou no estabelecimento e dirigiu-se até junto da funcionária que aí trabalha, C;
Levava consigo um chapéu, óculos de sol, um par de luvas e um revólver de fulminantes com o cano desobstruído, o qual é uma réplica semelhante a uma verdadeira arma de fogo, do tipo revólver;
Acto contínuo, munido das luvas, retirou do interior de uma bolsa que trazia à cintura o referido revólver de fulminantes e apontou-o à Maria do Carmo, ao mesmo tempo que disse para a mesma que estava a fazer um assalto, tendo-lhe dirigido também a seguinte expressão “isto não é a brincar” e que queria que esta lhe entregasse todo o dinheiro e ouro que se encontravam na loja.
Nesse momento, a ofendida C, que se encontrava grávida de 7 meses, ficou completamente tolhida pelo medo que lhe causou a acção do arguido, nomeadamente receosa que ele disparasse um projéctil, que acabou por entregar ao mesmo a quantia de € 175 (cento e setenta e cinco euros) em numerário, tendo-lhe também entregue objectos em ouro, a saber:
- Um anel em ouro branco, com pedras brancas, com o valor de 30 Euros;
- Uma pulseira em ouro com malha 3x1, com o valor de 27 Euros;
- Um fio em ouro com o valor de 105 Euros; e,
- Uma medalha em ouro com o valor de 7 Euros;
Uma vez na posse de tal quantia e valores o arguido saiu do estabelecimento e colocou-se em fuga;
Veio a ser capturado pela P.S.P. breves minutos após ter saído do estabelecimento, nas imediações da mencionada loja, e na posse dos mencionados objectos e valores, que foram posteriormente entregues à representante da firma lesada;
O arguido agiu com o intuito de se apoderar de quantias e valores que sabia não serem suas e sabendo que o fazia contra a vontade da respectiva dona, o que conseguiu;
O arguido, como meio para a plena concretização do seu intento apropriativo, usou da ameaça do uso de um objecto com a aparência de um revólver de fogo, o que fez como forma de levar a ofendida a entregar-lhe os referidos valores e também de modo obstar a qualquer resistência da parte da mesma, a qual não a esboçou sequer, uma vez que ficou tolhida pelo medo que dela se apoderou.
O arguido, na sua acção, usou um objecto com a aparência de ser um revólver de fogo, não tendo ele qualquer autorização legal para o efeito e sabendo que a lei lhe proibia a sua detenção e uso;
O arguido actuou de modo livre e voluntário e sabendo que a lei não lhe permitia tais condutas;
No âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 20/05.9 PAENT, que correu termos neste Tribunal, por acórdão datado de 23/01/2006, transitado em julgado em 10/02/2006, foi o arguido condenado na pena de 1 ano de prisão pela prática de um crime de roubo na forma tentada e na pena de três anos e seis meses pela prática de um crime de homicídio simples também na forma tentada;
No âmbito do Processo Comum Singular n.º 4210/01.5TDLSB, do 1º Juízo Criminal de Lisboa, 2ª Secção, por sentença transitada em julgado em 20/02/2006, por factos praticados pelo arguido entre Agosto e Setembro de 2000 e Abril e Junho de 2001, que consubstanciam um crime de burla qualificada, foi o arguido condenado na pena de 12 meses de prisão suspensa na sua execução;
Na sequência de cúmulo jurídico de penas efectuado no Processo Comum Colectivo n.º 20/05.9 PAENT, no qual se englobou as penas aplicadas ao arguido em tal processo, bem como a que lhe foi aplicada no Processo Comum Singular n.º 4210/01.5TDLSB, do 1º Juízo Criminal de Lisboa, 2ª Secção, foi o arguido condenado na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão;
O arguido esteve preso em cumprimento de tal pena única desde 28/05/2005 até 22/08/2008, data em que foi colocado em liberdade condicional;
Foi também condenado por sentença transitada em julgado em 20/2/2006 na pena de 12 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por 2 anos, pela prática de um crime de burla, e por sentença transitada em julgado em 19/5/2011, na pena de 99 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal;
O A confessou os factos, declarando-se arrependido;
O arguido é o mais novo da relação marital vivenciada pelos progenitores. A mãe assumiu um papel proteccionista e permissivo no exercício do papel educativo, que se veio a reflectir na baixa escolaridade do filho, que não pretendeu frequentar além do 4.º ano de escolaridade, na inexistência de hábitos de trabalho, laborando muito pontualmente e na ausência de valores normativos, sendo a sua imagem social muito negativa pelo estilo de vida inerente à ociosidade e revelador de um défice em termos de relacionamento interpessoal. À data da detenção integrava um sistema familiar constituído pela mãe e sobrinha que habitam um imóvel em espaço rural. Em sede do foro económico, verifica-se uma acentuada desorganização na gestão dos recursos disponíveis, sendo a situação financeira agravada com a inactividade do arguido que, queixando-se de problemas de saúde relacionados com a coluna, não procura de forma activa uma ocupação estruturada. Não revela aptidão para o reconhecimento da existência de problemas e para a identificação de alternativas de solução, que contribuam para a tomada de decisão, sendo identificados défices a nível cognitivo, pensamento consequencial, auto-controlo e descentração. Não identifica formas de pensar, sentir e motivos de comportamentos dos outros, nem apresenta um envolvimento significativo e uma análise a posteriori.

Factos não provados.
Não se dão como provados quaisquer outros factos com relevo para a decisão, designadamente que o arguido destinasse os objectos e valores subtraídos exclusivamente à aquisição de produtos alimentares.

Motivação.
A convicção do Tribunal baseou-se na apreciação crítica e global dos seguintes meios de prova:
a) Nas declarações do arguido A, o qual admitiu expressamente os factos levados à acusação, o que foi considerado relevante em face dos detalhes e pormenores que indicou, da circunstância de ter sido detido pela forças policiais alguns breves minutos após a ocorrência do crime ainda com os sinais e objectos subtraídos, além da concordância com a demais prova produzida; também relevou em sede de apreciação da sua situação sócio-familiar e quanto aos motivos para a prática dos factos;
b) No depoimento da testemunha C que reconheceu o arguido como sendo a pessoa que entrou na loja onde trabalha, lhe apontou uma arma e exigiu a entrega do dinheiro e do ouro aí existente, pondo-se depois em fuga, que foi convincente porque presenciou os factos directamente, os relatou pormenorizadamente e de forma coerente e isenta; e,
c) No auto de notícia por detenção de fls. 11 (apenas quanto à notícia da detenção do arguido), auto de apreensão de fls. 13, autos de exame de fls. 20 e 21, fotografias de fls. 22 a 24, termos de entrega de fls. 46, 91 e 92, C.R.C. de fls. 54 a 57 e 152 a 156, certidão de fls. 59 a 85 e no relatório social que antecede.

Breve apreciação crítica da prova.
O Tribunal valorou criticamente o conjunto da indicada prova, sendo de destacar os seguintes aspectos:
Quanto à verificação do crime, suas circunstâncias e autoria, o Tribunal considerou a confissão do arguido que foi relevante, dados os pormenores que apresentou e a sua concordância com os restantes elementos de prova.
Porém, a confissão do arguido não foi por si só decisiva quanto a estes aspectos, na medida em que eram numerosos os elementos de probatórios que militavam contra o mesmo, nomeadamente a prova pré-constituída, pois o arguido foi detido poucos minutos após a ocorrência da subtracção e foi encontrado na posse de vários objectos que inequivocamente o implicavam nos factos, como seja o dinheiro e objectos subtraídos ou a réplica do revólver utilizado na loja.
A indicada testemunha também confirmou o teor da acusação, pois presenciou os factos e não teve dúvidas em atestar a sua veracidade.
Todos estes elementos foram determinantes para a segura e conscienciosa convicção do Tribunal, de sorte que até se julgou desnecessário inquirir os agentes da P.S.P. arrolados na acusação e que, aliás, foram doutamente prescindidos pelo Digno Procurador da República.
Quanto à situação sócio-económica do arguido, o Tribunal teve em consideração o indicado relatório social e as suas declarações e quanto aos antecedentes criminais socorreu-se dos indicados C.R.C.’s e certidão.
Não se deram como provados quaisquer outros factos por falta de prova bastante, segura e credível, nomeadamente quanto à necessidade do arguido carecer absolutamente de adquirir apenas alimentos”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

a) Da impugnação da matéria de facto.

O arguido/recorrente, relativamente ao julgamento da matéria de facto, discorda da apreciação que foi feita pelo tribunal a quo, em dois segmentos:
1º - Discorda que não tenha sido dado como provado que destinasse os objectos e valores subtraídos exclusivamente à aquisição de produtos alimentares.
Alega o recorrente que, não tendo faltado à verdade em momento algum das suas declarações prestadas na audiência de discussão e julgamento, e tendo também em conta o depoimento da testemunha C, o tribunal recorrido devia ter dado como provado que o arguido/recorrente praticou os factos movido pelo desespero, e que ia destinar os objectos e valores subtraídos exclusivamente à aquisição de produtos alimentares.
2º - Discorda que não tenha sido dado como provado o facto de não ter havido qualquer agressão (ou intenção de agressão) por parte do arguido/recorrente (que fez uso de uma simples “réplica” de revólver).
Invoca o recorrente neste ponto, por um lado, que, nas suas declarações, em momento algum disse ter tido qualquer intenção de “fazer mal” à ofendida (algo que nunca lhe passou pela cabeça, rejeitando mesmo, de forma liminar, tal ideia), e, por outro lado, que, do depoimento da testemunha C, resulta que os actos do arguido/recorrente se traduziram num mero apontar da “réplica” de revólver que consigo trazia.
Ou seja, entende o recorrente que não resultou (minimamente) provado que tenha utilizado o revólver de fulminantes como meio de agressão, ou que tivesse a intenção de o utilizar com tal fim.
Aliás, entende o recorrente que deve aqui funcionar, a seu favor, o princípio in dubio pro reo.
Cabe apreciar e decidir.
Começando pelo último ponto suscitado, e com o devido respeito, carece de sentido, em absoluto, a alegação do ora recorrente.
Na verdade, o dolo (a intenção) do arguido não respeita a qualquer agressão à ofendida.
O que está em causa, e ficou provado (como tinha de o ser), é o dolo exigível para a prática do crime de roubo (crime este do qual o arguido estava acusado, e pelo qual foi condenado nos presentes autos).
E aqui, basta a existência (objectiva) de intimidação sobre a vítima, não sendo necessário verificar-se qualquer violência física sobre a mesma (ou, muito menos, intenção de o arguido cometer actos de violência física).
O que se exige é apenas, e no fundo, uma ameaça encaminhada a viciar a livre decisão da vontade da pessoa visada (da vítima do crime de roubo), ameaça (intimidação) essa que há-de ser, como o foi in casu, com a suficiente intensidade para dobrar a vontade da vítima.
Como emerge claramente do depoimento da testemunha C, o arguido exerceu acção violenta, intimidatória e constrangedora, sobre a mesma, exibindo-lhe o que parecia ser um revólver e dirigindo-lhe palavras que demonstravam tratar-se de um “assalto”.
O arguido, tendo em vista a obtenção indevida de determinados valores e objectos, realizou uma acção que se traduziu nos referidos actos de intimidação e de constrangimento psicológico da testemunha C, e na posterior subtracção de bens que pertenciam à ofendida.
É quanto basta.
O mais, agora alegado pelo recorrente, designadamente a intenção de o arguido agredir ou não a testemunha C, é absolutamente estranho ao crime em discussão nos presentes autos.
No tocante ao primeiro ponto suscitado, e sempre com o devido respeito pela opinião expressa na motivação do recurso, carece também de fundamento válido a alegação do recorrente.
Com efeito, resulta das mais elementares regras da experiência comum, e independentemente daquilo que o arguido declare em sua defesa, que ninguém vai “assaltar” uma ourivesaria para destinar os objectos e valores subtraídos exclusivamente à aquisição de produtos alimentares, movido pelo desespero da carência desses bens.
Assim, a versão do arguido, nesse particular aspecto, e sem mais, nunca poderia ter sido acolhida pelo tribunal a quo, como, e muito bem, o não foi.
Mais: nem sequer pode aqui funcionar, como pretende o recorrente, o princípio in dubio pro reo, pois que, face à natureza dos factos praticados, e perante as simples declarações prestadas pelo arguido, nenhuma dúvida razoável se suscita sobre os pontos agora em apreciação.
Por último, invoca ainda o recorrente (em alegação muito pouco precisa, misturando pontos de facto com questões de direito), que as dimensões e as características da réplica de revólver em causa nestes autos são distintas das de um revólver normal.
Ora, não só o arguido, em audiência de discussão e julgamento, confessou os factos (nunca tendo suscitado a questão das características e das dimensões da réplica de revólver), como também a réplica de revólver usada pelo arguido foi examinada (e fotografada) a fls. 20 e 23, tratando-se, inequivocamente, nos termos desse exame, de “reprodução de arma de fogo”, “réplica de um revólver”, “vulgarmente conhecida por pistola de fulminantes”, com o “cano desobstruído”.
Não assiste, pois, razão ao arguido/recorrente quando, em sede de recurso, pretende colocar dúvidas sobre “as dimensões e as características da réplica de revólver”.
Improcede, face ao exposto, toda esta vertente do recurso interposto pelo arguido, considerando-se definitivamente fixada a matéria de facto tal como o foi no acórdão sub judice.

b) Da qualificação jurídica dos factos.

Alega o recorrente que não pode funcionar, in casu, a agravante do crime de roubo relativa à utilização de arma, uma vez que está aqui em causa uma simples imitação de arma (uma arma não verdadeira).
Há que decidir.
O arguido mostra-se condenado em primeira instância pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, al. b), com referência à al. f) do nº 2 do artigo 204º, ambos do Código Penal.
Dispõe o citado artigo 210º, nºs 1 e 2, do Código Penal:
1. Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
2. A pena é a de prisão de 3 a 15 anos se:
a) (...);
b) Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos nºs 1 e 2 do artigo 204º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no nº 4 do mesmo artigo”.
Por sua vez, consagra o artigo 204º, nº 2, al. f), do mesmo Código Penal, como circunstância qualificativa do furto, o acto de o agente trazer, no momento do crime, “arma aparente ou oculta”.
A questão que é suscitada pelo recorrente a propósito do uso da arma em causa (um revólver de fulminantes com o cano desobstruído, o qual é uma réplica semelhante a uma verdadeira arma de fogo, do tipo revólver), e da agravação (ou não) da pena com base no uso de tal arma, não é nova, sendo, desde há muito tempo, debatida na jurisprudência portuguesa.
Para uma corrente jurisprudencial, arma, para os fins em análise (artigos 204º, nº 2, al. f), e 210º, nº 2, al. b), do Código Penal), é todo o objecto que tenha a virtualidade de provocar nos ofendidos um justo receio de virem a ser lesados, através da respectiva utilização, na sua vida ou integridade física, mesmo que, de facto, e sem que elas o saibam, não possa cumprir cabalmente tal função, designadamente por falta de partes componentes que sejam susceptíveis de provocar o disparo (cfr., neste sentido, entre outros, o Ac. do S.T.J. de 27-06-1996, in C.J. - A.S.T.J., 1996, Tomo 2, pág. 201).
Uma outra corrente jurisprudencial aponta, porém, em sentido diverso (cfr., entre outros, o Ac. do S.T.J. de 27-10-2010, in www.dgsi.pt), entendendo que uma pistola de fulminantes (uma réplica semelhante a uma verdadeira arma de fogo, do tipo revólver - e para nos atermos à “arma” usada pelo arguido na situação concreta destes autos) constitui instrumento apto a determinar aquele a quem é exibido a entregar coisa móvel, receando pela sua vida ou integridade física (e, por isso, é, ou pode ser, meio idóneo à prática do crime de roubo previsto no artigo 210º, nº 1, do Código Penal), mas já não serve para a agravação da pena (artigo 210º, nº 2, al. b), do mesmo diploma legal), pois esta agravação pressupõe um acréscimo de perigo para a vítima, decorrente do porte da arma (e esse acréscimo há-de ser efectivo, objectivo, real, e não apenas subjectivo, decorrente da mera impressão ou sensação do visado).
Por nós, acompanhamos aqueles que, no dizer do Prof. Faria Costa (in “Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial”, Coimbra Editora, 1999, Tomo II, pág. 81), “centram a característica essencial da noção de arma na capacidade de provocar nas pessoas ofendidas ou nos circunstantes medo ou justo receio de poderem vir a ser lesadas no corpo ou na vida através do seu emprego; (…) inclinamo-nos para uma tal posição sobretudo porque entendemos que a qualificação em causa resulta (…) de um acréscimo de fragilidade na defesa; fragilidade essa que pode ser desencadeada, justamente, pela percepção de um objecto que é tido, pelo comum e normal dos cidadãos, como um instrumento capaz de ferir ou de matar”.
Também o Prof. Taipa de Carvalho (mesma obra, a propósito do crime de extorsão, pág. 352), e lapidarmente, escreve que uma arma não verdadeira, desde que tal não seja manifesto, “tem o mesmo efeito de constrangimento que uma verdadeira”.
De igual modo, Paulo Pinto de Albuquerque (in “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 562, notas nºs 33 a 35 ao artigo 204º) defende que os adjectivos “aparente” e “oculta” constantes da alínea f) do nº 2 do artigo 204º do Código Penal mostram que “o fundamento da qualificação da ilicitude reside no impacto intimidativo (na “impressão”) causado pela arma na vítima; (…) portanto, se o agente do crime usar uma pistola de plástico como se fosse verdadeira ou usar uma pistola descarregada como se estivesse carregada, e a encenação parecer objectivamente credível, verifica-se um crime de furto qualificado, pois o efeito intimidatório da arma já se consumou; (…) a mesma conclusão vale para o uso de uma arma que não está em condições de disparar ou de uma seringa não infectada, sem que o ofendido saiba, ou deva saber, que a arma não está em condições de disparar ou a seringa não está infectada”.
Em suma: a expressão da alínea f) do nº 2 do artigo 204º do Código Penal (“trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta”), pressupõe a convicção pelo ofendido da idoneidade da arma para a produção da ameaça e da causalidade dessa ameaça na produção do resultado, ou seja, o conhecimento da existência da arma e da sua potencial utilização para desencadear o efeito pretendido pelo agente, quer o instrumento se encontre visível (e ainda que se manifeste, pura e simplesmente, como aparência de uma arma verdadeira), quer não se encontre à vista, por estar escondido (dissimulado, ou “oculto”), mas sempre perceptível pelo ofendido (e pela generalidade das pessoas colocadas na posição do ofendido) como existente e como idóneo a poder ferir e matar.
Para se verificar a agravante qualificativa da alínea f) do nº 2 do artigo 204º do Código Penal, basta, pois, que a arma tenha a virtualidade de o homem médio (ou comum) pensar que o agente da infracção está na posse de uma verdadeira arma, causando-lhe um justo receio de poder vir a ser atingido e lesado corporalmente.
Tal agravante qualificativa enraíza-se, a nosso ver, na maior intimidação da vítima, porque o temor resultante da ameaça exercida com a arma, verdadeira ou não, é tal que anula a capacidade de resistência da vítima.
Com o devido respeito por opinião diferente, mostra-se irrazoável (e até desproporcionado), do ponto de vista da protecção dos bens jurídicos em causa, distinguir-se entre arma verdadeira e não verdadeira, ou arma a funcionar e arma sem estar a funcionar. Aliás, em muitas situações concretas, é inacessível à vítima saber de tais circunstâncias, não obstante ter sido, em nexo causal com a exibição da arma, que a entrega da coisa teve lugar, relevando a impressão, analisada à luz de um normal destinatário, de perigo para a vítima (perigo este que também diz respeito à protecção dos referidos bens jurídicos).
Assim sendo, pratica um crime de roubo agravado (p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, al. b), do Código Penal, por referência ao artigo 204º, nº 2, al. f), do mesmo diploma legal) quem, utilizando uma arma, ainda que simulada, fictícia ou de simples alarme, provoque, pelo medo que causa à vítima, e pela consideração de que tal medo é o previsível (ou o normal) num Homem comum e de são entendimento (que teria idêntico receio ao tido pela vítima face à exibição dessa mesma arma), a apropriação ilícita de coisa móvel alheia.
Revertendo ao caso destes autos, ficou provado que o arguido “levava consigo um chapéu, óculos de sol, um par de luvas e um revólver de fulminantes com o cano desobstruído, o qual é uma réplica semelhante a uma verdadeira arma de fogo, do tipo revólver; acto contínuo, munido das luvas, retirou do interior de uma bolsa que trazia à cintura o referido revólver de fulminantes e apontou-o à C, ao mesmo tempo que disse para a mesma que estava a fazer um assalto, tendo-lhe dirigido também a seguinte expressão “isto não é a brincar” e que queria que esta lhe entregasse todo o dinheiro e ouro que se encontravam na loja; nesse momento, a ofendida C, que se encontrava grávida de 7 meses, ficou completamente tolhida pelo medo que lhe causou a acção do arguido, nomeadamente receosa que ele disparasse um projéctil, e acabou por entregar ao mesmo a quantia de € 175 (cento e setenta e cinco euros) em numerário, tendo-lhe também entregue objectos em ouro (…); o arguido, como meio para a plena concretização do seu intento apropriativo, usou da ameaça do uso de um objecto com a aparência de um revólver de fogo, o que fez como forma de levar a ofendida a entregar-lhe os referidos valores e também de modo a obstar a qualquer resistência da parte da mesma, a qual não a esboçou sequer, uma vez que ficou tolhida pelo medo que dela se apoderou; o arguido, na sua acção, usou um objecto com a aparência de ser um revólver de fogo, não tendo ele qualquer autorização legal para o efeito e sabendo que a lei lhe proibia a sua detenção e uso; o arguido actuou de modo livre e voluntário e sabendo que a lei não lhe permitia tais condutas”.
Perante estes factos, e conforme acima exposto, resta-nos concluir, tal como se concluiu no acórdão revidendo, que o arguido praticou um crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, al. b), do Código Penal, por referência ao artigo 204º, nº 2, al. f), do mesmo diploma legal.
O recurso é, assim, e neste segmento, improcedente.

c) Da determinação da medida concreta da pena.

Entende o recorrente que, dado o arrependimento por si demonstrado, ponderando a sua confissão dos factos, olhando ao motivo gerador da prática dos mesmos, e atendendo ao grau de ilicitude e ao grau de culpa, é justa e equitativa a aplicação de uma pena de prisão inferior à de cinco anos e seis meses (pena esta em que foi condenado no acórdão revidendo).
Há que decidir.
Em primeiro lugar, e contrariando a pretensão do recorrente, configura-se nos autos a prática de um crime de roubo agravado, e não a prática de um crime de roubo simples.
Em segundo lugar, o arguido/recorrente foi condenado como reincidente (não tendo, aliás, posto em crise, no presente recurso, tal aspecto).
A lei sanciona o crime de roubo agravado com pena de prisão de 3 a 15 anos (artigo 210º, nº 2, do Código Penal).
Por ocorrer uma situação de reincidência, o limite mínimo dessa moldura penal é elevado de um terço, ou seja, passa a ser de 4 anos (cfr. o disposto no artigo 76º, nº 1, do Código Penal).
Dentro desta moldura penal abstracta (pena de prisão de 4 a 15 anos), e ponderando todo o acervo factológico provado, o tribunal a quo aplicou ao arguido a pena de 5 anos e 6 meses de prisão.
Culpa e prevenção são as referências norteadoras da determinação da medida da pena - artigo 71º, nº 1, do Código Penal -, pena que visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade - artigo 40º, nº 1, do mesmo diploma legal.
A este propósito, e como bem escreve o Prof. Figueiredo Dias (in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, 2º a 4º, Abril-Dezembro de 1993, págs. 186 e 187), o modelo de determinação da medida da pena consagrado no Código Penal vigente “comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente”.
A medida da pena há-de, primordialmente, ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida, que fornece uma “moldura de prevenção”, isto é, que fornece um quantum de pena que varia entre um ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.
A culpa - juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito, conforme se expendeu no Ac. do S.T.J. de 10-04-1996 (in C.J. - A.S.T.J., Ano IV, Tomo II, pág. 168) - constitui o limite inultrapassável da medida da pena, funcionando assim como limite também das considerações preventivas (limite máximo), ligada ao principio de respeito pela dignidade da pessoa do agente.
Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável -, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.
No dizer da Prof.ª Fernanda Palma (in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, ed. 1998, AAFDL, pág. 25), “a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção gera positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial”.
Em jeito de síntese, e como bem refere o Prof. Figueiredo Dias (in ”Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, ed. 1993, pág. 214), “culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena)”.
No caso dos autos, a prevenção geral, no sentido de prevenção positiva (ou seja, no dizer do Prof. Figueiredo Dias - ob. agora citada, pág. 72 -, o “reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida”), faz-se sentir de forma premente e clara. Com efeito, o aumento crescente deste tipo de criminalidade (roubo) tem sido fonte de grande alarme social, sendo que, quando praticado com recurso a armas, como o é cada vez mais, mais ainda se sente tal alarme social, e, por isso, maiores são as necessidades de prevenção geral em análise.
Também ao nível da prevenção especial, entendida como dissuasão do próprio delinquente, as necessidades reveladas, face aos factos praticados, ponderando as concretas circunstâncias da vida do arguido, e olhando aos seus antecedentes criminais, são elevadas.
Na verdade, e além do mais, o arguido foi já condenado (em 2006) pela prática de crime de roubo (e de crime de homicídio simples, na forma tentada), em pena de prisão efectiva, além de ter também sofrido outras condenações, muito embora por crimes de diferente natureza (crimes de burla e crime de condução sem habilitação legal).
Perante as exigências de prevenção, quer geral quer especial, face aos elevados graus de ilicitude e de culpa revelados na conduta do arguido, e perante os antecedentes criminais deste, a confissão e o arrependimento do arguido (dados como provados) seguramente não têm, nem podem ter, o relevo que lhes é conferido na motivação do recurso.
A salvaguarda dos bens jurídicos, atingidos in casu de forma grave, e apesar de o arguido ter assumido a prática dos factos, requer da parte do julgador uma efectiva, adequada e enérgica sanção penal, capaz de permitir alcançar as finalidades da punição.
No acórdão recorrido ponderou-se, e bem, para a determinação da medida concreta da pena, e resumidamente, o seguinte:
a) o grau de ilicitude do crime (elevado);
b) a gravidade das consequências do crime (nomeadamente o valor da subtracção, se bem que tenha havido recuperação, mas por razões alheias à vontade do arguido);
c) o dolo directo;
d) as condições pessoais do arguido (pessoa com notórias dificuldades ou desinteresse na inserção profissional e social); e,
e) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, particularmente em face da existência e persistência de várias condenações criminais e do anterior cumprimento de pena de prisão efectiva”.
Usando estes elementos chave, a decisão sub judice decidiu aplicar ao arguido, de forma criteriosa, justa e acertada, uma pena de 5 anos e 6 meses de prisão.
O quantum exacto de tal pena não é, assim, excessivo, não ultrapassa a medida da culpa, e não desconsidera qualquer circunstância atenuativa.
Uma pena inferior à aplicada, à luz da necessária tutela dos bens jurídicos violados e da estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, perante o sentimento de reprovação social do crime e o sentimento jurídico da comunidade, seria totalmente insuficiente.
Em suma, nada há a alterar à pena de 5 anos e 6 meses de prisão fixada no acórdão revidendo, improcedendo, neste ponto, a pretensão do recorrente.


d) Da aplicação de pena de prisão suspensa na sua execução.

Requer o arguido/recorrente a suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
Nos termos do disposto no artigo 50º, nº 1, do Código Penal, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Isto é, no caso dos autos, a pena aplicada ao recorrente não admite a ponderação da sua suspensão.
Com efeito, o recorrente foi condenado na pena de 5 anos e 6 meses de prisão (excedendo, por isso, o limite máximo de 5 anos imposto pelo transcrito artigo 50º, nº 1, do Código Penal).
Por conseguinte, a pena de prisão aplicada ao arguido/recorrente tem de ser de execução efectiva.
Esta parte do recurso, relativa à suspensão da execução da pena de prisão, é, assim, também de improceder.
Posto tudo o que precede, improcede, na sua totalidade, o recurso interposto no âmbito dos presentes autos.

III - DECISÃO

Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso do arguido, mantendo-se, consequentemente, o douto acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs.
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Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 05 de Junho de 2012.

João Manuel Monteiro Amaro
Maria de Fátima Mata-Mouros