Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | VÍTOR SEQUINHO DOS SANTOS | ||
Descritores: | LEGITIMIDADE ACTIVA ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA PRESSUPOSTOS FACTOS NOVOS | ||
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Data do Acordão: | 06/05/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Se o recorrente não identifica os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre cada um dos pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, as transcritas observações do recorrente são inócuas para a decisão do recurso. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 2094/22.9T8PTM.E1
Autores/recorridos: (…); (…). Réus: (…); (…) – Organização de Eventos, Lda.; (…), S.A.. Recorrente: (…). Pedido: Condenação dos réus, solidariamente, a pagarem, aos autores, a quantia de € 433.313,05, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, por responsabilidade civil ou, subsidiariamente, por enriquecimento sem causa. Sentença recorrida: Julgou a acção parcialmente procedente, condenando os réus, solidariamente, a restituírem, aos autores, a quantia de € 420.626,44, sendo que, quanto à ré (…), essa quantia é reduzida a € 337.008,22, quantias essas acrescidas de juros legais desde o dia seguinte ao da prolação da sentença até integral pagamento. Conclusões do recurso: 1 – Os autores são “alegados herdeiros de (…)”, não havendo habilitação e/ou prova que são os herdeiros e/ou os únicos herdeiros. 2 – Há que concluir pela ilegitimidade dos autores, por se tratar de litisconsórcio necessário de todos os herdeiros – artigo 33.º do CPC. 3 – A matéria foi referida como “questão principal a decidir”, mas não foi resolvida na sentença. Matéria de Facto: 4 – O processo n.º 49/12.0TAMCQ foi arquivado, primeiro na 1.ª Instância e depois no Tribunal da Relação. 5 – E as declarações que (…) prestou não tiveram contraditório em sede de inquérito e foram contestadas pelo ora recorrente. 6 – A chamada à colação da acção n.º 210/18.0T8PTM não tem sentido porque foi julgada deserta e contraditada na contestação. 7 – Deve ser posto em causa o valor probatório quer da declaração prestada em fase de inquérito, que foi arquivado; e também em causa o valor probatório do peticionado em demanda civil. 8 – Diga-se que a instrução do processo com nada mais pode contar, pois os autores não apresentaram mais prova em audiência. 9 – De uma visão apresentada pelos autores no inquérito, no anterior acção cível e no actual processo a sentença firmou factos desconhecidos, contestados e com prova testemunhal contrária. 10 – E a sentença não atenta a toda a instrução processual e prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento. 11 – Sobretudo o testemunho de (…) pelo facto de ter presenciado o bom e íntimo relacionamento entre (…) e (…); o (…) não querer regressar à Suécia; que se sentia confortável na Estalagem; e que quis que nada faltasse para assegurar a continuação deste estabelecimento. 12 – Também o testemunho de (…) é pertinente porque revela uma opinião médica sobre o facto de (…) “falava de forma coerente pelo que lhe parecer estar bem”; e “(…) gostava de estar em Portugal e queria ficar aqui”. 13 – Ainda a testemunha (…), sobre a matéria a que foi questionada. 14 – Não pode dar-se como provada a matéria constante de 16 e 17, aliás em contradição com 19 da mesma matéria. 15 – E dever ser corrigida a matéria de facto com a evidência que (…) se sentia bem em Monchique, queria viver em Portugal e não queria voltar para a Suécia. 16 – Fez a transferência para o (…) para que este assegurasse o “Lar” e lhe proporcionasse bem-estar que desejava. 17 – O aresto em recurso não teve em conta e atenção o facto de o réu (…) ter cumprido integralmente a sua parte como beneficiário da liberalidade, veja-se a matéria dada como provada em 17, 20, 21 e 25. 18 – A entrega do dinheiro que o (…) fez ao (…) tratou-se de uma liberalidade daquele, uma doação ao (…). 19 – E esta liberalidade teve os seus efeitos em Janeiro de 2012, conforme se pode observar na prova produzida. Matéria de Direito: 20 – Os autores basearam o seu pedido no instituto de direito da responsabilidade civil, em primeiro lugar. 21 – Tal matéria é regida pelos pressupostos clássicos da responsabilidade civil que estão consagrados no artigo 483.º do Código Civil – a verificação do facto, a ilicitude, a culpa, nexo de causalidade e dano. 22 – Não se identifica conduta que possa consubstanciar uma actuação menos própria da parte do ora recorrente. 23 – A avaliação da ilicitude in casu assentaria na verificação de uma conduta ilícita e culposa por parte do réu (…) e da verificação cumulativa dos requisitos clássicos da responsabilidade civil, o que de maneira nenhuma é o caso. 24 – A causa justificativa para (…) ao transferir para o (…) a quantia em causa é uma liberalidade. 25 – (…) sentiu-se em sua casa, bem instalado, com toda a confiança em (…). 26 – E na confiança, reconhecimento e amizade que depositou em (…) quis fazer doação como contrapartida do que desejava para estar bem. 27 – Não houve enriquecimento sem causa, mas uma doação ao (…), com efeitos a partir de Janeiro de 2012. 28 – A transferência para o (…) é em Janeiro de 2012 e a petição para devolução da quantia entregue ao (…) é de 2018 – acção n.º 210/18.0T8PTM. 29 – O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento desse direito – artigo 482.º do Código Civil. 30 – Ao motivar a decisão no enriquecimento sem causa como fonte de obrigação a sentença não observou a prescrição a que alude a Lei Civil. A sentença fez uma incorrecta interpretação da prova, nomeadamente a testemunhal constante dos autos e errado enquadramento legal. Designadamente: - Não observou os artigos 33.º, 577.º, alínea e) e 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do CPC; - Não se pronunciou sobre a qualidade e legitimidade dos autores. Ainda: - Não atendeu aos artigos 349.º e 351.º (presunções), 482.º (prescrição do direito de indemnização) e 483.º (responsabilidade civil), tudo do Código Civil. Termos em que deve ser corrigida a matéria dada como provada e o devido enquadramento jurídico da factualidade ao Código Civil e ao direito processual, CPC. Questões a decidir: 1 – Legitimidade dos recorridos; 2 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto; 3 – Verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa; 4 – Admissibilidade da invocação da prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa. Factos julgados provados pelo tribunal a quo: Do processo n.º 49/12.0TAMCQ: 1. Em 9/11/2012, foi participada contra o 1º R. e a 2ª R. a prática de crime de burla qualificada na pessoa de (…), dando azo aos autos n.º 49/12.0TAMCQ, que correram termos pela 2.ª Secção do DIAP de Portimão – cfr. doc. 7 (artigos 42º e 43º da petição inicial). 2. O 1º R. foi constituído arguido em 9/01/2013 e nada quis declarar, posição que manteve ao longo do processo – cfr. doc. 8 (artigos 47º e 87º da petição inicial). 3. (...) e o 2ª A. prestaram declarações em 31/10/2013, em termos similares aos acima relatados – cfr. docs. 9 e 10. (…) foi inquirido como testemunha no dia 31 de outubro de 2013, tendo dito que esteve alojado na estalagem entre novembro de 2011 e fevereiro de 2012 (por indicação da sua ex-mulher) e que tinha a intenção de trocar a sua residência habitual de França para Portugal, que, depois de saber que tinha vendido a sua propriedade em França, (…) lhe comunicou que, devido a dificuldades financeiras, estava em causa a manutenção da estalagem e lhe propôs uma parte da estalagem, o que aceitou, e que foi nesse contexto que fez a transferência, sem qualquer documento escrito que a suportasse – doc. 9, fls. 103 (artigo 48º da petição inicial). 4. Este processo veio a ser arquivado pelo Ministério Público e, na sequência da abertura de instrução, veio a ser proferida decisão instrutória de não pronúncia, confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora no dia 13 de setembro de 2016 – docs. 25 e ss., fls. 148 e ss. (artigos 83º, 84º, 86º da petição inicial). Da ação 2101/18.0T8PTM: 5. Esteve também pendente a ação n.º 2101/18.0T8PTM - Tribunal da Comarca de Faro (Portimão-Juízo Central Cível-J2), então proposta por (…), doravante designado (…), contra os aqui também réus (artigo 1º da petição inicial). 6. Nessa ação, o autor (…) alegou que o réu (…) argumentara quanto à Estalagem (…), em Monchique, que estava em risco de a perder, fruto de dívidas a terceiros, mas também que, se fosse investido dinheiro suficiente, ela podia ser salva e rentável e que disse-lhe que, em virtude de o risco de perda da Estalagem ser iminente, era imperioso o A. disponibilizar prementemente o dinheiro E que só depois teriam tempo de documentar o negócio, mas tendo-lhe assegurado que num máximo de 6 meses estariam prontas as formalidades necessárias para o efeito e poderiam celebrá-lo por escrito. Em contrapartida da futura aquisição, pelo A., de uma participação social na Estalagem, a realizar em 6 meses por, segundo o 1º R., ser o tempo necessário à preparação das formalidades da transmissão. Para tanto, em 31/01/2012, o 1º R. foi com o A. à agência da CGD de Monchique e fê-lo assinar uma ordem de transferência de € 399.998,15, de uma conta titulada pelo A., para uma conta decidida pelo 1º R. e titulada pela 2ª R. – cfr. doc. 2, que se junta e dá por reproduzido para efeitos legais. 7. Concluiu pedindo que viessem os RR., assim, solidariamente condenadas no pagamento ao A. do valor de € 399.998,15, acrescido de juros de mora contados à taxa legal, desde a citação. 8. Por despacho de 12 de setembro de 2019, foi fixado o seguinte objeto do processo: natureza jurídica das relações das partes e se nesse âmbito assiste ao A. direito às quantias peticionadas (a título principal ou subsidiário) e juros e se impende sobre os RR a respectiva obrigação. 9. No dia 26 de outubro de 2021, foi declarada extinta a instância, como segue: Deserção da instância Considerando que: - O autor (…) faleceu sem que os autos tivessem sido impulsionados; - Decorreram mais de seis meses desde o último despacho em que se determinava a suspensão da instância com aquele fundamento, apresentando-se logo a solução – a necessidade de habilitação dos sucessores do falecido – fls. 549; - O artigo 281.º do Código de Processo Civil reage com a deserção da instância à inércia; Por deserção, julgo extinta a instância – artigo 277.º, alínea c), do mesmo Código. Custas a cargo do autor (a suportar pela respetiva herança). Valor: o indicado. D.N. De (…) 10. (…), de nacionalidade sueca, faleceu na Suécia em 29/07/2020, na pendência da ação n.º 2101/18.0T8PTM, no estado de divorciado e como residente na Suécia – fls. 371 verso (artigo 3º da petição inicial). 11. Deixou os seus filhos (…) e (…), co-herdeiros – fls. 371 verso (artigo 4º da petição inicial). 12. (…) nasceu na Suécia em 1927, fora médico, e estava aposentado (artigo 6º da petição inicial). 13. Quando se aposentou foi para França e no outono de 2011 vendeu a casa que ali tinha e veio viver para a zona de Monchique (artigo 7º da petição inicial). 14. Entre 1996 e 2010 fora casado com (…), natural do Brasil, de quem se divorciara recentemente (artigo 8º da petição inicial). 15. Ela conhecia o 1.º R. e recomendou a estalagem deste a (…), a Estalagem (…), em (…), 8550-257 Monchique, doravante designada Estalagem (artigos 9.º e 10.º da petição inicial). 16. Quando (…) chegou tinha 84 anos e estava sozinho, num país diferente e cujo idioma não dominava (artigos 11º e 12º da petição inicial). 17. (…) hospedou-se na Estalagem entre novembro de 2011 e 10/02/2012 (artigo 17º da petição inicial). 18. Pouco tempo depois de chegar ao Algarve conheceu o 1º R., que se apresentou como sendo dono da Estalagem (artigo 18º da petição inicial). 19. Embora natural do Uruguai, o 1º R. tinha nacionalidade sueca e dominava esse idioma – doc. 5 (artigo 19º da petição inicial). 20. A comunhão de nacionalidade e idioma aproximou-os (artigo 20º da petição inicial). 21. E esse efeito foi ainda mais potenciado pela sua convivência na Estalagem, estabelecendo com o 1º R., na sua perspectiva, uma relação de amizade (artigos 21º e 22º da petição inicial). 22. O réu comunicou a (…) que estava em risco de perder a estalagem, fruto de dívidas a terceiros (artigo 25º da petição inicial). 23. Disse-lhe que, em virtude de o risco de perda da Estalagem ser iminente, era imperioso (…) disponibilizar o dinheiro (artigos 26º e 28º da petição inicial). 24. O réu sabia que (…) tinha disponível o dinheiro fruto da venda da sua casa em França e queria trazê-lo para Portugal por cá ter passado a viver (artigo 31º da petição inicial). 25. O 1º R. era quem (…) tinha em Portugal (artigo 32º da petição inicial). 26. No dia 31/01/2012, o 1º R. foi com (…) à agência da CGD de Monchique que assinou uma ordem de transferência de € 399.998,15, de uma conta por si titulada, para uma conta decidida pelo 1º R., a conta titulada pela 2ª R., “…”, também da “CGD”, quantia que foi assim creditada nessa conta – cfr. docs. 6 e 16 (artigos 36º e 57º a 59º da petição inicial). 27. (…) veio ter com o pai a Portugal para se inteirar do sucedido e com a intenção de voltarem juntos para a Suécia (artigo 38º da petição inicial). 28. O 1º R. nada – dinheiro, participação social ou o que quer que fosse mais – transmitiu ou restituiu a … (artigo 39º da petição inicial). 29. Em contactos com o 2º A., já o 1º R. lhe tinha dito que nada transmitiria e que o dinheiro era seu (artigo 40º da petição inicial), passando a evitar as tentativas de contacto de (…) e do 2º A. (artigo 41º da petição inicial). Das sociedades: 30. A 2ª R. esteve sempre sediada na Estalagem. A gerência foi sempre e exclusivamente do 1º R. (ressalvado o período entre 11/04/2006 e 1/08/2008 (datas das renúncias), em que foi da sua então mulher, …); e o capital social desde a constituição (registada em 18/02/2005), até 19/04/2006, foi de € 5.000,00 e esteve repartido entre o 1º R. (com uma quota maioritária de € 3.000,00) e a referida (…); desde então foi de € 50.000,00, entre os mesmos em igual proporção; até 1/08/2013 quando, já divorciados e já com (…) residente na Suécia, ambos transmitiram as suas quotas à 3ª R. (artigos 50º e 66º da petição inicial). 31. Sobre a “…”: num panorama deficitário, houve um súbito salto de € 175.000,00 na rubrica investimentos financeiros de 2012 por via da transferência que teve início na conta de (…) e não foi gerado pela atividade da empresa, conforme a respetiva pág. 3 do doc. 13 (artigos 54º a 56º da petição inicial). Na mesma data da transferência dos € 399.998,15 a crédito da “…” são logo levantados € 10.000,00 e é feito um pagamento de € 7.707,00 – fls. 121 verso. No dia seguinte é debitado um cheque € 51.224,74 – fls. 122. No dia seguinte ao movimento supra são debitados 2 cheques, de € 9.700,00 e € 3.675,00, e transferidos € 300.000,00 para a “(…)”. No dia 30 de maio de 2012, a conta da “…” apresentava um saldo de € 920,51 (artigo 62º da petição inicial). 32. A 3ª R. também esteve sempre sediada na Estalagem, desde a constituição em 2006; o seu capital social foi sempre de € 50.000,00, em ações nominativas ou ao portador, cuja titularidade ou detenção (…) e os AA. nunca conheceram, mas são do 1º R., diretamente ou por interposta pessoa, porque a administração foi sempre e exclusivamente dele – doc. 12 (artigos 52º e 53º da petição inicial). Além dos € 300.000,00, foram realizadas outras transferências da “…” para a “(…)”, tudo decidido pelo réu: € 2.000,00 (1/2), € 2.000,00, € 2.000,00 (23/2), € 4.000,00 (6/3), € 1.500,00 (23/3), € 3.000,00 (26/3), € 500,00 (3/4), € 1.000,00 (5/4), € 2.000,00 (12/4), € 1.000,00 (30/4), € 600,00 (3/5), € 500,00 (15/5) e quantias de que foi o réu que beneficiou – fls. 122 verso, doc. 19 (artigos 61º, 63º, 64º, 65º, 68º e 69º da petição inicial e artigos 60º e 61º da contestação). Quando os € 300.000,00 entraram na conta da “(…)”, o saldo era de € 307,30 – doc. 23, fls. 143 (artigo 74º da petição inicial). E a partir desse crédito, recorda-se que a 2/02/2012. A 8 desse mês são transferidos € 10.000,00. A 26/04/2012 é debitado um cheque de € 19.337,25. E a 29/05/2012 é debitado outro, de € 175.000,00 a favor de “Turismo de Portugal, IP” – doc. 24, fls. 147 (artigo 75º da petição inicial). Esse pagamento teve relação com a atividade do réu de exploração da estalagem, para pagamento de um financiamento prestado por aquela entidade (artigo 80º da petição inicial). No final de maio de 2012, o saldo daquela conta era de € 25.605,80 – doc. 23, fls. 145 verso (artigos 77º a 79º da petição inicial). 33. Os RR. receberam o dinheiro proveniente da conta de (…) e beneficiaram dele (artigos 88º e 125º da petição inicial). 34. Nada foi restituído ou dado a (…) em contrapartida da transferência dos € 399.998,15, não havendo interesse nisso por parte de qualquer dos réus (artigos 99º, 112º e 117º da petição inicial). 35. À data dos factos (…) explorava a Estalagem (…), relativamente à qual haveria um financiamento junto do Turismo de Portugal, contraído pelo então proprietário (artigos 30º e 65º da contestação). 36. O primeiro réu estava inscrito como titular dos prédios inscritos na matriz sob o artigo (…), (…) e (…); A “(…)”, o prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo (…) e a “…” não tinha quaisquer bens imóveis inscritos a seu favor – cfr. doc. 21/22, fls. 139 e ss. (artigos 71º e 72º da petição inicial). Factos julgados não provados pelo tribunal a quo: - Que tenha havido acordo com o réu para (…) investir na Estalagem e adquirir alguma parte que só depois teriam tempo de documentar o negócio de investimento, tendo-lhe sido assegurado que num máximo de 6 meses estariam prontas as formalidades necessárias para o efeito e poderiam celebrá-lo por escrito; ou que em alternativa, tivessem acordado a restituição do montante no prazo de seis meses (artigos 24º, 27º, 33º a 35º e 94º da petição inicial). - Que o réu tenha passado a ser agressivo com (…) fazendo-o sentir-se ameaçado sobretudo quando ele o questionava sobre a transmissão ou a devolução (artigo 37º da petição inicial). - Que (…) tenha doado as quantias ao réu (artigo 64º, parte, da contestação). - Que (…) tivesse comunicado ao réu que pretendia investir em Portugal (artigo 23º da petição inicial). - Que o filho (…) tenha obrigado (…) a voltar consigo para a Suécia (artigo 68º da contestação). * 1 – Legitimidade dos recorridos: O recorrente afirma que os recorridos não passam de «alegados herdeiros de (…), não havendo habilitação e/ou prova que são os herdeiros e/ou os únicos herdeiros» deste. Ou seja, inexiste «qualquer documento habilitante» dos recorrentes, não se sabendo se estes são os únicos herdeiros de (…). Com esse fundamento, conclui o recorrente que os recorridos carecem de legitimidade processual, por preterição de litisconsórcio necessário. O recorrente não tem razão, uma vez que, tal como o tribunal a quo concluiu, os autos contêm documentos que certificam que os recorridos são os únicos herdeiros de (…). O documento junto com a petição inicial sob o n.º 1, emitido pela Autoridade Tributária Sueca, certifica que (…) faleceu em 29.07.2020, no estado de divorciado, e que os seus filhos e herdeiros são os recorridos, (…) e (…). O documento junto com o requerimento apresentado em 07.10.2024 contém a informação, prestada por um notário público da Suécia, segundo a qual: «1. Na Suécia, é a Autoridade Tributária Sueca (Swedish Tax Agency) a responsável pelo registo da população, o que significa que é esta entidade que emite documentos governamentais relativos ao nascimento e falecimento dos cidadãos suecos. 2. A Autoridade Tributária Sueca é igualmente responsável pelo registo de inventário de heranças sueco (bouppteckning). 3. A Autoridade Tributária Sueca pode também emitir Certificados Sucessórios Europeus, bem como cópias autenticadas de Certificados Sucessórios Europeus, sendo que estas últimas são válidas por seis meses.» O mesmo documento certifica que: «1. (…), com número de identificação sueco (…), faleceu a 29-07-2020, sendo (…), n.º (…) e (…), n.º (…), seus dois filhos. (…) 2. (…), n.º (…), e (…), n.º (…), são considerados herdeiros de (…), com número de identificação sueco (…). (…)» Perante isto, carece de fundamento a insistência do recorrente, em sede de recurso, de que inexiste prova de que os recorridos são os únicos herdeiros de (…). Como demonstrámos, este facto encontra-se documentalmente certificado nos autos. Sendo assim, o ponto 11 do enunciado dos factos provados (EFP) deverá manter-se e a sentença recorrida deverá ser confirmada na parte em que decidiu que os recorridos têm legitimidade processual. 2 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto: Nesta secção do corpo das suas alegações, o recorrente não cumpre os ónus que o artigo 640.º do CPC põe a cargo de quem pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto. Passamos a justificar esta afirmação. O n.º 1 do artigo 640.º do CPC estabelece que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. A alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo estabelece que, no caso previsto na alínea b) do n.º 1, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. Analisemos o corpo das alegações à luz destas exigências legais. O recorrente começa por criticar, de forma genérica, a forma como o tribunal a quo apreciou a prova. Neste registo, afirma o recorrente que: «Deve ser posto em causa o valor probatório das declarações prestadas em Inquérito, que foi arquivado; E rejeitar pois as declarações de (…) – a matéria constante do Inquérito n.º 49/12.0TAMCQ. Outro tanto se pode dizer da acção n.º 210/18.0T8PTM, julgada deserta por decisão judicial e contraditada na contestação. E também em causa o valor probatório do peticionado em demanda civil, tanto mais que não foi patente se e de que modo foi o peticionado contraditado na acção, que foi julgada deserta. (…) o Tribunal a quo fez um mau uso do instituto das presunções legais – artigos 349.º e seguintes do Código Civil. De uma visão apresentada pelos autores no Inquérito, no anterior acção cível e no actual processo a sentença firmou factos desconhecidos, contestados e com prova testemunhal contrária, conferir artigos 349.º e 351.º do Código Civil. Designadamente, a sentença usa a contrario a presunção de que a entrega de determinada quantia não foi uma liberalidade de quem a quis e podia legítima e legalmente fazer. O aresto em recurso não teve em conta e atenção ao facto de o Réu (…) cumpriu integralmente a sua parte como beneficiário da liberalidade que recebera, veja-se a matéria dada como provada em 17, 20, 21 e 25. Então deve ser corrigida a matéria de facto com a evidência que (…) se sentia bem em Monchique, queria viver em Portugal e não queria voltar para a Suécia e que fez a transferência, para o (…), como contrapartida para que este assegurasse o “Lar” e lhe proporcionasse bem-estar que desejava para o resto da sua vida. E também não foi tomada a devida atenção às quantias levantadas, entregues e gastas pelo (…) como quis e lhe aprazeu durante a sua estadia em Monchique e na sua deslocação a França; Nomeadamente o levantamento ao balcão da CGD em 31.01.2012 de € 10.000,00 entregue ao (…), confira-se fls 76, in fine, do doc. 16 e 17 da pi. Na sentença está referido o assunto de forma errada porque não se tratou de levantamentos do (…) da sua conta; Foram levantamentos do Réu (…) da sua conta (da conta e por conta da transferência inicial do …) entregues a (…) a seu pedido e por si gastos: (…)» Nada disto cumpre os ónus estabelecidos no artigo 640.º do CPC, pois: - O recorrente nunca identifica os concretos pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados pelo tribunal a quo; note-se, a este propósito, que os pontos 17, 20, 21 e 25 do EFP são referenciados, não como objecto de um pedido de alteração, mas sim como fundamento de uma das genéricas observações que transcrevemos; - O recorrente não concretiza as alterações que pretende ver introduzidas no EFP ou no enunciado dos factos não provados (EFNP); isto é, não especifica, como o artigo 640.º do CPC impõe, que, no ponto X do EFP, em vez de constar A, deve passar a constar B, ou que o ponto X do EFP deve transitar para o EFNP, ou que o ponto Y do EFNP deve transitar para o EFP, ou que deve aditar-se um novo ponto ao EFP; - O recorrente não identifica os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre cada um dos pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. Consequentemente, as transcritas observações do recorrente são inócuas para a decisão do recurso. No seguimento das referidas observações, o recorrente passou a cumprir alguns dos ónus estabelecidos no artigo 640.º do CPC. Porém, nunca conseguiu cumpri-los em simultâneo. Com vista a fundamentarmos esta afirmação, analisemos os segmentos posteriores das alegações. «E também, a sentença não atenta a toda a instrução processual e prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento. Nomeadamente, A testemunha (…), que depôs com conhecimento de causa, (…) GRAVAÇÃO DE 16.09.2024 (entre as 10.40H e 12.12H, com a duração de 1h57m12s) Ver 1h.15m 1h.19m 1h.20 -1h.23m 1h.24 ½m 1h.25m da gravação É bem patente este testemunho que figura no texto da sentença e que como será expectável deve ser tomado na devida conta. Sobretudo o facto de ter presenciado o bom e íntimo relacionamento entre (…) e (…) ; o (…) não querer regressar à Suécia; que se sentia confortável na estalagem; e que quis que nada faltasse para assegurar a continuação deste estabelecimento. Todo este testemunho contrariando 16. e 17. da matéria dada provada: quanto ao idioma de comunicação entre … e … (ambos falavam em sueco), aliás em contradição com 19 da mesma matéria; e quanto à duração da estadia, foi olvidado na sentença, E este testemunho corroborou as declarações de parte prestada pelo (…) e a sua versão dos factos.» Neste segmento das suas alegações, o recorrente cumpriu o ónus estabelecido na alínea b) do n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC. Também identificou os pontos do EFP que pretende ver alterados, assim cumprindo o ónus estabelecido na alínea a) do n.º 1. Porém, não cumpriu o ónus estabelecido na alínea c) do n.º 1, porquanto não especificou a decisão que, no seu entendimento, deveria ser proferida sobre os pontos 16 e 17 do EFP. Se, porventura, a pretensão do recorrente for a de que todo o conteúdo dos pontos 16 e 17 do EFP seja julgado não provado, diremos que carece manifestamente de razão, uma vez que os excertos do depoimento da testemunha (…) referidos nas alegações em nada contrariam os factos em questão. Estes factos são os seguintes: «16. Quando (…) chegou tinha 84 anos e estava sozinho, num país diferente e cujo idioma não dominava (artigos 11º e 12º da petição inicial). 17. (…) hospedou-se na Estalagem entre novembro de 2011 e 10/02/2012 (artigo 17.º da petição inicial).» A testemunha (…) não afirmou que o pai dos recorrentes tivesse mais ou menos de 84 anos, tivesse chegado a Portugal acompanhado ou dominasse a língua portuguesa. Também não pôs em causa que o pai dos recorrentes se tivesse hospedado na estalagem. Pelo contrário, corroborou todos os factos constantes dos pontos 16 e 17 do EFP. É, pois, incompreensível a pretensão do recorrente. Diga-se, por último, que não se verifica qualquer contradição entre, por um lado, os pontos 16 e 17 do EFP, e, por outro lado, o ponto 19 do EFP. O recorrente afirma que tal contradição existe, mas não cuida de justificar tal afirmação. Passemos ao segmento seguinte: «A testemunha (…), médico, (…) GRAVAÇÃO DE 16.09.2024 (entre as 10.40H e 12.12H, com a duração de 1h57m12s) Ver às 1h.28m 1h.31 1h.33m 1h.35m No mais, este testemunho é pertinente porque revela uma opinião médica sobre o (…) “falava de forma coerente pelo que lhe pareceu estar bem”; e “(…) gostava de estar em Portugal e queria ficar aqui”. Mais uma vez, o aresto posto em causa embora escrevesse sobre o depoimento dele não tirou as devidas ilações.» Neste segmento das suas alegações, o recorrente apenas cumpriu o ónus estabelecido na alínea b) do n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC. Ficaram por cumprir os dois restantes, uma vez que o recorrente, nem especificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem indicou a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre cada um desses pontos. O segmento seguinte das alegações do recorrente é o seguinte: «A testemunha (…), sobre a matéria a que foi questionada, (…) GRAVAÇÃO DE 16.09.2024 (entre as 10.40H e 12.12H, com a duração de 1h57m12s) Ver às 1h.38m 1h.40 1h.42m 1h.44m Ao contrário de toda a prova testemunhal produzida na audiência de discussão e julgamento, e até do que foi plasmado na sentença, a motivação nada desta matéria de facto teve em conta. Com efeito, a motivação para a decisão tomada parece tão só e apenas ter considerado o vertido no Inquérito arquivado e no depoimento de (…), em causa própria! Portanto, recorre-se desta matéria de facto dada como provada e que contraria a prova testemunhal produzida na audiência. E no sentido de poder ser corrigida a matéria de facto com a evidência que (…) se sentia bem em Monchique, queria viver em Portugal e não queria voltar para a Suécia e que fez a transferência para o (…) para que este assegurasse o “Lar” e lhe proporcionasse bem-estar que desejava. A entrega do dinheiro que o (…) fez ao (…) tratou-se de uma liberalidade daquele, uma doação ao (…). E esta liberalidade teve os seus efeitos em Janeiro de 2012.» Também aqui, o recorrente apenas cumpriu o ónus estabelecido na alínea b) do n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC. Ficaram por cumprir os dois restantes, uma vez que o recorrente, nem especificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem indicou a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre cada um desses pontos. Encerrando este ponto da fundamentação, concluímos que a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto deverá manter-se. 3 – Verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa: O tribunal a quo julgou não verificados os pressupostos da responsabilidade civil, concluindo que apenas ficou demonstrada «a transferência de centenas de milhares de euros, beneficiando os réus, sem que tenha existido uma causa para tanto». Em decorrência desta conclusão, o recorrente e as rés sociedades foram condenados a restituir, nos termos descritos no relatório deste acórdão, a quantia transferida pelo pai dos recorridos com fundamento em enriquecimento sem causa. Sendo assim, é inútil a discussão, que o recorrente pretende introduzir, acerca da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil. Não foi esse o fundamento da sua condenação. Nesse ponto, o próprio tribunal a quo deu razão ao recorrente, considerando que aqueles pressupostos não se verificavam. A única discussão útil é a de saber se se verificam os pressupostos do enriquecimento sem causa. A este propósito, o recorrente afirma o seguinte: «A causa justificativa para (…) ao transferir para o (…) a quantia em causa é uma liberalidade, de livre vontade, na prossecução do desejo que tinha de viver o resto da sua vida em Portugal e com a finalidade de assegurar que podia usufruir da estadia na Estalagem (…), em Monchique. Na verdade, o (…) sentiu-se em sua casa, bem instalado, com toda a confiança em (…), rodeado de pessoas que estimava e que o estimavam. E na confiança, reconhecimento e amizade que depositou em (…) fez a entrega do dinheiro e quis fazer doação como contrapartida do que desejava para estar bem, ser tratado e considerado na sua “nova vida”. Nunca o (…) quis ser empresário e ter parte na Estalagem (nem o … era o proprietário); ou pretendeu escriturar um empréstimo. Uma boa interpretação da matéria de facto produzida em audiência de discussão e julgamento levaria à conclusão que se tratou de uma liberalidade do (…) para com o (…). O (…) nunca contraiu uma obrigação jurídica para com o (…), nem este entregou o dinheiro como se de uma obrigação se tratasse. O que houve foi uma obrigação ético-moral, o (…) assegurar o seu bem-estar e a vivência que o (…) desejava.» Nada disto tem fundamento factual. Nada ficou provado que permita concluir que o pai dos recorridos tenha querido doar qualquer quantia ao recorrente. Mais, os factos provados inculcam precisamente o contrário. O pai dos recorridos hospedou-se na estalagem do recorrente em Novembro de 2011 e, menos de três meses depois, passou € 399.998,15 para as mãos deste. Apesar da amizade que entre eles se estabeleceu, não é crível, à luz das regras da experiência comum, que o pai dos recorridos tenha querido doar uma quantia tão elevada ao recorrente, mesmo nas circunstâncias que foram julgadas provadas. Daí que o tribunal a quo, acertadamente, tenha julgado não provada a existência da doação alegada pelo recorrente, como resulta o EFNP. Concluímos, assim, à semelhança do tribunal a quo, que se verificou um enriquecimento sem causa do recorrente e das rés sociedades, à custa do pai dos autores, com as consequências por aquele decretadas. 4 – Admissibilidade da invocação da prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa: O recorrente invoca a prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 482.º do Código Civil. Fá-lo, todavia, apenas agora, em sede de recurso. Não o fez perante o tribunal a quo. Daí que, respeitando o disposto no artigo 303.º do Código Civil, a sentença recorrida não tenha conhecido esta excepção peremptória. Coloca-se a questão da admissibilidade do conhecimento desta excepção apenas em sede de recurso. Resulta dos artigos 627.º, n.º 1, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 640.º do CPC que os recursos ordinários visam o reexame de questões que foram submetidas à apreciação do tribunal a quo e não o conhecimento de questões novas, ou seja, suscitadas pela primeira vez perante o tribunal ad quem. Apenas assim não será se se tratar de questões de conhecimento oficioso. O já mencionado artigo 303.º do CC exclui a possibilidade de conhecimento oficioso da prescrição. Sendo assim, é forçoso concluir que está vedado, ao tribunal ad quem, o conhecimento desta excepção. * Dispositivo: Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida. Custas a cargo do recorrente. Notifique. 05.06.2025 Vítor Sequinho dos Santos (relator) Eduarda Branquinho (1.ª adjunta) José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho (2.º adjunto) |