Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1047/17.3T8FAR-D.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FIXAÇÃO DA PENSÃO
Data do Acordão: 03/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O critério decisivo para definir o montante das prestações a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não é o da anterior fixação feita pelo tribunal e dirigida ao obrigado originário; pode haver igualdade no montante, tal como pode não haver; mas essa fixação não deixa de ser um elemento a ponderar.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1047/17.3T8FAR-D.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

Nos presentes autos de incidente de incumprimento do acordo de regulação das responsabilidades parentais, veio a tia materna (…), em representação do menor (…), promover que a prestação alimentar a que está obrigado o pai seja suportada pelo Estado, através do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.
Alega, para o efeito que, na sequência da decisão que julgou verificado o incumprimento da obrigação de alimentos por parte do progenitor, resultam reunidos os demais pressupostos para o acionamento do Fundo, uma vez que o requerido não apresenta bens ou rendimentos e o rendimento, per capita, do agregado familiar do menor é de € 316,18 o que faz com que o agregado familiar tenha um rendimento mensal inferior ao indexante de Apoios Sociais (doravante designado por IAS).
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Foi proferida sentença que fixou o montante a pagar pelo Fundo em € 75,00 mensais.
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Desta sentença recorre (…) pedindo que seja substituída por outra que determine que o pagamento da pensão de alimentos em substituição do progenitor do menor fique a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, no valor mensal de € 150,00.
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A matéria de facto é a seguinte:
1- Por decisão devidamente transitada em julgado, foi determinado que, a título de prestação de alimentos, o progenitor contribuiria com a quantia mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros).
2- O requerido não satisfez a prestação de alimentos e foi declarado o respetivo incumprimento.
3- O agregado familiar da requerente é composto pela própria, dois adultos, um menor e o jovem (…).
4- O agregado familiar recebe rendimentos, ilíquidos, provindos do trabalho, no montante mensal de € 1.000,00.
5- Ao requerido não se lhe conhecem rendimentos ou outros bens.
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A recorrente termina, na parte que interessa, as suas alegações nestes termos:
Por sentença datada de 23-11-2017 fixou-se a residência do menor em causa junto da tia materna, (…), ora recorrente, competindo a esta o exercício das responsabilidades parentais. Ficou ainda decidido que o progenitor do menor, a título de pensão de alimentos entregaria à tia materna a quantia mensal de € 150,00.
Por causa do incumprimento da obrigação de alimentos por parte do pai do menor, foi determinado que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegure o pagamento mensal da quantia de € 75,00 a título de prestação de alimentos.
O agregado familiar do menor (…) é atualmente composto pela sua tia e seu companheiro e pelas duas filhas desta, que têm idades compreendidas entre os 9 e os 21 anos.
Os únicos rendimentos do agregado familiar somam € 322,72.
O agregado familiar tem as despesas normais de qualquer agregado, entre elas a renda da casa, a alimentação, o vestuário, materiais escolares, produtos de higiene e limpeza, etc.
O valor de € 150,00 correspondente à pensão de alimentos devida pelo progenitor do menor não era muito, mas era suficiente para ajudar nas despesas do agregado.
Nos termos da lei, quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais, o Estado assegura as prestações previstas.
Tendo em conta que as prestações previstas eram de € 150,00, deve ser esse o valor assegurado pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
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O argumento usado para definir um valor a cargo do Fundo diferente daquele a que estava obrigado o pai do menor encontra-se a p. 4 da sentença:
O «montante fixado a título de pensão de alimentos no âmbito da sentença referenciada nos factos provados cifra-se em € 150,00 (sendo certo que o montante a fixar nos termos da presente decisão, porque se trata de prestação social, sendo nova e autónoma da assim fixada, não tem de coincidir com esta, a qual se assume, apenas, como um critério orientador)».
A recorrente discorda porque o Estado assegura as prestações previstas, isto é, assegura as prestações que foram fixadas ao devedor originário.
Concordamos com o argumento. Na verdade, o artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 75/98 (alterado pelo artigo 6.º da Lei n.º 24/2017 e pelo artigo 183.º da Lei n.º 66-B/2012) estabelece que quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor não satisfizer as quantias em dívida, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei.
Por seu turno, o artigo 2.º da mesma Lei (também alterado pela Lei n.º 66-B/2012), define a fixação e o montante das prestações nestes termos:
"1 - As prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, independentemente do número de filhos menores.
2 - Para a determinação do montante referido no número anterior, o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor".
Daqui resulta, sem dúvida, que o critério decisivo para definir o montante das prestações a cargo do Fundo não é o da anterior fixação feita pelo tribunal e dirigida ao obrigado originário. Pode haver igualdade no montante tal como pode não haver. Mas, note-se, não deixa de ser um elemento a ponderar.
Como se escreve no ac. da Relação do Porto, de 15 de Outubro de 2013, a «prestação a fixar tem natureza eminentemente social / assistencial, como refere o preâmbulo do D-L n.º 164/99, de 11/5. Visa atenuar ou prevenir situações de pobreza.
«Assim, uma coisa são as prestações alimentícias familiares, a cargo do devedor originário, e cuja fixação obedece aos critérios legais, designadamente do artigo 2004º do Cód. Civil, outra coisa são as prestações assistenciais de natureza pública, cujos critérios de fixação seguem um processado diverso dos anteriormente fixados, obrigatoriamente fundado (não apodicticamente retirado do montante fixado ao devedor originário de alimentos) e com itens próprios avaliativos.
«O montante da prestação de alimentos antes fixada é, para a prestação a cargo do Fundo, uma realidade entre outras, na avaliação da prestação a cargo da entidade pública de assistência».
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Não podemos esquecer que a lei manda o tribunal atender "à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor».
E isto foi feito na primeira fixação da pensão a cargo do pai do menor. Foi isto também considerado na sentença recorrida?
Cremos que não.
Ao indicar diversos elementos de ponderação (a capacidade económica do agregado familiar, o montante da prestação de alimentos fixada e as necessidades específicas do menor), a lei só quer ordenar, precisamente, que tais elementos sejam tidos em conta. O único limite estrito que a lei fixa, tal com está previsto no citado artigo 2.º, n.º 2, é o do valor de uma IAS (€ 438,81).
Não há notícia de ter havido alguma alteração positiva do rendimento da família com que o menor reside; também não há indicação de que as necessidades do menor tenha sofrido alguma alteração positiva.
Perante isto, resta o critério (que não é absoluto, repete-se) do montante da pensão antes fixada.
Assim, só resta condenar o Fundo em tal valor.
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Pelo exposto, julga-se procedente o recurso e condena-se o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social a pagar a pensão de € 150,00 ao menor (…).
Sem custas.
Évora, 11 de Março de 2021
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos