Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
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| Relator: | ANTÓNIO MARQUES DA SILVA | ||
| Descritores: | RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA FUNDAMENTOS CUSTAS PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE CRIANÇAS | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO - RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO RECLAMADA | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
| Sumário: | Sumário (da responsabilidade do relator - art. 663º n.º7 do CPC):
- é admissível a formulação de pretensão visando que sobre a decisão singular do relator recaia um acórdão sem que a pretensão venha assente em concretos fundamentos; nesse caso, o acórdão pode-se limitar a remeter para os termos da decisão singular, se acolher os seus fundamentos. | ||
| Decisão Texto Integral: | Proc. 3559/24.3T8STR-A
Acordam no Tribunal da Relação de Évora I. Na sequência de recurso interposto pelo agora reclamante foi proferida decisão singular com os seguintes termos: O MP instaurou o presente processo de promoção e protecção, relativo à menor AA, por considerar que a formação e o desenvolvimento da AA se encontravam em perigo devido ao conflito dos progenitores (BB e CC). Foi declarada aberta a instrução, e no âmbito desta fase: - foi obtido relatório social, - foi designada data para audição dos progenitores, com convocação da técnica que elaborou o relatório, nos seguintes termos: «Designo o dia 29-05-2025, pelas 09H30, neste Tribunal, para a audição dos progenitores - (cfr. artigo 107.º n.º 1 al. a) e b) da Lei n.º 147/99) e não antes por indisponibilidade de agenda. Notifique, sendo também, para efeitos do disposto do artigo 107.º n.º 3 da Lei n.º 147/99. Na data supra designada deverá, igualmente, comparecer a Técnica que procedeu à elaboração do relatório social para, sendo caso disso, ser ouvida.». - foram notificados os progenitores para apresentarem meios de prova. O requerido, nessa sequência, apresentou articulado no qual teceu considerações sobre a situação em causa, tendo no final do este articulado, solicitado a realização de relatórios sociais sobre a situação da avó paterna da menor, de pessoa identificada com quem a menor fica quando a sua mãe vai trabalhar, e sobre a requerida. Requereu também a notificação de documento que o MP protestou juntar, a junção de processo que correu na CPCJ e indicou ainda três testemunhas. - foi proferido o seguinte despacho: Visto. Elementos de prova a apreciar oportunamente. - foi realizada conferência de promoção e protecção, em cuja acta não consta a audição dos progenitores ou da técnica convocada, mas constando que «pelo progenitor e pelo Ilustre mandatário do progenitor, foi dito que não concordavam com a aplicação de medida de promoção de apoio junto da mãe», tendo depois sido proferido o seguinte despacho: «Face ao conteúdo dos autos (e apenso de RPP), o relatório da ATT apresentado e as declarações da Técnica, considerando que a regulação das responsabilidades parentais não se mostra efetuada, tendo sido fixado um regime provisório e as queixas de que o regime não tem corrido da melhor forma, mostrando-se, assim, verificada a situação a que alude a alínea g) do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 147/99, de 01SET, importa acautelar o perigo em que o jovem se encontra enquanto o processo desenvolve os seus ulteriores termos, de forma cautelar.-- Termos em que, ao abrigo do disposto nos artigos 3.º n.º 2 al. f), 37.º e 35.º n.º 1 al. a) da Lei n.º 147/99, de 01SET, determino a aplicação à menor Oriana da medida cautelar de apoio junto dos pais – mais concretamente da mãe, pelo período de seis meses.-- Notifique.-- A execução desta medida será acompanhada pelo Segurança Social.-- A medida cautelar ora aplicada deverá ser revista no prazo máximo de 3 meses, devendo consequentemente a Segurança Social remeter atempadamente relatório social tendente a tal revisão.-- Face ao não consentimento do progenitor para aplicação de medida de promoção, por acordo, determina-se o prosseguimento dos autos para debate judicial (cfr. artigo 114.º n.º1 da Lei n.º 147/99, de 01SET).-- Notifique-se a senhora técnica para que, no prazo de 30 dias, proceda à junção do relatório atualizado com verificação das condições habitacionais e pessoais do progenitor e dos avós materna e paternos da menor.--- Considerando a informação já constante nestes autos e autos de regulação das responsabilidades parentais, afigurando pertinente á boa decisão da causa, determina-se a realização de perícias médico-legais psicológica, psiquiátrica e de avaliação das competências parentais de ambos os progenitores, com os seguintes quesitos: - Capacidade para o exercício das responsabilidades parentais para com a menor; - Despiste de eventuais distúrbios/perturbações e traços de personalidade e limitação que dos mesmos possa advir para o exercício da parentalidade; Mais solicita-se a realização exame toxicológico para o consumo de álcool ou drogas, a ingestão de outras substâncias tóxicas ou intoxicantes, a ambos os progenitores. Tais perícias deverão ser solicitadas ao INML, concedendo-se para o efeito o prazo de 30 dias para a sua realização. Solicite-se ao hospital de Cidade 1 para remeter a estes autos informação clínica dos progenitores e bem assim da assistência prestada aos mesmos. Oficie-se ao Centro de Saúde de Vila 1 e das Vila 2, para remeter a estes autos as informações sobre o acompanhamento dos progenitores naqueles centros de saúde. Notifique e d.n.» Nesta sequência foi interposto o presente recurso, no qual o requerido/recorrente formula as seguintes conclusões: 1ª – O Tribunal “a quo” decidiu mal e ilegalmente quando, em fase de instrução, não se pronunciou sobre o requerimento de prova/diligências instrutórias requeridas em 12/05/2025, em sede de instrução pelo progenitor CC; violando, dessa forma e modo o estabelecido no Art. 615º, n.º 1, alínea d), do C.P.C., consubstanciando tal uma nulidade, o que se invoca para todos os efeitos legais daí decorrentes e advenientes. 2ª – O Tribunal “a quo” ao não ter declarado expressamente o encerramento da instrução violou o estabelecido no Art. 110º da Lei 147/99, de 1/Set. 3ª – O Tribunal “a quo” ao não dar cumprimento aos actos de instrução requeridos, tempestivamente, pelo progenitor CC, em sede de instrução, violou o Art. 107º, n.º 3, a “contrário” e Art. 108º, ambos da LEI n.º 147/99, de 1/Set. 4ª – O Tribunal “a quo” ao determinar o prosseguimento dos autos para debate judicial (Art. 114º, n.º 1, da Lei 147/99, de 1/Set), sem previamente ter cumprido o estabelecido no Art. 110º, da referida Lei violou tais normativas legais. 5ª – A decisão que determinou o “prosseguimento dos autos para debate judicial”, sem previamente ter determinado –, e sem sequer se ter pronunciado – e serem consubstanciados os actos instrutórios requeridos tempestivamente pelo progenitor CC, constitui uma nulidade, o que se invoca para todos os efeitos legais daí decorrentes e advenientes. Porque assim é, 6ª – O Venerando Tribunal da Relação de Évora deverá proferir douto acórdão que revogue a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” que determinou: “o prosseguimento dos autos para debate judicial” e, consequentemente e decorrentemente, 7ª – Deverá ordenar ao Tribunal “a quo” para que se pronuncie sobre o requerimento de prova/diligências de prova requeridas pelo progenitor CC, em sede de instrução em 12/05/2025, tempestivamente, e, em qualquer caso, serem tais diligências de prova admitidas conforme requeridas pelo progenitor CC em 12/05/2025 nos autos, e só posteriormente, e após consubstanciação de tais diligências de prova, poderão os autos prosseguiu para debate judicial; o que se requer. O MP respondeu, considerando que através do despacho que designou data para a audição dos progenitores foi declarada encerrada a instrução já que o art. 107º n.º3 da LPCJP o estatui; ou, subsidiariamente, que estaria em causa omissão sem relevo na instrução ou decisão da causa e que estaria sanda por falta de arguição atempada. E que houve pronúncia sobre os meios de proba propostos, cuja produção não estaria precludida (já que o recorrente também os indicou na fase subsequente do processo). Foram entretanto, na fase de debate judicial, apresentadas alegações pelo MP, pela requerida e pelo requerido, tendo este formulado requerimento probatório idêntico ao anteriormente oferecido, aditando apenas a junção de mais documentos. II. O objecto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 635º n.º4 e 639º n.º1 do CPC), «só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa». Atendendo aos termos das conclusões formuladas, importa assim avaliar se se verifica: - nulidade, nos termos do art. 615º n.º1 al. d) do CPC, por o tribunal recorrido não se ter pronunciado sobre as diligências probatórias requeridas. - nulidade, por violação dos art. 107º n.º3, a contrario, e 108º da LPCJP, por não terem sido realizados os actos probatórios requeridos. - violação do art. 110º da LPCJP por o tribunal não ter declarado expressamente o encerramento da instrução. III. Os factos relevantes, na avaliação a realizar, têm natureza exclusivamente processual, mostrando-se descritos no relatório elaborado (a partir dos dados documentados do próprio processo). IV.1. De acordo com a sequência legal de actos, o processo de promoção e protecção conhece formalmente as seguintes fases: instrução, decisão negociada, debate judicial, decisão e execução da medida (art. 106º n.º1 da LPCJP). A instrução e a decisão negociada constituem, na literalidade da lei, fases distintas (v. ainda art. 106º n.º1, 107º n.º1 ou 110º n.º1 al. b da LPCJP). Na primeira destas fases, visa-se, de forma preambular, avaliar qual o destino subsequente do processo: arquivamento, obtenção de decisão negociada ou prosseguimento para debate judicial (art. 110º n.º1 da LPCJP). Na segunda, procura alcançar-se uma solução consensual que sirva os interesses da criança. Esta segunda fase pressupõe aquela primeira por duas vias. De um lado, supõe que os elementos colhidos sustentam a manutenção do processo (indiciando uma situação de perigo) pois, caso contrário, o processo termina naquela primeira fase por arquivamento. De outro ado, a instrução permite, a partir dos elementos aí colhidos, avaliar quer o leque de medidas ajustadas, quer a viabilidade de um acordo sobre a aplicação de alguma delas (pois, sendo logo revelada a inviabilidade de acordo, a fase negociada torna-se dispensável: art. 114º n.º1 da LPCJP). No caso, foi aberta a instrução (que não foi assim dispensada - v. art. 106º n.º2 al. a) a c) da LPCJP) e determinou-se a audição dos progenitores, no quadro da instrução, diligência esta obrigatória (art. 107º n.º1 al. b) da LPCJP). Esta audição constitui coisa diversa da convocação para decisão negociada, como deriva das regras legais (v. em contraponto o art. 112º da LPCJP) e do próprio despacho proferido. Não constitui, pois, o despacho que determina essa audição qualquer decisão de encerramento da instrução, como o MP propugna [1]. O que seria, aliás, incongruente com a notificação, ordenada no mesmo despacho, para que as partes indiquem meios de prova, nos termos do art. 107º n.º3 da LPCJP, diligência esta específica da fase de instrução e que pressupõe justamente a subsistência dessa fase, e não o seu encerramento. Notificação esta que conduziu à indicação de meios de prova pelo recorrente, indicação que se integra assim na fase da instrução. A acta relativa à diligência agendada (com a finalidade literal de audição dos progenitores, nos termos do referido art. 107º n.º1 al. b da LPCJP) veio, contudo, a ser intitulada acta de conferência de promoção e protecção, designação esta que corresponderia já a diligência, e fase, diferentes. Não cabe, apenas com base em tal denominação da acta, pretender que se tenha querido integrar na instrução a fase da conferência (solução que, de qualquer modo, se tem considerado não ser descabida), nem tal questão releva no caso, por não virem discutidos os termos desta tramitação. Releva, sim, que nessa diligência se determinou que, dada a posição obstativa assumida pelo progenitor quanto à aplicação da medida tida por ajustada, os autos prosseguissem para debate judicial, invocando-se o art. 114 n.º1 da LPCJP. Como tal norma permite a passagem para a fase do debate judicial quando não seja viável a obtenção do acordo, deve aceitar-se que nesse momento se encerrou a fase da instrução e se determinou a passagem para a fase do debate judicial, justamente por se não mostrar viável aquele acordo. É neste quadro que se devem avaliar as pretensões do recorrente. 2. Este começa por invocar a nulidade decorrente do art. 615º n.º1 al. d) do CPC por o tribunal recorrido se não ter pronunciado sobre as diligências probatórias por si requeridas. De acordo com tal norma, na parte ora relevante, «É nula a sentença quando: (...) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento». Este regime é aplicável aos despachos por força do art. 613º n.º3 do CPC. Estas normas são, por sua vez, mobilizáveis por força do art. 549º n.º1 do CPC (o art. 126º da LPCJP não cobre a fase da instrução [2]) - o que vale, aliás, para as demais disposições gerais do CPC que sejam mobilizáveis. A omissão de pronúncia ocorre, em geral, quando o tribunal deixe de apreciar questões que, nos termos do art. 608º n.º2 do CPC, devia ter conhecido. A noção de questões relevante para este efeito equivale às questões de direito correspondentes aos pedidos, causas de pedir e excepções formuladas (ou, nas excepções, também as oficiosamente cognoscíveis). Adaptando esta explanação aos despachos, isto significa que o despacho é nulo, por omissão de pronúncia, quando aprecie uma pretensão posta sem ter avaliado fundamentos dessa pretensão invocados pela parte ou efeitos que a essa pretensão a parte associa. Mas pressupõe sempre uma decisão sobre a pretensão, sendo decisão viciada por o seu conteúdo ser insuficiente por não considerar certos aspectos (fundamentos aduzidos ou efeitos cuja produção se pretende). Constitui por isso um vício interno da decisão. Tal omissão já não ocorre quando é a própria decisão sobre a pretensão que não existe. Aqui, ocorre a omissão de um acto devido, um vício de tramitação, e não um acto viciado em função do seu conteúdo. E é este o caso dos autos. Com efeito, não existe um despacho no qual o tribunal avalie meios de prova sem considerar aqueles que o recorrente indicou, ou no qual omita fundamentos na avaliação que faz de tais meios de prova. Existem decisões vinculadas a certos fins (sobre a medida provisória e sobre o prosseguimento do processo), mas nenhuma dessas decisões, ou os fins que visam, implica como seu fundamento ou efeito lógico a avaliação dos meios de prova: do conteúdo dessas decisões, para o tribunal aplicar medida provisória ou para determinar a passagem do processo para a fase do debate judicial, não tinha que constar a avaliação da admissibilidade dos meios de prova. Tal avaliação constituía uma questão (pretensão) autónoma, sujeita a avaliação autónoma, esta sim omitida. Podia era aquela passagem para a fase de debate judicial condicionar o relevo ou tratamento daqueles meios de prova, mas trata-se de efeito e não de conteúdo da decisão (despacho) proferido. Assim, o que existiria seria a pura omissão de despacho que avalie os meios de prova, despacho que, segundo o recorrente, deveria existir. Trata-se de vício da tramitação e não de vício do acto. Tanto assim que o recorrente se refere genericamente à falta de pronúncia sobre meios de prova sem nunca identificar em concreto qual o despacho que contém a omissão que invoca: esta omissão vem genericamente imputada ao próprio processo. Justamente indiciando que faz assentar a nulidade numa omissão de um acto, e não na omissão de certo conteúdo de um acto decisório. Inexiste, assim, qualquer nulidade assente no invocado art. 615º n.º1 al. d) do CPC. 3. O recorrente invoca ainda uma outra nulidade autónoma e diferenciada face à anterior nulidade (embora dela sequencial), assente na violação dos art. 107º n.º3, a contrario, e 108º da LPCJP e já que o tribunal não realizou os actos de instrução requeridos. Assim, esta nulidade assentaria não na omissão de avaliação da pretensão instrutória deduzida, mas na falta de efectiva produção dos meios de prova indicados. Nestes termos, estaria em causa, na perspectiva do recorrente, a omissão de acto legalmente devido, o que poderia conduzir à nulidade processual nos termos do art. 195º n.º1 do CPC. A pretensão não pode, porém, proceder. De um lado, estaria em causa, na perspectiva do recorrente, nulidade processual autónoma, assente na omissão de acto devido, e não coberta por qualquer decisão judicial. Ora, a nulidade processual não pode ser invocada em sede de recurso, devendo ser objecto de reclamação perante o tribunal a quo. O tribunal de recurso, porque a sua avaliação incide sobre decisões, que são impugnadas, e não sobre actos processuais, só pode apreciar a decisão que o tribunal inferior haja proferido sobre a arguição da nulidade; não pode ocupar-se directamente, e em primeira via, da nulidade cometida (adoptando a formulação de A. dos Reis). Haveria, assim, que invocar a nulidade (reclamação) e impugnar, em recurso, a decisão que a desatendesse (se tal fosse admissível, nos termos do art. 630º n.º2 do CPC, como até seria o caso). De outro lado, a natureza e finalidade da fase de instrução condicionam de forma decisiva a produção de prova nessa fase. Com efeito, e como já se referiu, a fase da instrução tem um alcance limitado, visando, em primeira linha, aferir se existem ou não fundamentos de uma situação de perigo (inexistindo, termina o processo por arquivamento - art. 111º da LPCJP]), e, existindo tais fundamentos, visa obter dados que permitam avaliar a viabilidade da obtenção de decisão negociada e os termos da medida ajustada e a acordar (procurando então alcançar-se tal acordo, assim se dispensando a fase subsequente de discussão). Fora dessas situações, e assim não sendo caso de arquivamento (art. 111º da LPCJP) ou de obtenção de acordo, transita-se para uma fase distinta (art. 114º n.º1 da LPCJP). Deste modo, os meios de prova pertinentes na fase de instrução apenas servem aqueles fins, contribuindo para avaliar a alegada situação de perigo ou as condições de facto relevantes para a obtenção daquele acordo. É esta finalidade limitada da fase da instrução, e assim dos meios probatórios a produzir ali, que justificam que, apesar de caber aos progenitores o direito de apresentarem meios de prova (art. 107º n.º3 da LPCJP, invocado pelo recorrente, e art. 104º n.º1 da LPCJP), a sua produção não é tida legalmente por obrigatória, pois a lei apenas torna obrigatória a audição do menor e dos progenitores (art. 107º n.º1 da LPCJP). Neste sentido, inexiste um direito adquirido à produção de prova. O que se articula ainda com outros aspectos do regime, como a circunstância de esta fase não estar sujeita a uma contraditoriedade plena ou estrita, ao contrário do que sucede na fase subsequente (art. 104º n.º2 e 3, este a contrario, da LPCJP), quer, ainda nessa linha, a circunstância de a decisão final (no debate judicial) apenas se poder basear em provas que possam ser contraditadas na fase de debate judicial (art. 117º da LPCJP), o que equivale à afirmação de princípio de que as provas relevantes no debate judicial são aquelas que nessa fase são discutidas (em termos amplos). A própria circunstância de a nomeação de defensor ao menor apenas ser obrigatória na fase do debate constitui expressão da funcionalidade limitada da fase em causa e do limitado relevo da prova aí interveniente (art. 103º n.º4 da LPCJP). Assim, é a finalidade da fase de instrução que determina os actos probatórios relevantes, e não a vontade ou a iniciativa das partes. Donde que, não se discutindo a (in)existência de uma situação de perigo (a sua existência não foi impugnada no caso), e concluindo o tribunal pela inviabilidade de uma solução negociada (como ainda deriva do despacho proferido, em asserção que o recorrente não discute), a produção de prova adicional mostra-se não apenas inútil como, também por isso, prejudicada. Nenhum efeito relevante teria pois não iria alterar aqueles postulados, e tais postulados impõem legalmente a passagem do processo para a sua fase subsequente. Não se vê, neste quadro, para que serviria a produção da prova requerida e, na verdade, o recorrente também não o indica, sendo manifesta a inconcludência da sua posição quando sustenta que deveria ser produzida a prova que ofereça, mas apenas para os autos prosseguirem, depois dessa produção, para a fase do debate judicial. Pois se os autos vão prosseguir para aquela fase, com ou sem tal produção de prova, é irrelevante a produção daqueles meios de prova. Tais meios de prova poderão ser relevantes justamente na fase do debate judicial, momento processual no qual se colocam as coisas em termos diferenciados (e fase na qual o recorrente já voltou a indicar tais meios de prova), e momento processual no qual, pela sua diferente natureza, apenas se atende em princípio ou como regra à prova nessa fase discutida (v. referido art. 117º da LPCJP). Neste quadro, inexistia qualquer dever de produzir a prova oferecida. Estava prejudicada. Inexiste, neste sentido estrito, verdadeira omissão probatória. E, do mesmo passo, se revela que inexiste violação de regra decorrente do art. 107º n.º3 da LPCJP, pois esta norma faculta às partes a indicação de meios de prova, mas não garante a sua produção (e o art. 108º da LPCJP, também invocado, é na verdade irrelevante, dado o seu âmbito). Ora, revelada a inutilidade ou inconsequência dos meios de prova oferecidos na fase em causa, nada mais se justifica. O que está em linha com o regime do art. 986º n.º2 do CPC (ex vi do art. 100º da LPCJP), que apenas autoriza a produção das provas que se mostrem necessárias. Decerto, o tribunal a quo poderia (o que seria até justificado) ter clarificado a situação, expressando a superação da necessidade da produção daquela prova. Mas os termos do procedimento já o revelam, sem se poder falar em falha processual: atingido o fim da fase, sendo necessária a passagem a uma discussão alargada, fica naturalmente prejudicada a produção daqueles meios de prova (cuja produção ficou destituída de racionalidade própria naquela fase), produção que seria assim proibida (art. 130º do CPC). Por fim, e ainda que assim não fosse, ainda que houvesse que aceitar que houve a omissão de um acto devido, o exposto sempre revelaria que tal omissão nenhum efeito próprio teria (por não afectar os termos do procedimento), não se vendo por isso, como notou o MP na sua resposta, que tal omissão tivesse efeitos relevantes, para os termos do art. 195º n.º1 do CPC, na instrução ou decisão a proferir (decisão que seria apenas a relativa à fase em causa, de instrução, pois a decisão final, no debate judicial, dependia, como referido, das provas a produzir nessa fase). Existiria apenas, nesta perspectiva, uma irregularidade, inconsequente. 4. O recorrente invoca ainda a violação do art. 110º da LPCJP por o tribunal não ter declarado expressamente o encerramento da instrução. Esta questão não seria susceptível de recurso autónomo, devendo ser suscitado no recurso que da decisão final fosse interposto, por se não enquadrar quer no art. 123º n.º1 da LPCJP quer no art. 644º n.º1 e 2 do CPC. Não deveria, por isso, dela se tomar conhecimento. Sem embargo, e dada a situação em causa e a conexão, distante embora, com a questão anterior, ainda se nota que: - o recorrente não qualifica o vício. Como a norma não comina a omissão com efeito pré-estabelecido, apenas poderia estar em causa uma nulidade processual por omissão de acto devido, implicitamente invocada pelo recorrente (considerando que esta nulidade não seria de conhecimento oficioso - art. 195º n.º1 e 197º n.º1 do CPC). Assim, também aqui a sua invocação em sede de recurso seria indevida, pelas razões já aludidas, justificando a improcedência da invocação. - de qualquer modo, a decisão de encerramento, não sendo expressa, é de todo o modo clara, estando implicada na determinação de prosseguimento do processo para a fase de debate judicial. A afirmação expressa é inútil quando o sentido decisório é evidente (tendo, aliás, sido compreendido pelo recorrente). O que implica duas considerações. De um lado, e a poder falar-se de uma omissão de acto devido, esta omissão seria absolutamente irrelevante para os termos do processo (instrução ou decisão), e por isso não passaria de uma irregularidade, inconsequente. O facto de o próprio recorrente nunca indicar em que medida seria relevante a omissão (à qual não atribui, sequer, qualquer efeito preciso) é revelador desta asserção. De outro lado, atribuir relevo à falta daquela menção equivalia a reduzir o processo a um jogo ritual, onde as palavras seriam sacramentais e o rito superava o sentido funcional da tramitação. Quando, ao invés, deve prevalecer o sentido teleológico da ordenação processual, orientada por fins utilitários, pelo que, alcançado com segurança o encerramento da fase em causa, sempre seria irrelevante a falta da menção «sacramental» (seria, aliás, absurdo anular o processado apenas para se proferir aquela expressão, num exercício cerimonial em que a forma prevalecia em absoluto sobre a substância). (...) V. Pelo exposto, julgo improcedente o recurso. II. Nessa sequência, veio o recorrente deduzir a presente reclamação, requerendo que «recaia um Acórdão sobre o objecto do recurso», não invocando específica fundamentação. Não foi apresentada resposta. III. Discordando da decisão sumária, pode a parte que se julgar prejudicada requerer que sobre a decisão recaia um acórdão (art. 652º n.º3 do CPC) [sobre a aplicabilidade desta norma à decisão singular que aprecia o mérito, v. a fundamentação do AUJ 2/2010 do STJ]. Pese embora a questão não seja pacificamente resolvida, entende-se que o reclamante não tem que fundamentar a sua pretensão. Tal deriva em primeira linha dos termos literais da norma em causa, que não formula exigências específicas, e da natureza da reclamação, considerando que nesta sede o tribunal tem normal ou específica natureza colegial, devendo poder a parte submeter a questão àquele tribunal colegial, sem necessidade de invocar razões, sendo neste sentido a decisão singular precária ou provisória. Também assim porque se entende que o reclamante não pode colocar questões novas na reclamação, o que significa que o reclamante estaria sempre limitado às questões que já suscitou no recurso, questões e argumentação que não tem que repetir e tem o direito de ver avaliadas pelo tribunal colegial. Ainda assim porque também não tem o recorrente que invocar argumentos novos, bastando-se com aqueles já desenvolvidos no recurso e com a discordância face ao decidido, o que elimina a necessidade de fundamentação. Em termos instrumentais, releva também o facto de a reclamação constituir forma de provocar a prolação de acórdão e assim possibilitar, quando admissível, a via do recurso de revista [3]. Não obstante, não fundamentando o reclamante a sua pretensão, inexistem razões ou argumentos para avaliar e, por isso, a decisão da reclamação pode bastar-se com a remissão para os termos da decisão impugnada, quando esta seja tida por correcta pelo colégio de juízes [4]. É esse o caso pois não foram discutidos os fundamentos da decisão impugnada e não se vislumbram novos argumentos ou razões que afectem aqueles fundamentos. Cabe, pois, apenas confirmar a decisão singular, pelas razões em que vem suportada. IV. Quanto às custas, e sendo sensível aos argumentos de Urbano Dias (a que A. Geraldes adere), mormente à ideia de que a decisão singular tem natureza excepcional e que a reclamação que dela se interpõe constitui um direito e condição de subsequente interposição de recurso de revista (significando que a parte não deve ser tributariamente onerada por se não verificar a decisão colegial que constitui a regra), e que tal reclamação surge como mecanismo comum de obter a satisfação da regra da decisão colegial (e, assim, não como verdadeiro incidente), considera-se que não são devidas custas [5]. V. Pelo exposto, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão reclamada. Sem custas. Notifique-se. Sumário (da responsabilidade do relator - art. 663º n.º7 do CPC): (...) Datado e assinado electronicamente. Redigido sem apelo ao Acordo Ortográfico (ressalvando-se os elementos reproduzidos a partir de peças processuais, nos quais se manteve a redacção original). António Marques da Silva - Relator Sónia Moura - Adjunta Ana Pessoa - Adjunta
_______________________________ 1. Nem se vê, na verdade, como tal derivaria do art. 107º da LPCJP.↩︎ 2. Esta norma não visa excluir a aplicação (subsidiária) do CPC nas demais fases do processo mas apenas excluir a aplicação das regras do processo ordinário nas fases que indica (debate e recurso).↩︎ 3. No sentido exposto, sustentando que a reclamação não tem que ser fundamentada, A. Geraldes, Recursos em processo civil, Almedina 2024, pág. 349, L. Freitas, A. Ribeiro Mendes e I. Alexandre, CPC Anotado, vol. 3º, Almedina 2022, pág. 149, A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa, in CPC Anotado, vol. I, Almedina 2023, pág. 850, ou Ac. do TRE de 30.01.2025, proc. 2478/24.8T8STB-B.E1 (também o STJ tem aceite a solução, como deriva, mormente, dos Acs. proc. 54843/19.6YIPRT.G1-A.S1, de 14.10.2021, ou proc. 2254/20.7T8STS.P1-A-A.S1, de 04.07.2024, em que foram apreciadas reclamações sem fundamentação própria).↩︎ 4. Assim, v. Acs. do STJ proc. 602/15.0T8VNG-L.P1-B.S1 de 05.07.2022, proc. 2632/16.6T8LRA.L1.S1-A de 17.12.2019 ou proc. 54843/19.6YIPRT.G1-A.S1 de 14.10.2021.↩︎ 5. V. Urbano Dias, Da decisão sumária (de mérito) proferida pelo relator, no arquivo (08.01.2021) do Blog do IPPC, e A. Geraldes, loc. cit., pág. 351.↩︎ |