Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
93985/23.6YIPRT.E1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
TAXA DE PERFOMANCE
HONORÁRIOS
RETRIBUIÇÃO
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I. A success fee, clausulada num contrato de prestação de serviços, é uma taxa de performance, de sucesso por um desempenho, sendo uma comissão variável indexada à taxa de sucesso de uma operação.

II. Estando contratualmente previsto o recebimento dos honorários pela A. por success fee, competindo-lhe a realização das tarefas inerentes à fase de pré-candidatura e candidatura da ré ao incentivo financeiro, a submeter ao Sistema de Incentivos à Inovação produtiva, o direito ao recebimento dos ditos honorários está dependente da aprovação da candidatura.

III. Não obsta ao pagamento da retribuição o facto de a aprovação da candidatura ter posteriormente sido revogada na fase de execução, se o facto que conduziu à revogação da aprovação é imputável à acção ou omissão da autora de tarefas por esta assumidas, designadamente por erros, omissões ou deficiências, do processo de candidatura, decorrendo, antes, da não execução pela ré do projecto, por não ter logrado obter atempadamente as instalações onde o mesmo seria implantado, como lhe competia.

Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação n.º 93985/23.6YIPRT.E1

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


I – Relatório


1. Imperial Age - Tech, Inovation and Consulting, Lda., requereu procedimento de injunção contra Quantum Leap Unipessoal, Lda., para obter o pagamento da quantia de € 99.403,66 (factura FT2023/23), acrescida de juros no valor de € 89,97, alegando ter celebrado com a requerida, em 18.05.2021, um contrato de prestação de serviços de consultoria financeira, tendo prestado serviços de pré-candidatura e candidatura da requerida ao Sistema de Incentivos à Inovação Produtiva.


Mais alegou que a candidatura foi aprovada, mas que a requerida optou por não avançar com o projecto, sendo devidos os honorários pelos serviços calculados de acordo com o ponto 4. da proposta de prestação de serviços, honorários esses que a requerida não pagou.


2. A requerida deduziu oposição alegando, em síntese, que a requerente, aquando da assinatura, garantiu que apenas cobraria e facturaria os seus honorários caso existisse pagamento dos incentivos à requerida, o que não aconteceu, dada a impossibilidade de execução do projecto, por motivos de força maior alheios à requerida, designadamente, a falta de conclusão da obra na unidade industrial onde o projecto seria desenvolvido, levando a que a candidatura tenha sido revogada, depois de ter sido aprovada e de ter sido atribuído um incentivo de € 808.158,23; que não se verificou a condição de que dependia o pagamento dos honorários e que a requerida não obteve qualquer benefício com a prestação de serviços realizada pela requerente, o que impede a aplicação da success fee de 10%.


Mais alegou que a requerente actua em abuso de direito ao exigir a quantia de € 99.493,33, a título de success fee, pela aprovação de uma candidatura a um projecto que veio a ser revogada e relativamente à qual a requerida nada recebeu.


Concluiu pedindo a absolvição do pedido.


3. Remetidos os autos à distribuição, e transmutado o procedimento em acção declarativa com processo comum, foi proferido despacho que determinou a notificação da A. a fim de se pronunciar quanto à matéria do invocado abuso de direito, o que a A. fez, reiterando que para efeito do recebimento dos honorários bastava a aprovação da candidatura, sendo irrelevante o facto de a R. não conseguir executar o projecto após a aprovação do mesmo, mas que em qualquer caso não se verifica a situação de força maior invocada pela R., pois a revogação da aprovação, a ter existido, se ficou a dever à decisão ou inércia da própria R..


Mais referiu que despendeu cerca de 1016 horas de trabalho na preparação da candidatura, o que implicou uma dedicação quase total da equipa da A. durante quatro meses, e ainda que a R. não comprovou a realização das fontes de financiamento do projecto a que se havia comprometido, pelo que não conseguiu obter o pagamento do incentivo aprovado a seu favor.


4. Realizou-se a audiência prévia, onde foi fixado o valor da causa, proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, sem reclamações.


5. Instruída a causa, procedeu-se à audiência de julgamento, após o que veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu:

«… julgo a acção procedente e, consequentemente, condeno o R. a pagar à A. a quantia de € 99.403,46, acrescida de juros moratórios às taxas supletivas referentes a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, contados desde 26.08.2023 até pagamento.»

6. Inconformada interpôs a R. o presente recurso, pedindo a revogação da sentença, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]:

A. A R. não pode concordar com a douta sentença ora recorrida.

B. Vem a douta sentença sub judice condenar a R. a pagar à A. a quantia de €99.403,46, acrescida de juros moratórios às taxas supletivas referentes a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, contados desde 26.08.2023 até pagamento e, ainda, nas custas do processo.

C. Em concreto, a questão que se coloca é a de saber se, prevendo o contrato celebrado o pagamento de uma retribuição, a A. tem direito a receber a quantia correspondente ao sucess fee de 10% do incentivo não reembolsável aprovado a favor da R., de acordo com a cláusula do contrato que estipula sobre o pagamento dos honorários (foi aprovado um incentivo no valor de € 808.158,23, e com base em tal cláusula a A. pretende cobrar a quantia de € 80.815.82, correspondente a 10% do incentivo, acrescida de IVA), mesmo que a R. nada tenha recebido a título desse mesmo incentivo.

D. O douto tribunal a quo, perfilhando uma teoria objectivista sobre a vontade real do declarante, entendeu que sendo aprovada a candidatura, a A. ficaria com o direito de exigir o pagamento do valor correspondente a 10% do incentivo, como retribuição pelos serviços prestados, independentemente do recebimento efectivo do incentivo e da execução do projecto, cujo acompanhamento implicaria a realização de tarefas que seriam também remuneradas.

E. E considerou-o, independentemente, de tudo aquilo que se demonstrou no julgamento e da factualidade dada como provada de que a R. não conseguiu executar o projecto, por falta das instalações, nas quais viria a ser instalada a unidade industrial objecto da candidatura.

F. O tribunal a quo, embora tenha dado como provado os factos 4 a 8, não considerou que a impossibilidade de executar o projecto foi totalmente alheia à R.

G. Ao invés disso, enquadrou a situação como se de uma opção da R. se tratasse.

H. Resultou claro, do depoimento da testemunha AA, que a A. acompanhou as diligências da R. junto da Tagus Valley e que conhecia e reconhecia a impossibilidade de execução do projecto.

I. Pelo que, o facto de que a impossibilidade de execução do projecto foi, absolutamente, alheia à R., sempre teria de ser dado como provado.

J. Por outro lado, ainda quanto à matéria de facto dada como não provada, no que respeita os pontos 1 a 3, a análise dos depoimentos prestados pelo legal representante da R. e da testemunha AA, devidamente conjugada com a prova documental, impunham ao tribunal a quo que os mesmos se considerassem provados.

K. Conjugando estes dois depoimentos, com os documentos juntos aos autos, designadamente, as propostas de honorários para os dois projectos a desenvolver no mesmo local e na mesma unidade industrial e o e-mail referido no 1.º facto dado não provado, impunha ao tribunal a quo, dar como provados os factos 1 e 2.

L. O tribunal a quo considerou vagas e insuficientes as declarações da testemunha AA, desconsiderando, totalmente, o e-mail de 16.03.2021 e o depoimento de parte do legal representante da R..

M. Da análise do depoimento da testemunha AA resulta que o mesmo foi bastante claro, credível, preciso, consistente e concreto, quanto à convicção formada, com base na troca de correspondência e reuniões realizadas por videoconferência, de que os honorários apenas seriam devidos à A., no caso do efectivo recebimento, por parte da R., do incentivo não reembolsável que viesse a ser aprovado.

N. E não entendemos, nem podemos concordar, com o tribunal a quo ao descredibilizar o depoimento da testemunha AA, quando a mesma foi clara em que explicar que a sua convicção se fundava na troca de correspondência e reuniões realizadas.

O. Ficou absolutamente provado, dos depoimentos supra, que os honorários da A. só seriam devidos e facturados à R., com o efectivo pagamento do incentivo, o que se impõe para uma boa e justa decisão da causa.

Sem conceder,

P. Na verdade, embora a candidatura da R. tenha sido aprovada e lhe tenha sido atribuído um incentivo reembolsável de €808.158,23, essa operação foi revogada, como ficou provado.

Q. Deste modo, a aprovação inicial deixou de produzir quaisquer efeitos, pois que foi revogada, concluindo-se que a condição de que dependia o pagamento dos honorários à A. não foi verificado (neste sentido, vai o Ac. RG 03/11/2022, Proc. N.º 1812/21.7T8GMR.G1).

R. A candidatura aprovada foi revogada, por motivos de força maior e alheios à R., designadamente, a impossibilidade de executar o projecto no local e no prazo fixado, o que a torna inexistente.

S. A R. não obteve qualquer benefício com a prestação de serviços realizada pela A., uma vez que não recebeu qualquer incentivo, o que impede a aplicação da sucess fee de 10%, pois que esta taxa estava directamente indexada ao benefício que a R. viesse a obter.

T. Até porque, como refere a douta sentença, havendo dúvidas sobre o sentido da declaração, prevalece aquele que conduzir ao maior equilibro das prestações (art.º 237.º do CC) e nesse caso, nunca a douta sentença poderia ter decidido como decidiu, pois que, a sua decisão constitui, por todo exposto, demonstrado e provado, um total desequilíbrio das prestações.

U. Pelo que a douta sentença terá de ser REVOGADA.


7. Contra-alegou a A., pugnando pela confirmação da sentença recorrida, sustentando não ser a mesma merecedora de qualquer juízo de reparo ou censura, não ocorrendo qualquer violação dos dispositivos legais aplicáveis.


*


II – Objecto do recurso


O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, n.º 2, 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:

i. Da impugnação da matéria de facto; e

ii. Da reapreciação da decisão jurídica da causa, no sentido de apurar se a A. tem direito à retribuição pedida pelos serviços prestados.


*


III – Fundamentação


A) - Os Factos


A.1. Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:


1. No dia 17.05.2021, a A. (designada por Miska) apresentou à R. uma proposta/contrato de consultoria financeira, proposta essa que a R. aceitou em 18.05.2021, nos termos da qual, além do mais, a primeira se obrigou a prestar à segunda, mediante o pagamento de honorários, os serviços de pré-candidatura e candidatura da R. ao Sistema de Incentivos à Inovação Produtiva, parte integrante do programa Portugal 2020, destinado a apoiar investimentos produtivos inovadores efectuados no território do Continente que promovam o incremento da produção transaccionável e internacionalizável.


2. Da referida proposta consta além do mais o seguinte:

“(…)

II. Âmbito dos Serviços Propostos

Sistema de Incentivos à Inovação Produtiva

Os nossos serviços de consultoria compreendem todas as fases de trabalho, desde o diagnóstico, ao registo do pedido de auxílio (pré-candidatura) e posterior candidatura ao incentivo financeiro, bem como, caso pretendam, o posterior acompanhamento e encerramento do projecto.

A. Processo de pré-candidatura

A Miska vai apoiar a Empresa no processo de registo de pedido de auxílio (Aviso n.º 02/SI/2021), de modo a salvaguardar que os investimentos realizados após a submissão deste pedido possam ser incluídos em candidatura posterior ao Sistema de Incentivos à Inovação Produtiva. Os serviços a prestar relativamente a esta fase contemplam:

► Verificação do cumprimento dos critérios gerais de elegibilidade para apresentação da candidatura, em particular em relação às restrições europeias específicas em matéria de auxílios estatais;

► Realização de chamadas telefónicas ou apresentação de pedidos de esclarecimentos por escrito junto das entidades competentes, sempre que necessário;

► Apoio na definição e calendarização do mapa de investimentos;

► Preparação de formulário de registo de pedido de auxílio; e,

► Submissão do registo de pedido de auxílio.

B. Processo de candidatura

A Miska vai apoiar a Empresa em todo o processo de candidatura ao próximo aviso de candidaturas ao Sistema de Incentivos à Inovação Produtiva que for publicado, desde a sua preparação até à decisão final da mesma. Os serviços a prestar relativamente a esta fase contemplam:

► Verificação do cumprimento dos critérios de elegibilidade específicos do aviso para apresentação da candidatura;

► Realização de chamadas telefónicas ou apresentação de pedidos de esclarecimentos por escrito junto das entidades competentes na avaliação das candidaturas, sempre que necessário;

► Verificação da aplicação das majorações disponíveis ao projecto a desenvolver pela Empresa;

► Recolha de informação institucional que não esteja publicamente disponível;

► Avaliação económica e financeira do projecto;

► Preparação de formulário de candidatura e respectivos anexos;

► Cálculo do incentivo financeiro potencial e optimização do mesmo;

► Fundamentação do mérito do projecto;

► Submissão da candidatura;

► Apoio na resposta a pedidos de esclarecimento colocados pelas autoridades competentes no âmbito da apreciação da candidatura e preparação de reclamações aos resultados das avaliações levadas a cabo (caso aplicável); e,

► Apoio na análise do contrato de concessão de incentivo financeiro.

C. Acompanhamento

Adicionalmente, incluem-se no âmbito da presente proposta os serviços de acompanhamento da execução do projecto, de forma a garantir o cumprimento de todas obrigações, mas também para uma elevada execução do projecto e detecção de eventuais riscos que afectem a decisão de concessão dos incentivos financeiros. Os serviços a prestar nesta fase contemplam:

► Apoio no cumprimento das regras de comunicação obrigatórias;

► Acompanhamento regular da execução e verificação do cumprimento dos termos dos contratos;

► Apoio na preparação e submissão dos pedidos de pagamento;

► Apoio na resposta a pedidos de esclarecimento relativos aos pedidos de pagamento, por parte da autoridade competente;

► Alertas face a eventuais desvios e definição de medidas correctivas;

► Apoio no encerramento do projecto e preparação do dossier da operação; e,

► Apoio na preparação para eventuais auditorias.

Importa referir que as despesas apresentadas nos pedidos de pagamento devem ser posteriormente validadas, por Revisor Oficial de Contas ou Contabilista Certificado, consoante o que for aplicável.

Por último, salienta-se que os serviços prestados terão sempre por base a informação fornecida pela Quantum Leap, pelo que a responsabilidade por qualquer informação não totalmente correcta prestada pela Quantum Leap à Miska não poderá ser imputada à última.

(…)

IV. Honorários

Atendendo ao âmbito dos serviços relativos ao Processo de Candidatura, e como é apanágio da Miska na prestação de serviços de consultoria financeira, propomos que os honorários se repartam da seguinte forma:

► Valor de € 0,00 a título de honorários fixos; e,

Sistema de Incentivos à Inovação Produtiva

► Success fee de 10% do incentivo não reembolsável aprovado a favor da Quantum Leap pela execução das tarefas previstas nas secções A (Processo de pré-candidatura) e B (Processo de candidatura); e,

► Success fee de 5% do incentivo não reembolsável aprovado a favor da Quantum Leap pela execução das tarefas previstas na secção C (Acompanhamento).

Caso tenha sido submetido o processo de pré-candidatura e a Quantum Leap opte por não avançar com a apresentação da candidatura ao Sistema de Incentivos à Inovação Produtiva, seriam devidos € 2.500,00 de honorários pelos serviços prestados e descritos na secção A.

Caso a candidatura a submeter ao Sistema de Incentivos à Inovação Produtiva venha a ser aprovada, total ou parcialmente, e a Quantum Leap opte por não avançar com a execução do projecto de investimento, apenas seriam devidos os nossos honorários relativamente aos serviços das secções A (Processo de pré-candidatura) e B (Processo de candidatura).

(…)”.

3. No âmbito dos referidos serviços prestados e de acordo com a proposta de prestação de serviços de consultoria financeira, em 20.09.2021 a A. submeteu a candidatura ao Sistema de Incentivos à Inovação Produtiva, a qual foi aprovada em 24.06.2022 pela “Comissão Directiva da Autoridade de Gestão do Programa Operacional Regional do Centro”.


4. A data limite para a execução da operação aprovada no âmbito do projecto financiado era o dia 30.06.2023.


5. O projecto seria desenvolvido numa unidade industrial sediada em Abrantes, cuja obra e respectivo licenciamento estavam a cargo da Tagus Valley – Associação para a Promoção e Desenvolvimento do Tecnológico do Vale do Rego/Câmara Municipal de Abrantes, e cuja conclusão estava prevista para o final de 2021.


6. O que não aconteceu até Novembro/Dezembro de 2022, quando a R. transmitiu à A. que ainda não tinha celebrado o contrato de cedência das instalações em Abrantes necessárias para a execução do projecto.


7. Nem aconteceu até ao dia 07.03.2023, data em que a A. recebeu um e-mail da R. em que esta informou que não pretendia continuar a executar o projecto e que tal configurava, no entender da R., uma situação jurídica de “força maior”, motivo pelo qual não seriam devidos quaisquer honorários.


8. Por decisão de 26.10.2023, a “Comissão Directiva da Autoridade de Gestão do Programa Operacional Regional do Centro” revogou a decisão de concessão do apoio, com a consequente desactivação do valor total do incentivo aprovado, no montante de € 808.158,23.


9. A A. emitiu a factura FT 2023/23, no valor de € 99.403,46 (€ 80.815,82 + € 18.587,64 de IVA) e com vencimento em 26.08.2023.


10. Factura não paga pela R. até à presente data, não obstante para tal tenha sido interpelada.


11. A preparação da candidatura pela A., que implicou a elaboração de mapas, demonstrações financeiras, análise de concorrência, projecções de vendas, descrição do projecto e dos seus objectivos, troca de e-mails e de documentação, e a realização de diversas reuniões, prolongou-se ao longo de quase quatro meses.


12. Através de uma deliberação de 17.09.2021, do seu único sócio e gerente, a R. comprometeu-se a “aplicar, caso a referida candidatura seja aprovada e se tal se demonstrar necessário para a execução do projecto, mediante a realização de prestações suplementares de capital, um total de € 732.581,58 (setecentos e trinta e dois mil, quinhentos e oitenta e um euros e cinquenta e oito cêntimos).”


*


A.2. E consideraram-se como não provados os seguintes factos:


1. Nas negociações que antecederam a proposta supramencionada em 1., a A. enviou à R. um e-mail datado de 16.03.2021, onde se pode ler que “os nossos honorários são exclusivamente em success fee (devidos apenas em caso de aprovação) e seriam facturados apenas com o pagamento do incentivo à Quantum Leap”.


2. Aquando da assinatura da proposta supramencionada em 1., a A. garantiu que apenas cobraria e facturaria os seus honorários caso existisse pagamento dos incentivos à R..


3. A A. reconheceu que a impossibilidade de execução do projecto foi totalmente alheia à R., e pediu que esta enviasse um e-mail para a equipa de gestão do projecto, com o teor que a própria A. redigiu.


4. A R. não comprovou a realização das remanescentes fontes de financiamento do projecto, a que se havia obrigado e comprometido, pelo que não conseguiu obter o pagamento do incentivo que já estava aprovado a seu favor.


*


B) – Apreciação do Recurso/O Direito


1. A R./recorrente discorda da sentença, invocando o erro de julgamento de facto e de direito.


No que se reporta à matéria de facto, impugna os pontos 1 a 3 dos factos não provados, que entende deverem ser considerados em sentido inverso, invocando a prova documental, as declarações do seu legal representante e o depoimento da testemunha AA, que refere terem sido descredibilizados pelo Tribunal a quo.


2. Antes de passarmos à apreciação dos concretos factos impugnados, importa lembrar que, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que se averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova (Remédio Marques, Acção Declarativa, à Luz do Código Revisto, 3.ª Edição, pág. 638 -641).


Assim, os poderes conferidos por lei à Relação quanto ao princípio fundamental da apreciação das provas previsto no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, têm amplitude idêntica à conferida ao tribunal de 1.ª instância, devendo a 2.ª instância expressar a respectiva convicção acerca da matéria de facto impugnada no recurso, e não apenas conferir a lógica e razoabilidade da convicção firmada pelo tribunal a quo, a qual não se funda meramente na prova oral produzida, sendo a mesma conjugada com todos os demais meios de prova que a podem confirmar ou infirmar, e apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com um exame crítico de todas as provas produzidas.


E, como nos dá conta o Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça de 25/01/2016 (processo n.º 05P3460), disponível, como os demais citados sem outra referência, em www.dgsi.pt: “(…) VII - O exame crítico das provas consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.


VIII - O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte. (…)”


Deste modo, a Relação aprecia livremente as provas, de acordo com o princípio constante do n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, ou seja, a tudo o que possa concorrer para a formação da sua livre convicção acerca de cada facto controvertido.


Por outro lado, não invalida a convicção do tribunal o facto de não existir uma prova directa e imediata da generalidade dos factos em discussão, sendo legítimo que se extraiam conclusões em função de elementos de prova, segundo juízos de normalidade e de razoabilidade, ou que se retirem ilações a partir de factos conhecidos.


Não se pode, porém, esquecer que nesta sua tarefa a Relação padece de constrangimentos decorrentes da circunstância de os depoimentos não se desenvolverem presencialmente, pelo que na reapreciação dos depoimentos gravados, a Relação tem apenas uma imediação mitigada, pois a gravação não transmite todos os pormenores que são captáveis pelo julgador e que vão contribuir para a formação da sua convicção.


Assim, a alteração da matéria de facto pela Relação deve ser realizada ponderadamente, em casos excepcionais e pontuais, e só deverá ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente.


3. Vejamos, agora, se ocorreu erro quanto ao julgamento dos factos impugnados, o que passa, necessariamente, por aferir se as provas indicadas pela recorrente impõem decisão diversa quanto aos factos impugnados, no contexto da demais prova produzida, de modo a firmar a convicção de que outro devia ter sido o sentido da decisão, designadamente o pretendido pela recorrente.


3.1. Nos referidos pontos da matéria de facto impugnados deu-se como não provado que:

«1. Nas negociações que antecederam a proposta supramencionada em 1., a A. enviou à R. um e-mail datado de 16.03.2021, onde se pode ler que “os nossos honorários são exclusivamente em success fee (devidos apenas em caso de aprovação) e seriam facturados apenas com o pagamento do incentivo à Quantum Leap”.

2. Aquando da assinatura da proposta supramencionada em 1., a A. garantiu que apenas cobraria e facturaria os seus honorários caso existisse pagamento dos incentivos à R..

3. A A. reconheceu que a impossibilidade de execução do projecto foi totalmente alheia à R., e pediu que esta enviasse um e-mail para a equipa de gestão do projecto, com o teor que a própria A. redigiu.»

3.2. A respeito desta matéria consta da decisão recorrida a seguinte motivação:

«No que tange à factualidade julgada não provada, resultando do teor do e-mail de 16.03.2021 que o mesmo não se refere à proposta em causa nos presentes autos, mas antes a uma outra proposta (Programa de Apoio à Produção Nacional – PANP), não se podia ter por demonstrado o facto descrito em 1. (cf. fls. 123-126, 145 verso-148 e 166 verso).

Relativamente à matéria descrita em 2., além de não existir prova documental que o demonstre, nomeadamente o e-mail de 16.03.2021, e de a testemunha BB nada saber sobre a matéria, dado que ainda não trabalhava na R. quando foi celebrado o contrato, o que se afigurou foi que para prova de tal matéria não seriam suficientes as declarações vagas da testemunha AA, que se limitou a afirmar que da parte da R. havia a convicção de que não seria devido qualquer pagamento se não fosse efetivamente recebido o incentivo, sem concretizar de forma credível em que circunstâncias se ancorava essa convicção, tanto mais que a testemunha não conseguiu sequer distinguir a situação dos autos de outras em que o pagamento era devido em moldes distintos, como sucedeu com a proposta relativa ao Programa de Apoio à Produção Nacional (PAPN).

Nada tendo sido afirmado pelas testemunhas ouvidas que permitisse levar a concluir que a A. reconheceu que a impossibilidade de execução do projeto foi totalmente alheia à R. (as testemunhas apenas deram nota da situação que objetivamente se verificava, nada sabendo sobre o alegado reconhecimento da A. da situação de impossibilidade), não se deu por provado o que se descreve em 3., considerando não apenas que o e-mail ali referido não diz respeito ao projeto em causa na proposta ajuizada, mas também porque do teor do e-mail não se retira que a A. reconheceu a impossibilidade de execução de qualquer projeto, certo que nem no e-mail essa impossibilidade é assumida (cf. fls. 222-223).»

3.3. A R. discorda, começando por invocar o teor do documento que constitui o e-mail de 16/03/2021, enviado pela A. à R., do qual consta que: “os nossos honorários são exclusivamente em success fee (devidos apenas em caso de aprovação) e seriam facturados apenas com o pagamento do incentivo à Quantum Leap”.


No entanto é a própria recorrente que diz, no ponto 13 das alegações, que o mesmo “não se refere, em concreto, ao projecto SISTEMA DE INCENTIVOS À INOVAÇÃO PRODUTIVA (SIIC), em análise no presente recurso”.


E, de facto, tal e-mail, que consta de fls. 166 v., não se reporta ao projecto aqui em causa, mas sim ao projecto do “Programa de Apoio à Produção Nacional (PAPN)”, junto a fls. 123 a 126, e 145v. a 148 ”, como resulta claro do próprio documento (tal como indicado no assunto do mesmo e no texto), o que, aliás foi confessado pelo legal representante da R., em depoimento de parte (cfr. assentada constante da acta de julgamento de 12/09/2024), onde consta que referiu, que: “… efectivamente o e-mail diz respeito a uma outra candidatura, esclarecendo, no entanto, que tal se refere à mesma fábrica que deveria funcional em Abrantes (e que neste caso a Ré recebeu adiantamento e pagou o sucess fee à Autora).”


Ora, ainda que estejam em causa projectos de investimentos a serem instalados nas mesmas instalações fabris, em Abrantes, como refere a recorrente, certo é que se trata de projectos diferentes e o e-mail invocado refere-se apenas ao projecto do “Programa de Apoio à Produção Nacional (PAPN)”, e não ao projecto “Sistema de Incentivos à Inovação Produtiva (SIIC)”, em apreciação nestes autos, nada resultando do dito e-mail que as condições ali indicadas, que faziam depender os honorários, não só da aprovação, mas também do pagamento do incentivo, eram extensivas, ou englobavam, também o projecto aqui em causa.


E o depoimento do legal representante da R. também não permite esclarecer esta questão, pois o que se retira é que estava convicto que não seria exigível o pagamento da sucess fee caso a R. não recebesse o incentivo, tendo referido que “nunca foi dito em ocasião nenhuma, nem por escrito, nem em várias reuniões que tivemos via vídeo … que se por algum motivo não avançássemos com o projecto após a aprovação da candidatura teríamos ainda assim pagar a mesma comissão sobre algo que não tínhamos recebido.”


Porém, lembremos que o que se pretende provar é que, no âmbito das negociações que antecederam a proposta mencionada, a que se reportam os pontos 1 e 2 dos factos provados (projecto “Sistema de Incentivos à Inovação Produtiva (SIIC)”), a A. enviou à R. o dito e-mail, o que não tem apoio no documento, não resulta do depoimento do legal representante da R., nem dos excertos do depoimento da testemunha AA, que a recorrente também invoca.


Acresce que , uma coisa, é a R., no dizer do seu legal representante e da testemunha, estar convicta de que o pagamento da sucess fee (em caso de aprovação) só seria exigível com o pagamento do incentivo, outra, diferente, é que tenha havido negociações nesse sentido e que o e-mail constitua prova desse facto, o que não sucede.


Assim como também não há prova de que, aquando da assinatura da proposta em causa, a A. tenha garantido que apenas cobraria e facturaria os seus honorários caso existisse pagamento dos incentivos à R., pois o dito e-mail não se reporta àquela proposta, e a testemunha AA, também o não disse. O que se apura do depoimento é que a testemunha diz que a convicção da R. era que só com o pagamento do incentivo os honorários seriam pagos à A., mas não refere que essas garantias tenham sido dadas para o presente projecto aquando da assinatura da proposta, que é o que se pretende provar.


Em suma, tal convicção da testemunha, que expressa o que diz ser o entendimento da R., não tem apoio no documento assinado, e do facto de em relação ao outro projecto, a que se reporta o e-mail de 16/03/2021, a A. ter dito, a propósito da proposta enviada, que os honorários eram em sucess fee (em caso de aprovação) e seriam facturados apenas com o pagamento do incentivo à Quantum Leap, não se pode extrai a ilação de que o mesmo sucederia com a proposta aqui em causa.


De resto, como refere o tribunal recorrido, a testemunha limitou-se a afirmar que da parte da R. havia a convicção de que não seria devido qualquer pagamento se não fosse efectivamente recebido o incentivo, sem concretizar de forma credível em que circunstâncias se ancorava essa convicção, tanto mais que a testemunha não conseguiu sequer distinguir a situação dos autos de outras em que o pagamento era devido em moldes distintos, como sucedeu com a proposta relativa ao Programa de Apoio à Produção Nacional (PAPN), e a recorrente não demonstra o contrário.


Em síntese, não ocorre fundamento para alteração dos pontos 1 e 2 dos factos não provados.


3.4. E quanto à matéria do ponto 3 dos factos não provados, também não vemos que a A. tenha reconhecido que a impossibilidade de execução do projecto foi totalmente alheia à R..


Ao contrário do alegado pela recorrente, tal não resulta dos factos provados constantes dos pontos 4 a 8 da matéria de facto, posto que o que emerge da referida factualidade é que a data limite para a execução da operação aprovada no âmbito do projecto financiado era o dia 30/06/2023, que o projecto seria desenvolvido numa unidade industrial sediada em Abrantes, cuja obra e respectivo licenciamento estavam a cargo da Tagus Valley, e cuja conclusão estava prevista para o final de 2021, e que até ao dia 07/03/2023, data em que a A. recebeu um e-mail da R., em que esta informou que não pretendia continuar a executar o projecto e que “tal configurava, no entender da R., uma situação jurídica de força maior, motivo pelo qual não seriam devidos quaisquer honorários”, ainda não tinha sido celebrado o contrato de cedência das instalações necessárias para a execução do projecto, e que, em 26/10/2023 a “Comissão Directiva da Autoridade de Gestão do programa Operacional Regional do Centro” revogou a decisão de concessão do apoio, com a consequente desactivação do incentivo aprovado.


E do depoimento da testemunha AA, que na parte que teve por relevante a recorrente até transcreveu, apenas se apreende que esta disse que não foi uma opção da R. não avançar com o projecto, mas que não tiveram espaço para concretizá-lo.


Quanto ao documento de fls. 222/223, o mesmo reporta-se ao projecto PAPN e não propriamente ao aqui em apreciação, como, aliás, confessou o legal representante da R. (cfr. assentada do depoimento, embora acrescentando que o projecto em apreço se refira à mesma fábrica de Abrantes).


O que se apura é que a R. enviou à CIM do Médio Tejo o e-mail que consta de fls. 223, com o texto sugerido pela A., dando conta das dificuldades de execução do projecto até à data limite para elegibilidade de despesas de 30/06/2023, com vista a obter uma prorrogação do prazo ou a possibilidade de alteração da localização do projecto de investimento.


Apesar de o teor do e-mail ter sido sugerido pela A., o mesmo foi elaborado a pedido da R., e do mesmo não resulta que a A. reconheça que a impossibilidade de execução do projecto foi totalmente alheia à R.. O que se pretende é expor as dificuldades da R. de execução da operação até à data de conclusão indicada na candidatura, com o objectivo de se encontrar uma solução para o projecto, indagando-se da possibilidade de prorrogação do prazo de execução ou alteração do local de implementação, questionando-se ainda quais as consequências para a R. em caso de desistência do projecto.


No referido e-mail não há reconhecimento da impossibilidade de execução do projecto, mas apenas exposição das dificuldades de execução atempada, nem a participação da A. na redacção do mesmo exprime o reconhecimento que a impossibilidade de execução é totalmente alheia à vontade da R., como se pretende provar.


4. Diz ainda a recorrente que sempre teria de ser dado como provado que a impossibilidade de execução do projecto foi alheia à R. (cfr. conclusão I)).


Porém, tal matéria é totalmente conclusiva, pois depende da prova dos factos que a sustentem, o que será apenas de avaliar em sede de subsunção jurídica dos factos ao direito aplicável.


5. Deste modo, improcede o recurso quanto à matéria de facto.


6. No que se reporta ao direito aplicável, não subsiste dúvida de que entre a A. e a R. foi celebrado um contrato de prestação de serviços, cuja noção legal se encontra prevista no artigo 1154º do Código Civil: “Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.


Em face do disposto no artigo 1156º do Código Civil, ao contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente (o mandato, o depósito e a empreitada são modalidades especialmente reguladas - cfr. artigo 1155º) são aplicáveis as disposições do mandato, sem prejuízo do que no próprio contrato assinado pelas partes se estipulou, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, como previsto no artigo 405º do Código Civil.


No caso em apreço está em apreciação um contrato de consultoria financeira, nos termos do qual, além do mais, a A. se obrigou a prestar à R., mediante o pagamento de honorários, os serviços de pré-candidatura e candidatura da R. ao Sistema de Incentivos à Inovação Produtiva, parte integrante do programa Portugal 2020, destinado a apoiar investimentos produtivos inovadores efectuados no território do Continente que promovam o incremento da produção transaccionável e internacionalizável.


Os serviços a prestar pela A., compreendiam todas as fases de trabalho, desde o diagnóstico, ao registo do pedido de auxílio (pré-candidatura) e posterior candidatura ao incentivo, bem como, caso a R. pretendesse, o posterior acompanhamento e encerramento do processo.


E está provado que, no âmbito dos serviços prestados e de acordo com a proposta de prestação de serviços de consultoria financeira (cfr. ponto 2 dos factos provados), em 20.09.2021, a A. submeteu a candidatura ao Sistema de Incentivos à Inovação Produtiva, a qual foi aprovada em 24.06.2022 pela “Comissão Directiva da Autoridade de Gestão do Programa Operacional Regional do Centro.”


Ou seja não subsistem dúvidas, nem é sequer questionado, que a A. prestou os serviços de pré-candidatura e candidatura discriminados na proposta aceite pela R., e que a candidatura apresentada foi aprovada.


A questão que se coloca, e é nela que reside a discordância das partes, é a de saber


se, prevendo o contrato celebrado o pagamento de uma retribuição, a A. tem direito a receber a quantia correspondente à sucess fee de 10% do incentivo não reembolsável aprovado a favor da R., de acordo com a cláusula do contrato que estipula sobre o pagamento dos honorários. Tendo em conta que o incentivo aprovado foi no valor de € 808.158,23, com base em tal cláusula a A. pretende cobrar a quantia de € 80.815.82, correspondente a 10% do incentivo, acrescida de IVA.


A cláusula em apreço, referente à retribuição da A., para as fases do projecto em apreciação, consta do ponto 2 dos factos provados com o seguinte teor:

“► Valor de € 0,00 a título de honorários fixos; e,

Sistema de Incentivos à Inovação Produtiva

► Success fee de 10% do incentivo não reembolsável aprovado a favor da Quantum Leap pela execução das tarefas previstas nas secções A (Processo de pré-candidatura) e B (Processo de candidatura); e,

► Success fee de 5% do incentivo não reembolsável aprovado a favor da Quantum Leap pela execução das tarefas previstas na secção C (Acompanhamento).

Caso tenha sido submetido o processo de pré-candidatura e a Quantum Leap opte por não avançar com a apresentação da candidatura ao Sistema de Incentivos à Inovação Produtiva, seriam devidos € 2.500,00 de honorários pelos serviços prestados e descritos na secção A.

Caso a candidatura a submeter ao Sistema de Incentivos à Inovação Produtiva venha a ser aprovada, total ou parcialmente, e a Quantum Leap opte por não avançar com a execução do projecto de investimento, apenas seriam devidos os nossos honorários relativamente aos serviços das secções A (Processo de pré-candidatura) e B (Processo de candidatura).”

7. Como resulta dos factos acima enunciados, os honorários da A., pelos serviços prestados eram variáveis, e pela conclusão do processo de candidatura com sucesso, estava prevista uma sucess fee de 10% do incentivo não reembolsável atribuído à R..


A sucess fee, clausulada num contrato de prestação de serviços, é uma taxa de performance, de sucesso por um desempenho, uma comissão variável indexada à taxa de sucesso de uma operação (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/03/2008 – proc. n.º 07B3843).


No caso em apreço o direito à retribuição pela referida cláusula, em face do contrato, dependia, não só, da execução de todas as tarefas especificadas necessárias à apresentação da candidatura e formalização da mesma, como, também, da aprovação da candidatura.


E está demonstrado que a A. executou todas as tarefas previstas para a fase de pré-candidatura e candidatura da R. ao incentivo e que a candidatura foi aprovada, pelo que, os honorários previstos são os correspondentes a 10% do incentivo aprovado.


Invocou, porém a R. que a A. garantiu que apenas cobraria e facturaria os seus honorários caso existisse pagamento dos incentivos à requerida, o que não aconteceu, dada a impossibilidade de execução do projecto, por motivos de força maior alheios à requerida, designadamente, a falta de conclusão da obra na unidade industrial onde o projecto seria desenvolvido, levando a que a candidatura tenha sido revogada, depois de ter sido aprovada e de ter sido atribuído um incentivo de € 808.158,23.


Assim, invocou a R. que não se verificou a condição de que dependia o pagamento dos honorários, não tendo a R. obtido qualquer benefício com a prestação de serviços realizada pela A., o que impede a aplicação da success fee de 10%.


Mas, como se concluiu na sentença, e sabendo-se que não ocorreu alteração da matéria de facto, como se decidiu, não se provou que a tenha A. garantido que apenas cobraria os seus honorários se o pagamento do incentivo à R. fosse por esta efectivamente recebido, assim como não se provou que o contrato celebrado estabeleça o recebimento efectivo desse incentivo como uma condição de que dependia o direito à cobrança dos honorários.


8. Porém, tendo sido apurado que a aprovação do incentivo foi revogada depois de ultrapassado o prazo para a execução do projecto e que as instalações onde deveria funcionar a unidade industrial ainda não tinham sido cedidas à R. em Março de 2023 (poucos meses antes do prazo estabelecido para a execução do projecto, previsto para Junho de 2023), entendeu-se na sentença que havia que equacionar se tal circunstancialismo se enquadra na situação prevista na cláusula em apreço, designadamente quando na mesma se estabelece “… a Quantum Leap opte por não avançar com a execução do projeto de investimento”, valendo para tanto as normas que regem sobre a interpretação da declaração negocial constantes dos arts. 236º e segs. do Código Civil.


Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao artigo 236º do Código Civil (Código Civil Anotado, pág. 223, Vol. I, 4ª edição revista e actualizada, pág. 223), no domínio da interpretação da declaração negocial, “… o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante”. Só assim não será se não for razoável imputar ao declarante aquele sentido declarativo (“se este não puder razoavelmente contar com ele”), ou se o declaratário conhecer a vontade real do declarante, caso em que “será de acordo com ela que vale a declaração emitida”.


E estando em causa um negócio formal, expressa a lei que “… não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”, podendo valer com esse sentido se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio não se opuserem a essa validade (cfr. art. 238º do Código Civil).


Acresce que, estando em causa negócios onerosos (como é o do caso em apreço), havendo dúvidas sobre o sentido da declaração, prevalece aquele que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (art. 237º do código citado).


No caso dos autos, a cláusula em apreço, como se diz na sentença, reporta-se a três momentos distintos, estabelecendo uma remuneração variável e escalonada em função dos serviços prestados até cada um desses momentos pela A., prevendo-se então que:


- sendo submetido o processo de pré-candidatura e a R. opte por não avançar com a apresentação da candidatura ao Sistema de Incentivos à Inovação Produtiva, seriam devidos € 2.500,00 pelos serviços prestados;


- ultrapassada a fase anterior (ou seja, sendo apresentada a candidatura), e sendo a mesma aprovada, e a R. opte por não avançar com a execução do projecto, seriam devidos os honorários pelos serviços a prestar pelos processos de pré-candidatura e de candidatura, honorários esses correspondentes a 10% do incentivo aprovado;


- finalmente, entrando-se na execução do projecto, seriam devidos os honorários correspondentes a 5% do incentivo aprovado pela execução das tarefas de acompanhamento desse projecto.


Ou seja, de acordo com o contrato, o escalonamento estabelecido para que seja devida a sucess fee (taxa de sucesso) de 10% do incentivo não reembolsável, pressupõe a aprovação da candidatura apresentada, sendo que em caso de não aprovação apenas poderiam ser cobrados os honorários relativos à primeira fase.


E, no caso, a candidatura foi aprovada.


É, no entanto, certo que se estipulou que sendo a candidatura aprovada “… e a Quntum Leap opte por não avançar com o projecto de investimento, apenas seriam devidos os nossos honorários relativamente aos serviços das secções A (Processo de pré-candidatura e B (Processo de candidatura)”.


Mas, salvo o devido respeito, o que resulta da letra da cláusula e da sua integração sistemática, tendo em conta que a retribuição é devida com a aprovação da candidatura, como sucedeu, é que se a R. não avançar com a fase de execução do projecto, ou dela desistir, a A. apenas terá direito aos honorários correspondentes à conclusão do processo de candidatura com sucesso, e já não à sucess fee prevista para a fase de acompanhamento da execução do projecto.


E não se invoque, como diz a recorrente, que está provado que a impossibilidade de execução do projecto foi totalmente alheia à R., pois os factos provados nos pontos 5 a 7, apenas permitem concluir que a obra e licenciamento do local onde ia ser executado o projecto ainda não estavam concluídos, e a R. em Novembro/Dezembro de 2022 já sabia desse atraso, assim, como sabia que a data limite para a execução da operação aprovada no âmbito do projecto financiado era o dia 30/06/2023. Acresce que, a R., comunicou à A., em 07/03/2023, que não pretendia continuar a executar o projecto, situação que culminou com a decisão de 26/10/2023, da Comissão Directiva da Autoridade de Gestão do programa Operacional Regional do Centro, que revogou a decisão de concessão do apoio, com a consequente desactivação do valor do incentivo aprovado, a qual foi tomada, após notificação da proposta de revogação da decisão de concessão do apoio, à qual a R. não respondeu (cfr. fls. 223v. a 226).


Importa lembrar que o recebimento do incentivo estava dependente da empresa R. executar o projecto e cumprir as condições para de acordo com a lei, receber o incentivo.


Não era sobre a A. que recaía esse ónus, pois à A. apenas competia executar as tarefas inerentes à apresentação da candidatura e conseguir a sua aprovação, como condição para auferir a taxa de sucesso prevista.


A implementação e execução do projecto corria por conta e risco da R., que tinha a obrigação de criar as condições necessárias para esse efeito, e se não o conseguiu, por causas imputáveis a terceiros, é a estes que deve reclamar as respectivas responsabilidades, sendo tal situação alheia à actuação da A., não sendo condicionante prevista para o direito aos honorários reclamados.


E também não se invoque que tendo a aprovação inicial deixado de produzir efeitos, a condição de que dependia o pagamento dos honorários à A. não se verifica, pois, como resulta dos factos apurados, tal não sucedeu por via da actuação da A., designadamente por erros a esta imputáveis no processo de candidatura, que condicionaram a aprovação, mas sim porque a R. não conseguiu atempadamente as instalações onde seria implantado o projecto e desistiu da sua execução, o que não pode ser imputável à A., pois não era tarefa da sua responsabilidade, não correndo por conta do risco por esta assumido.


Em síntese, a A., com a sua actuação alcançou o sucesso pretendido, ou seja a aprovação da candidatura, e a mesma só veio a ser revogada por inexecução da fase de implementação do projecto, por causas não imputáveis à A., pelo que o não recebimento do incentivo não é imputável à A., nem integra o âmbito do risco por esta assumido.


E não se argumente com o decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 03/11/2022 (proc. 1812/21.7T8GMR.G1), onde se veio a entender que em face da revogação posterior da aprovação da candidatura não havia lugar ao pagamento da sucess fee, pois a situação apreciada nesse aresto assenta em factos diversos dos aqui em apreço, visto que ali a revogação da aprovação da candidatura ocorreu por se ter vindo a verificar a omissão no formulário da candidatura da existência de investimentos com adiantamentos já realizados, que, se tivessem sido declarados, a candidatura teria logo obtido decisão desfavorável – cfr. factos provados indicados nos pontos EE) a QQ) do dito aresto] – ou seja, a candidatura não devia sequer ter sido aprovada.


Ora, no caso aqui em apreço, sublinhamos, a candidatura foi aprovada, e o facto de não ter sido recebido o incentivo, devido à revogação posterior da aprovação, deveu-se a factos que decorreram do risco assumido pela R., onde se integra a obrigação de providenciar pela atempada obtenção de instalações para execução do projecto.


Deste modo, sendo os honorários contratualmente previstos devidos com a aprovação da candidatura, apesar de a decisão de aprovação ter vindo a ser revogada, por não execução do projecto, e não por erros, omissões ou deficiências, do processo de candidatura, imputáveis à A., e não tendo a R. logrado demonstrar o acordo no sentido de que o pagamento ficava também dependente do efectivo recebimento do incentivo, tem a A. direito a receber a sucess fee prevista de 10% sobre o valor do incentivo que havia sido aprovado, não decorrendo de tal exigência actuação conducente ao abuso de direito, como se explicou na sentença.


9. Nestes termos e com tais fundamentos, improcede a apelação, com a consequente manutenção da sentença recorrida.


*


C) – Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]


(…)


*


IV – Decisão


Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.


Custas a cargo da Apelante.


*


Évora, 10 de Julho de 2025


Francisco Xavier


Ana Pessoa


José António Moita

(documento com assinatura electrónica)