Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
80/19.5PAABT.E1
Relator: BEATRIZ MARQUES BORGES
Descritores: PENA DE MULTA
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
NOTIFICAÇÃO POR VIA POSTAL
Data do Acordão: 10/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. A decisão de conversão da multa em prisão subsidiária tem de ser notificada ao defensor e ao arguido.
II. A notificação ao defensor será realizada através da plataforma informática e ao arguido através de carta simples com registo de depósito para o domicílio constante do TIR.
III. A alteração da morada constante do TIR apenas pode ser realizada pelo arguido pessoalmente, na secretaria do Tribunal, ou por via postal registada ou por terceiro, se munido de uma procuração na qual seja referido expressamente o poder de comunicar a mudança de residência indicada pelo arguido quando prestou TIR (artigo 196.º, n.º 3, alínea c) do CPP).
IV. Tendo a defensora comunicado a alteração da residência do arguido, mas não o próprio arguido através do formalismo exigido pelo artigo 196.º, n.º 3, alínea c) do CPP, a sua notificação não pode legalmente ser realizada por carta simples no novo endereço fornecido pela patrona, pois esta não tem poderes de representação para alterar aquele elemento constante do TIR.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
1. Da decisão
No Processo Comum Singular n.º 80/19.5PAABT da Tribunal Judicial da Comarca de Santarém Juízo Local Criminal de Abrantes, em que é arguido AA foi proferido despacho judicial com o seguinte teor:
“DA CONVERSÃO DA PENA DE MULTA EM PRISÃO SUBSIDIÁRIA
Por sentença proferida em 12-11-2020 e transitada em julgado, o arguido foi condenado na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 5.00€ (cinco euros), o que perfez o montante global de 750,00€ (setecentos e cinquenta euros) – cfr refª 85113644.
Notificado para o pagamento voluntário da pena de multa, o condenado requereu o pagamento da multa em prestações, tendo-lhe sido autorizado o pagamento em sete (/) prestações mensais iguais e sucessivas– cfr 86277182
O condenado só pagou a quantia de 428,58 euros e nessa medida foi notificado para pagar a quantia remanescente da pena de multa, o que não fez
Atendendo a informação, junta aos autos, o Ministério Público consignou que não instauraria execução por falta de pagamento da multa.
Concedida vista, pelo Ministério Público foi promovida, nos termos do disposto no artigo 49º, nº 1 do Código Penal, a conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária, nos termos e fundamentos constantes da promoção sob a refª 88782136.
Cumpre apreciar e decidir
Nos termos do disposto no artigo 489.º, nº 1 e 2, do Código de Processo Penal, após o trânsito da decisão condenatória, a pena de multa deverá ser paga no prazo de 15 dias contados da notificação para o efeito.
Por outro lado, esgotado este prazo, procede-se à execução patrimonial, se possível, nos termos do disposto no artigo 491º, nº 1 do Código de Processo Penal.
Ora, atento o princípio da prevalência das penas não detentivas da liberdade, só no caso de não ser possível a instauração de execução por inexistência ou insuficiência de bens é que o tribunal pode proceder à conversão da multa não paga em prisão subsidiária correspondente.
De harmonia com o disposto no artigo 49.º, n.º 1 do Código Penal, se o condenado em pena de multa não proceder voluntariamente ao respetivo pagamento e se não for possível o seu cumprimento coercivo, nos termos do artigo 491.º do CPP, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não seja punido com pena de prisão, não se aplicando, para o efeito o limite mínimo de dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º do Código Penal.
Compulsados os autos, verifica-se que a arguida não cumpriu, voluntariamente, no prazo legal do artigo 489.º, n.º 2 do C.P.P.
Por outro lado, veio a arguida requerer o pagamento da mesma em prestações, o que lhe foi autorizado, conforme se referiu supra, tendo apenas pago o valor de 428,58,00 euros.
Encontra-se por pagar a quantia de 214,18,00 euros o que corresponde a 42 dias de pena de multa.
De acordo com os elementos recolhidos nos autos, não é possível obter a cobrança coerciva do montante da pena de multa em que o arguido foi condenado.
Assim sendo, face ao preceituado no artigo 49.º, n.º 1 do C.P. e de acordo com o promovido, converto a pena de multa em que a arguida foi condenada em 28 (VINTE E OITO) dias de prisão subsidiária, equivalente a dois terços do tempo da pena de multa ainda por pagar.
Deverá ainda ser comunicado ao condenado que se provar que a razão do não pagamento da multa lhe não lhe é imputável, pode a execução da pena ser suspensa por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou regras de conduta não forem cumpridos será executada a prisão subsidiária.
Notifique.
Notifique igualmente o Ministério Público e o defensor com a expressa comunicação de que a notificação deste despacho à arguida será efetuado para a morada do TIR, com notificação efetuada por via postal simples (no mesmo sentido, a titulo de exemplo, o acórdão do TRP de 27/09/2017, Processo nº 9126/00.0TDPRT-A.P1, o acórdão do TRP de 28/09/2016, processo nº 1239/06.0PTPRT-A.P1; o acórdão do TRC de 22/05/2013, processo 2326/08.6PBCBR.C1; acórdão do TRL de 08/05/2013, processo 12/11.9PTBRR.L1-3; e acórdão do TRE de 29/11/2016, processo nº 253/09.9PFSTB-A.E1, integralmente disponíveis no sítio www.dgsi.pt)"
Após trânsito em julgado e nada sendo pago ou justificado, passem-se os competentes mandados de detenção para cumprimento da pena de prisão.”.

2. Do recurso
2.1. Das conclusões do arguido
Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“1 - O despacho que converta a pena de multa em prisão subsidiária deve ser pessoalmente notificado ao Arguido, em especial quando não tenha comparecido na audiência de julgamento, nem na leitura de sentença.
2 - Isto porque, o despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária, o qual não obstante ter a natureza de sanção, opera uma modificação na natureza da pena aplicada, que não deixa de passar a ser uma pena detentiva, pelo que se para nos termos do artigo 119º, nº 9 do CPP se exige a notificação pessoal quando estão em causa garantias patrimoniais e dedução de pedido cível, não se vê como não albergar as hipóteses em que poderá haver lugar a privação da liberdade.
3 - Não havendo norma que determine de forma expressa como se efectua a notificação ao arguido do despacho que deve ser proferido ao abrigo do artigo 49º nº 1 do CP, atenta a relevância da decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, cerceadora da liberdade do arguido, apenas a sua notificação pessoal permite assegurar o efectivo conhecimento pelo mesmo do conteúdo da decisão.
4- Apenas a notificação pessoal satisfaz as exigências do processo equitativo, previstas no artigo 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
5- Mostrando-se mais consentâneo com as garantias de defesa constitucionalmente asseguradas ao condenado o entendimento de que se lhe impõe a notificação de tal decisão, e não apenas ao seu defensor.
6 - Devendo o despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária e determinou a notificação do Recorrente por via postal simples ser revogado e substituído por outro que ordene notificação pessoal do mesmo, mostrando-se violados os artigos 113.º, nº 10 , 119º, n º 1 al. c), e 49º do CPP e 32º, nº 5 e 20º, nº 4 da CRP. (…).”

2.2. Das contra-alegações do Ministério Público
Motivou o Ministério Público defendendo o acerto da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição):
“1. A notificação da conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária não tem formalismo legal expressamente consagrado;
2. No caso em apreço, o arguido prestou TIR, sendo-lhe dado conhecimento de todas as implicações de tal medida de coacção, designadamente de que as notificações a si dirigidas passariam a ser feitas por via postal simples para a morada indicada;
3. O TIR mantém-se válido e operante até a extinção da pena, pelo que, in casu, era ainda válido quando a notificação lhe foi dirigida, para essa morada, por via postal simples;
4. Em plus garantístico, foi igualmente notificada a decisão ao Ilustre Defensor do arguido;
5. Estavam, assim, assegurados todos os direitos de defesa e assegurado o contraditório do arguido, não havendo qualquer preterição de normas ou de direitos;
6. Pelo que deverá ser reconhecido que o despacho proferido pelo Tribunal a quo, no qual determinou a notificação do arguido sem determinar a sua notificação pessoal, cumpre todos os requisitos legais e assegura todos os direitos do arguido, devendo, por isso, manter-se.
Nestes termos, deve o recurso interposto improceder, confirmando-se antes o despacho que determinou a notificação do arguido por via postal simples da decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, pois que assim se fará, com o douto suprimento de Vossas Excelências, (…)”.

2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância
Na Relação o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de ser julgada a improcedência total do recurso interposto pelo arguido.

2.4. Da tramitação subsequente
Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Objeto do recurso
De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

2. Questão a examinar
Analisadas as conclusões de recurso a questão a conhecer é a de saber se o despacho judicial que converte a pena de multa em prisão subsidiária carece de ser notificado ao arguido através de contacto pessoal.

3. Apreciação do recurso interposto pelo arguido
Definida a questão a tratar, cumpre apreciá-la.
O recorrente AA foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 03/01, na pena de 150 dias de multa à razão diária de 5 €, no montante global de 750 €, tendo a decisão transitado em julgado em 18.2.2021.
O arguido pagou parcialmente a aludida pena de multa, tendo o remanescente (214,28 €) sido convertido em 24 dias de prisão subsidiária, por força do artigo 49.º, n.º 1 do CP. Esta decisão de conversão, prolatada em 16.3.2022, foi remetida ao arguido por via postal simples com prova de depósito e à sua patrona oficiosa através da plataforma informática.
Não se conformando com a decisão o arguido interpôs recurso, alegando, em síntese, que a notificação do despacho de conversão da pena de multa em prisão subsidiária deveria ter sido realizada através de contacto pessoal e não através de carta simples.
O MP em 1.ª instância, no que foi seguido pelo Procurador Geral Adjunto nesta instância, pugnou pela validade e suficiência da notificação por via postal simples, convocando os seguintes argumentos:
- Não existe norma específica determinativa da forma de notificação do despacho que proceda à conversão da pena de multa em prisão subsidiária.
- O arguido prestou TIR em 19/02/2019 resultando do artigo 196.º, n.º 2 do CPP que as notificações a ele dirigidas passam a ser feitas por via postal simples para a morada indicada no TIR, sendo que este por força do n.º 3, alínea e) mantém-se válido e operante até à extinção da pena, o que, no caso sub iudice, ainda não ocorreu.
- Qualquer notificação dirigida ao arguido poderia ser enviada por via postal simples para a morada do TIR, sendo da responsabilidade exclusiva daquele garantir a receção das notificações a ele dirigidas.
- Como o Defensor foi igualmente notificado da decisão também por esta forma se garantiu o direito de defesa do arguido.
Tendo em consideração os argumentos expostos conheceremos da questão suscitada seguindo de perto os fundamentos aduzidos sobre este tema pelo Acórdão da RE proferido em 1.10.2018[1].
Cumpre referir, em primeiro lugar, que o artigo 113.º, n.º 10 do CPP (ao estatuir que as notificações do arguido podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado, e ao excluir destas tão só as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento, à decisão sobre medida de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido cível) parece querer excluir a necessidade de “dupla notificação” das decisões posteriores à sentença [2].
Entendemos, todavia, à semelhança da posição adotada no despacho recorrido, que a notificação da decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária tem de ser notificada ao arguido e ao seu defensor.
Sobre a exigência da “dupla notificação” de despacho prolatado após a sentença, concretamente daquele que revoga a suspensão da execução da pena de prisão, pronunciou-se de forma aprofundada o AUJ n.º 6/2010, com base nos seguintes fundamentos:
- Aquele despacho é complementar da sentença;
- Aquele despacho tem como efeito direto a privação de liberdade do condenado;
- As consequências provocadas por aquele despacho aproximam-se das da sentença condenatória em pena de prisão;
- Na fase da execução da pena atenua-se a presunção de certeza de um acompanhamento/relacionamento próximo entre o defensor e o condenado;
- As razões que teleologicamente conduziram à solução legislativa de impor a notificação da sentença ao defensor e ao arguido justificam a necessidade de este regime de notificação ser estendido à notificação do despacho de revogação da suspensão da execução da pena.
Embora este AUJ 1.10.2018 se reporte à notificação de decisão de revogação da pena de prisão suspensa na sua execução consideramos que, tal como é defendido no Acórdão da RE 1.10.2018, as razões atrás indicadas devem ser estendidas à decisão de conversão da multa em prisão subsidiária, pois também aqui, tratando-se de decisão posterior à sentença, estamos perante um despacho determinativo da privação de liberdade e de cumprimento de prisão.
Acresce, ainda, que razões de coerência sistemática fortalecem esta argumentação, pois a lei quanto à notificação de medidas de coação pouco restritivas das liberdades, de medida de garantia patrimonial e de pedido cível também não se basta com a simples notificação ao defensor das decisões que contendem com direitos pessoais do arguido.
Daí o arguido não poder ser notificado apenas na pessoa do seu Defensor ou Advogado, devendo a notificação do despacho de conversão da multa em prisão subsidiária (e o de revogação da suspensão da execução da pena) efetuar-se também ao arguido.
Importa, então, saber como deve esta notificação ao arguido ser realizada, pois foi ordenada pelo Tribunal a sua efetivação através de via postal simples para a morada do TIR.
A alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º do CPP estabelece que as notificações se efetuam mediante “via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos”.
Depois o artigo 196.º do CPP determina que a constituição de arguido implica a simultânea prestação de TIR, devendo para esse efeito o arguido indicar a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha, para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º do CPP.
Como salienta Ana Brito no Acórdão da RE já citado:
Do TIR tem, ainda de constar, que é dado conhecimento ao arguido da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o local onde possa ser encontrado (al.b) do nº3 do art. 196º do CPP), de que as posteriores notificações serão feitas por esta via (via postal simples para a morada constante do TIR), exceto se o arguido comunicar uma outra (al.c) do nº3 do art. 196º do CPP), e de que em caso de condenação o TIR só se extinguirá com a extinção da pena (al. e) do nº3 do art. 196º do CPP).
Não restam dúvidas de que em processo penal a notificação de arguido que prestou TIR se processa nos termos da al. c) do nº1 do art. 113º do CPP, já que a via postal simples está, quanto a ele, “expressamente prevista na lei”. Esta via de notificação encontra-se intrinsecamente ligada ao termo de identidade e residência, não subsistindo fora dele. E é precisamente a obrigatoriedade de vínculo do arguido à morada conhecida no processo que suporta a notificação ficcionada por aviso postal simples. Não subsiste fora do TIR e perdura enquanto perdurarem as obrigações do TIR.”

Assim, tendo, o Tribunal a quo ordenado a notificação da decisão ao arguido por carta simples endereçada à morada constante do TIR e à sua patrona estariam cumpridos os requisitos legais para se considerarem perfeitas as notificações realizadas[3].
No processo em apreciação, todavia, analisando as notificações expedidas e o TIR prestado pelo arguido constata-se que a secção expediu para o arguido uma carta simples com prova de depósito para um endereço distinto do TIR.
Na realidade, durante o processo tentou-se de forma infrutífera notificar pessoalmente o arguido da sentença proferida na morada do TIR (Calçada ..., ... ...), tudo por força do disposto no artigo 113.º, n.º 10 do CPP e 333.º, n.º 5 do CPP, pois o arguido, embora notificado, não compareceu ao julgamento nem à leitura da decisão final.
Tendo conhecimento da inviabilização da notificação do arguido na morada constante do TIR a ilustre patrona indicou no processo, através de requerimento apresentado no citius, a nova morada do arguido (Av. ..., ... ...). Foi neste endereço que o arguido foi notificado pessoalmente através de OPC do teor da sentença e posteriormente através de carta simples com depósito da decisão que converteu a pena de multa em prisão subsidiária.
O arguido não foi, assim, ao contrário do referido nas contra-alegações de recurso pelo MP, notificado por carta simples com prova de depósito na morada do TIR, mas sim num outro endereço onde já havia sido notificado pessoalmente da decisão final, e fornecido no processo pela patrona oficiosa do arguido.
A questão que se coloca, então, é a de saber se a notificação por carta simples com prova de depósito no endereço fornecido pela patrona oficiosa do arguido pode ser considerada regularmente realizada? E relacionada com esta questão outra se coloca consistente em saber se a notificação por carta simples com prova de depósito expedida ao arguido para o endereço constante do TIR podia ser considerada regular, face à circunstância de já se ter apurado no processo que o arguido havia alterado de residência para a ..., onde aliás havia sido notificado da sentença pessoalmente pelo OPC.
Em primeiro lugar, cumpre referenciar que o artigo 196.º do CPP sob a epígrafe “Termo de identidade e residência” estabelece, designadamente, o seguinte:
“1 - A autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido (…)
2 - Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.
3 - Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:
a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;”

A este propósito no Acórdão da RP de 13-07-2011[4] é salientado que a comunicação da mudança de residência constante do TIR só pode ser efetuada:
- Pelo arguido – pessoalmente, na secretaria do tribunal, ou por via postal registada;
- Por terceiro, conquanto munido de uma procuração na qual seja referido expressamente o poder de comunicar a mudança de residência indicada pelo arguido quando prestou TIR.
No recurso em apreciação a Ilustre Patrona não se encontra munida de poderes especiais para em nome do arguido proceder à comunicação imposta pela alínea c), do n.º 3 do artigo 196.º do CPP.
Por outro lado, tendo o arguido prestado TIR, se a notificação por carta simples com prova de depósito fosse remetida para o endereço nele indicado (...), segundo o raciocínio atrás exposto, o arguido seria considerado regularmente notificado do despacho recorrido, quando é sabido que este já não reside no endereço indicado no TIR, pois foi notificado pessoalmente da sentença por OPC numa morada situada na ..., por indicação da patrona oficiosa.
Face ao imbróglio processual criado cumpre encontrar uma solução consentânea com as regras e princípios do direito processual penal.
Na verdade, embora as obrigações decorrentes do TIR perdurem até à extinção da pena (artigo 196.º, n.º 3, alínea e) do CPP), no caso concreto a notificação via postal simples efetivamente não foi expedida para a morada constante do TIR. Por outro lado, conquanto a decisão tenha sido remetida para o endereço fornecido pela patrona do arguido local onde o OPC já inclusive o notificou da sentença, o facto é que não é este o endereço constante do TIR.
Assim, considerando que o despacho determinativo da conversão da pena de multa em prisão subsidiária implicará a subsequente privação da liberdade do arguido, face à particularidade do caso em apreço, impõe-se que a notificação seja realizada através de contacto pessoal, com eventual aproveitamento dessa diligência para colher novo TIR ao arguido (como deveria desde logo ter acontecido aquando da notificação da sentença através de OPC).
Esta solução é consentânea com a encontrada pelo legislador para a notificação da sentença quando o arguido não tendo estado presente em nenhuma das sessões da audiência de julgamento incluindo a da leitura (embora notificado) e é notificado pessoalmente da decisão final (artigo 333.º, n.º 5 do CPP).[5]
Assim, e em conclusão:
- A decisão de conversão da multa em prisão subsidiária tem de ser notificada ao Defensor e ao arguido;
- A notificação ao Defensor será realizada através da plataforma informática e ao arguido através de carta simples com registo de depósito para o domicílio constante do TIR;
- A alteração da morada constante do TIR apenas pode ser realizada pelo arguido pessoalmente, na secretaria do tribunal, ou por via postal registada ou por terceiro, se munido de uma procuração na qual seja referido expressamente o poder de comunicar a mudança de residência indicada pelo arguido quando prestou TIR (artigo 196.º, n.º 3, alínea c) do CPP);
- Tendo a Defensora comunicado a alteração da residência do arguido, mas não o próprio arguido através do formalismo exigido pelo artigo 196.º, n.º 3, alínea c) do CPP a sua notificação não pode legalmente ser realizada por carta simples no novo endereço fornecido pela Patrona, pois esta não tem poderes de representação para alterar aquele elemento constante do TIR.
- Por outro lado, estando em causa a privação da liberdade do arguido revela-se intolerável se continue a ficcionar que o mero depósito da carta postal simples no recetáculo postal da residência indicada no TIR valha como notificação, quando resulta de forma inequívoca do processo que o arguido já ali não reside.
- Num caso como o apreciado neste recurso em que a carta para notificação da decisão contende com direitos relevantes do sujeito processual e foi expedida para uma morada fornecida pela patrona para efeitos de notificação da sentença e não para o endereço constante do TIR (local onde se sabe que o arguido já não reside), e tendo o arguido em sede de recurso suscitado a invalidade da notificação através de carta simples, não resta senão determinar que a notificação seja efetuada por contato pessoal, à semelhança da situação prevista pelo artigo 333.º, n.º 2, do CPP[6], de forma a ultrapassar-se o impasse processual a que os autos se encontram votados, em razão da circunstância de a morada do TIR não ter sido devidamente atualizada quando o arguido foi notificado da sentença final pessoalmente pelo OPC.

III. DECISÃO
Nestes termos e com os fundamentos expostos:
1. Julga-se provido o recurso interposto pelo arguido, conquanto por fundamento diverso, determinando-se que se proceda à notificação pessoal do arguido do despacho determinativo da conversão da pena de multa em prisão domiciliária, com eventual prestação de novo TIR onde seja atualizado o seu endereço.
2. Sem custas.

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP consigna-se que o presente Acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos signatários.
Évora, 11 de outubro de 2022.
Beatriz Marques Borges – Relatora
João Carrola
Maria Leonor Esteves
____________________________________________

[1] Cf. Acórdão da RE de 1.10.2018, proferido no P. 408/14.4TACTX-A.E1, relatado por Ana Barata Brito, disponível para consulta em www.dgsi.pt/jtre.
[2] Sendo nestas de incluir a decisão que converte a multa em prisão subsidiária. Nesse caso a notificação da decisão de conversão da multa em prisão ficaria perfeita apenas com a notificação na pessoa do Defensor do arguido.
[3] Divergindo deste entendimento cf. Acórdão da RE 26-01-2021, proferido no processo n.º 222/18.8PAABT.E1, relatado por Isabel Duarte.
[4] Proferido no P. 1704/07.2TBBGC.P1 e relatado por MOISÉS SILVA, disponível para consulta em www.dgsi.pt/jtrp.
[5] Cf. sobre a notificação pessoal no âmbito do artigo 333.º, n.º 5 do CPP o Acórdão da RE de 22-06-2021, proferido no P. 753/17.7PAVFX.E1, em que foi relatora Fátima Bernardes e disponível para consulta em www.dgsi.pt/jtre.
[6] No referente à notificação da sentença, a regra geral, é a de que se o arguido não estiver presente na leitura da sentença, «considera-se notificado da sentença depois desta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído» (cf. artigo 373º, n.º 3, do CPP). No caso, porém, de o julgamento se ter realizado na ausência do arguido notificado para a audiência, estatui o artigo 333º, n.º 5, do CPP, que: «No caso previsto nos n.ºs 2 e 3, havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente».