Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANABELA LUNA DE CARVALHO | ||
Descritores: | ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS QUÓRUM DELIBERATIVO PROTECÇÃO DE DADOS | ||
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Data do Acordão: | 10/28/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | - Pretendendo um condómino avaliar da pertinência e adequação de uma das possíveis reações (anulação ou suspensão) por suspeitar da representatividade da assembleia e tendo esta sido realizada alegadamente com o quórum estatutária e legalmente exigidos por via do número de presenças e de representações, tem esse sócio o direito de exigir que a administração lhe disponibilize a documentação de interesse com vista a aferir dessa representatividade. - Os documentos mencionados na ata da assembleia de condóminos e que dela fazem parte integrante e que suportam a referência feita na ata de que existia quórum constitutivo e deliberativo suficiente para a assembleia reunir em segunda convocatória, contêm dados pessoais dos condóminos que os emitiram, tal como moradas, números de identificação pessoal e fiscal. - Sendo, os mesmos, dados pessoais na definição do artigo 4.º, 1, RGPD. - Contudo, não se demonstrando que tais dados estão tratados por meios totalmente automatizados, por meios parcialmente automatizados ou por meios não automatizados desde que contidos em ficheiros ou a eles destinados, o RGPD não é invocável para legitimar a recusa da administração na entrega desses documentos, por se encontrar fora do âmbito de aplicação material do mesmo (artigo 2º, 1, RGPD). (Sumário da Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Apelação P. 945/20.1T8PTM.E1 1ª Secção Acordam no Tribunal da Relação de Évora: I (…), na qualidade de condómina, veio deduzir ação especial para apresentação de documentos contra (…) – Hotelaria, Lda., sendo esta, na qualidade de Administradora do Condomínio do Edifício (…), sito na (…), em Portimão, pedindo nos termos do disposto no artigo 1045.º do CPC, ex vi artigo 545.º[1] do Código Civil, a citação da requerida para a apresentação dos seguintes documentos: I – documentos apresentados, no total de 134, mencionados na ata referente à assembleia de condóminos de que a requerida é administradora e acima mencionado, conforme referido na ata de 18/01/2020. II – cópia dos instrumentos de procuração/declarações com poderes dos condóminos que se fizeram representar na mesma assembleia geral de condóminos ocorrida em 18/01/2020. Alegou, em síntese, ter sido notificada da ata da assembleia geral de condomínio de 18/01/2020, ata que refere a existência de um quórum constitutivo e deliberativo que permitiu à assembleia reunir em segunda convocatória, mencionando a mesma terem sido apresentados 134 documentos que “foram anexados à presente ata, fazendo dela parte integrante”, bem como ter sido “verificada e lida à assembleia a folha de presenças, que se anexa como documento integrante da presente ata, constituída pelas assinaturas dos respetivos condóminos presentes e representantes destes…”. Sucede que a requerida apenas remeteu à requerente o documento referente ao texto da ata e não os documentos que a integram, o que impede a autora/ condómina de exercer os seus direitos de sindicância sobre a validade e regularidade das deliberações tomadas na referida assembleia geral. A Requerida contestou, essencialmente por exceção: dilatória (invocando a sua ilegitimidade) e perentória (invocando estar “legalmente” impedida de satisfazer o peticionado, por força do normativo e dos princípios que regem a proteção de dados pessoais, no caso, da titularidade dos condóminos identificados nos documentos em causa). A requerente respondeu às exceções reafirmando os fundamentos e o peticionado. Em despacho autónomo e transitado foi a ilegitimidade passiva julgada improcedente. Realizadas diligências de prova o tribunal a quo julgou e sentenciou como segue: “Pelo exposto, julgo a presente ação procedente por provada e, em consequência, determina-se que a requerida apresente em 02-06-2021 pelas 14:00h, neste tribunal, nos termos do artigo 1046.º, n.º 3, 1ª parte, do C.P.C.: a) I – documentos apresentados, no total de 134, mencionados na ata referente à assembleia de condóminos de que a requerida é administradora, conforme referido na ata de 18/01/2020; b) II – cópia dos instrumentos de procuração/declarações com poderes dos condóminos que se fizeram representar na mesma assembleia geral de condóminos ocorrida em 18/01/2020; Custas pela requerida, pelo mínimo legal – artigo 527.º do C.P.C.” Inconformada com tal decisão veio a Requerida recorrer concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso: «1º - Vem o presente Recurso interposto da douta Sentença de fls., que determinou a condenação da Recorrente em apresentar as procurações e demais documentos de identificação pessoal de representação de condóminos em sede de assembleia-geral de condóminos. 2º - Entende a Recorrente, com a devida vénia por douto entendimento, que se verificam, no processo de formação da convicção do M.M. Juiz a quo, erros na aplicação do Direito. 3º - Entende o Recorrente que o Tribunal a quo não fez correta aplicação do Direito, inexistindo qualquer fundamento legal para determinar a apresentação e entrega dos ditos documentos. 4º - Os documentos em questão contêm informações pessoais (dados pessoais) sobre os respetivos mandantes (condóminos) e mandatários, por. ex. moradas, números fiscais, n.ºs documentos de identificação, e inclusive cópias destes anexados. 5º - A Recorrente - administradora de condomínio - tem acesso a dados pessoais de todos os condóminos das diversas frações como por exemplo, nome completo, número de identificação, dados bancários (IBAN etc.) assim como informação específica relativa a despesas, pagamento de quotas de condomínio, valores em dívida, etc., e que, por isso, está também ela abrangida pelo Regulamento e todos os seus preceitos. 6º - A Recorrente – administradora do condomínio – não pode facultar dados dos condóminos a terceiros, sem a sua prévia autorização. 7º - In casu, os mandantes das procurações emitidas não deram o seu consentimento para que os seus dados pessoais fossem tornados públicos. 8º - Um condomínio, em particular de quem o representa, possui a obrigatoriedade de sigilo dos dados pessoais dos condóminos, segundo a lei de proteção de dados, a violação do sigilo é considerado crime, conforme o artigo 51.º da Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto, prevê que, quem obrigado a sigilo profissional nos termos da lei, sem justa causa e sem o devido consentimento, revelar ou divulgar no todo ou em parte dados pessoais é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 9º - A Comissão Nacional de Proteção de Dados também já se pronunciou contra, uma vez que considera que os nomes não ficam acessíveis apenas aos condóminos, mas a todas as pessoas que circulam no prédio e por isso viola-se o direito à privacidade e ao bom nome. 10º - A Recorrida, para o fim que pretende, alegou a necessidade de aceder aos documentos (cfr. eventual necessidade de impugnação das deliberações), contudo nunca ficaria impedida (ou limitada) de exercer o seu direito de acesso à justiça, na medida em que a citação dos demais condóminos poderá ser realizada nos endereços dos condóminos constantes do próprio Prédio constituído em propriedade horizontal (podendo consultar inclusive a descrição predial – que é pública), e ainda que se frustrasse a citação postal, é sempre possível realizar a citação por agente de execução ou funcionário judicial (cfr. artigo 231.º do CPC), ou através de buscas (cfr. artigo 236.º do CPC) e ainda por citação edital (cfr. artigo 240.º do CPC). 11º - Por outro lado, o propósito invocado pela Recorrida, para que lhe sejam apresentados de tais documentos, é absolutamente ilegítimo, com efeito, só os condóminos que emitiram as procurações poderão impugnar o mandato, ou melhor, a falta de mandato, dos respetivos procuradores, podendo inclusive em caso de irregularidade, ratificar o mandato. Deste modo, a Recorrida não tem legitimidade para impugnar os mandatos conferidos pelos condóminos aos seus respetivos procuradores. 12º - Carecendo assim de qualquer legitimidade para impugnar a (in)validade dos mandatos conferidos pelos condóminos não presentes na dita assembleia, aos respetivos procuradores. Ainda que assim não fosse, nada impede a Recorrida de impugnar judicialmente as deliberações da mencionada assembleia, mesmo que não tenha acesso ao conteúdo das procurações. 13º - In casu, a pretensão da Recorrida não constitui um interesse jurídico atendível, porquanto o acesso a tais documentos não são uma necessidade imperiosa para determinar o acesso legitimo à Justiça, e em particular para mover uma ação de impugnação de deliberações. 14º - A interpretação do disposto no artigo 575.º do CC não pode limitar-se à interpretação dos Artigos 17.º, 18.º, 26.º e 20.º da CRP, mas mostra-se necessário interpretar de acordo com o direito internacional e europeu. 15º - O TJUE já se pronunciou no Acórdão de 29 de junho de 2010, no proc.º C28/08 (Comissão Europeia/The Bavarian Lager Co. Ltd.) [Acessível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A62008CJ0028], no sentido da desnecessidade de apresentação da informação da identificação, e dados de pessoais, constantes numa ata, relativamente a participantes numa reunião. 16º - O direito à informação dos condóminos, não pode prevalecer sobre o direito fundamental das pessoas singulares à proteção dos dados e privacidade. Sem conceder, e somente por mero dever de patrocínio, ainda se dirá: 17º - Com todo o respeito por melhor e douta opinião, caso assim doutamente não seja entendido, a apresentação das procurações e documentos conexos por parte da Recorrente com os dados pessoais, sempre deverá seja prestada de modo em que os elementos/dados e documentos pessoais contidos nas procurações respeitantes aos seus mandantes sejam truncados para devidamente assegurar o respeito pela sua privacidade e pela proteção dos seus dados pessoais. 18º - Violou assim o Tribunal a quo o artigo 12.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem; o artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; o artigo 7.º e no n.º 1 do artigo 16.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, em conjugação com o artigo 8.º-25 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia; os arts. 17.º, 18.º, 26.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 575.º do Código Civil e o artigo 1045.º do Código de Processo Civil; e os Princípios da integridade, confidencialidade, privacidade e proteção dos dados pessoais. Termos em que, e nos melhores de direito que Vossas Exªs doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente, com todas as consequências legais, fazendo-se, deste modo, a habitual justiça!» Não foram apresentadas contra-alegações. II São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal «a quo»:1. A requerente é dona e legítima possuidora das frações autónomas designadas pelas letras “FI” e “AT”, que correspondem aos andares 17H e 4.º-G do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na (…), (…), Portimão, denominado “Edifício (…)”, inscrito na matriz sob o artigo (…), freguesia e concelho de Portimão. 2. Edifício este que é administrado, quanto às suas partes comuns, pela requerida. 3. No passado dia 18/01/2020, decorreu uma assembleia geral de condóminos do identificado edifício, na qual estiveram fisicamente presentes diversos condóminos e outros que a administração de condomínio em vigor referiu estarem representados através de instrumentos de procuração/declarações. 4. Em 10/02/2020, a requerente foi notificada do teor da ata lavrada na sequência da assembleia de condóminos supra referida, ata na qual se fez referência de que existia quórum constitutivo e deliberativo para a assembleia reunir em segunda convocatória e menciona-se que foram apresentados 134 documentos que foram rubricados pelo presidente eleito da mesa da assembleia que “foram anexados à presente ata, fazendo dela parte integrante”. 5. Mais se refere que “Foi verificada e lida à assembleia a folha de presenças, que se anexa como documento integrante da presente ata, constituída pelas assinaturas dos respetivos condóminos presentes e representantes destes…”. 6. A requerida apenas remeteu à requerente o documento referente ao texto da ata e não os documentos que a integram e acima referidos pelo próprio autor da ata como dela fazendo parte integrante. 7. Ao longo dos anos a requerida tem feito uso de instrumentos de representação que refere terem sido emitidos a seu favor, do seu sócio e gerente, dos empregados deste, etc., para validar e aprovar deliberações que entende por convenientes. 8. Recusando-se sempre a exibir tais documentos de representação. 9. Por notificação Judicial Avulsa requerida em 03/03/2020, a requerente solicitou à requerida a apresentação dos seguintes documentos: I – documentos apresentados, no total de 134, mencionados na ata referente à assembleia de condóminos de que a requerida é administradora e acima mencionado, conforme referido na ata; II - cópia da folha de presenças da assembleia de condóminos atrás referida referente à assembleia de 18/01/2020; III – cópia dos instrumentos de procuração/declarações com poderes dos condóminos que se fizeram representar na mesma assembleia geral de condóminos. 10. Por mensagem eletrónica de 16/04/2020, subscrita por (…), foi remetida documentação referente à lista de presenças e lista de votações. 11. Em 20/04/2020, foi solicitado o envio das procurações que são referidas na ata resultante da referida assembleia geral e das quais decorrem as votações expressas. 12. Por mensagem de 20/04/2020, foi recusado o envio de tais documentos com o seguinte fundamento: “Conforme indicado na ata, os documentos pedidos não podem ser enviados, pois que, como lá indica, contêm dados pessoais que sem a autorização dos mandatários não podem ser divulgados ou entregues. Informamos ainda que a sua constituinte os consultou antes do início da assembleia”. 13. A Autora esteve presente na mencionada assembleia de condóminos, da qual consta que esta nada requereu e que o presidente da mesa da assembleia deu a palavra aos presentes para requerer o que fosse por conveniente. III Está a recusa da requerida (recorrente e administradora do condomínio) em facultar os documentos que a requerente (recorrida e condómina) lhe solicita assente em fundamento legítimo, nomeadamente, derivado dum dever de proteção de dados pessoais? Façamos uma breve definição e enquadramento do interesse da recorrida: direito de acesso (direito de acesso stricto sensu) aos documentos que integram a ata da assembleia de condóminos. Realizada uma assembleia de condóminos, as deliberações contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado, podendo também ser requerida a suspensão das deliberações nos termos da lei de processo (artigo 1433.º, 1 e 5, do CCiv), a qual prevê expressamente, a aplicação do regime da suspensão das deliberações sociais (com as necessárias adaptações) às deliberações da assembleia de condóminos (artigo 383.º do CPC). Pretendendo um condómino avaliar da pertinência e adequação de uma das possíveis reações (anulação ou suspensão) por suspeitar da representatividade da assembleia e tendo esta sido realizada alegadamente com o quórum estatutária e legalmente exigidos por via do número de presenças e de representações, tem esse sócio o direito de exigir que a administração lhe disponibilize a documentação de interesse com vista a aferir dessa representatividade. Assim e bem pondera a sentença recorrida: “a) Da necessidade de apresentação de documentos – artigo 1045.º do CPC. Dispõe o artigo 575.º do C.C. que fundamenta a obrigação de apresentar documentos a existência de interesse atendível pelo requerente. In casu foi dado como provado que a requerente pretende informação sobre a validade das procurações que foram exibidas na assembleia de 18-01-2020, de modo a aferir do quórum, maiorias de votação e legalidade da intervenção dos seus representantes. Isto é, a mesma pretende a prévia consulta de tais elementos para com a sua análise obter informação sobre a legalidade da administração do condomínio e eventual viabilidade de impugnação das suas deliberações. Ora, cremos que, salvo melhor entendimento, tal constitui um interesse jurídico atendível, sendo tal direito de informação essencial ao exercício dos seus direitos como condómina – artigo 1433.º, n.º 1, do Código Civil. Sendo que tais documentos estão à guarda da administração do condomínio, nos termos do artigo 1436.º, m), do Código Civil”. De outro modo, estaria afetado o direito do condómino a uma tutela jurisdicional efetiva de consagração constitucional (artigo 20.º, 1, CRP), correndo o risco, optando pela via judicial sem a necessária ponderação quanto aos fundamentos, de vir a ser condenado por má-fé (artigo 542.º, 2, a), CPC). Foi com tal móbil que a recorrida (condómina) solicitou à recorrente (administradora) a apresentação dos documentos mencionados na ata e que dela fazem parte integrante. São necessários para aferir o seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva, porquanto são eles que suportam ou não, a referência feita na ata de que existia quórum constitutivo e deliberativo para a assembleia reunir em segunda convocatória e que foram apresentados 134 documentos que foram rubricados pelo presidente eleito da mesa da assembleia que “foram anexados à presente ata, fazendo dela parte integrante. Tem um interesse atendível, o que lhe assegura a necessária legitimidade substantiva para a presente ação. Contrapõe a recorrente (administradora) que os documentos em causa, são procurações que contêm informações pessoais (dados pessoais) sobre os respetivos mandantes (condóminos) e mandatários, por exemplo, moradas, números fiscais, n.ºs documentos de identificação, e inclusive cópias destes, anexados. Não pode, por isso, facultar dados dos condóminos a terceiros, sem a sua prévia autorização. Quem representa um condomínio está obrigado ao sigilo dos dados pessoais dos condóminos, segundo a lei de proteção de dados, sob pena de responsabilidade criminal. Façamos igualmente uma breve definição e enquadramento do interesse da recorrente (administradora de condomínio). No plano civilístico, o administrador tem, entre outras, as funções de assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio e guardar e manter todos os documentos que digam respeito ao condomínio (artigo 1436.º, alíneas l) e f), do CCiv). Podendo ser exonerado das suas funções, a requerimento de qualquer condómino, quando se mostre que praticou irregularidades ou agiu com negligência no exercício das suas funções (artigo 1435.º do CCiv). Neste plano o administrador responde para com os condóminos enquanto órgão administrativo. Estando vinculado a deveres de atuação regular e diligente, o escrutínio dessa atuação pressupõe a exibição aos condóminos dos documentos que comprovem esse modo de proceder. Estão nessa situação documentos cuja apresentação se pede nesta ação. Invoca a recorrente estar vinculada ao direito da proteção de dados, sendo responsável pelo tratamento de dados pessoais dos condóminos, dados que venham ao seu conhecimento ou posse por força do exercício das suas funções. E, no caso, alega, os documentos solicitados não podem ser revelados a terceiros por conterem dados pessoais dos condóminos que os emitiram como moradas, números de identificação pessoal e fiscal, não havendo qualquer assentimento destes na divulgação dos mesmos. Embora o Direito da Proteção de Dados tenha vindo a assumir uma expressividade assinalável através do RGPD[2] e, através da Lei (nacional) de Proteção de Dados[3], o caso concreto não se insere no seu âmbito de aplicação material. Vejamos porquê. Nos termos do seu artigo 2.º, 1, o RGPD[4] aplica-se materialmente a tratamentos de dados pessoais realizados: por meios totalmente automatizados; por meios parcialmente automatizados; por meios não automatizados desde que contidos em ficheiros ou a eles destinados. Observa a propósito o Prof. A. Barreto Menezes Cordeiro, Direito da Proteção de Dados, pág. 85, que “O legislador europeu não define o que se entende por meios automatizados. (…). Contudo, podemos preencher o conceito de tratamento por meios automatizados nos seguintes termos: operações sobre dados pessoais que envolvam equipamentos de processamentos de dados, numa aceção ampla”. Ora, os dados identificativos constantes dos documentos cuja apresentação se pede, sendo, sem dúvida, dados pessoais na definição do artigo 4.º, 1, RGPD, não estão tratados com recurso a meios automatizados. Também não figuram em ficheiros nem a ficheiros se destinam. Definindo o artigo 4.º, 6), como “«Ficheiro», qualquer conjunto estruturado de dados pessoais, acessível segundo critérios específicos, quer seja centralizado, descentralizado ou repartido de modo funcional ou geográfico”. De que serve de exemplo académico, a organização das fichas médicas dos doentes de um hospital. Os documentos em causa não se contêm em ficheiros. Nem se afigura que estejam tratados, sendo um deles uma lista de presença e os demais, documentos individuais, emitidos e entregues pelo subscritor para uma finalidade representativa em assembleia. Não estando preenchidos os pressupostos do âmbito de aplicação material do RGPD, a recusa da administradora na apresentação dos documentos, com fundamento no dever de proteção de dados pessoais, não se mostra legítima. Poderemos questionar se essa recusa colhe legitimação através das normas gerais relativas aos direitos de personalidade e da intimidade da vida privada. Direitos com tutela civil (artigos 70.º e seguintes do CCiv) e igualmente constitucional (artigo 35.º da CRP). Ora, no caso, não demonstrou a recorrente de que modo a exibição dos documentos em causa – destinados a satisfazer um interesse jurídico atendível: informar um condómino da validade, ou não, dos poderes de representação concedidos por (outros) condóminos – é suscetível de ferir ou atingir algum dos direitos de personalidade dos condóminos representados. Para mais, sendo, todos eles aptos legalmente a desempenhar o cargo de administrador, do mesmo modo que todos ou parte representativa deles, constituem à semelhança do administrador, um órgão administrativo, a assembleia de condóminos. As informações em causa são circunscritas, não se destinam a entrar em livre circulação, mas sim, a permitir o exercício de direitos legais e estatutários. Bem ponderou assim o tribunal a quo quando refere: “Identicamente, não merece acolhimento a alegação de que não podem ser mostradas tais procurações devido aos dados pessoais nelas incluídos. Não se colocando em dúvida que tais dados são constitucionalmente protegidos e integram a reserva da vida privada num contexto do quotidiano – artigos 17.º, 18.º e 26.º da C.R.P. – porém, em sede de exercício dos direitos dos demais condóminos ao escrutínio da legalidade da administração, tal não pode ter uma interpretação tão absoluta que permita coartar os direitos dos demais condóminos que, legitimamente queiram exercer os seus direitos, igualmente constitucionalmente protegidos (artigo 20.º da C.R.P.) de acesso ao direito e à justiça, nomeadamente, de impugnação das deliberações do condomínio.” Improcedem, por consequência, os fundamentos do recurso. Em suma: (…) IV Termos em que, acorda-se em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.Custas pela apelante. Évora, 28 de outubro de 2021 Anabela Luna de Carvalho (relatora) Maria Adelaide Domingos José António Penetra Lúcio __________________________________________________ [1] Cremos que se pretendia referir ao artigo 575.º CCiv. (apresentação de documentos). [2] Regulamento Geral da Proteção de Dados – Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de abril de 2016. [3] Lei 58/2019, de 8 de agosto. [4] Artigo 2º, 1, RGPD: “1. O presente regulamento aplica-se ao tratamento de dados pessoais por meios total ou parcialmente automatizados, bem como ao tratamento por meios não automatizados de dados pessoais contidos em ficheiros ou a eles destinados.” |