Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | EMÍLIA RAMOS COSTA | ||
Descritores: | TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO LABORAL ACIDENTE DE TRABALHO PETIÇÃO INICIAL REVOGAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
Área Temática: | SOCIAL | ||
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Sumário: | Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I – Não havendo acordo na tentativa de conciliação em ação de acidente de trabalho, devem ficar consignados no auto os factos sobre os quais houve acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída. II – Neste caso, o processo transita para a fase contenciosa, sendo que se a discordância apenas se reportar ao resultado da perícia médica para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho, a parte discordante deverá interpor o requerimento a que alude o art. 138.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho; se for para além deste aspeto, deverá o sinistrado ou seus beneficiários apresentar petição inicial relativa aos factos em desacordo, nos termos do art 117.º do mesmo Diploma Legal. III – Em situação de desacordo, o auto da tentativa de conciliação destina-se a delimitar o objeto do processo na fase contenciosa, impedindo, não só que as questões sobre as quais houve acordo possam voltar a ser discutidas, como também que se invoquem questões não abordadas no referido auto. IV – Não constando do auto da tentativa de conciliação que o sinistrado aceitou a data da alta médica, bem como as lesões que constam da perícia médica junto aos autos, lesões essas que devem igualmente se mostrar descritas, o sinistrado pode, em sede de petição inicial, contraditar tais factos. | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 2120/24.7T8FAR-A.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1 ♣ Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório A Magistrada do Ministério Público veio intentar ação especial de acidente de trabalho, juntando para o efeito a respetiva participação, acidente esse ocorrido em 30-08-2023, na pessoa de AA2 cuja entidade responsável é a “Crédito Agrícola Seguros – Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A.”.3 … Em 28-10-2024 foi realizado exame pericial à sinistrada AA, no qual se concluiu: - A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 28/11/2023.------------- - Os períodos da incapacidade temporária absoluta são os atribuídos pela companhia seguradora.------------------------------------------------------------------------------------------------ - Incapacidade permanente parcial fixável em 2,985%.--------------------------------------- … Em 28-01-2025 foi realizado o auto de tentativa de conciliação, do qual consta: Aos 28 de janeiro de 2025, pelas 10:15 horas. Autos de Acidente de Trabalho (F. Conciliatória), n.º 2120/24.7T8FAR Procuradora da Republica, Exma. Dr.ª BB O técnico de justiça adjunto, CC. *** Sinistrada: AA Entidade responsável: Ca Seguros, S.A *** À hora designada efectuei a chamada e verifiquei que se encontravam presentes: - A sinistrada: AA, nascida a .../.../1967, titular do NIF - ... e da Autorização de residência - ..., residente na Local 1 - A patrona da sinistrada: Dr.ª DD, conforme nomeação junta a fls. 35 dos autos.--- - A legal Representante da Seguradora: Dr.ª EE, conforme procuração que se encontra arquivada na secretaria deste Tribunal.--- *** Iniciada a diligência, a instâncias do(a) Magistrado(a) do Ministério Público: A sinistrada, declarou que: • "No dia 30 de Agosto de 2023, foi vítima de um acidente de trabalho, quando se encontrava ao serviço da entidade empregadora "Flex people corporate, recursos humanos, Lda" com sede em Sintra.--- • Auferia a retribuição anual de 760,00€ X 14 meses acrescida de 1.130,44€ x 1 relativo a subsídio de refeição, cuja responsabilidade se encontra totalmente transferida para a seguradora. (11.770,44€/ano)--- • Exercia a função de embaladora. ---- • O acidente consistiu em sofreu queda tendo lesionado o punho direito e o joelho direito.- • Desse acidente resultaram as lesões descritas no auto de perícia médica junto ao processo, tendo sido fixada pelo Exmo. Perito Médico deste Tribunal, a data da alta em 28/11/2023 e atribuida uma incapacidade parcial permanente de 2,985%, resultado com o qual não concorda.----- • Encontra-se pago das indemnizações devidas por IT’s e demais despesas acessórias até à data da alta. ---- Assim reclama o pagamento de: • O pagamento da pensão a que tiver direito, calculado com base no salário referido à data do acidente e o grau de incapacidade que lhe vier a ser atribuída por Junta Médica.- • A importância de 32,80€ (4 x 8,20€ in www.eva-bus.com) a titulo de compensação das despesas com deslocações obrigatórias a este Tribunal e para realização de exame médico.---- • Para efeitos do disposto no art.º 150º do C.P.T., informa que o seu IBAN é o seguinte: ... "--- Mais não declarou. *** Em seguida, a legal representante da seguradora, declarou que: •·Reconhece a existência e caracterização do acidente como de trabalho.---- •·Aceita o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões.------- •·Aceita a retribuição anual declarada pela sinistrada. ------ •·Aceita a responsabilidade emergente do presente sinistro.--------- • Não aceita o resultado da perícia médica efectuada à sinistrada pelo Exmo. Perita Médica do Tribunal, uma vez que a sua representada pelos seus serviços clínicos considera a sinistrada curada sem desvalorização.--- •·A sua representada pagou à sinistrada as indemnizações devidas por IT.s e demais despesas acessórias, até à data da alta, tendo pago em excesso a quantia de 17,79€.-- Em consequência aceita pagar à sinistrada: A pensão a que tiver direito, calculado com base no salário referido à data do acidente e a incapacidade que lhe vier a ser atribuída por Junta Médica.---- A importância de 32,80€ a titulo de compensação das despesas com deslocações obrigatórias a este Tribunal e para realização de exame médico."----- *** DESPACHO: "Atento o teor das declarações que antecedem, a legitimidade e a capacidade das partes, dou-as por NÃO CONCILIADAS-------------------------------------------- Devolvam-se os autos à Secção Judicial, (art.º 117º n.º1 al. b do D.L. n.º 295/2009 de 13/10).------------------------------------------------------------------------------- Notifique".--------------------------------------------------------------------------- Do despacho que antecede foram os presentes notificados. (art.º 254.º do CPC) E para constar, se lavrou o presente auto que depois de lido e achado conforme vai ser devidamente assinado. … Em 07-02-2025, a “Ca Seguros, SA” veio requerer a realização da perícia médica por junta médica, formulando os respetivos quesitos, tendo, por despacho judicial proferido em 11-02-2025 sido designada a data para a realização do solicitado exame. … Em 12-02-2025, veio a sinistrada AA intentar ação especial emergente de acidente de trabalho, solicitando, a final, que a Ré seja condenada: i. reconhecer que as lesões do punho e joelho direitos da Autora são consequência direta e necessária do acidente de trabalho ocorrido em 30 de agosto de 2023. ii. reconhecer que as lesões do punho e joelho direitos não se encontram consolidadas, e que a Autora ainda não atingiu o seu potencial de recuperação. iii. pagar à Autora todo o tratamento e medicação necessária, por forma a que a mesma atinja o seu potencial de recuperação, sem que fique a padecer de qualquer incapacidade permanente. iv. pagar à Autora a quantia de 38,53€ (trinta e oito euros e cinquenta e três cêntimos), relativamente às sucessivas despesas com medicamentos que a mesma tem vindo a registar desde fevereiro de 2024, acima comprovadas. v. pagar juros à taxa legal das quantias peticionadas, desde a data do seu vencimento até efetivo e integral pagamento. Caso assim não se entenda, por mera cutela e dever de patrocínio, entendendo V. Ex.ª pela consolidação da lesões, deverá em alternativa, condenar a Ré a : vi. A reconhecer que as lesões do punho e joelho direitos da Autora são consequência direta e necessária do acidente de trabalho ocorrido em 30 de agosto de 2023. vii. pagar à Autora a pensão vitalícia que se vier a ser calculada, de acordo com a IPP fixada, na qual se atente, também à lesão do joelho direito. viii. pagar à Autora a quantia de 38,53€ (trinta e oito euros e cinquenta e três cêntimos), relativamente às sucessivas despesas com medicamentos que a mesma tem vindo a registar desde fevereiro de 2024, acima comprovadas. ix. pagar juros à taxa legal das quantias peticionadas, desde a data do seu vencimento até efetivo e integral pagamento. … Em 19-02-2025 foi proferido o seguinte despacho judicial: Requerimento citius 13382594: conforme decorre do auto de conciliação realizada aquando da fase conciliatória a divergência das partes limita-se à capacidade de trabalho. Por isso, em decorrência do disposto no art. 117º nº 1 al. b) do CPT, a fase contenciosa limita-se à realização de junta médica a qual até já foi requerida. Assim não se admite a petição apresentada. Notifique. … Não se conformando com tal despacho, a sinistrada AA veio interpor recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões: I. Vem o presente Recurso interposto do despacho com a referência 135398200, que não admitiu a Petição Inicial apresentada pela Recorrente, por entender ser inadmissível, com os seguintes fundamentos: “Requerimento citius 13382594: conforme decorre do auto de conciliação realizada aquando da fase conciliatória a divergência entre as partes limita-se à capacidade de trabalho. Por isso, em decorrência do disposto no artigo 117.º, n.º 1 al. b) do CPT, a fase contenciosa limita-se à realização de junta médica a qual até já foi requerida. Assim, não se admite a petição apresentada.” II. A Recorrente não pode concordar com o entendimento sufragado pelo douto Tribunal a quo, refletido no despacho recorrido, na medida em que o mesmo não se coaduna com a realidade, pois considera ter havido errónea interpretação e aplicação do previsto nos artigos 138.º, n.º 1 e 2, 117.º, n.º 1 al. a) e 119.º todos do CPT. III. Da análise conjugada do auto de tentativa de conciliação, da petição inicial apresentada e da decisão recorrida, resulta claro que o douto Tribunal a quo considerou de forma incorreta que apenas existia discordância entre as partes relativamente à incapacidade, o que não corresponde à verdade. IV. A tentativa de conciliação que deu origem aos autos em crise ocorreu no dia 28 de janeiro de 2025, pelas 10h15, não tendo as partes logrado obter acordo, não se cingindo, tal desacordo, apenas à questão da incapacidade. V. Do auto lavrado, resulta que a sinistrada, ora Recorrente, declarou, para o que aqui nos interessa, o seguinte: “(…) O acidente consistiu em sofreu queda tendo lesionado o punho direito e o joelho direito.- Desse acidente resultaram as lesões descritas no auto de perícia médica ao processo, tendo sido fixada pelo Exmo. Perito Médico Deste Tribunal, a data da alta de 28/11/2023 e atribuída uma incapacidade parcial permanente de 2,958%, resultado com o qual não concorda. (…)” VI. Por outro lado, decorreu da tentativa de conciliação, também devidamente transcrito no respetivo auto, que a representante da seguradora declarou que: “(…) Não aceita o resultado da perícia médica efetuada à sinistrada pelo Exmo. Perita Médica do Tribunal, uma vez que a sua representada pelos seus serviços clínicos considera a sinistrada curada sem desvalorização. (…)” VII. De uma simples leitura dos excertos do auto de tentativa de conciliação, supra transcritos, resulta claro que a sinistrada não concorda, quer com as lesões descritas, quer com a data da alta e, a final, com a incapacidade parcial permanente que lhe foi atribuída e, bem assim, que a representante da seguradora sequer se pronuncia quanto à data da alta ou aceitação das lesões descritas no relatório médico em causa, não procedendo nem à sua aceitação nem ao seu repúdio. VIII. Da leitura do mencionado auto, não alcança a Recorrente, de que forma concluí o douto Tribunal a quo que “a divergência das partes limita-se à capacidade para trabalho”, pois tal não corresponde ao que vem plasmado no documento elaborado após frustração da tentativa de conciliação. IX. Frustrada a tentativa de conciliação no âmbito do processo para efetivação de direitos decorrentes de acidente de trabalho ou doença profissional, o artigo 117.º do CPT, demonstra-nos que a fase contenciosa pode ter início por meio de apresentação do requerimento a que se refere o n.º 2 do artigo 138.º do CPT ou por apresentação de petição inicial. X. Não obstante, uma vez que o artigo 117.º do CPT não nos elucida quanto às situações em que se pode recorrer à apresentação da petição inicial, torna-se necessário, sobretudo, atentarmos ao ali enunciado quanto à possibilidade de apresentação de um requerimento, ou seja, às situações que este é admissível, permitindo-nos, assim, da leitura a contrario, alcançar as circunstâncias próprias para apresentação da petição inicial. XI. Resulta do artigo 117.º, n.º 1, al. b) do CPT que o requerimento a que se refere o n.º 2 do artigo 138.º é apresentado nos casos em que o interessado não se conforme como resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória, para efeitos de incapacidade para o trabalho, ou seja, quando o desacordo prenda-se, exclusivamente, com a divergência quanto ao grau e natureza da incapacidade em análise, aliás, assim tem entendido a mais variada Jurisprudência, vide a este respeito o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 14/12/2023, no âmbito do processo 2009/22.4T8LRS-A.L1-4, Relatora Francisca Mendes, e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 13/07/2022 no âmbito do processo 249/21.2T8MTS-A.P1, Relator Jerónimo Freitas, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. XII. Assim, a discordância da perícia para efeitos de incapacidade para o trabalho, não abrange, ela própria, nem a data da alta e, muito menos, poderá abranger a caracterização em si das lesões sofridas pela Sinistrada. XIII. A sinistrada, na petição inicial apresentada, traz aos autos toda a informação considerada relevante, para efeitos de análise por parte do Douto Tribunal a quo do abandono a que foi votada, da forma reprovável, pela Companhia de Seguros, a qual se recusou a admitir a lesão no joelho, ocorrida em virtude do acidente de trabalho, sendo este um dos elementos que determinaram a discordância no que diz respeito às lesões descritas no relatório pericial. XIV. O acidente de trabalho ocorreu no dia 30/08/2023, consubstanciando-se numa queda, tendo nesta sequência e no imediato sido diagnosticado à Sinistrada, ora Recorrente, uma fratura distal do radio e efetuado o respetivo tratamento, nomeadamente, aposta tala gessada com a consequente receita de analgésicos. XV. Volvidas três semanas após a data do acidente, mais precisamente em 18/09/2023, após cessada a toma da medicação, em virtude do aparecimento de dores no joelho direito, sob o qual também havia caído, a Recorrente deu o devido conhecimento à Companhia de Seguros e à Entidade Patronal e foi encaminhada para atendimento de urgência do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, na qual se constatou que se tratava de gonalgia com 3 semanas de evolução, decorrente de queda durante a atividade laboral. XVI. Tendo a lesão no joelho sido identificada atempadamente, sendo a mesma do conhecimento da Companhia de Seguros e da entidade empregadora, não se compreende, o motivo pelo qual não foi efetuado qualquer diagnóstico que pudesse ser determinante de uma atuação prudente, vindo, inclusive, a mencionada Seguradora a excluir a sua responsabilidade. XVII. Também não se compreende o porquê da lesão acima devidamente identificada não se encontrar vertida nem considerada no Relatório pericial. XVIII. As lesões relatadas pela Sinistrada aquando da tentativa de conciliação são discrepantes com as admitidas pela Companhia de Seguros, e quanto à lesão do joelho direito, sequer existe pronúncia ou referência no relatório pericial, pelo que, ao não concordar com as lesões descritas, porque não compreendem a sua globalidade, a Requerente não está, notoriamente, a discordar apenas da incapacidade. XIX. Conforme resulta do auto da tentativa de conciliação, a sinistrada, Recorrente, também não concorda com a data da alta, nomeadamente 28/11/2023, fixada para este efeito no relatório pericial. XX. A discordância relativamente à data da alta não se revela desprovida de fundamento, pois como traz aos autos através da sua petição inicial, a Recorrente, para além de padecer da lesão no joelho, não devidamente tratada, carecia ainda, em 28/11/2023, de sessões de fisioterapia que se revelavam essenciais para que atingisse o seu pleno potencial de recuperação, facto aliás que, conforme exposto no articulado apresentado em juízo e recusado, foi corroborado pelo médico responsável por ministrar a consulta de medicina do trabalho, quer em dezembro de 2023, quer em março de 2024. XXI. Também quanto à questão atinente à data da alta, a posição assumida pela Recorrente, de não aceitação, não se limita, meramente, à questão da incapacidade, abrangendo inúmeras outras questões que não poderiam, de qualquer forma, ser discutidas e solucionadas com recurso ao Requerimento a que alude o artigo 138.º, do CPT, pelo contrário, apenas podendo ser devidamente tratadas em sede de petição inicial. XXII. Dado o facto da discordância dos interessados corresponderem não somente à questão da incapacidade, o articulado próprio para dar seguimento à fase contenciosa apenas poderia ser a petição inicial, pois que apenas com este articulado permite a junção de exames complementares de diagnóstico, demais documentos médicos e, bem assim, a produção de prova testemunhal, de pessoas que tenham conhecimento direto da situação vivenciada pela Recorrente, por forma a que, se pudesse alcançar a compreensão da globalidade das lesões sofridas pela sinistrada, bem como, a real data da alta, sem prejuízo obviamente, da discordância simultânea quanto à incapacidade fixada, poder determinar o desdobramento do processo nos termos do artigo 118.º do CPT. XXIII. Apenas se podendo alcançar, de tudo o que se vem de expor que, mal andou o Tribunal a quo ao não admitir a petição inicial apresentada em juízo pela ora Recorrente, tendo com a sua decisão, incorrido em violação do versado nos artigos 138.º, n.º 1 e 2, 117.º, n.º 1 al. a) e 119.º todos do CPT. A Requerente indica, como documentos que devem acompanhar o presente Recurso, os seguintes: - O Auto de tentativa de conciliação (não conciliação), com a referência citius 135065617; - A petição inicial apresentada em juízo pela Recorrente e respetivos documentos que a acompanham, com a referência citius 13382594; - O despacho recorrido, com a referência citius 135398200. Nestes termos, não deveria ter sido recusada a petição inicial apresentada em juízo pela Recorrente, com fundamento da divergência das partes se limitar à capacidade de trabalho, na medida em que tal não corresponde à realidade do ocorrido, podendo e devendo este douto Tribunal da Relação de Évora, determinar a revogação da douta decisão, determinando a admissão do mencionado articulado, por forma a que o processo possa seguir os demais trâmites até final. Porém V. Exas. decidirão como for de JUSTIÇA! … A “Ca Seguros, SA” não apresentou contra-alegações. … O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, tendo, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, sido dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, no qual a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso. A sinistrada veio responder ao parecer, reiterando a argumentação constante do recurso apresentado. Neste Tribunal, o recurso foi admitido nos seus precisos termos e os autos foram aos vistos, cumprindo agora apreciar e decidir. ♣ II – Objeto do Recurso Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso. No caso em apreço, a questão que importa decidir é: 1) Admissão da petição inicial. ♣ III – Matéria de Facto O que releva para a presente decisão é o que já consta do relatório que antecede. ♣ IV – Enquadramento jurídico 1 – Admissão da petição inicial Considera a recorrente que o tribunal a quo interpretou e aplicou erroneamente os arts. 138.º, nºs. 1 e 2, 117.º, n.º 1, al. a) e 119.º, todos do Código de Processo do Trabalho, uma vez que resulta claro do auto de tentativa de conciliação que a discordância entre as partes não se cingiu apenas à incapacidade, tendo a recorrente igualmente discordado das lesões descritas no auto de perícia médica e da data da alta. Referiu ainda que a seguradora não se pronunciou quanto à data da alta nem quanto à aceitação das lesões descritas no referido relatório médico, pelo que nem as aceitou, nem as repudiou. E, a ser assim, por a discordância da perícia abranger também quer a data da alta quer a caracterização das lesões sofridas, deve ser admitida a petição inicial apresentada pela recorrente. Apreciemos. O processo emergente de acidente de trabalho inicia-se com uma fase conciliatória, dirigida pelo Ministério Público, tendo por base a participação do acidente (art. 99.º do Código de Processo do Trabalho)4. Tal fase termina com a tentativa de conciliação, competindo ao Ministério Público promover o acordo de harmonia com os direitos consignados na lei, tendo em atenção, designadamente, o resultado da perícia médica e as circunstâncias que possam influir na capacidade geral de ganho do sinistrado (art. 109.º). Nessa tentativa pode haver ou não acordo. Havendo acordo, deve constar do auto, além da identificação completa dos intervenientes, a indicação precisa dos direitos e obrigações que lhes são atribuídos e ainda a descrição pormenorizada do acidente e dos factos que servem de fundamento aos referidos direitos e obrigações (art. 111.º). Não havendo acordo, devem ficar consignados no auto os factos sobre os quais houve acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída (art. 112.º). Neste caso, o processo transita para a fase contenciosa, sendo que se a discordância apenas se reportar ao resultado da perícia médica para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho, a parte discordante deverá interpor o requerimento a que alude o art. 138.º, n.º 2 (requerimento de junta médica); se for para além deste aspeto, deverá o sinistrado ou seus beneficiários apresentar petição inicial relativa aos factos em desacordo (art. 117.º). Todos os factos em que tenha havido acordo na tentativa de conciliação já não podem ser alterados, pelo que a petição inicial apresentada não pode apresentar outra versão sobre eles. Efetivamente, em situação de desacordo, este auto destina-se a delimitar o objeto do processo na fase contenciosa, impedindo, não só que as questões sobre as quais houve acordo possam voltar a ser discutidas, como também que se invoquem questões não abordadas no referido auto.5 Posto isto, atentemos ao que consta do auto de tentativa de conciliação. Em primeiro lugar, e diversamente do que consta do referido art. 112.º, no auto de tentativa de conciliação, não se mostram expressamente indicados quaisquer factos sobre os quais a sinistrada tenha dado o seu acordo. Consta, pelo contrário, o seguinte: • Desse acidente resultaram as lesões descritas no auto de perícia médica junto ao processo, tendo sido fixada pelo Exmo. Perito Médico deste Tribunal, a data da alta em 28/11/2023 e atribuida uma incapacidade parcial permanente de 2,985%, resultado com o qual não concorda. Efetivamente, em face dos elementos que se mostram em negrito nesta frase, tudo parece indicar que a discordância apenas se reportou à incapacidade parcial permanente. Porém, não é efetivamente claro, só com base nesta frase, se a discordância se reporta apenas ao último elemento ou a todos os elementos que constam da frase. Por sua vez, tendo em atenção o que consta do invocado art. 112.º, que refere expressamente que os factos sobre os quais tenha havido acordo são consignados no respetivo auto, constata-se que nesse auto não constam indicadas, em concreto, as lesões descritas no auto de perícia médica junto ao processo. Por sua vez, foi feita concreta menção a que a sinistrada declarou ter sofrido uma queda e ficado lesionada no punho direito e no joelho direito. Consta no auto de perícia médica junto ao processo, como lesões sofridas pela sinistrada as seguintes: B. EXAME OBJECTIVO 1. Estado geral O(a) Examinando(a) apresenta-se: consciente, orientado(a), colaborante, com bom estado geral, idade aparente de harmonia com a idade real............................................................................................................ O(a) Examinando(a) é dextro(a) e apresenta marcha normal, sem apoio nem claudicação 2. Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento Membro superior direito: dor residual do punho com limitação dos últimos graus na flexão extensão com restantes mobilidades mantidas........................................................................................................... 3. Lesões e/ou sequelas sem relação com o evento O(A) examinando(a) não apresenta lesões ou sequelas………………………. É, assim, manifesto existir uma divergência entre as lesões que a sinistrada declarou ter sofrido e que constam do auto de tentativa de conciliação e as lesões que constam do auto de perícia médica junto ao processo, lesões essas que, por não terem sido expressamente descritas nesse auto, não se mostram sequer passíveis de acordo. Acresce que em momento algum desse auto consta que a sinistrada concordou com as lesões constantes no auto de perícia médica junto ao processo, tendo, pelo contrário, feito consignar lesões diversas daquelas. De igual modo não consta do referido auto que a sinistrada concordou com a data da alta atribuída no auto de perícia médica junto ao processo. Atente-se que aquilo que o art. 112.º determina é a consignação expressa dos factos admitidos por acordo, o que manifesta não ocorre no presente auto quanto à sinistrada. Na realidade, quanto à sinistrada, fez-se constar o que ela declarou e ainda o que tinha resultado da perícia médica junto aos autos (com exceção da descrição das lesões sofridas), terminando esta parte com a frase dúbia supracitada. Já relativamente à seguradora, fez-se constar, no início de cada frase (e independentemente de tais frases se reportarem a factos ou a referências com carácter jurídico), “Reconhece”, “Aceita” e “Não aceita”, sendo certo que relativamente à data da alta e às lesões descritas no auto de perícia médica também nada ficou a constar. É verdade que no final das declarações da sinistrada consta que a mesma reclama: • O pagamento da pensão a que tiver direito, calculado com base no salário referido à data do acidente e o grau de incapacidade que lhe vier a ser atribuída por Junta Médica.- • A importância de 32,80€ (4 x 8,20€ in www.eva-bus.com) a titulo de compensação das despesas com deslocações obrigatórias a este Tribunal e para realização de exame médico.---- A simples leitura deste pedido permitir inferir que a sinistrada, independentemente dos factos que tenham obtido o seu acordo, apenas pretende, para além das despesas a título de compensação pelas deslocações obrigatórias, o pagamento da pensão a que tiver direito, tendo em atenção o salário auferido à data do acidente e o grau de incapacidade que lhe vier a ser atribuída pela Junta Médica. Porém, o que a lei determina é a consignação do acordo sobre factos e não sobre pedidos que as partes pretendam vir, ou não, a formular. Como bem refere o acórdão do TRP proferido em 07-11-2022 no processo n.º 9609/18.5T8VNG.P1:6 I - A fase contenciosa do processo de acidente de trabalho destina-se, apenas, à discussão dos factos sobre os quais não tenha havido acordo, expresso, das partes na fase conciliatória. Por sua vez, cita-se igualmente o acórdão desta Relação, proferido em 19-11-2020, no processo n.º 95/18.0T8STR.E1:7 i) só a admissão de factos concretos na tentativa de conciliação vincula a parte e não as meras conclusões jurídicas qualificativas. ii) a aceitação pela seguradora na tentativa de conciliação da fase conciliatória de que o acidente é de trabalho, pode ser alterada se na fase contenciosa forem alegados e provados factos novos donde resulte que o acidente não deve ser qualificado como sendo de trabalho. iii) apesar da seguradora ter aceite que o trabalhador teve um acidente em determinada data, hora e local, e ter aceitado qualificá-lo como sendo de trabalho na tentativa de conciliação da fase conciliatória, esta qualificação não a vincula se na fase contenciosa forem alegados e provados factos novos donde resulte que naquele momento o trabalhador não estava sob a autoridade da empregadora a exercer as suas funções, mas sim em descanso semanal e se deslocou à viatura para ir buscar pertences seus sem relação com o trabalho. Atente-se que, no caso em apreço, e quanto à sinistrada, não consta sequer do referido auto a consignação de qualquer aceitação, seja ela de carácter jurídico ou de factos concretos, para além do que a própria referiu nas suas declarações, onde não fez referência nem à data da alta médica, nem apenas à existência da lesão do membro superior direito como resultante do acidente (uma vez que invocou também a lesão do joelho direito como resultante do acidente). Pelo exposto, importa concluir pela procedência da pretensão da recorrente, revogando-se, assim, o despacho recorrido, devendo a petição inicial ser admitida, prosseguindo o processo nos termos do art 119.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho. … ♣ V – Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso totalmente procedente e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, devendo a petição inicial ser admitida, prosseguindo o processo nos termos do art 119.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho. Custas a cargo da recorrida, apesar de não ter contra-alegado8 (art. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil). Notifique. ♣ Évora, 10 de julho de 2025 Emília Ramos Costa (relatora) Filipe Aveiro Marques Paula do Paço
_____________________________________________ 1. Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Filipe Aveiro Marques; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.↩︎ 2. Doravante AA↩︎ 3. Doravante “Ca Seguros, SA”.↩︎ 4. Os artigos referidos neste parágrafo reportam-se todos ao Código de Processo do Trabalho.↩︎ 5. Vide acórdão do TRE proferido em 14-09-2023 no processo n.º 383/21.9T8STR-B.E1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎ 6. Consultável em www.dgsi.pt.↩︎ 7. Consultável em www.dgsi.pt.↩︎ 8. Acórdão do STJ, proferido em 29-10-2024, no processo n.º 1199/20.5T8AGD-A.P2.S1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎ |