Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
650/21.1T8STR-B.E1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENORES
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Data do Acordão: 03/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. A intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem, como primeiro princípio orientador e estruturante do direito das Crianças e Jovens, o interesse superior da criança e jovem em perigo.
II. Sendo o “interesse superior da criança”, um conceito jurídico indeterminado, a concretização do mesmo deve sempre ser norteada tendo por referência os princípios internacionais e constitucionais, na análise da situação concreta de cada criança enquanto ser humano único e complexo.
III. Estando cometido aos pais o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos, e cabendo aos pais, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos, é natural que o processo de promoção e protecção deva subordinar-se ao princípio da prevalência da família.
IV. A intervenção do tribunal no seio da família deve ser a mínima, mas tendo sempre em vista salvaguardar o superior interesse da criança, que, por vezes não é visado pelos progenitores.
V. Mostra-se prematura a cessão da medida de promoção e protecção aplicada, de apoio junto de outro familiar, quando se verifica que tal medida se mantém adequada a salvaguardar o superior interesse da criança, promovendo o bem-estar, a segurança, a saúde e a estabilidade pessoal, familiar e emocional da mesma, havendo necessidade de, num primeiro momento, se implementar um plano de contactos para reaproximação da criança à mãe, respeitando o tempo da criança e a sua actual situação emocional.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. AA, progenitora da menor BB, requerida nos autos de processo de promoção e protecção que, sob o n.º 650/21.1T8STR, correm termos pelo Juízo de Família e Menores – Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, interpôs recurso do despacho de 17/11/2022, que prorrogou, por mais 6 meses, a medida de apoio junto de outro familiar – no caso, a tia-avó materna, CC –, aplicada a favor da sua filha.

2. A decisão recorrida é do seguinte teor:
«Nos presentes autos foi aplicada a medida de apoio junto da mãe, por um período de 12 meses, com revisão semestral, a favor da BB, nascida em .../.../2011, por acordo homologado por decisão proferida em 1 de Junho de 2021 (cfr. ref.ªs 86971155 e 86971047).
Após a aplicação da medida, a situação da criança alterou-se, tendo a medida aplicada a favor da criança sido revista e alterada, para uma medida de apoio junto de outro familiar, no caso, a tia-avó materna CC, pelo período de 12 meses, com revisão trimestral, por despacho proferido em 19 de Outubro de 2021 (ref.ª 88074954). Esta medida foi revista e mantida, por despacho proferido em 10 de Janeiro de 2022 (ref.ª 88823552), por despacho proferido em 19 de Abril de 2022 (ref.ª 89830541) e por despacho proferido em 20 de Julho de 2022 (ref.ª 90735524).
Impõe-se, neste momento, proceder novamente à revisão da medida – art.º 62.º da LPCJP.
O Ministério Público pronunciou-se, com a ref.ª 91603632, no sentido da prorrogação da medida, por mais 6 meses. A Sr.ª Técnica Gestora do processo manifestou-se em igual sentido.
Ouvidos os progenitores nos termos do disposto no art.º 85.º da LPCJP, a progenitora pronunciou-se, por requerimento com a ref.ª 9123964, no sentido da não concordância com a prorrogação da medida, antes pugnando pela sua cessação. A tia-avó materna, CC, ofereceu, por seu turno, o requerimento com a ref.ª 9142209, no qual se pronuncia no sentido da concordância com a prorrogação da medida aplicada.
Do relatório social com a ref.ª 9091830 resulta que a medida está a ser positiva para a criança, que continua bem integrada no agregado familiar dos tios-avós, que lhe prestam todos os cuidados necessários. A BB frequenta agora o 2.º ano de escolaridade e, em termos de saúde, não apresenta quaisquer problemas dignos de registo. Continua a ser acompanhada pela Dra. DD, na Clínica dos Afectos em ....
A progenitora mantém uma ruptura relacional com os tios-avós da criança (cujos motivos, a nosso ver, são irrelevantes), estando em curso diligências no sentido de serem programados os contactos da criança com a mãe (cfr. ref.ª 9175386), que não se têm concretizado.
O pai da menina mantém uma postura ausente.
A progenitora revela dificuldade em compreender o receio da filha em estar com o seu companheiro (o que mal se compreende, visto que foi a própria quem, para salvaguardar a situação da filha num momento em que a relação conjugal era pautada por conflitos, a confiou aos cuidados dos tios-avós). No entanto, espera-se que tais receios possam ser revertidos, fruto do acompanhamento efectuado à criança na sequência da medida aplicada. A BB, relativamente ao contacto com a mãe, não revela resistência ou oposição, pelo que, neste momento, se torna fundamental acompanhar a retoma dos contactos entre ambas, a fim de se poder definir o projecto de vida futuro da menina.
A nosso ver, neste momento a medida aplicada continua pois a ser a que melhor satisfaz os interesses da BB, sendo fundamental a manutenção do acompanhamento nesta fase em que, previsivelmente, se reatarão os contactos entre a mãe e a criança. A cessação da medida, propugnada pela mãe, neste momento, equivaleria ao total desrespeito pelos sentimentos de insegurança da criança, pelo que não se nos afigura que satisfaça os seus interesses.
A nosso ver, dado que a medida inicialmente vigente foi aplicada com o acordo de todos os interessados, não há lugar a debate judicial, por não ser aplicável a previsão do n.º 5 do art.º 114.º da LPCJP – cfr., neste mesmo sentido, Paulo Guerra, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada, 2016, pág. 186-187.
Face ao exposto, nos termos do disposto no art.º 62.º, n.º 3, al. c) da LPCJP (Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro), decido rever e prorrogar, por mais 6 meses, a medida de apoio junto de outro familiar, no caso, da tia-avó materna CC, aplicada a favor da BB nos presentes autos.
Notifique a tia-avó, os progenitores e a Segurança Social, sendo ainda a Segurança Social para, decorridos 5 (cinco) meses sobre a presente data, vir juntar relatório social de acompanhamento da execução da medida e para, tão brevemente quanto possível, vir indicar o plano de contactos da criança com a mãe.»

3. A recorrente pretende a alteração desta decisão e a cessação da medida aplicada, nos termos e com os fundamentos que assim sintetizou nas conclusões do recurso:
1.ª Da Cessação das Medidas de Promoção e Protecção aplicadas à menor BB de Apoio junto da família / tia avó CC:
2.ª Como resulta do atrás descrito nos pontos / artigos 6 a 15 deste recurso, a manter-se a situação actual / medida aplicada, com a BB a viver em casa da tia avó materna CC, viola-se o principio orientador da intervenção feita para a promoção dos direitos e protecção da criança (BB) em perigo, estatuído no artigo 4º al. g) da Lei nº 147/99 de 1-9 (LPCJP) porque,
3.ª Violar-se-á doravante, o primado da continuidade das relações psicológicas profundas – a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afectivas estruturantes, de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento (como são as relações com os seus pais biológicos), que deve prevalecer às medidas de continuidade de uma vinculação securizante,
4.ª A intervenção pública na educação dos filhos é, em qualquer caso, subsidiária, não podendo contrariar o primado em matéria de educação e manutenção dos filhos, conferido constitucionalmente aos pais, ou o principio segundo o qual os filhos não podem, à partida, ser separados dos pais, neste sentido o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24-1-2013, www.dgsi.pt/jtrl, Proc. nº 6581/09.6TBCSC.L1-2,
5.ª Porque, há que privilegiar a integração familiar perante a medida que fora aplicada e, presentemente, prejudicial para este efeito, ou seja, dar primazia às relações biológicas, quando há um mínimo de garantia que as mesmas não sejam perniciosas para a criança, satisfazendo os seus interesses, quer em termos afectivos, quer em termos de um harmónico desenvolvimento educacional, sem perigo para a sua vida ou integridade física, neste sentido o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-4-2014, www.dgsi.pt/jtrl, Proc. nº 2454/13.6TBVFX.L1-1,
6.ª De resto, a Constituição da República Portuguesa artigo 36º nºs. 1, 3, 5 e 6, a Convenção sobre os Direitos da Criança (artº 18 nº1) e o Código Civil Português (artigos 1877º a 1886º) prescrevem que a responsabilidade de educar a criança e assegurar o seu desenvolvimento cabe, principalmente, aos pais. Qualquer intervenção, como a que foi realizada, deve ser orientada, sempre que possível, no sentido dos pais assumirem os seus deveres para com os filhos,
7.ª Ora, como resulta da diligência realizada em 14-10-2021 (quanto ao menor EE, meio irmão da BB), a AA (mãe), ora recorrente, reconciliou-se, com FF, vivendo ambos na mesma casa, em ....
8.ª Em 11-6-2022 o Tribunal recorrido foi informado que o inquérito-crime n.º 9754/21.6T9STR do DIAP – Secção de Santarém, onde era arguido o companheiro da recorrente (FF) já não se encontra pendente e foi arquivado pelo DIAP / MP. de Santarém.
9.ª Em 2-7-2022 a tia avó materna CC, requereu ao Tribunal recorrido autorização para deslocação da menor ao Brasil, acompanhada pelo avô materno GG (irmão da citada tia avó), no período de 16 de Julho a 31 de Agosto de 2022, a fim de passar férias,
10.ª A ora recorrente, deduziu firme oposição a esta pretensão até porque o avô GG (pai da recorrente) vive no Brasil e já terá nacionalidade brasileira ou estará prestes a consegui-la,
11.ª O Tribunal recorrido, felizmente, não autorizou essa deslocação da menor ao Brasil, como requerido pela tia avó CC, em conluio com o seu irmão o avô materno da menor (GG) cujo plano a médio prazo é levar a BB para o Brasil e lá passar a viver com ele, o que a ora recorrente vem alertando o Tribunal recorrido, como se alcança dos seus anteriores requerimentos juntos aos autos.
12.ª A recorrente sempre teve a menor consigo desde que nasceu até aos 10 anos de idade – altura em que foi decretada a medida em causa nestes autos. Sempre cuidou, zelou, alimentou, vestiu e tratou de todas as actividades, incluindo escolares, da menor,
13.ª O Tribunal recorrido, ao recusar sistematicamente, ouvir a demais família, nomeadamente a avó materna HH, como vem sendo requerido pelo recorrente (e, sempre indeferido), não procura alcançar toda a verdade material subjacente e limita a menor ao ramo familiar do lado paterno da mãe ora recorrente,
14.ª O Tribunal recorrido olvidou, de todo, o relatório de Setembro de 2022 elaborado pela responsável pelo Eixo 2 – intervenção Familiar e Parental, Preventiva da Pobreza (Equipa do CLD + 4G + Com. Unidade de ... – Dra. II),
15.ª No qual a ora recorrente é caracterizada como colaborante, disponível na aquisição de aprendizagem e partilha de experiências pessoais ou anteriores enquanto mãe. A recorrente, ainda, como é escrito neste relatório, tem partilhado interacções no sentido de uma parentalidade responsável e ás necessidades da menor, seja através do investimento em actividades que promovam a participação activa da criança com o objectivo de a fazer cumprir as regras estabelecidas,
16.ª Daí que a intervenção / medida aplicada e prorrogada, por mais 6 meses, pela decisão judicial ora em crise, não se justifica e é perniciosa para a menor, por a impedir de preservar relações afectivas estruturais, de grande significado e de referência para o seu saudável e harmoniosos desenvolvimento (com os seus pais biológicos, “in casu” com a sua mãe, ora recorrente e as respectivas famílias no seu todo e não, tão só, a família do avô /tia materna),
17.ª A medida actualmente em vigor já não defende os superiores interesses da BB e, denota uma “confusão” existente na pessoa da tia avó CC que, assumindo-se como “Encarregada de Educação” da BB, vem pretendendo “apropriar-se” da mesma, como se “coisa sua” fosse (e não é), afastando-a da mãe, ora recorrente, bem como dos seus outros familiares em comunhão de esforços como o avô materno (GG),
18.ª Deve, pois cessar a medida de promoção e protecção aplicada (de Apoio junto de outro familiar – a tia avó CC).
19.ª Foram, pois, violados, entre outros os artigos 4º al. g), o artº 37º e o artigo 114º nº5 al. b), todos da L.P.C.J.P. (Lei nº 147/99 de 1-9), o artigo 18º nº1 da Convenção sobre ao Direitos da criança, o artigo 36º nºs. 1, 3, 5 e 6 da Constituição da República Portuguesa e os artigos 1877º a 1886º do Código Civil.

4. O Ministério Público e a tia-avó da criança apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

5. O recurso foi admitido como de apelação com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – Questão prévia
6. Com as alegações de recurso, a recorrente requereu a junção do documento n.º 1, “para também ser apreciado pelo Tribunal da Relação”, invocando o disposto nos artigos 423º, n.º 2, e 425º do Código de Processo Civil.
Como se estabelece o n.º 1 do art.º 651º do Código de Processo Civil, “[a]s partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”, acrescentando-se no n.º 2 que “[a]s partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projecto de acórdão”.
Por sua vez, prescreve o art.º 425º do Código de Processo Civil que, “[d]epois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Na interpretação do regime previsto nos artigos 425.º e 651.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, deve atentar-se que a necessidade da junção de um documento que pode derivar do julgamento em primeira instância não corresponde à necessidade de suprir uma insuficiência instrutória anterior, revelada pela própria decisão da primeira instância.
Ora, no caso, o dito “documento”, intitulado de “carta aberta” à juíza, mais não é do que um email remetido ao I. Mandatário da recorrente, que este juntou com as alegações, e que a recorrente escreveu na sequência do que diz ter sido o “conselho de uma escrivã do Tribunal de Santarém” (visto que lá esteve e não consegui falar com a juíza), e que lhe terá dito que devia escrever tudo o que pensa e mandar para o seu advogado, tendo-lhe frisado que devia escrever “desde o incómodo com a psicóloga da BB, às condições que os meus tios têm, ou neste caso, não têm …”.
Em suma, não estamos perante um verdadeiro documento, que vise a prova ou impugnação de factos em que se baseou a decisão, susceptível de ser admitido nos termos dos supracitados preceitos legais, mas, sim, de um escrito em que a ora recorrente expressa o seu descontentamento quanto ao desenrolar do processo, à actuação da psicóloga, assistentes sociais e tios, questionando a idoneidade da tia-avó para manter a menor consigo. Ora, para isso serviu o contraditório antes cumprido e, em face da decisão recorrida, as alegações de recurso.
Acresce que, a recorrente não justifica a necessidade de só agora juntar o email em causa. Assim, e referindo-se o escrito a situações anteriores à decisão ora recorrida, que prorrogou medida já anteriormente aplicada, a recorrente teve oportunidade de apresentar a sua posição no processo, para que oportunamente fosse avaliada, pelo que, ainda que se qualificasse o dito escrito como documento, a sua apresentação com as alegações é extemporânea, não se mostrando justificada.
Deste modo, não se admite a junção ao recurso do “documento” em causa.
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III – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, a única questão a decidir consiste em saber se dever manter-se, ou não, a medida de promoção e protecção de apoio junto de outro familiar, no caso, a tia-avó materna CC, aplicada, e agora renovada, a favor da menor BB.
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IV – Fundamentação
A) - Os Factos
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais mencionadas no relato dos autos, sendo de salientar as seguintes, que se apuram da consulta electrónica dos autos principais:
1 - Os autos de promoção e protecção de onde emana o presente recurso foram instaurados no dia 15 de Março de 2021;
2 - Por decisão de 1 de Junho de 2021, foi homologado o acordo de promoção e protecção com a referência 86971047, ao abrigo do qual foi aplicada à criança BB, nascida a .../.../2011, a medida de promoção e protecção de apoio junto da mãe, pelo período de doze meses, com revisão semestral;
3 - Na pendência dos autos, e após se ter apurado que a BB se encontrava, desde 31 de Julho, na companhia do avô materno e da tia-avó CC, tendo a progenitora saído de casa em 22 de Agosto de 2021 e apresentado queixa contra o companheiro pela prática de um crime de violência doméstica, o Ministério Público promoveu a alteração da medida de promoção e protecção aplicada a favor de BB e a sua substituição pela medida de apoio junto de outro familiar, no caso, tia-avó CC, nos termos dos artigos 35.º, n.º 1, alínea b) do diploma legal citado, pelo período de doze meses, por ter entendido que esta medida, se mostrava mais adequada e proporcional à actual situação da criança e do seu agregado familiar;
4 - Por decisão de 19 de Outubro de 2021 (referência 88074954) a medida de promoção e protecção de apoio junto da mãe aplicada a favor da criança foi revista e substituída pela uma medida de apoio junto de outro familiar, no caso, da tia-avó materna CC, pelo período de 12 meses com revisão trimestral;
5 - No relatório social com a referência 8277010 de 15 de Dezembro de 2021, a Sra. Técnica da Segurança Social gestora deste processo e que acompanha a situação de BB propôs a manutenção da medida de apoio junto de outro familiar;
6 - O Ministério Público promoveu em 7 de Janeiro de 2022 (referência 88810609) a manutenção de tal medida;
7 - Em 10 de Janeiro de 2022, foi proferida decisão que decidiu manter a medida de apoio junto de outro familiar, no caso, da tia-avó materna CC, aplicada a favor da BB nos presentes autos;
8 - De tal decisão foi interposto recurso por parte da ora recorrente, tendo, por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24 de Março de 2022, sido confirmada aquela decisão;
9 - No relatório social junto com a referência 8526417, de 14 de Março de 2022, a Segurança Social conclui, além do mais, que não se registaram alterações na dinâmica familiar e vivencial da criança, verificando-se que BB continua a demostrar estar bem integrada e sentir-se segura junto dos tios-avós maternos, que têm procurado assegurar que todas as suas necessidades sejam asseveradas da melhor forma possível, e, assim, que se mantinham as condições para que a medida fosse prorrogada, por acautelar o superior interesse da criança.
10 - Em 22 de Março de 2022, o Ministério Público promoveu se solicitasse à Sra. Técnica da Segurança a elaboração de um plano de contactos da criança com a mãe (promoção com a referência 89573591), o que foi determinado por despacho de 23 de Março de 2022, tendo a Segurança Socia remetido o plano ínsito na informação com a referência 8592389, de 4 de Abril de 2022;
11 - Com tal informação, foi ainda junta a Informação Clínica com a referência 8592388, subscrita pela Sra. Psicóloga que acompanha a criança, da qual, além do mais, decorre que nesta consulta (de 30 de Março de 2022) (não sendo observável em consultas anteriores) a BB apresentou-se muito vigilante e mais ansiosa, apresentando reacções desproporcionais a estímulos sonoros (por exemplo, reagiu de modo assustado ao simples barulho da cadeira no chão), referiu ter medo de estar com a mãe porque, não se sentia segura e, receia que esta a venha a expor a um eventual contacto com o seu companheiro. Do seu ponto de vista, as visitas com a mãe só se poderão realizar na presença da tia-avó, uma vez que só na sua presença se sentirá mais segura e protegida.
12 - Por decisões de 19 de Abril de 2022 (referência 89830541) e de 20 de Julho de 2022 (referência 90735524), a medida de promoção e protecção aplicada a favor da criança foi revista e mantida;
13 - No relatório social com a referência 9091830, junto aos autos a 17/10/2022, concluiu-se que: «No decurso do ultimo acordo, não se registaram alterações na dinâmica familiar e vivencial da criança, verificando-se que BB continua integrada no agregado familiar dos tios-avós maternos.
A permanência da criança, no actual agregado familiar, não se reveste de preocupação ao nível da prestação de cuidados e assegure o bem-estar, contudo a indefinição da relação parental com a progenitora bem como a inexistência de contacto, carece de uma reanalise e reavaliação, por forma a definir-se o projecto de vida mais adequado.
A existência de processo de promoção e protecção, poderá contribuir para uma possível mediação de conflitos, bem como perspectivar acções que gradualmente possam validar um reaproximar mãe/filha, ou iniciar um procedimento cível, com vista a alteração das responsabilidades parentais.
Assim sendo, parecem manter-se as condições para que a medida em meio natural de vida - apoio junto de outros familiares seja prorrogada, por acautelar o seu superior interesse.»
14 - Em 17 de Novembro de 2022 (referência 91695973) foi proferida a decisão recorrida.
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B) – O Direito
1. A intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo obedece aos princípios orientadores vertidos no artigo 4.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo - LPCJP (aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro), de cuja alínea a) resulta que a intervenção, judiciária e não judiciária, deve atender prioritariamente, aos direitos e interesses da criança ou jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto, ou seja, tem como primeiro princípio orientador e estruturante do direito das Crianças e Jovens, o interesse superior da criança e jovem em perigo.
Este princípio mostra-se internacionalmente consagrado no artigo 3.º, n.º 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança o qual prevê que «[t]odas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança»; constitucionalmente protegido no artigo 36.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa (CRP), de acordo com o qual, «[o]s filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles, e sempre mediante decisão judicial», conforme decorre do artigo 69.º, n.º 1, da CRP que estabelece que «[a]s crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral, designadamente contra todas as formas de abandono e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família …»; e legalmente consagrado, ainda, no n.º 2 do artigo 1978.º do Código Civil, onde se refere que «[n]a verificação das situações previstas no número anterior o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança».
Sendo o “interesse superior da criança”, um conceito jurídico indeterminado, a concretização do mesmo deve sempre ser norteada tendo por referência os princípios internacionais e constitucionais, na análise da situação concreta de cada criança enquanto ser humano único e complexo.
Por outro lado, «estando cometido aos pais o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos, conforme anuncia o n.º 5 do artigo 36.º da Constituição, cabendo aos pais, nos termos do artigo 1885.º do CC, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos, é natural que o processo de promoção e protecção deva subordinar-se ao princípio da prevalência da família, previsto no artigo 4.º, alíneas f), g) e h) da LPCJP, de acordo com o qual na promoção de direitos e protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, devendo a intervenção ser efectuada de modo a que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem, respeitando o direito da criança à preservação das relações afectivas estruturantes, tudo em consonância com a Convenção Europeia dos Direitos e Liberdades Fundamentais e a Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança, de 20 de Novembro de 1989» [cf. acórdão da Relação de Évora, de 11/05/2017 (proc. n.º 4626/10.6TBPTM-H.E1), disponível, como os demais citados, em www.dgsi.pt, que aqui vimos seguindo de perto e que o aqui relator subscreveu como 2º adjunto].
A intervenção do tribunal no seio da família deve ser a mínima, devendo sempre salvaguardar o superior interesse da criança, que por vezes não coincide com o dos progenitores.
Não há pais ideais, mas há um mínimo que se exige aos progenitores no sentido de acautelarem o bem-estar e desenvolvimento da criança e de proverem às suas necessidades, no cumprimento dos deveres a que estão adstritos.
Porém, quando os pais não sabem, não querem, ou, por qualquer outro motivo, não conseguem acautelar o bem-estar e são desenvolvimento da criança, o tribunal tem que intervir em defesa dos seus superiores interesses, dando ainda prevalência ao principio da protecção da família, privilegiando as medidas que integrem a criança em família, devendo a intervenção ser efectuada de modo a que os pais assumam os seus deveres para com a criança, respeitando o direito da criança à preservação das relações afectivas estruturantes.

2. Traçados os princípios orientadores a que obedece a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo, vejamos o caso dos autos.
A progenitora discorda da renovação da medida de promoção aplicada a favor da sua filha BB, que consistiu na manutenção da medida de apoio junto da tia-avó materna.
Em síntese, invoca que a decisão viola o princípio orientador da intervenção consignado na alínea g) do artigo 4º da LPCJP, devendo ser dada prevalência a medidas de integração familiar, com primazia das relações biológicas que, com um mínimo de garantia satisfaçam os interesses da criança, resultando da sua alegação que entende reunir condições para tanto, referindo que sempre teve a menor consigo e dela cuidou e zelou, que se reconciliou com o companheiro FF, vivendo ambos na mesma casa, que o inquérito crime que corria contra este foi arquivado e que mantém uma atitude colaborante, e evolução positiva no sentido de uma parentalidade responsável e atenta às necessidades da menor.
Refere ainda que o Tribunal recorrido recusa sistematicamente em ouvir a demais família, nomeadamente a tia materna HH, que os tios, em conluio com o avô materno, planeiam levar a BB para o Brasil, para lá passar a viver, concluindo que a medida agora renovada é perniciosa para a menor, por a impedir de preservar relações afectivas estruturais com a família biológica.

3. Antes de mais, importa referir, quanto aos receios manifestados pela recorrente de que a sua filha seja levada para o Brasil, que o Tribunal a quo, como, aliás, a mesma refere, não autorizou a deslocação da menor ao Brasil, como foi requerido pela tia-avó CC, e que qualquer pretensão nesse sentido, enquanto decorrer a intervenção judicial, terá que passar pelo crivo do tribunal.
E quanto ao indeferimento de diligências probatórias, como a recorrente muito bem sabe, pois está devidamente patrocinada, tem ao seu dispor adequados meios processuais para fazer valer as suas pretensões, posto é que tenha fundamento para tanto.

4. De resto, há que lembrar que, em 1 de Junho de 2021, quando a BB estava quase a completar os 10 anos de idade, em face da situação de perigo então reportada, foi aplicada, por acordo, a favor da menor a medida de apoio junto da mãe, e que foi em função da alteração das circunstâncias que presidiram à aplicação desta medida [apurou-se, além do mais, que a menor estava, desde 31 de Junho, na companhia do avô materno e da tia-avó CC, que a progenitora saiu de casa em 22 de Agosto de 2021, tendo apresentado queixa contra o companheiro pela prática de crime de violência doméstica], que o Ministério Público requereu e o Tribunal a quo aplicou a medida de promoção e protecção de apoio junto da tia-avó CC, por se haver entendido que se mostrava mais adequada e proporcional à situação da criança e do seu agregado familiar.
Esta medida veio sendo renovada por se ter concluído que se mantinham as condições que levaram à aplicação da mesma e porque salvaguardava o superior interesse da criança.
E não vemos que, por ora, existam condições para alteração da mesma.
Não se questiona que a progenitora seja cuidadora preocupada e que nutre verdadeira afeição pela filha.
É também certo que o inquérito n.º 975/21.6T9STR, que correu termos no DIAP de Santarém foi arquivado, e que a recorrente mantém o acompanhamento técnico por parte do CLD´s de Salvaterra de Magos, no âmbito da Parentalidade Positiva.
Todavia, afigura-se-nos que é precoce fazer cessar a medida aplicada e substitui-la por outra, concretamente a medida de apoio junto da mãe.
Na verdade, como refere o Ministério Público, mercê da medida aplicada, a BB tem assegurada a satisfação de todas as suas necessidades básicas, beneficiando de um agregado bom cuidador, estável e atento às suas necessidades.
Resulta da prova já produzida, designadamente dos relatórios juntos aos autos, que a criança está bem cuidada e evidencia estar emocionalmente estável, segura e feliz, o que leva a concluir que a permanência da criança em casa dos tios-avós maternos tem sido muito benéfica para a mesma, já que aqueles asseguram o bem-estar, o conforto da criança e a satisfação de todas as suas necessidades básicas, e verifica-se que entre BB e os tios existe uma forte relação de afecto.
É certo que a mãe pretende, legitimamente, que a filha lhe seja confiada.
Porém, há um caminho que tem que ser feito, que já estará a ser prosseguido, no sentido de, num primeiro momento, se retomarem, os contactos da criança com a mãe, que não se têm concretizado, daí que se tenha determinado na decisão recorrida a elaboração de um plano de contactos nesse sentido, o qual, como vimos da consulta aos autos principais, até já foi apresentado.
E este plano de contactos entre a progenitora e a criança mostra-se necessário para promover a reaproximação da criança à progenitora, por forma a que a criança supere os receios manifestados, reavivando os laços que foram quebrados pela situação conflitual que anteriormente vivenciou, para que, depois, se pondere a alteração da medida de promoção e protecção actualmente vigente.
Com a renovação da medida aplicada, não se está, por conseguinte, a afastar a criança da progenitora e demais família, mas a acautelar o seu bem-estar e a promover a reaproximação da criança à mãe, respeitando o tempo da criança e a actual situação emocional da mesma, de que a informação clínica referida em 11 dá nota.
Da parte da progenitora o que se espera é que seja capaz de corresponder às solicitações que lhe são feitas, com vista à reaproximação à filha, de modo a potenciar o desejável regresso da mesma ao lar materno, tão depressa quanto estejam reunidas as condições para tanto.

5. Deste modo, conclui-se que não foram violados os princípios orientadores da intervenção na aplicação da medida de promoção e protecção em causa e que esta é a medida que, neste momento, se mostra adequada à defesa dos superiores interesses da criança que, como se sabe, nem sempre coincidem com os dos progenitores.
Assim, improcede a apelação, com a consequente confirmação da decisão recorrida.
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V – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante.
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Évora, 2 de Março de 2023
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
Florbela Moreira Lança
(documento com assinatura electrónica)