Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANA PESSOA | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO ERRO GROSSEIRO INDEFERIMENTO | ||
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Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE REVISÃO - RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | INDEFERIMENTO | ||
Área Temática: | CÍVEL | ||
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Sumário: | Sumário:
Para alguém poder socorrer-se de um recurso de revisão de uma decisão com fundamento na alínea h), do artigo 696.º, do CPC, não poderá somente alegar que a decisão em causa é ilegal ou inconstitucional, devendo alegar-se fundadamente que se tratar de erro evidente, crasso e indesculpável de qualificação, subsunção ou aplicação de uma norma jurídica; o erro de facto deve ser clamoroso e grosseiro, no que toca à admissão e valoração dos meios de prova e à fixação dos factos materiais da causa”. | ||
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Decisão Texto Integral: | *
Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO. AA, ao abrigo do disposto no art.º 696.º, al. h) do CPC, interpôs recurso extraordinário de revisão do Acórdão proferido em 13.10.2022, transitado em julgado, que, julgando improcedente o recurso interposto pelo recorrente, AA, confirmou a sentença apelada que julgou verificada a exceção dilatória do caso julgado e condenou o recorrente como litigante de má fé. Tendo o Recorrente invocado ser beneficiário de Apoio Judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento da compensação de patrono e em face do teor do Acórdão de 13.10.2022 desta Secção, que determinou que se comunicasse, oportunamente, o referido acórdão ao competente serviço do I.S.S., I.P. para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, em face da verificação da causa de cancelamento da proteção jurídica a que se refere a alínea d) do n.º 1 do mesmo normativo, diligenciou este Tribunal no sentido se apurar se se mantinha o benefício do apoio judiciário a que se refere o documento junto com o requerimento inicial. Após diversas informações de sentido contraditório dos Serviços da Segurança Social, relativos ao estado do referido benefício, o certo é que, conforme resulta das informações que antecedem, a decisão que determinou o cancelamento do mesmo benefício, não se mostra transitada em julgado. Ora, como é sabido, o pedido de apoio judiciário, como decorre dos normativos que integram a Lei n.º 34/2004, de 29/7, é tramitado e decidido em processo próprio, de natureza administrativa, que corre autonomamente termos junto dos serviços do Instituto da Segurança Social, I.P. e no qual o Recorrente nestes autos é ali parte como Requerente. Qualquer irregularidade de notificação à Requerente do apoio judiciário de uma qualquer decisão proferida por aquela entidade administrativa no âmbito de tal processo deve por tal Requerente ser deduzida ou levantada naquele mesmo processo administrativo e junto da entidade competente para a sua tramitação e decisão. Dessa forma, no caso dos autos, pese embora o teor da informação dos serviços da Segurança Social de 08.11.2024, na qual se comunicava que a decisão de cancelamento da proteção definitiva era definitiva, certo é que a notificação subjacente a tal cancelamento, como veio a descortinar-se, não pode ter-se por validamente realizada, como reconhecido por aqueles serviços, já que os mesmos determinaram a repetição de tal notificação, como consta do ofício de 06.03.2025, tendo voltado a decidir pelo cancelamento do benefício por decisão de 13.01.2025, que o ora Recorrente impugnou. Impugnação que, como decorre dos ofícios que antecedem, se mostra pendente. Consequentemente, o despacho de 06.12.2024, fundado na informação de que a decisão de cancelamento do pedido de apoio judiciário era definitiva, não pode, pois, em face das vicissitudes ocorridas no processo que corre termos nos Serviços da Segurança Social competentes que contrariam tal definitividade, considerar-se subsistente. Porém, porque os presentes autos não podem eternizar-se a aguardar a definitividade da decisão a proferir no âmbito do aludido procedimento, procedeu-se à apreciação liminar do requerimento de interposição de recurso, tendo, por decisão da relatora de 29.05.2025 sido proferido despacho de indeferimento do recurso. * Inconformado, veio o Recorrente, requerer que sobre a matéria dessa mesma decisão recaia um acórdão, nos termos do artigo 652º nº 3 do CPC., alegando, em suma, o seguinte: “considera o Recorrente que o tipo de erro que apontou impõe a sua revisão e não deverá considerar-se de caráter definitivo, tanto na parte em que se refere à não verificação de caso julgado, como na condenação por litigância de má-fé. E não se verificando a exceção de caso julgado, não estão reunidas as condições legais para a condenação do Recorrente como litigante de má-fé, nem a conduta do Recorrente integra nenhuma das alíneas do artigo 542º, nº 2 do CPC, já que estava convicto da validade e licitude dos fundamentos que apresentou. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) proferido em 11/09/2012 no Processo nº 2326/11.09TBLLE.E1.S1 concluiu no sentido de que “A litigância de má-fé exige a consciência de que quem pleiteia de certa forma tem a consciência de não ter razão.”, requisito que não se encontra preenchido no caso em apreço. E veja-se que na questão da condenação por litigância de má-fé há dois tipos de erro que ainda carecem de análise designadamente: 1. Inconstitucionalidade na aplicação da lei, porque o conceito de litigância de má fé não se verifica na conduta em análise no caso concreto. O artigo 542º nº 2 do CPC mostra-se inconstitucional quando interpretado no sentido de que configura litigância de má-fé a interposição de ação em que se considerou verificado o caso julgado sem ponderação sobre o preenchimento dos seus pressupostos, por violação do disposto no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa. 2. A condenação por litigância de má-fé é altamente gravosa e tem como consequência o cancelamento do apoio judiciário (que já se encontra em curso, correndo termos a fase de impugnação judicial). Ora, este cancelamento está a ser praticado de forma que contraria o entendimento do Tribunal Constitucional. A intenção de cancelamento do apoio judiciário com fundamento na aplicação do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 10º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, a concretizar-se, vai traduzir-se na aplicação de uma norma já julgada inconstitucional. Veja-se a esse respeito o decidido no Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional no Proc. 348/2022 em 12 de maio de 2022 (que se junta como Doc. 2), tendo como Relator o Exmo. Juiz Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro (in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20220348.html), que julgou inconstitucional, por violação das disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 20.º e do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, o artigo 10.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 34/2004, de 29 de junho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, quando interpretado no sentido de que a condenação do beneficiário de apoio judiciário como ligante de má fé confirmada em recurso determina ipso facto – sem nenhuma ponderação da sua situação económica ou dos fundamentos da condenação − o cancelamento definitivo da proteção jurídica no processo. Logo, a decisão objeto do presente recurso é suscetível de originar responsabilidade civil do Estado. Contudo, a decisão singular proferida não aprecia o tipo de erro cuja revisão se requer, mas rejeita o recurso apenas com base naquilo que é alegado. Termos em que a presente matéria deve ser apresentada à conferência e ser proferido acórdão sobre a mesma.” * Cumpre, pois, agora em conferência, apreciar a pretensão recursiva. * II. Fundamentação. AA, interpôs, invocando o disposto no artigo 696º, al. h) do Código de Processo Civil, recurso extraordinário de revisão do Acórdão proferido em 13/10/2022, que julgando improcedente o recurso interposto pelo recorrente, AA, confirmou a sentença apelada que julgou verificada a exceção dilatória do caso julgado e condenou o recorrente como litigante de má fé. Alegou, para o efeito, e no essencial, que: “1. O Acórdão que constitui a decisão a rever perfilhou o entendimento da primeira instância no sentido de que estaria verificada a autoridade de caso julgado porque a presente causa teria sido decidida no Processo n.º 98/1995. 2. Sucede que a causa de pedir no Processo n.º 98/1995 e nos presentes autos é diversa e os diferentes pedidos têm enquadramentos jurídicos também diferentes. 3. Ora, não se verificando a exceção de caso julgado, não estão reunidas as condições legais para a condenação do Recorrente como litigante de má-fé. 4. A decisão a rever é resultante de irregularidades provenientes da fase de audiência prévia e ainda da inconstitucionalidade supra invocada. Atendendo a estas questões e a toda a tramitação processual supra referida, a decisão a rever prejudica e causa danos ao Recorrente, o que permite concluir que tal decisão é suscetível de originar responsabilidade civil do Estado.” * A revisão de uma sentença transitada tem carácter extraordinário, e apenas pode ocorrer verificando-se o preenchimento das previsões consagradas nos artigos 696.º, e 697.º, do Código de Processo Civil. No caso vertente, importa considerar o que dispõe o artigo 696.º, alínea h, do Código de Processo Civil, invocado pelo Recorrente, que estabelece o seguinte: “A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando: (…) h) Seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte.” A Lei nº117/2019 de 13/9 introduziu no artigo 696º do CPC um novo fundamento de recurso de revisão, o da alínea h) supra reproduzido e bem assim, o art.696 -A, que sob a epígrafe “Responsabilidade civil do Estado”, dispõe: 1 - A revisão de decisão transitada em julgado no caso previsto na alínea h) do artigo anterior só é admissível se o recorrente: a) Não tiver contribuído, por ação ou omissão, para o vício que imputa à decisão; e b) Tiver esgotado todos os meios de impugnação da decisão quanto à matéria suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado.” 2 - O recurso previsto no número anterior é interposto também contra o Estado.” Para que uma decisão possa ser objeto de recurso de revisão ao abrigo da alínea h) do artigo 696.º do Código de Processo Civil, há, pois que alegar, para depois provar que a decisão transitada em julgado é suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado, por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, o que não ocorreu. Para além disso, de acordo com o artigo 696.º-A, do CPC: “A revisão de decisão transitada em julgado no caso previsto na alínea h) do artigo anterior só é admissível, se o recorrente: a) Não tiver contribuído, por ação ou omissão, para o vício que imputa à decisão; e b) Tiver esgotado todos os meios de impugnação da decisão quanto à matéria suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado.” Acresce que, n.º 1, do artigo 13.º, da Lei n.º 67/2007 relativa ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades públicas, refere que “Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respetivos pressupostos de facto”. Por outras palavras, para alguém poder socorrer-se de um recurso de revisão de uma decisão com fundamento na alínea h), do artigo 696.º, do CPC, não poderá somente alegar que a decisão em causa é ilegal ou inconstitucional, Como se decidiu no Ac STJ de 24/2/2015 ( proc nº 2210/12), em www dgsi. –“ (…) não basta a mera existência de inconstitucionalidade ou ilegalidade, devendo tratar-se de erro evidente, crasso e indesculpável de qualificação, subsunção ou aplicação de uma norma jurídica; o erro de facto deve ser clamoroso e grosseiro, no que toca à admissão e valoração dos meios de prova e à fixação dos factos materiais da causa”. E no Ac STJ de 10/5/2016 ( proc. nº 136/14), em www dgsi – “Para proclamar a existência de erro grosseiro não basta que um tribunal de recurso tenha revogado uma decisão para se considerar que tal decisão está errada, que o julgador da decisão recorrida cometeu um erro indesculpável, se, por exemplo, acolheu esta e não aqueloutra corrente doutrinária ou jurisprudencial não sufragada pelo Tribunal ad quem: Se assim fosse, os tribunais estariam pejados de pedidos de indemnização com base em alegados erros grosseiros. O STJ tem, repetidamente, qualificado como erro grosseiro o erro indesculpável, aquele em que não incorreria um julgador prudente, agindo com ponderação, conhecimento e competência”. Também no Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 28.02.2023, proferido no âmbito do processo 25639/18.4T8LSB.L2.S1-A, que aqui seguimos de perto, se escreveu: Como concretização do art.22 da CRP, o art.13 da Lei nº67/2007 positiva a responsabilidade civil do Estrado por erro judiciário, nomeadamente “pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto”. De acordo com a previsão legal, o erro judiciário pode ser um erro de direito ou um erro de facto. No tocante ao erro de direito, a lei exige que as decisões sejam “manifestamente inconstitucionais ou ilegais”. Este segmento normativo pressupõe uma ligação entre a decisão e a Constituição, e, portanto, um juízo de inconstitucionalidade. Ou seja, o direito aplicado na decisão deve afrontar ostensivamente os princípios e a normas constitucionais, de tal forma que se possa afirmar que a decisão é, na sua ratio decidendi, contrária à Constituição. Contudo, não é qualquer erro, porque a lei postula o erro qualificado, grosseiro, ostensivo, implicando uma decisão proferida contra lei expressa. Como acentua Carlos Cadilha, “ O erro de direito, enquanto fundamento da responsabilidade civil deverá revestir-se de suficiente grau de intensidade, no sentido de que deverá resultar uma decisão que, de modo evidente, seja contrária à Constituição ou à lei, e por isso desconforme ao direito, e que não possa aceitar-se como uma das soluções plausíveis da questão de direito” ( Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Anotado, 2ª ed., pág.262 ) (…) A jurisprudência adere à tese do erro qualificado, ou seja, “A previsão legal não impõe a ressarcibilidade de qualquer erro cometido pelo julgador, seja por violação da lei, seja por errónea apreciação dos factos, antes exige um erro qualificado, “grosseiro”, indesculpável, ostensivo, causal de julgamento que evidencia uma solução jurídica manifestamente inconstitucional, ou ilegal ou injustificada, a todas as luzes indefensável, ilógica na apreciação dos factos, ou na subsunção jurídica, insustentável com base numa criteriosa avaliação exigível ao julgador” ( cf., por ex., Ac STJ de 10/5/2016 ( proc. nº 136/14, em www dgsi.pt ).” Conclui-se desta forma que, para que se conclua pela verificação do erro, na aceção definida, não basta que a decisão seja desfavorável à parte recorrente ou que se limite a dizer que a decisão é ilegal ou inconstitucional, como fez o Recorrente. Na verdade, sendo certo que o Recorrente não concorda com as decisões a que faz referência, não justifica, segundo o critério objetivo, onde está o erro crasso, ostensivo, na aceção já referida, cuja solução não assenta em qualquer solução plausível de direito. Para ele, o erro existe porque a decisão lhe foi desfavorável. Mas conforme orientação jurisprudencial a que já se fez referência, não basta sequer a revogação da decisão recorrida (que no caso não existiu), nem o simples erro de direito para o recurso extraordinário de revisão. Sublinhe-se que nada se decidiu no âmbito destes autos quanto ao benefício do apoio judiciário concedido ao Recorrente, precisamente por se considerar que o pedido de apoio judiciário, como decorre dos normativos que integram a Lei n.º 34/2004, de 29/7, é tramitado e decidido em processo próprio, de natureza administrativa, que corre autonomamente termos junto dos serviços do Instituto da Segurança Social, I.P. e no qual o Recorrente nestes autos é ali parte como Requerente Termos em que, sem necessidade de mais considerações, inexistindo fundamento para o recurso extraordinário de revisão nos termos expostos, importa indeferir o requerimento (n.º 1 do art.º 699.º do CPC). * III. Decisão. Face ao exposto, acordam, agora em conferência, em indeferir o requerimento apresentado por AA. Custas pelo recorrente. Registe e notifique. Évora, 10.07.2025 Ana Pessoa Elisabete Valente Manuel Bargado |