Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
232/24.6T8EVR.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: TRANSFERÊNCIA
LOCAL DE TRABALHO
FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: SOCIAL
Sumário: Sumário elaborado pela relatora:

I- O artigo 196.º, n.º 2, do Código do Trabalho impõe ao empregador o dever de concretizar, de forma objetiva e detalhada, os reais motivos que determinam a transferência do trabalhador do seu local de trabalho.


II- Não satisfaz tal dever de fundamentação a mera referência, genérica, à existência de motivos imperiosos da organização da Ré, nomeadamente por ausência de trabalhadores, nem a referência ao interesse da Ré em manter a qualidade dos serviços prestados, em todas as suas respostas sociais, entendendo que todos os colaboradores deverão conhecer e aprofundar quer os procedimentos quer os métodos internos das várias valências da instituição.

Decisão Texto Integral: P.232/24.6T8EVR.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1


I. Relatório


AA intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra Santa Casa da Misericórdia de cidade 1, pedindo que seja declarada a justa causa de resolução do contrato de trabalho que celebrou com a Ré, por si promovida, e que a Ré seja condenada a pagar-lhe:


a) A quantia global de € 24.181,23, relativa a créditos salariais vencidos e não pagos e compensação pelo despedimento;


b) As quantias relativas a subsídios de turno vencidos e não pagos, desde o início da relação laboral e até à data da cessação do contrato de trabalho, que vierem a liquidar-se em incidente de liquidação.


c) Os juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações em dívida e até integral e efetivo pagamento.


Alegou, em síntese, que no desenvolvimento da relação laboral estabelecida com a Ré ocorreram factos que a levaram a resolver o contrato de trabalho por justa causa, tendo a Ré ficado a dever-lhe diversos créditos laborais a que tinha direito e cujo pagamento reclama na presente ação, juntamente com a indemnização a que se reporta o artigo 396.º do Código do Trabalho.


-


BB intentou, igualmente, ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra a mesma Ré, em tudo semelhante à ação anteriormente referida e com idêntico pedido, pelo que a 1.ª instância determinou a apensação desta ação à ação intentada por AA.


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O processo principal seguiu a tramitação que consta dos autos, e para a qual se remete.


-


Em 31-01-2025, foi prolatada sentença contendo o seguinte dispositivo:


«Pelo exposto, decide-se:


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A) Julgar ação intentada por AA contra “SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE cidade 1” parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, julga-se verificada justa causa de resolução do contrato de trabalho e condena-se a ré no pagamento à autora:


a. Da quantia de 14.486,53€ a título de indemnização, a que acrescem juros de mora, à taxa supletiva legal anualmente prevista para obrigações civis, contados desde a data da citação da ré e até efetivo e integral pagamento;


b. Da quantia, a liquidar, equivalente às diuturnidades vencidas desde abril de 2014 até março de 2019 no montante mensal de 13,47€, a partir de abril de 2019 até dezembro de 2021 no montante mensal de 26,94€ e a partir de janeiro de janeiro de 2022 e até à data de cessação no montante mensal de 42€, quantias a que acrescerão juros de mora, à taxa legalmente prevista para obrigações civis, vencidos desde o vencimento de cada diuturnidade, e vincendos até integral pagamento;


c. Da quantia, a liquidar, equivalente ao subsídio de turno desde o início do contrato até à respetiva cessação, quantias a que acrescerão juros de mora, à taxa legalmente prevista para obrigações civis, vencidos desde o vencimento de cada subsídio, e vincendos até integral pagamento;


d. Da quantia de 787,10€ a título de formação, a que acrescem juros de mora, à taxa supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde 27.11.2023 e vincendos até integral pagamento.


e. Da quantia de 2.215,14€ a título de créditos salariais, sobre a qual acrescem juros de mora à taxa supletiva legal, vencidos desde 27.11.2023 e vincendos até integral pagamento;


No mais, julga-se a ação parcialmente improcedente, por parcialmente não provada e absolve-se a ré do demais contra si peticionado;


*


B) Julgar ação intentada por BB contra “SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE cidade 1” parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, julga-se verificada justa causa de resolução do contrato de trabalho e condena-se a ré no pagamento à autora:


a. Da quantia de 14.545,33€ a título de indemnização, a que acrescem juros de mora, à taxa supletiva legal anualmente prevista para obrigações civis, contados desde a data da citação da ré e até efetivo e integral pagamento;


b. Da quantia, a liquidar, equivalente às diuturnidades vencidas desde abril de 2014 até março de 2019 no montante mensal de 13,47€, a partir de abril de 2019 até dezembro de 2021 no montante mensal de 26,94€ e a partir de janeiro de janeiro de 2022 e até à data de cessação no montante mensal de 42€, quantias a que acrescerão juros de mora, à taxa legalmente prevista para obrigações civis, vencidos desde o vencimento de cada diuturnidade, e vincendos até integral pagamento;


c. Da quantia, a liquidar, equivalente ao subsídio de turno desde o início do contrato até à respetiva cessação, quantias a que acrescerão juros de mora, à taxa legalmente prevista para obrigações civis, vencidos desde o vencimento de cada subsídio, e vincendos até integral pagamento;


d. Da quantia de 828,77€ a título de formação, a que acrescem juros de mora, à taxa supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde 27.11.2023 e vincendos até integral pagamento.


e. Da quantia de 2.353,86€ a título de créditos salariais, sobre a qual acrescem juros de mora à taxa supletiva legal, vencidos desde 19.12.2023 e vincendos até integral pagamento;


No mais, julga-se a ação parcialmente improcedente, por parcialmente não provada e absolve-se a ré do demais contra si peticionado;


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C) Custas das ações a cargo da respetiva autora e da ré na proporção do decaimento;


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Valor da causa:


- Autos Principais - 24.181,23€


- Apenso A - 24.181,23€


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Registe e notifique.


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Após trânsito, comunique-se à ACT.»


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Inconformada, a Ré recorreu, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:








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Contra-alegaram as Autoras, propugnando pela improcedência do recurso.


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A 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.


-


O processo subiu ao Tribunal da Relação e a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.


A recorrente respondeu.


O recurso foi mantido e, após a elaboração do projeto de acórdão, foram colhidos os vistos legais.


Cumpre, em conferência, apreciar e decidir.


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II. Objeto do Recurso


É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).


Em função destas premissas, a única questão que importa dilucidar e resolver é a de saber se o tribunal a quo errou ao considerar existir justa causa de resolução dos contratos de trabalho em apreço nos autos, extraindo-se do que se vier a decidir as devidas consequências jurídicas.


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III. Matéria de Facto


O tribunal de 1.ª instância julgou provados os seguintes factos:


1. A R. é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) que desenvolve, entre outras, a atividade de apoio de proteção de cidadãos na velhice e invalidez, e também na saúde, e em geral no auxílio aos mais desfavorecidos, detendo, no exercício dessa missão, dois estabelecimentos distintos, sendo um deles uma Unidade de Cuidados Continuados Integrados (doravante UCCI) e outro um estabelecimento com uma Estrutura Residencial para Idosos (Doravante ERPI).


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Autos Principais


2. Em 03 de abril de 2009, AA celebrou com a R. contrato de trabalho a termo, para exercer na UCCI da R., em cidade 1, sob as ordens, direção e fiscalização desta, as funções correspondentes à categoria profissional de auxiliar de ação médica.


3. O contrato de trabalho suprarreferido, não renovável, teve início em 06/04/2009 e termo em 31/12/2009.


4. Nos termos do referido contrato, a R. obrigou-se a pagar a AA a retribuição base mensal ilíquida de € 450,00, acrescida de subsídio de refeição.


5. Foi então estipulado entre AA e R. que a atividade profissional da A. seria prestada na Unidade de Cuidados Continuados da Santa Casa da Misericórdia, em cidade 1.


6. Foi ainda convencionada no contrato supramencionado que AA prestaria a atividade contratada numa jornada semanal de 37 horas, praticando os seguintes horários: das 8H às 16H, das 16 H às 24H, das 24H às 08 H.


7. Para a contratar nos termos e para as funções acima referidas, a R. definiu como condição a frequência pela A. de um curso de “Auxiliares de Ação Médica”, com a duração de 60 horas.


8. Curso que AA efetivamente frequentou.


9. Estipularam ainda as partes que o contrato de trabalho celebrado entre AA e R. era regulado pela Portaria de Regulamentação do Trabalho para as Instituições Particulares de Solidariedade Social.


10. Em 30/12/2009 entre AA e R. foi outorgado aditamento ao contrato de trabalho acima mencionado, estabelecendo as partes que o contrato de trabalho supra passava a ter a duração de um ano, não renovável, com início em 01 de janeiro de 2010 e termo em 31 de dezembro de 2010.


11. Entre AA e R. foi outorgado aditamento ao contrato de trabalho acima mencionado, estabelecendo as partes que o contrato de trabalho supra passava a ter a duração de um ano, não renovável, com início em 01 de janeiro de 2011


e termo em 31 de dezembro de 2011.


12. No termo do referido contrato, AA manteve-se ao serviço da R, no exercício das mesmas funções.


13. Em cumprimento do acordado, AA passou, desde o início da relação de trabalho com a R. e até ao seu termo, a desenvolver a sua atividade


profissional por conta, sob ordens e direção desta exclusivamente na Unidade de Cuidados Continuados da R. sita em cidade 1, valência onde se fixou o lugar de trabalho da autora


14. E, desde o início da sua relação de trabalho com a R. e até ao seu termo, AA ali exerceu efetivamente as funções correspondentes à categoria profissional de Auxiliar de Ação Médica.


15. Ao serviço da R., na Unidade de Cuidados Continuados da SCM de cidade 1, AA procedeu à limpeza específica dos serviços da ação médica, foi responsável pela preparação e preparou e lavou material dos serviços técnicos, acompanhou e transportou doentes utentes daquela unidade em cama, maca, cadeira de rodas ou a pé, dentro e fora da UCC, assegurou o serviço externo e interno de transporte de medicamentos e produtos de consumo corrente necessários ao funcionamento da UCC, procedeu à receção, arrumação de roupas lavadas e à recolha de roupas sujas e suas entregas, preparou refeições ligeiras nos serviços e distribuiu dietas, colaborou na prestação de cuidados de higiene e conforto aos doentes sob orientação do pessoal de enfermagem, transportou e distribuiu oxigénio e os materiais esterilizados pelos serviços de ação médica.


16. Em 23 de maio de 2023, a R. enviou a AA ofício subscrito pela Senhora Provedora da Santa Casa da Misericórdia de cidade 1 com o seguinte teor:


“Assunto: local de trabalho


Exma. Senhora:


Por motivos imperiosos da organização da Santa Casa da Misericórdia decidade 1, nomeadamente por ausência de trabalhadores, vimos pela presente comunicar a V. Exa., nos termos e para os efeitos do artigo 194º do Código do Trabalho que, a partir do dia 15 de junho de 2023, passará a exercer a sua atividade na Estrutura Residencial para Idosos (ERPI), sito na Praça da República, nº 1, em cidade 1, sem prejuízo de, por necessidades da Santa Casa da Misericórdia de cidade 1, poder exercer noutras respostas sociais ativas da Santa Casa da Misericórdia de cidade 1 e nos locais e edifícios onde as mesmas ocorrem, sitas em cidade 1 ou noutras instalações existentes no concelho de cidade 1, sempre nos termos e com o respeito pelas normas de funcionamento das mesmas.


Certos da V/melhor compreensão


Os n/melhores cumprimentos


A Provedora”


17. Em 23/06/2023 AA dirigiu à Senhora Provedora da SCMP, dirigente máxima da R., ofício com o seguinte teor:


“Exma. Senhora Provedora


Da Santa Casa da Misericórdia de cidade 1


A requerente foi contratada para desempenhar as funções de auxiliar de ação médica na UCCI da SCMP.


Recebeu de V. Exa. ordens que consubstanciam a transferência do seu lugar de trabalho para o ERPI da SCMP, alegadamente por “motivos imperiosos de organização”, “nomeadamente por ausência de trabalhadores”.


A trabalhadora ora requerente não consentiu e não presta a sua concordância a tal alteração do seu lugar de trabalho, o que já fez saber verbalmente e aqui reitera para todos os efeitos legais. Na verdade, a requerente opõe-se à pretendida transferência.


Não estão preenchidos os requisitos previstos no nº 1 do artigo 194º do Código do Trabalho invocados para conseguir mudar a trabalhadora do seu posto de trabalho.


A requerente foi contratada para desempenhar funções concretamente na UCCI e não em qualquer outro estabelecimento da SCMP e foi contratada para desempenhar funções correspondentes à categoria profissional de auxiliar de ação médica.


A UCCI da SCMP, estabelecimento para o qual foi a requerente contratada, não se extinguiu.


A invocação da mera “ausência de trabalhadores”, em termos genéricos, não é motivo que deva considerar-se suficiente para permitir a transferência do local de trabalho da requerente.


Acresce que, manifestamente, a transferência da trabalhadora, que tem a categoria profissional de auxiliar de ação médica, para o ERPI da SCMP consubstancia, na prática uma disfarçada alteração ilegal da categoria profissional da requerente, que é transferida alegadamente para suprir as faltas dadas por trabalhadoras que não têm a sua categoria profissional.


Ora, o trabalhador tem direito ao exercício efetivo das funções correspondentes à categoria profissional para a qual foi contratada.


Esta alteração consubstancia assim, para a requerente, um prejuízo sério desde logo porque põe em causa o seu direito a desempenhar as funções para as quais foi contratada e cujo exercício efetivo lhe é devido.


No entanto, a SCMP, apesar de invocar o disposto no artigo 194º para transferir a requerente do seu local de trabalho contratualmente fixado na UCCI, omitiu a informação da natureza temporária ou definitiva da transferência em causa. Tal facto, com o devido respeito, é essencial para o exercício dos direitos da requerente, nomeadamente para efeitos do exercício do direito previsto no nº 5 do citado preceito legal.


II


Termos em que requer a V. Exa. que, com urgência, se digne:


1. Revogar, de imediato, a decisão de transferência de lugar de trabalho da requerente da UCCI para o ERPI da SCMP; se assim não se entender,


2. Informar a requerente sobre a natureza temporária (e duração) ou definitiva da ordenada transferência do seu local de trabalho para o ERPI da SCMP.


cidade 1, 23 de junho de 2023


Pede deferimento


A requerente”


18. A R. enviou então AA, em 11/07/2023, carta pela mesma recebida, com o seguinte teor:








19. Com efeitos a partir de 1 de setembro de 2023, a ré retirou a autora AA do mapa de horários da UCCI e incluiu-a no mapa de horários da ERPI.


20. No dia 1 de setembro de 2023, a autora AA apresentou-se para trabalhar nas instalações da UCCI, onde permaneceu o dia inteiro sem que lhe fosse permitido pela ré prestar trabalho.


21. Enviou nesse mesmo dia mensagem à Sra. provedora da ré a dar conhecimento que


se encontrava nas instalações da UCCI.


22. Tendo a Sra. Provedora respondido que deveria cumprir as ordens que lhe haviam sido dadas e apresentar-se ao trabalho nas instalações da ERPI.


23. Em consequência dos factos supra descritos, designadamente a comparência para prestação de trabalho na UCCI e não na ERPI, a ré instaurou procedimento disciplinar à autora, notificando-a da nota de culpa em 25.10.2023.


24. No dia 2 de setembro de 2023, a autora AA apresentou-se nas instalações da UCCI, onde permaneceu tendo-lhe sido dito que aquele não era o seu local de trabalho, mas sim a ERPI.


25. Em 01.10.2023 AA entrou em situação de baixa por doença natural, o que perdurou até 23.11.2023.


26. Em 02 de novembro de 2023, AA recebeu no seu telemóvel uma mensagem escrita da Diretora Técnica da UCCI, com o seguinte teor:


"agradecia que retirasses os pertences do cacifo da Unidade até amanhã ao final do dia. Caso não se verifique temos que proceder à abertura dos mesmos e os pertences serão guardados."


27. A autora AA não respondeu, nem compareceu a levantar os seus pertences que se encontravam no cacifo supra identificado.


28. Alguns dias depois, funcionárias da ré, por determinação desta, procederam à abertura do cacifo da autora AA, retiram os seus pertences e guardaram-nos.


29. Posteriormente, a autora AA também não compareceu a levantar os seus mencionados pertences.


30. A autora AA apresentou-se ao serviço, no seu posto de trabalho na UCCI de cidade 1, no dia 24 de novembro de 2024, para iniciar a sua atividade laboral.


31. Tendo sido impedida pelas Diretora Técnica da UCCI e pela Provedora da R., suas superiores hierárquicas, de iniciar a sua atividade profissional no seu posto de trabalho que, mais uma vez lhe disseram que, independentemente da sua vontade, aquele já não era o seu posto de trabalho e que se quisesse fosse trabalhar para a ERPI da SCMP.


32. Em 27 de novembro de 2023, AA enviou à R. uma carta, por esta recebida em 29.11.2023, com o seguinte teor:


“À Santa Casa da Misericórdia de cidade 1


Praça da República. nº 1


... cidade 1


cidade 1, 27 de novembro de 2023


Assunto: Rescisão de contrato de trabalho com justa causa


Registada com A/R|


Exmos. Senhores,


Nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1, 2, al. b) e f) do artigo 394º e do artigo 395º, ambos da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro (Código do Trabalho), venho comunicar a V. Exas. que, com justa causa e com efeitos imediatos, resolvo o contrato de trabalho que celebrei a Santa Casa da Misericórdia de cidade 1.


Mais comunico que considero que a rescisão do meu contrato de trabalho ocorre com justa causa, pelos seguintes motivos:


- Da violação do meu direito ao meu posto de trabalho e da categoria profissional para que fui contratada


No dia 24 de novembro de 2023, data em que, após um período de baixa médica, me apresentei ao serviço na UCC da Santa Casa da Misericórdia de cidade 1, meu lugar de trabalho, para iniciar a minha atividade laboral, fui impedida de iniciar o meu trabalho, tendo-me sido dito que não podia trabalhar ali e que me devia apresentar para trabalhar na ERPI.


Ora, como bem sabe a Santa Casa da Misericórdia de cidade 1, não dei o meu consentimento à alteração do meu lugar de trabalho para aquela instituição da Santa Casa da Misericórdia de cidade 1, tendo mesmo manifestado expressamente a minha discordância sobre essa pretendida transferência, que viola o meu contrato de trabalho, onde foi expressamente convencionado que o meu local de trabalho é a UCC da Santa Casa da Misericórdia de cidade 1, assim como viola a lei.


Acresce que, como bem sabe a Santa Casa da Misericórdia de cidade 1, me opus a essa transferência também porque ela constitui uma alteração da minha categoria profissional a que igualmente não dei o meu consentimento. Com efeito, detenho a categoria profissional de Auxiliar de Ação Médica e na ERPI não existem postos de trabalho correspondentes à minha categoria profissional.


Assim, a pretensão da Santa Casa da Misericórdia, que se insere no âmbito de um processo de assédio de que eu, a par de outras trabalhadoras da UCC, venho sendo vítima, é uma decisão arbitrária, com o intuito de obrigar as trabalhadoras da UCC a aceitarem trabalhar como ajudantes de lar e centro de dia ou auxiliares de serviços gerais, ou seja, com o intuito de as obrigar a aceitar uma transferência do seu lugar de trabalho e uma mudança da sua categoria profissional em desrespeito da sua vontade, do contrato de trabalho e da lei.


Ora, no meu caso, o trabalho com doentes foi o que determinou a assinatura do contrato de trabalho com a Santa Casa da Misericórdia de cidade 1, porque se trata de atividade que me realiza pessoal e profissionalmente e que sempre desempenhei com gosto, brio e competência, como sempre foi por todos reconhecido. Se não fosse o facto de esse trabalho se situar no âmbito das atividades de saúde, eu não teria decidido assinar o contrato.


A decisão da entidade patronal de mudar o meu lugar de trabalho e a minha categoria profissional não é motivada por razão atendível, desde logo porque, ao mesmo tempo que manda as auxiliares de ação médica trabalhar como ajudantes de lar e centro de dia ou auxiliares de serviços gerais na ERPI, manda profissionais com estas categorias profissionais substituir as auxiliares de ação médica na UCC, bem sabendo que não têm a formação e a experiência adequada a essas funções.


Ora, tal consubstancia grave violação do meu direito a trabalhar no lugar de trabalho para onde fui contratada, a UCC, bem como grave violação do direito à minha categoria profissional e a desempenhar efetivamente as funções para que fui contratada.


- Violação do meu direito à reserva quanto à intimidade da minha vida privada


Tendo regressado ao serviço no dia 24 de novembro de 2023, após um período de ausência por doença, tomei conhecimento de que procedeu a Santa Casa da Misericórdia de cidade 1, na minha ausência e sem o meu consentimento, à abertura do cacifo que me foi atribuído para depositar/guardar, entre outros, objetos e bens que me pertencem e são pessoais, tendo a entidade patronal dali mandado remover todos aqueles objetos pessoais que eu ali tinha guardados.


Aquele espaço era de utilização reservada e, assim, sempre ali deixei, crente de que a minha vida não seria devassada, bens da minha utilização pessoal. Considero que a abertura do cacifo que me fora atribuído, na minha ausência e bem sabendo a Santa Casa da Misericórdia de cidade 1 e os meus superiores hierárquicos que me encontrava ausente por doença, uma humilhante, desrespeitosa e intolerável intromissão na minha intimidade e vida privada e que, se pretendia a entidade patronal retirar-me o direito à utilização daquele cacifo, devia ter esperado que eu regressasse ao trabalho, após o período de doença, para que eu própria retirasse daquele lugar os meus pertences.


- Assédio laboral


O quadro acima descrito consubstancia um contexto de assédio laboral a que venho sendo sujeita e que me tem provocado grande ansiedade, apreensão e estado de grande nervosismo que resultou para mim em grave depressão e doença do foro psicológico que já me determinou um período de doença que me impossibilitou de exercer a minha atividade profissional. A conduta acima descrita da Santa Casa da Misericórdia de cidade 1 vem-me causando grande sofrimento e perturbação emocional, vexame e humilhação, sentindo-me profundamente desconsiderada e desrespeitada no meu bom nome pessoal e profissional.


Toda a factualidade acima descrita vem-me causando grande instabilidade e ansiedade quanto ao futuro.


A conduta da Santa Casa da Misericórdia acima descrita constitui verdadeiro assédio de que sou vítima no exercício da minha profissão e no meu local de trabalho e, manifestamente, grave violação dos direitos e garantias legalmente previstas para os trabalhadores, bem como dos meus direitos de personalidade, inclusive, como acima aleguei, o meu direito à reserva da intimidade e vida privada.


Tais factos e circunstâncias supra alegadas integram o conceito de justa causa e tornam, pela sua gravidade e consequências imediatamente impossível a subsistência da minha relação de trabalho com a Santa Casa da Misericórdia de cidade 1. Aliás, a subsistência da minha relação de trabalho atentas as circunstâncias descritas sempre seriam determinantes do agravamento irreversível do meu atual estado de saúde.


Solicito a V. Exas. que procedam ao encerramento das contas e pagamento de todas as remunerações a que tenho direito em consequência da cessação do meu contrato de trabalho, desde já lembrando V. Exas. que tenho direito à indemnização a que se reporta o artigo 396º do Código do Trabalho.


Mais solicito a V. Exas. que, em obediência ao disposto nas al. a) e b) do nº 1 do artigo 341º do Código do Trabalho me entreguem um certificado de trabalho e, devidamente preenchido, o modelo RP 5044/2018 - DGSS (Declaração da Situação de Desemprego), dispondo V. Exas. do prazo de 5 dias úteis para procederem à entrega deste documento, nos termos do disposto nos artigos 73º e 43º do Decreto-Lei n.º 220/2006 de 3 de novembro.


Com os melhores cumprimentos,”


33. Na sequência dessa carta, a R. enviou à autora certificado de trabalho e, preenchido, o modelo RP 5044/2018 - DGSS (Declaração da Situação de Desemprego).


34. Em novembro de 2024, a autora AA detinha a categoria de Auxiliar de Ação Médica de II e auferia a retribuição base de € 760,00


35. Entre 20.03.2023 e 30.05.2023, a autora AA esteve em período de baixa médica.


36. Em 2023, a ré prestou à autora AA 25 horas de formação profissional.


37. Em 2019, a ré prestou à autora AA 1 hora de formação profissional.


*


Apenso A


38. Em 03 de abril de 2009, BB celebrou com a R. contrato de trabalho a termo, para exercer na UCCI da R., em cidade 1, sob as ordens, direção e fiscalização desta, as funções correspondentes à categoria profissional de auxiliar de ação médica.


39. O contrato de trabalho suprarreferido, não renovável, teve início em 06/04/2009 e termo em 31/12/2009.


40. Nos termos do referido contrato, a R. obrigou-se a pagar a BB a retribuição base mensal ilíquida de € 450,00, acrescida de subsídio de refeição.


41. Foi então estipulado entre BB e R. que a atividade profissional da A. seria prestada na Unidade de Cuidados Continuados da Santa Casa da Misericórdia, em cidade 1.


42. Foi ainda convencionada no contrato supramencionado que BB prestaria a atividade contratada numa jornada semanal de 37 horas, praticando os seguintes horários: das 8H às 16H, das 16 H às 24H, das 24H às 08 H.


43. Para a contratar nos termos e para as funções acima referidas, a R. definiu como condição a frequência pela autora de um curso de “Auxiliares de Ação Médica”, com a duração de 60 horas.


44. Curso que BB efetivamente frequentou.


45. Estipularam ainda as partes que o contrato de trabalho celebrado entre BB e R. era regulado pela Portaria de Regulamentação do Trabalho para as Instituições Particulares de Solidariedade Social.


46. Em 30/12/2009 entre BB e R. foi outorgado aditamento ao contrato de trabalho acima mencionado, estabelecendo as partes que o contrato de trabalho supra passava a ter a duração de um ano, não renovável, com início em 01 de janeiro de 2010 e termo em 31 de dezembro de 2010.


47. Entre BB e R. foi outorgado aditamento ao contrato de trabalho acima mencionado, estabelecendo as partes que o contrato de trabalho supra passava a ter a duração de um ano, não renovável, com início em 01 de janeiro de 2011 e termo em 31 de dezembro de 2011.


48. No termo do referido contrato, BB manteve- se ao serviço da R, no exercício das mesmas funções.


49. Em cumprimento do acordado, BB passou, desde o início da relação de trabalho com a R. e até ao seu termo, a desenvolver a sua atividade profissional por conta, sob ordens e direção desta exclusivamente na Unidade de Cuidados Continuados da R. sita em cidade 1, valência onde se fixou o lugar de trabalho da autora


50. E, desde o início da sua relação de trabalho com a R. e até ao seu termo, BB ali exerceu efetivamente as funções correspondentes à categoria profissional de Auxiliar de Ação Médica.


51. Ao serviço da R., na Unidade de Cuidados Continuados da SCM de cidade 1, BB procedeu à limpeza específica dos serviços da ação médica, foi responsável pela preparação e preparou e lavou material dos serviços técnicos, acompanhou e transportou doentes utentes daquela unidade em cama, maca, cadeira de rodas ou a pé, dentro e fora da UCC, assegurou o serviço externo e interno de transporte de medicamentos e produtos de consumo corrente necessários ao funcionamento da UCC, procedeu à receção, arrumação de roupas lavadas e à recolha de roupas sujas e suas entregas, preparou refeições ligeiras nos serviços e distribuiu dietas, colaborou na prestação de cuidados de higiene e conforto aos doentes sob orientação do pessoal de enfermagem, transportou e distribuiu oxigénio e os materiais esterilizados pelos serviços de ação médica.


52. Em 23 de maio de 2023, a R. enviou a BB ofício subscrito pela Senhora Provedora da Santa Casa da Misericórdia de cidade 1 com


o seguinte teor:


“Assunto: local de trabalho


Exma. Senhora:


Por motivos imperiosos da organização da Santa Casa da Misericórdia de cidade 1, nomeadamente por ausência de trabalhadores, vimos pela presente comunicar a V. Exa., nos termos e para os efeitos do artigo 194º do Código do Trabalho que, a partir do dia 15 de junho de 2023, passará a exercer a sua atividade na Estrutura Residencial para Idosos (ERPI), sito na Praça da República, nº 1, em cidade 1, sem prejuízo de, por necessidades da Santa Casa da Misericórdia de cidade 1, poder exercer noutras respostas sociais ativas da Santa Casa da Misericórdia de cidade 1 e nos locais e edifícios onde as mesmas ocorrem, sitas em cidade 1 ou noutras instalações existentes no concelho de cidade 1, sempre nos termos e com o respeito pelas normas de funcionamento das mesmas.


Certos da V/melhor compreensão


Os n/melhores cumprimentos


A Provedora”


53. Em 23/06/2023 BB dirigiu à Senhora Provedora da SCMP, dirigente máxima da R., ofício com o seguinte teor:


“Exma. Senhora Provedora


Da Santa Casa da Misericórdia de cidade 1


A requerente foi contratada para desempenhar as funções de auxiliar de ação médica na UCCI da SCMP.


Recebeu de V. Exa. ordens que consubstanciam a transferência do seu lugar de trabalho para o ERPI da SCMP, alegadamente por “motivos imperiosos de organização”, “nomeadamente por ausência de trabalhadores”.


A trabalhadora ora requerente não consentiu e não presta a sua concordância a tal alteração do seu lugar de trabalho, o que já fez saber verbalmente e aqui reitera para todos os efeitos legais. Na verdade, a requerente opõe-se à pretendida transferência.


Não estão preenchidos os requisitos previstos no nº 1 do artigo 194º do Código do Trabalho invocados para conseguir mudar a trabalhadora do seu posto de trabalho.


A requerente foi contratada para desempenhar funções concretamente na UCCI e não em qualquer outro estabelecimento da SCMP e foi contratada para desempenhar funções correspondentes à categoria profissional de auxiliar de ação médica.


A UCCI da SCMP, estabelecimento para o qual foi a requerente contratada, não se extinguiu.


A invocação da mera “ausência de trabalhadores”, em termos genéricos, não é motivo que deva considerar-se suficiente para permitir a transferência do local de trabalho da requerente.


Acresce que, manifestamente, a transferência da trabalhadora, que tem a categoria profissional de auxiliar de ação médica, para o ERPI da SCMP consubstancia, na prática uma disfarçada alteração ilegal da categoria profissional da requerente, que é transferida alegadamente para suprir as faltas dadas por trabalhadoras que não têm a sua categoria profissional.


Ora, o trabalhador tem direito ao exercício efetivo das funções correspondentes à categoria profissional para a qual foi contratada.


Esta alteração consubstancia assim, para a requerente, um prejuízo sério desde logo porque põe em causa o seu direito a desempenhar as funções para as quais foi contratada e cujo exercício efetivo lhe é devido.


No entanto, a SCMP, apesar de invocar o disposto no artigo 194º para transferira requerente do seu local de trabalho contratualmente fixado na UCCI, omitiu a informação da natureza temporária ou definitiva da transferência em causa. Tal facto, com o devido respeito, é essencial para o exercício dos direitos da requerente, nomeadamente para efeitos do exercício do direito previsto no nº 5 do citado preceito legal.


II


Termos em que requer a V. Exa. que, com urgência, se digne:


1. Revogar, de imediato, a decisão de transferência de lugar de trabalho da requerente da UCCI para o ERPI da SCMP; se assim não se entender,


2. Informar a requerente sobre a natureza temporária (e duração) ou definitiva da ordenada transferência do seu local de trabalho para o ERPI da SCMP.


cidade 1, 23 de junho de 2023


Pede deferimento


A requerente”


54. A R. enviou então BB, em 11/07/2023, carta pela mesma recebida, com o seguinte teor:








55. Com efeitos a partir de 1 de agosto de 2023, a ré retirou a autora BB do mapa de horários da UCCI e incluiu-a no mapa de horários da ERPI.


56. No dia 18 de agosto de 2023, tendo regressado de período de férias, a autora BB apresentou-se para trabalhar nas instalações da UCCI, onde permaneceu sem que lhe fosse permitido pela ré prestar trabalho.


57. Tendo a Sra. Provedora transmitido que deveria cumprir as ordens que lhe haviam sido dadas e apresentar-se ao trabalho nas instalações da ERPI.


58. Em consequência dos factos supra descritos, designadamente a comparência para prestação de trabalho na UCCI e não na ERPI, a ré instaurou procedimento disciplinar à autora, notificando-a da nota de culpa em 25.10.2023.


59. Em 26.08.2023 BB entrou em situação de baixa por doença natural, o que perdurou até 05.12.2023.


60. Em 02 de novembro de 2023, BB recebeu no seu telemóvel uma mensagem escrita da Diretora Técnica da UCCI, com o seguinte teor:


"agradecia que retirasses os pertences do cacifo da Unidade até amanhã ao final do dia. Caso não se verifique temos que proceder à abertura dos mesmos e os pertences serão guardados."


61. A autora BB apresentou-se ao serviço, no seu posto de trabalho na UCCI de cidade 1, no dia 14 de dezembro de 2024, para iniciar a sua atividade laboral.


62. Tendo sido transmitido pela ré que se deveria apresentar para exercício de funções na ERP e não na UCCI, por ser aquele e não este o seu local de trabalho.


63. Em 18 de dezembro de 2023, BB enviou à R. uma carta, por esta recebida em 19.12.2023, com o seguinte teor:


“À


Santa Casa da Misericórdia de cidade 1


Praça da República. nº 1


... cidade 1


cidade 1, 18 de dezembro de 2023


Assunto: Rescisão de contrato de trabalho com justa causa


Registada com A/R|


Exmos. Senhores,


Nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1, 2, al. b) e f) do artigo 394º e do artigo 395º, ambos da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro (Código do Trabalho), venho comunicar a V. Exas. que, com justa causa e com efeitos imediatos, resolvo o contrato de trabalho que celebrei a Santa Casa da Misericórdia de cidade 1.


Mais comunico que considero que a rescisão do meu contrato de trabalho ocorre com justa causa, pelos seguintes motivos:


- Da violação do meu direito ao meu posto de trabalho e da categoria profissional para que fui contratada


No dia 14 de dezembro de 2023, data em que, após um período de baixa médica, me apresentei ao serviço na UCC da Santa Casa da Misericórdia de cidade 1, meu lugar de trabalho, para iniciar a minha atividade laboral, fui impedida de iniciar o meu trabalho, tendo-me sido dito que não podia trabalhar ali e que me devia apresentar para trabalhar na ERPI.


Ora, como bem sabe a Santa Casa da Misericórdia de cidade 1, não dei o meu consentimento à alteração do meu lugar de trabalho para aquela instituição da Santa Casa da Misericórdia de cidade 1, tendo mesmo manifestado expressamente a minha discordância sobre essa pretendida transferência, que viola o meu contrato de trabalho, onde foi expressamente convencionado que o meu local de trabalho é a UCC da Santa Casa da Misericórdia de cidade 1, assim como viola a lei.


Acresce que, como bem sabe a Santa Casa da Misericórdia de cidade 1, me opus a essa transferência também porque ela constitui uma alteração da minha categoria profissional a que igualmente não dei o meu consentimento. Com efeito, detenho a categoria profissional de Auxiliar de Ação Médica e na ERPI não existem postos de trabalho correspondentes à minha categoria profissional.


Assim, a pretensão da Santa Casa da Misericórdia, que se insere no âmbito de um processo de assédio de que eu, a par de outras trabalhadoras da UCC, venho sendo vítima, é uma decisão arbitrária, com o intuito de obrigar as trabalhadoras da UCC a aceitarem trabalhar como ajudantes de lar e centro de dia ou auxiliares de serviços gerais, ou seja, com o intuito de as obrigar a aceitar uma transferência do seu lugar de trabalho e uma mudança da sua categoria profissional em desrespeito da sua vontade, do contrato de trabalho e da lei.


Ora, no meu caso, o trabalho com doentes foi o que determinou a assinatura do contrato de trabalho com a Santa Casa da Misericórdia de cidade 1, porque se trata de atividade que me realiza pessoal e profissionalmente e que sempre desempenhei com gosto, brio e competência, como sempre foi por todos reconhecido. Se não fosse o facto de esse trabalho se situar no âmbito das atividades de saúde, eu não teria decidido assinar o contrato.


A decisão da entidade patronal de mudar o meu lugar de trabalho e a minha categoria profissional não é motivada por razão atendível, desde logo porque, ao mesmo tempo que manda as auxiliares de ação médica trabalhar como ajudantes de lar e centro de dia ou auxiliares de serviços gerais na ERPI, manda profissionais com estas categorias profissionais substituir as auxiliares de ação médica na UCC, bem sabendo que não têm a formação e a experiência adequada a essas funções.


Ora, tal consubstancia grave violação do meu direito a trabalhar no lugar de trabalho para onde fui contratada, a UCC, bem como grave violação do direito à minha categoria profissional e a desempenhar efetivamente as funções para que fui contratada.


- Assédio laboral


O quadro acima descrito consubstancia um contexto de assédio laboral a que venho sendo sujeita e que me tem provocado grande ansiedade, apreensão e estado de grande nervosismo que resultou para mim em grave depressão e doença do foro psicológico que já me determinou um período de doença que me impossibilitou de exercer a minha atividade profissional. A conduta acima descrita da Santa Casa da Misericórdia de cidade 1 vem-me causando grande sofrimento e perturbação emocional, vexame e humilhação, sentindo-me profundamente desconsiderada e desrespeitada no meu bom nome pessoal e profissional.


Toda a factualidade acima descrita vem-me causando grande instabilidade e ansiedade quanto ao futuro.


A conduta da Santa Casa da Misericórdia acima descrita constitui verdadeiro assédio de que sou vítima no exercício da minha profissão e no meu local de trabalho e, manifestamente, grave violação dos direitos e garantias legalmente previstas para os trabalhadores, bem como dos meus direitos de personalidade, inclusive, como acima aleguei, o meu direito à reserva da intimidade e vida privada.


Tais factos e circunstâncias supra alegadas integram o conceito de justa causa e tornam, pela sua gravidade e consequências imediatamente impossível a subsistência da minha relação de trabalho com a Santa Casa da Misericórdia de cidade 1. Aliás, a subsistência da minha relação de trabalho atentas as circunstâncias descritas sempre seriam determinantes do agravamento irreversível do meu atual estado de saúde.


Solicito a V. Exas. que procedam ao encerramento das contas e pagamento de todas as remunerações a que tenho direito em consequência da cessação do meu contrato de trabalho, desde já lembrando V. Exas. que tenho direito à indemnização a que se reporta o artigo 396º do Código do Trabalho.


Mais solicito a V. Exas. que, em obediência ao disposto nas al. a) e b) do nº 1 do artigo 341º do Código do Trabalho me entreguem um certificado de trabalho e, devidamente preenchido, o modelo RP 5044/2018 - DGSS (Declaração da Situação de Desemprego), dispondo V. Exas. do prazo de 5 dias úteis para procederem à entrega deste documento, nos termos do disposto nos artigos 73º e 43º do Decreto-Lei n.º 220/2006 de 3 de novembro.


Com os melhores cumprimentos,”


64. Na sequência dessa carta, a R. enviou à autora certificado de trabalho e, preenchido, o modelo RP 5044/2018 - DGSS (Declaração da Situação de Desemprego).


65. Em dezembro de 2024, a autora BB detinha a categoria de Auxiliar de Ação Médica de II e auferia a retribuição base de € 760,00


66. Em 2023, a ré prestou à autora BB 15 horas de formação profissional.


67. Em 2021, a ré prestou à autora BB 1 hora de formação profissional.


68. Em 2019, a ré prestou à autora BB 2h45 hora de formação profissional.


*


*


E julgou não provados os seguintes factos:


Ação Principal


i. O exercício das funções correspondentes ao conteúdo funcional da categoria profissional de Auxiliar de Ação Médica foi determinante para a autora AA na decisão de se candidatar ao lugar e de celebrar o contrato de trabalho, por a realizar profissionalmente a missão de servir e cuidar de pessoas doente e de trabalhar na área da saúde.


ii. Em consequência dos factos ocorridos em 1 de setembro de 2023, a autora AA sofreu subida da sua tensão arterial e entrou num estado de descontrolo, de ansiedade e perturbação psicológica, tendo necessitado de receber tratamento e acompanhamento médico e tendo ficado incapaz para o exercício da sua atividade profissional, aliás como ficou incapaz para prestar à sua família o apoio que até aí lhes prestava, tendo adoecido e passado à situação de baixa médica


iii. Como bem sabia a R. e a Diretora Técnica da UCCI, em 02 de novembro de 2023 a autora AA encontrava-se doente e não tinha condições para se deslocar àquela unidade no dia que naquela mensagem lhe era fixado.


iv. Em consequência da abertura do seu cacifo a autora AA sentiu-se, revoltada, humilhada e desesperada.


v. Em março de 2023 a ré pagou à autora 194,60€ a título de diuturnidades.


vi. Em maio de 2023 a ré pagou à autora 42€ a título de diuturnidades.


vii. Em junho de 2023 a ré pagou à autora 84€ a título de diuturnidades referentes ao vencimento e subsídio de férias.


viii. Em novembro de 2023 a ré pagou à autora 394,56€ a título de subsídios de natal.


ix. Toda a descrita conduta da R. visava o fim último de levar a autora AA a pôr fim ao seu contrato de trabalho sem quaisquer custos para aquela.


*


Apenso A


x. O exercício das funções correspondentes ao conteúdo funcional da categoria profissional de Auxiliar de Ação Médica foi determinante para a autora BB na decisão de se candidatar ao lugar e de celebrar o contrato de trabalho, por a realizar profissionalmente a missão de servir e cuidar de pessoas doente e de trabalhar na área da saúde.


xi. No dia 01 de setembro de 2023 BB apresentou-se para iniciar a sua jornada de trabalho diária no seu lugar de trabalho, ou seja, na UCCI, mas não lhe foi permitido pela Diretora Técnica e pela Provedora da SCMP iniciar o exercício da sua atividade profissional, tendo permanecido no seu posto de trabalho sem lhe serem distribuídas quaisquer funções.


xii. Em consequência dos factos ocorridos em 1 de setembro de 2023, a autora BB sofreu subida da sua tensão arterial e entrou num estado de descontrolo, de ansiedade e perturbação psicológica, tendo necessitado de receber tratamento e acompanhamento médico e tendo ficado incapaz para o exercício da sua atividade profissional, aliás como ficou incapaz para prestar à sua família o apoio que até aí lhes prestava, tendo adoecido e passado à situação de baixa médica


xiii. A R. ordenou a abertura do cacifo atribuído a BB e a remoção dos objetos pessoais desta que ali se encontravam, sem o consentimento daquela e na sua ausência.


xiv. Em consequência da ordem de abertura do seu cacifo a autora BB sentiu-se revoltada e humilhada.


xv. Em março de 2023 a ré pagou à autora 203€ a título de diuturnidades.


xvi. Em abril de 2023 a ré pagou à autora 42€ a título de diuturnidades.


xvii. Em maio de 2023 a ré pagou à autora 42€ a título de diuturnidades.


xviii. Em junho de 2023 a ré pagou à autora 42€ a título de diuturnidades.


xix. Em dezembro de 2023 a ré pagou à autora 450,94€ a título de subsídios de natal.


xx. Toda a descrita conduta da R. visava o fim último de levar a autora BB a pôr fim ao seu contrato de trabalho sem quaisquer custos para aquela.


*


IV- Enquadramento jurídico


Conforme já referimos, a única questão a analisar e decidir é a de saber se o tribunal a quo errou ao declarar a existência de justa causa de resolução dos contratos de trabalho em apreço nos autos, extraindo-se do que se vier a decidir as devidas consequências jurídicas.


Vejamos, então.


Infere-se dos factos assentes que ambas as Autoras comunicaram, por escrito, à Ré, a resolução dos respetivos contratos de trabalho – pontos 32 e 63 dos factos assentes.


Nas missivas remetidas à empregadora, eram invocados vários fundamentos que visavam consubstanciar a justa causa para a resolução.


O tribunal a quo reconheceu existir a alegada justa causa para a resolução, apoiando-se na seguinte fundamentação:


«Dispõe ao art. 194.º CT:


“1 - O empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, temporária ou definitivamente, nas seguintes situações:


a) Em caso de mudança ou extinção, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço;


b) Quando outro motivo do interesse da empresa o exija e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador.


2 - As partes podem alargar ou restringir o disposto no número anterior, mediante acordo que caduca ao fim de dois anos se não tiver sido aplicado.


3 - A transferência temporária não pode exceder seis meses, salvo por exigências imperiosas do funcionamento da empresa.


4 - O empregador deve custear as despesas do trabalhador decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e da mudança de residência ou, em caso de transferência temporária, de alojamento.


5 - No caso de transferência definitiva, o trabalhador pode resolver o contrato se tiver prejuízo sério, tendo direito à compensação prevista no artigo 366.º


6 - O disposto nos números anteriores pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.


7 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.os 1 ou 4, no caso de transferência definitiva, e constitui contraordenação leve a violação do disposto no n.º 3.”


À relação de trabalho entre A. e R. foi sucessivamente aplicável a Portaria de Regulamentação de Trabalho de 12/04/1996, publicada no BTE nº 15, de 22/04/1996 e, a partir de janeiro de 2022 o Contrato Coletivo de Trabalho entre a CNIS e a FNSTFPS, ao abrigo da portaria de extensão portaria nº 260/2022 de 28 de outubro que por sua vez foi alterada pela portaria 271/2022 de 9 de novembro, com as alterações ao CCT publicadas Boletim do Trabalho e Emprego nº 38, de 15 outubro 2023 e portaria de extensão nº 182/2023, de 28/06/2023 (refira-se que não há lugar à aplicação do contrato coletivo identificado pela ré na medida em que a mesma sequer alegou (ou provou) ser filiada na União das Misericórdias Portuguesas, apenas arguido a aplicabilidade de tal regime, o que constitui matéria de direito e não de facto).


Dispõe a Cláusula 22.ª do CCT aplicável:


“Cláusula 22.ª


Mobilidade geográfica


1- A instituição pode, quando o seu interesse assim o exija, proceder à mudança definitiva do local de trabalho, desde que tal não implique prejuízo sério para o trabalhador.


2- A instituição pode ainda transferir o trabalhador para outro local de trabalho, se a alteração resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço.


3- No caso previsto no número anterior, o trabalhador pode resolver o contrato com justa causa se houver prejuízo sério, tendo nesse caso direito à indemnização legalmente prevista.


4- A instituição custeará as despesas do trabalhador impostas pela transferência decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e resultantes da mudança de residência.


5- A transferência do trabalhador entre os serviços ou equipamentos da mesma instituição não afeta a respetiva antiguidade, contando para todos os efeitos a data de admissão na mesma.


6- Em caso de transferência temporária, a respetiva ordem, além da justificação, deve conter o tempo previsível da alteração, que, salvo condições especiais, não pode exceder seis meses.”


Ora, volvendo à factualidade provada, desde logo se conclui que qualquer das comunicações expedidas pela ré a cada uma das autoras (cfr. factos 16, 18, 52 e 54) são omissas quantos à indicação dos concretos factos determinantes da transferência do local de trabalho, limitando-se a ré a arguir a sua necessidade ou interesse nessa alteração, o que faz sem identificar os concretos factos que sustentam tal juízo conclusivo, e a argumentar a inexistência de inconveniente para as autoras, factos cuja alegação sequer recai sobre si, mas sobre os trabalhadores, justificada que seja a ordem de transferência. Nesta conformidade, por não obedecer aos critérios legalmente previstos, a ordem emitida pela ré é ilícita e, por conseguinte, constitui justa causa de resolução do contrato de trabalho, já que ao emitir tais ordens e ao proibir as autoras de prestar trabalho no seu local habitual de trabalho violou garantias do trabalhador previstas no art. 129.º, n.º 1, als. b) e f), do CT.


Perante a reiteração da conduta da ré, com expressão na factualidade dada por provada, é de considerar que não era exigível a qualquer uma das autoras a subsistência por mais tempo da relação laboral que mantinham com a ré e que, de modo tão substancial, foi por esta unilateralmente alterada, sendo compreensível que se tenham sentido desconsideradas, conforme perpassa do teor das cartas de resolução enviadas à ré, enquanto partes do contrato com esta violação das suas garantias legais que, nos termos do preceituado no artigo 799.º do Código Civil, se presume culposa.


Verifica-se, pois, justa causa de resolução nos termos previstos no art. 394.º, n.º 2, al. b), do CT.


Em tal contexto, perante o comportamento ilícito e culposo da ré, suscetível de se enquadrar na al. b), do n° 2, do art. 394° do CT, não era exigível às autoras manterem o contrato de trabalho, assistindo-lhes justa causa para o resolver, o que efetivamente sucedeu, e, consequentemente o direito a receberem da recorrente uma indemnização nos termos do art. 396.º, n.º 3, do mesmo diploma legal.»


Desde já adiantamos que a decisão recorrida não merece censura e que concordamos, absolutamente, com a sua clara e precisa fundamentação.


Passemos a explicar a razão para o afirmado.


A justa causa de resolução reconhecida pelo tribunal a quo baseou-se na circunstância de a Ré ter determinado uma transferência ilícita do local de trabalho das Autoras (alínea f) do n.º 1 do artigo 129.º do Código do Trabalho) e de ter obstado injustificadamente à prestação efetiva de trabalho pelas mesmas (alínea b) do n.º 1 do referido artigo 129.º), tendo-se concluindo pela existência de violação de garantias legais e convencionais das trabalhadores justificativa da rutura da relação contratual (alínea b) do n.º 2 do artigo 394.º do mesmo código).


A materialidade considerada pelo tribunal a quo está incluída nas cartas de resolução enviadas, pois como é sabido, numa ação em que o trabalhador pede que seja reconhecida a licitude da justa causa de resolução do contrato de trabalho por si operada, apenas são atendíveis os factos que, na comunicação escrita oportunamente endereçada ao empregador, tenham sido invocados pelo trabalhador como fundamento da resolução – cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29-11-2022 (Proc. n.º 1591/18.5T8CTB.C3.S1) e de 29-10-2014 (Proc. n.º 1930/05.9TTPRT.P1.S1).2


Especificamente, o tribunal a quo entendeu que as comunicações expedidas pela Ré, respeitantes à ordem unilateral de transferência do local de trabalho – descritas nos pontos 16, 18, 52 e 54 –, eram omissas quanto à indicação dos concretos factos determinantes da transferência do local de trabalho, limitando-se a Ré a arguir a sua necessidade ou interesse nessa alteração, sem identificar os concretos factos que sustentavam tal juízo conclusivo.


E este entendimento é o que essencialmente é posto em crise em sede de recurso.


Ora, com arrimo na materialidade descrita nos pontos 16, 18, 52 e 54, depreende-se que a Ré comunicou, por escrito, às Autoras, que, nos termos do artigo 194.º do Código do Trabalho, o local de trabalho das mesmas – que era na UCCI da Ré - seria alterado, passando as mesmas a exercer as suas funções profissionais, durante o período de seis meses, na ERPI da Ré.


A justificação para esta ordem unilateral de transferência do local de trabalho foi a seguinte:

«Por motivos imperiosos da organização da Santa Casa da Misericórdia de cidade 1, nomeadamente por ausência de trabalhadores» - expressa na primeira comunicação (pontos 16 e 52.

«é (…) do interesse da instituição manter a qualidade dos serviços prestados, em todas as suas respostas sociais, motivo pelo qual, entende que todos os colaboradores deverão conhecer e aprofundar quer os procedimentos quer os métodos internos das várias valências da instituição» - expressa na segunda comunicação (pontos 18 e 54).


Ora, atento o disposto no artigo 194.º do Código do Trabalho, o empregador pode, temporariamente, transferir o trabalhador para outro local de trabalho, nas seguintes situações:


a) Em caso de mudança ou extinção, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço;


b) Quando outro motivo do interesse da empresa o exija e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador.


A transferência temporária não pode exceder seis meses, salvo por exigências imperiosas do funcionamento da empresa – cf. n.º 3 do artigo 194.º.


Estas regras podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho – cf. n.º 5 do artigo.


O CCT aplicável prescreve na cláusula 22.ª, n.º 6, que em caso de transferência temporária do local de trabalho, a ordem emitida pela empregadora, além da justificação, deve conter o tempo previsível da alteração, que, salvo condições especiais, não pode exceder seis meses.


Retira-se, pois, desta cláusula que a ordem de transferência temporária do local de trabalho tem de ser justificada ao trabalhador a quem se dirige.


A mesma exigência de fundamentação é imposta pelo n.º 2 do artigo 196.º do Código do Trabalho, que dispõe expressamente que a comunicação de transferência do local de trabalho «deve ser fundamentada».


E, conforme já foi anteriormente decidido por esta Secção Social, o artigo 196.º, n.º 2, impõe ao empregador o dever de concretizar, de forma objetiva e detalhada, os reais motivos que determinam a transferência do trabalhador do seu local de trabalho – cf. Acórdãos de 12-10-2023 (Proc. n.º 108/23.4T8PTM.E1) e de 14-09-2023 (Proc. n.º 743/23.0T8TMR.E1).3


Ora, não satisfaz tal justificação a mera referência à existência de motivos imperiosos da organização da Ré, nomeadamente por ausência de trabalhadores, nem a referência ao interesse da Ré em manter a qualidade dos serviços prestados, em todas as suas respostas sociais, entendendo que todos os colaboradores deverão conhecer e aprofundar quer os procedimentos quer os métodos internos das várias valências da instituição.


A fundamentação apresentada constitui uma alegação genérica que não clarifica, nem permite compreender, o motivo porque a Ré selecionou especificamente as Autoras para mudarem, temporariamente, de local de trabalho.


Cita-se, pelo interesse, o Acórdão da Relação do Porto de 18-11-2019 (Proc. n.º 1512/19.8T8MAI.P1):4


«VI - Em caso de transferência do local de trabalho por iniciativa do empregador, este deve observar os procedimentos indicados no art.º 196.º do CT, entre eles constando o dever de fundamentar a decisão (n.º2).


VII - Esse dever de fundamentação visa garantir, caso haja divergência que venha a ser submetida à apreciação judicial, que a montante o trabalhador e os tribunais possam aferir da conformidade da decisão do empregador com os limites imposto por lei, nomeadamente, deve permitir que dela se extraia a existência real e a razoabilidade do motivo do interesse do empregador que justifica a transferência, bem assim as razões que exigem que seja aquele trabalhador e não outro (quando existirem outros trabalhadores) a ser transferido.»


Enfim, em face do exposto, entendemos, acompanhando a decisão da 1.ª instância, que a ordem de transferência do local de trabalho das Autoras foi ilícita por incumprimento do dever de fundamentação exigido no artigo 196.º, n.º 2, do Código do Trabalho e cláusula 22.ª do CCT aplicável.


Assim sendo, tem de considerar-se legítima a desobediência à mesma, quando as Autoras, após a cessação das respetivas baixas médicas, se apresentaram para reiniciar a sua atividade laboral na UCCI– cf. artigos 128.º, n.º 1, alínea e), e 129.º, n.º 1, alínea f), ambos do Código do Trabalho.


E ao impedir as trabalhadoras de ali reiniciarem a sua atividade profissional, a Ré violou o direito à ocupação efetiva que assistia às trabalhadoras – cf. artigo 129.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho.


Ocorreu, pois, uma violação de garantias legais e convencionais das trabalhadoras, que se considera culposa por força da presunção estabelecida pelo artigo 799.º do Código Civil – cf. artigo 394.º, n.º 2, alínea b), do Código do Trabalho.


E ainda que não se tenham demonstrado todos os fundamentos apresentados nas cartas de resolução, afigura-se-nos que o fundamento demonstrado é suficientemente consistente para que qualquer uma das Autoras considere impossível a manutenção da relação laboral, pois a Ré revelou uma absoluta indiferença e desconsideração pelas trabalhadoras, impedindo-as de exercerem a sua atividade profissional, fazendo finca-pé numa transferência absolutamente ilegal.


A relação de confiança ficou irremediavelmente destruída.


Destarte, mostram-se preenchidos os requisitos cumulativos para a resolução do contrato de trabalho fundamentada num comportamento culposo da entidade empregadora, e que são os seguintes:


1.º um de natureza objetiva – verificação do comportamento concretamente imputado, na carta de resolução, à empregadora;


2.º outro de natureza subjetiva - que essa atuação violadora e lesiva seja imputável a título de culpa;


3.º que essa conduta da empregadora torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral.


Em síntese, ficou provada a existência da justa causa de resolução prevista no artigo 394.º, n.º 2, alínea b), do Código do Trabalho.


Na sequência, a compensação prevista no artigo 396.º do mesmo compêndio legal é devida às Autoras.


Não tendo o quantum indemnizatório fixado na sentença recorrida sido colocado em causa, resta-nos concluir pela total improcedência do recurso.


As custas do recurso ficam a cargo da recorrente – artigo 527.º do Código de Processo Civil.


*


V. Decisão


Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.


Custas do recurso a suportar pelo recorrente.


Notifique.


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Sumário elaborado pela relatora:


(…)


Évora, 10 de julho de 2025


Paula do Paço


Emília Ramos Costa


Mário Branco Coelho

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1. Relatora: Paula do Paço; 1.ª Adjunta: Emília Ramos Costa; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho↩︎

2. Publicados em www.dgs.pt.↩︎

3. Idem.↩︎

4. Idem.↩︎