Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ LÚCIO | ||
Descritores: | EXTORSÃO SUBSUNÇÃO AMEAÇA | ||
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Data do Acordão: | 11/22/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | 1 - O tipo de crime de extorsão, p. e p. pelo art. 223º do CP, caracteriza-o como um crime híbrido com um significado pluriofensivo, dado que protege simultaneamente bens jurídicos distintos, designadamente o património e a liberdade. 2 – O tipo criminal em causa visa, antes de mais, garantir a liberdade de disposição patrimonial, pelo que a extorsão é, em primeiro lugar, um crime contra o bem jurídico património. Daí a sua inserção sistemática. Acresce, porém, a tutela do bem jurídico liberdade de decisão e de acção, cuja lesão é conatural à extorsão. 3 - A respectiva acção típica corresponde a uma conduta de constrangimento de outra pessoa, através de violência ou de ameaça com um mal importante, que tem como seu objecto um acto de disposição patrimonial. 4 - A ameaça com um mal importante, como elemento objectivo do tipo de crime em análise, terá que referir-se a um dano ou um prejuízo relevante para o destinatário, pelo que tanto pode corresponder a um facto ilícito típico como a um acto lícito. O essencial é que se apresente como adequada a constranger o visado a fazer a pretendida disposição patrimonial. 5 – O “mal importante” mencionado na norma que tipifica o crime de extorsão tanto pode ser um mal lícito ou ilícito, justo ou injusto, pois que a ameaça com um meio legal não pode ser feita para obter um efeito ilegal. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
A) Nestes autos de processo comum, com tribunal singular, com o n. º 3/07.4GACVD, do Tribunal Judicial de Castelo de Vide, por sentença proferida a 20 de Outubro de 2010, os dois arguidos foram condenados da forma seguinte: - o arguido PA, pela prática, em co-autoria material e na forma tentada, de um crime de extorsão, previsto e punido pelos artigos 223.º, n.º 1, 22.º e 23.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, suspensa por igual período, na condição do arguido entregar, e comprovar nos autos, uma contribuição monetária no montante de 600,00 € (seiscentos euros) ao Centro de Recuperação de Menores D. Manuel Trindade Salgueiro, sito no Assumar, no prazo de 10 (dez) meses (artigos 50.º, n.º 2 e 51.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal). - o arguido FP, pela prática, em co-autoria material e na forma tentada, de um crime de extorsão, previsto e punido pelos artigos 223.º, n.º 1, 22.º e 23.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, suspensa por igual período, na condição do arguido entregar, e comprovar nos autos, uma contribuição monetária no montante de 1.000,00 € (mil euros) ao Centro de Recuperação de Menores D. Manuel Trindade Salgueiro, sito no Assumar, no prazo de 12 (doze) meses (artigos 50.º, n.º 2 e 51.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal). Inconformado com o assim decidido, o arguido PA interpôs recurso para esta Relação, pedindo, conforme consta das suas conclusões, na parte final, que a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que absolva o recorrente do crime de que vinha acusado, por se verificar a falta de preenchimento de um elemento objectivo do tipo de crime em questão. Respondeu a Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, sustentando que não deve ser dado provimento ao recurso, devendo antes manter-se na íntegra a sentença impugnada. Nesta Relação, o Ilustre Sr. Procurador-Geral Adjunto que teve vista dos autos também emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso. Foi observado o disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sem que o recorrente tenha respondido. Colhidos os vistos, o processo foi à conferência.
B) 1- Considerando os elementos relevantes para o efeito, decorrentes do processo, cumpre apreciar e decidir. Recorde-se que o objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação - arts. 403º, n.° 1, e 412°, n.° 1, do Código de Processo Penal. São as conclusões do recurso que delimitam o âmbito do seu conhecimento. Destinam-se elas a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (artigos 402º, 403º, 412º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal e, v.g., Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ n.º 458, pág. 98) De harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 412º do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente do S.T.J. – Ac. de 13/5/1998, in B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, in B.M.J. 478/242, e Ac. de 3/2/1999, in B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente, por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R., I–A Série, de 28/12/1995). São só as questões suscitadas pelo recorrente, e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.P. Nesta sede importa anotar também ser pacífica a doutrina e a jurisprudência no sentido de que «… se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões» -vd., por todos, Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª. ed., 2000, pág. 335. Assim, comecemos por apresentar as conclusões do recurso em apreço.
2- Diz o recorrente, concluindo a sua motivação, o seguinte (transcreve-se tal como consta do articulado respectivo): “1º- O arguido PA foi doutamente condenado pela prática, em co-autoria material e na forma tentada, de um crime de extorsão, p. e p. no art.º 223º n,º 1, 22º e 23 n.º 1 e 2 do C. Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano e 2 (dois) meses subordinada ao dever do arguido entregar, e comprovar nos autos, um contribuição monetária no montante de €600 (seiscentos) euros ao Centro de Recuperação de Menores D. Manuel Trindade Salgueiro, sito no Assumar, no prazo de 10 (dez ) meses. 2º- Não concorda o arguido com a condenação proferida na Douta Sentença. 3º- Salvo o devido respeito, não se encontram preenchidos todos os elementos objectivos do crime de extorsão. 4º- Estabelece o art.º 233 n.º 1 do C. Penal “Quem, com intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete, para ela ou para outrem, prejuízo é punido com pena de prisão até 5 anos”. 5º- Ora no caso em apreço, não nos afigura que o facto de se mencionar a denúncia à Policia Judiciária ou às Finanças seja uma ameaça idónea a provocar sem mais qualquer medo ou temor, que leve o visado realizar a disposição patrimonial, que lhe acarreta prejuízos, pretendida pelo agente. 6º- Como tal, falta, assim, o preenchimento de um dos elementos do tipo do crime em questão. 7º-Não estando preenchidos todos os elementos objectivos do crime, não pode haver condenação do arguido. 8º- Assim, a Douta Sentença viola o disposto no art.º 233 n.º 1 do C. Penal. 9º- Face ao exposto, deve a Douta Sentença ser revogada, absolvendo-se o arguido do crime de extorsão, se fará JUSTIÇA!”
3 - A matéria de facto a considerar, tal como foi fixada na primeira instância (e que não mereceu discordância por parte do recorrente) é a seguinte: 1. No dia 10 de Janeiro de 2007, cerca das 10h35, RP, dono do estabelecimento comercial (…), sito na Rua (…), foi abordado pelo arguido PA que se identificou como detective A e lhe entregou directamente um envelope, com uma missiva no seu interior, após o que, de imediato, abandonou o referido estabelecimento, dirigindo-se ao veículo de marca Seat, modelo Cordoba, matrícula (…), e iniciou a marcha. 2. RP leu a referida missiva, escrita manualmente pelo arguido FP onde constava que: «Ex.mo Senhor: Face a dados recolhidos, pelos nossos colaboradores no Alentejo temos dados concretos que o senhor no ano de 2004:2005 terá burlado o Estado em milhares de euros, nomeadamente com recibos de compra de cortiça falsos em nome do senhor JM, um senhor da zona de Borba. E esse senhor nunca teve, nem tem cortiça para venda. Face a estes dados se o senhor não quer ter problemas, nomeadamente com multas avultadíssimas, e até com prisão, pois como sabe recibos falsos são crime terá que entregar ao nosso colaborador a quantia de dez mil euros em dinheiro no prazo de 1 hora sem perguntas ou esclarecimentos para que o caso seja esquecido ou encerrado. Caso contrário a denúncia será feita imediatamente à Policia Judiciária e ás Finanças para que seja feita uma auditoria à sua escrita. Sem outro assunto.» 3. Passados cerca de cinco minutos, o arguido PA aproximou-se do estabelecimento supra mencionado, tendo RP se dirigido à patrulha da Guarda Nacional Republicana que se encontrava nas proximidades, que inteirou do assunto, o que causou o imediato abandono do local pelo referido arguido PA. 4. No dia 12 de Janeiro de 2007, cerca das 09h55, RP recebeu uma chamada telefónica do arguido PA, na qual o emissor da mesma lhe disse que tinha até às 12h00 do mesmo dia (12/01/2007) para depositar o valor de dez mil euros numa conta do Banco Millenium BCO com o n.º (…), de que é titular. 5. O arguido FP é conhecido do ofendido RP, tendo contactado com o mesmo por quatro ou cinco vezes, em virtude do ofendido, para além da profissão de comerciante (dono de uma ourivesaria) realizar também negócios relacionados com cortiça. Nessa medida, e uma vez que o referido arguido tem a profissão de industrial de cortiça, chegou o mesmo a entabular no passado conversações com o ofendido por via de um intermediário, denominado M, para a realização de um negócio relacionado com cortiça, o qual não se chegou a concretizar. 6. Os arguidos PA e FP elaboraram previamente e em comunhão de esforços, um plano, que executaram, tendo este procedido à elaboração (escrita) e entrega da referida missiva devidamente fechada por si ao arguido PA que a entregou ao ofendido. 7. Agiram os arguidos de forma livre e com o propósito não concretizado de, utilizando um plano previamente traçado e em comunhão de esforços, determinarem o ofendido a entregar-lhe dinheiro, na quantia de dez mil euros, que sabiam não lhe pertencer, bem sabendo ainda que com tal conduta produziam prejuízo patrimonial ao ofendido, o que representaram, apenas não logrando tal intento por factos externos à sua vontade. 8. Ao entregar tal missiva e efectuar tal contacto telefónico, agiram ainda com o propósito de produzir receio, medo e inquietação ao ofendido, resultado esse que representaram. 9. Sabiam ainda que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Mais se provou com relevo para a determinação da sanção, que: 10. O arguido PA não tem antecedentes criminais. 11. O arguido FP foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal por sentença prolatada a 19/11/2003, transitada em julgado a 6/12/2003, no âmbito do processo comum n.º 1513/01.2TBEVR que correu os seus termos no 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, na pena de 210 dias de multa à razão diária de 30 €, o que perfez o montante global de 6.300,00 €, que pagou, tendo sido declarada extinta a pena por decisão de 3/04/2006. 12. O arguido PA tem a profissão de auxiliar de serviços gerais na Junta de Freguesia de (…), auferindo o vencimento líquido mensal de 460 €; é solteiro, não tem filhos, vive sozinho numa casa arrendada suportando a renda mensal de 150 € e não tem quaisquer despesas fixas mensais de relevo; e tem como habilitações escolares o 6.º ano de escolaridade. 13. O arguido FP tem a profissão de industrial de cortiça, encontrando-se actualmente e desde há um ano desempregado, auferindo a título de subsídio de desemprego o montante mensal de 419 €; é casado, vive com a sua mulher – que trabalha como empregada doméstica 2/3 dias por semana, auferindo o montante diário de 25 € – e um filho com 21 anos de idade que desenvolve trabalhos ocasionais auferindo um montante não concretamente apurado mas insuficiente para prover ao seu sustento o qual é ainda assegurado pelos progenitores; vivem numa casa cedida pela sogra do arguido mediante o pagamento de um montante mensal de 150 €, suporta durante os próximos dois anos, o valor mensal de 106 € pela aquisição de um veículo automóvel; e tem como habilitações escolares o 6.º ano de escolaridade.
4 – Como se verifica, em face das conclusões do recorrente, nos presentes autos a questão colocada traduz-se tão só no preenchimento ou não preenchimento, atenta a matéria disponível, de um dos elementos objectivos integrantes do crime de extorsão, concretamente se existiu a ameaça idónea a satisfazer o conceito de “mal importante” referido no tipo criminal em apreço. Estabelece o art.º 233 n.º 1 do C. Penal que “Quem, com intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete, para ela ou para outrem, prejuízo é punido com pena de prisão até 5 anos”. A sentença recorrida entendeu que a conduta dos arguidos corresponde efectivamente ao comportamento criminalizado nesta norma, designadamente por terem usado de uma “ameaça com mal importante”, idónea a provocar o efeito de constrangimento previsto na norma. O arguido recorrente entende que o facto de se acenar com uma denúncia à Policia Judiciária ou às Finanças não representa uma ameaça idónea a provocar qualquer medo ou temor, no cidadão comum, pelo que no caso em apreço não se verificaria esse elemento do crime. Recorde-se que, de acordo com o que se provou, o arguido PA, identificando-se como “detective A”, dirigiu-se ao estabelecimento do comerciante RP e entregou-lhe um envelope, contendo uma missiva no seu interior, após o que, abandonou o referido estabelecimento. A referida missiva, escrita pelo arguido FP, dizia: «Ex.mo Senhor: Face a dados recolhidos, pelos nossos colaboradores no Alentejo temos dados concretos que o senhor no ano de 2004:2005 terá burlado o Estado em milhares de euros, nomeadamente com recibos de compra de cortiça falsos em nome do senhor (…), um senhor da zona de Borba. E esse senhor nunca teve, nem tem cortiça para venda. Face a estes dados se o senhor não quer ter problemas, nomeadamente com multas avultadíssimas, e até com prisão, pois como sabe recibos falsos são crime terá que entregar ao nosso colaborador a quantia de dez mil euros em dinheiro no prazo de 1 hora sem perguntas ou esclarecimentos para que o caso seja esquecido ou encerrado. Caso contrário a denúncia será feita imediatamente à Policia Judiciária e ás Finanças para que seja feita uma auditoria à sua escrita. Sem outro assunto.» Dois dias depois, o mesmo arguido telefonou ao ofendido RP dizendo-lhe que tinha até às 12h00 do mesmo dia (12/01/2007) para depositar o valor de dez mil euros numa conta do Banco Millenium BCP com o n.º (…), de que é titular. Os dois arguidos elaboraram previamente e de comum acordo o plano que executaram, agiram de forma livre e com o propósito não concretizado de, utilizando o plano previamente traçado, e em comunhão de esforços, determinarem o ofendido a entregar-lhes dinheiro, na quantia de dez mil euros, que sabiam não lhes pertencer, bem sabendo ainda que com tal conduta produziam prejuízo patrimonial ao ofendido, o que representaram, apenas não logrando tal intento por factos externos à sua vontade; ao entregar tal missiva e efectuar tal contacto telefónico, agiram ainda com o propósito de produzir receio, medo e inquietação ao ofendido, resultado esse que representaram e quiseram. O resultado visado não ocorreu porque o ofendido RP em vez de proceder como os arguidos lhe determinavam decidiu participar a situação às entidades policiais, que acabaram por identificar os arguidos. Recordemos que, segundo dispõe o artigo 223.º, n.º 1 do Código Penal, comete crime de extorsão "Quem, com intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete, para ela ou para outrem, prejuízo". E constitui-se autor de um crime na forma tentada, visto o disposto no artigo 22.º, n.º 1, do mesmo diploma, quem "praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se", considerando-se no seu n.º 2 como actos de execução "os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime", "os que forem idóneos a produzir o resultado típico" ou "os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores". Analisando o tipo de crime, verifica-se que o crime de extorsão é um crime híbrido com um significado pluriofensivo (cfr. acórdão de 21/09/2011 do Tribunal da Relação do Porto, in www.trp.pt), porquanto afecta simultaneamente vários bens jurídicos, como seja o património e a liberdade. O art. 223º do CP visa, antes de mais, garantir a liberdade de disposição patrimonial. Objectivo directo da extorsão é a obtenção de uma vantagem patrimonial à custa de um prejuízo do extorquido. Daí a inclusão do crime de extorsão entre os crimes contra o património. Ou seja, a extorsão é, em primeiro lugar, um crime contra o bem jurídico património. Acresce, porem, a tutela do bem jurídico liberdade de decisão e de acção, cuja lesão é conatural à extorsão. A respectiva acção típica corresponde a uma conduta de constrangimento de outra pessoa, através de violência ou de ameaça com um mal importante, que tem como seu objecto um acto de disposição patrimonial. A ameaça terá que representar um dano ou um prejuízo relevante, pelo que tanto pode corresponder a um facto ilícito típico como a um acto lícito. O essencial é que tanto a violência como a ameaça grave, enquanto requisitos típicos imprescindíveis, sejam idóneas e adequadas a constranger o visado a fazer a pretendida disposição patrimonial. Assim, o comportamento típico abrangerá desde as acções de simples constrangimento até às acções que eliminam em absoluto a possibilidade de resistência, incluindo aquelas que afectam psicológica e mentalmente a capacidade de decidir, mas sempre todas elas dirigidas à adopção de um certo comportamento, pretendido pelo agente e contrário à vontade do visado. Tudo ponderado, e vistos os factos e os princípios orientadores supra referenciados, parece-nos seguro concluir que os arguidos praticaram todos os actos de execução de um crime de extorsão, a que não se juntou o resultado típico por factores estranhos às suas vontades. Portanto, mostra-se acertada a decisão de os punir como co-autores de um crime de extorsão na forma tentada, como bem se decidiu na sentença impugnada. Não há razão para duvidar de que a ameaça utilizada constitua um “mal importante”, e adequado a preencher a previsão típica (porque adequado a alcançar o resultado visado pelos agentes, em violação da liberdade de disposição patrimonial do ofendido). Aliás, sobre essa questão pronunciou-se de forma lúcida e aprofundada a sentença impugnada, fazendo notar nomeadamente que “o mal importante tanto pode ser um mal lícito ou ilícito, justo ou injusto, pois que a ameaça com um meio legal não pode ser feita para obter um efeito ilegal, pois se o for integra o crime de extorsão.” E recorde-se a jurisprudência produzida a esse respeito: Acórdão do STJ de 10/10/1996, in CJ/STJ, IV, tomo 3, 156: «I - São elementos do crime de extorsão: a ameaça, o constrangimento, a disposição patrimonial geradora de prejuízo e a intenção de enriquecimento ilegítimo. II - A ameaça tem de ser de molde a criar no espírito da vítima um fundado receio de grave e iminente mal, sendo irrelevante que este mal seja justo ou injusto. III - Comete o crime de extorsão o agente da PSP que, na sequência de acidente de viação supostamente provocado pela conduta contravencional de uma pessoa, informa-a de que teria de ser imediatamente detida e conduzida ao posto policial, colocando-a em estado de grande embaraço e agitação e, servindo-se do constrangimento criado, exige, em troca da não concretização dessas medidas, a entrega imediata – conseguida da quantia de 100.000$00.» Acórdão do STJ de 6/05/1998, in CJ/STJ, VI, tomo 2, 197: «I - Cabe no conceito de extorsão toda a ameaça de um mal suficiente para vergar a vontade de um homem médio. II - Basta que a concretização da ameaça seja apta, segundo as regrais da experiência comum, para se conseguir o objectivo que se deseja com ela. Não é necessário que a ameaça seja de um mal ilícito, bastando que seja importante do ponto de vista da generalidade das pessoas. III - O facto de o mal cominado não ser propriamente ilegal não retira coloração à expressão ameaça com mal importante, a que se refere o art. 223.° do CP. VI - O crime de extorsão consuma-se com a entrega do valor patrimonial pretendido pelo agente, o que constitui prejuízo para o ofendido.» - cfr. Acórdão da Relação de Évora de 1/07/1997, in CJ, XXII, tomo 4, 286: «I - Na extorsão, contrariamente ao que sucede no roubo, a ameaça não tem que ser para a vida ou para a integridade física, podendo ser, designadamente, à honra, ao património, à reputação, ao crédito comercial, ao nome profissional ou artístico, à tranquilidade pessoal ou familiar. II - Assim, pratica o crime de extorsão, na forma tentada, aquele que, tendo surpreendido o autor de um crime de furto de bens que lhe pertenciam, logo após a sua prática, o ameaça de o denunciar criminalmente se não entregasse a quantia de 500.000$00 à Santa Casa da Misericórdia de Palmela, o que só não aconteceu em virtude de o cheque que ele emitiu, naquele montante, não ter sido pago pelo Banco sacado, com o fundamento de se ter extraviado». Com efeito, face ao acervo fáctico apurado não podem subsistir dúvidas inexistem que com a conduta dos arguidos se mostra preenchido o elemento objectivo do tipo que vem controvertido. Na verdade, considerando o conteúdo da missiva entregue ao ofendido, acima reproduzida, e bem assim o teor da chamada telefónica por ele recebida, feita pelo co-arguido PA (o autodesignado “detective A”), ou seja, a exigência de entrega de 10.000 € sob ameaça de haver uma denúncia à PJ e às Finanças pela pratica de crimes, a punir com multas "avultadíssimas" e pena de prisão, e bem assim uma auditoria à escrita do ofendido pelas Finanças, é susceptível de criar no homem médio um fundado receio de grave e iminente mal, ou seja, traduz-se, com apelo às regras da experiência, num constrangimento, com ameaça de um mal importante, adequada a conseguir do ameaçado uma disposição patrimonial que acarreta prejuízo para ele e enriquecimento indevido dos arguidos. Independentemente do fundamento efectivo das ameaças, e independentemente dos resultados hipotéticos de tais participações criminais e auditorias, só a perspectiva de enfrentar os incómodos de um inquérito criminal e de uma inspecção conduzida pela administração fiscal representam para o comum dos cidadãos, e ademais para um comerciante, para quem a simples reputação e bom nome constituem activos essenciais, males importantes e adequados a provocar sério constrangimento e alarme (e ainda muito mais se for perspectivada a eventualidade de uma orientação já predeterminada, e enviesada, nesses procedimentos, como parece aludir-se no texto da carta ameaçadora, ao mencionar-se que o ofendido deveria proceder como lhe era ordenado “para que o caso seja esquecido ou encerrado”, o que não pode deixar de entender-se como insinuação de poderes e influências naturalmente preocupantes). E daí que se mostre preenchido o elemento objectivo do tipo de crime em questão, pelo que, nada mais vindo alegado pelo recorrente, terá que improceder o recurso em apreço e manter-se a decisão impugnada.
C) Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem esta Secção Criminal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido Paulo Jorge da Silva Araújo, e consequentemente confirmar a sentença recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs. Notifique. Évora, 22 de Novembro de 2011 José Lúcio (relator) - Alberto João Borges |