Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO LUÍS NUNES | ||
Descritores: | FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA CONTRATO DE TRABALHO RESPONSABILIDADE DO TRABALHADOR POR DANOS | ||
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Data do Acordão: | 09/26/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I – Não constitui nulidade da sentença a insuficiência de fundamentação de alguns factos na 1.ª instância, que foram objeto de prova testemunhal, provocando, sim, com fundamento no disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil, que a Relação determine, ainda que oficiosamente, que a 1.ª instância fundamente esses factos, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados. II – Para que sejam dados como provados factos sujeitos à livre apreciação do julgador não basta que os mesmos tenham sido afirmados por alguma(s) testemunha(s): o tribunal, tendo presente o princípio da livre apreciação, deverá apreciar a prova no seu conjunto e, de acordo com as regras da ciência, do raciocínio e da experiência dar ou não os factos como provados. III – Para que a empregadora tenha direito a indemnização nos termos previstos no n.º 1 do artigo 323.º do Código do Trabalho e artigo 798.º do Código Civil, tem de provar, antes de mais, que a conduta imputada ao trabalhador infringiu disposições legais que regulam o contrato trabalho ou que foram convencionadas pelas partes. IV – Para além disso tem de alegar e provar os danos concretos que a conduta do trabalhador lhe provocou. (Sumário elaborado pelo relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 1892/22.8T8TMR.E1 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]: I. Relatório EMP01..., Sociedade Unipessoal, Lda., intentou, no Juízo Local Cível 1, do Tribunal Judicial da Comarca 1, a presente “ação declarativa de condenação” contra AA, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 7.915,99, acrescida dos juros de mora desde a sua citação até integral pagamento. Alegou para o efeito, muito em síntese, que em 3 de setembro de 2019 celebrou com o réu um contrato de trabalho em que este se obrigou, mediante retribuição e no âmbito da sua (dela, autora) organização e autoridade, a exercer as funções de motorista de pesados, bem como manuseamento de máquinas para descarga e preparação dos materiais a descarregar. O contrato de trabalho veio a cessar em 4 de setembro de 2022, por iniciativa do réu. Contudo, durante a sua vigência o réu não desempenhou as funções com o zelo e diligência a que estava obrigado. Assim: (i) em 12 de maio de 2021 iniciou uma viagem com um veículo pesado de mercadorias para fazer entrega de materiais no norte do país sem previamente fazer a verificação das condições de segurança desse veículo e sem uma condução e velocidade adequadas, o que provou o rebentamento de dois pneus, causando um prejuízo à autora de € 805,50; (ii) no dia seguinte, 13 de maio de 2021, não cumpriu as ordens da empregadora de proceder ao carregamento de material num determinado cliente e proceder à sua entrega noutro, o que provocou à autora um prejuízo de € 150,00; (iii) em data incerta do início de 2021 não acondicionou devidamente a mercadoria na viatura que conduzia, vindo a mesma a cair e inutilizar-se por completo, o que provocou à autora um prejuízo de € 250,00; (iv) em 3 de setembro de 2021, ao conduzir um veículo da autora em velocidade superior à permitida por lei, foi embater noutro veículo (de terceiros), que se encontrava aparcado, vindo a provocar um prejuízo à autora, com a reparação do seu veículo, no valor de € 931.10; (v) em 17 de dezembro de 2021, ao final do dia, compareceu nas instalações da autora, «(…) acompanhado de 4 colegas também eles funcionários, notoriamente sob efeito de álcool e fora do seu estado normal, e, não obstante lhe ter sido dirigidas ordens claras de proibição de entrada no estabelecimento da Autora, ele ignorou-as, entrando contra a vontade da Autora e ridicularizaram com quem aí estava nos seus postos de trabalho, criando alvoroço, instabilidade e desconforto nos vários funcionários e gerência da Autora», o que criou mal-estar entre os restantes trabalhadores da empresa, levando a que a autora tivesse que cancelar o tradicional “jantar de Natal” que tinha programado oferecer aos trabalhadores, o que lhe provocou um prejuízo de € 1.500,00; (vi) em 12 de janeiro de 2022, ao proceder ao carregamento de uma grua num veículo da autora, fê-lo de forma deficiente, o que provou um prejuízo no referido veículo de € 1.627,70; (vii) em junho ou julho de 2022, ao conduzir um veículo dentro das instalações da autora, fê-lo de forma pouco cuidada, tendo embatido e danificado as vedações, em razão do que a autora despendeu € 250,00 com a respetiva reparação; (viii) também, apesar de saber que não o podia fazer, utilizou um veículo pesado de mercadorias para subir a outro estaleiro, tendo danificado 4 pneus do veículo e, consequentemente, a autora despendido € 1.980,00 com a sua substituição; (ix) apesar de vários avisos e indicações que lhe haviam sido feitas, o réu deixou por largos períodos de tempo a suspensão pneumática do reboque levantada, em esforço, tendo por isso rebentado vários airbags da sua suspensão, tendo a autora despendido com a reparação a quantia de € 421,69; (x) finalmente, em 1 de julho de 2022 o autor foi responsável por um acidente de viação quando conduzia um veículo da autora, em razão do que despendeu, na reparação do seu veículo, a quantia de € 1.627,70. Por consequência, considerando que tais factos ocorreram por motivos exclusivamente imputáveis o réu, pediu a condenação deste na reparação dos mesmos. O réu contestou a ação, por exceção e por impugnação: (i) por exceção, a suscitar a incompetência matéria do tribunal, por entender serem competentes para a ação os juízos do trabalho; (ii) por contestação, a negar a prática dos factos, ou que lhe possa ser imputada a responsabilidade pelas mesmos, pugnando, por consequência, pela improcedência da ação. Por decisão do Juízo Local Cível 1, transitada em julgado, foi declarada procedente a exceção dilatória de incompetência material do tribunal e, em consequência, a requerimento da autora, os autos remetidos aos Juízos do Trabalho 1, e aí distribuídos ao Juiz .... No prosseguimento dos autos, e no que ora releva, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento e em 08-03-2024 foi proferida sentença, que julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu o réu do pedido. Inconformada com o assim decidido, a autora veio interpor recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões: «A) Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo tribunal a quo, que absolveu o Réu, do pedido de condenação no montante indemnizatório de € 7.915,99 (sete mil novecentos e quinze euros e noventa e nove cêntimos) formulado pela A., ora Recorrente, por ter entendido que não ser verificaram in casu, a violação de deveres laborais por parte do R., a que alude a al. c), do n.º 1, do art.º 128.º, do Código de Trabalho (doravante C.T), susceptíveis de desencadear o dever de indemnizar, a cargo do R. B) Contudo, verificaram-se e provaram-se, a existência de várias condutas do R., violadoras do dever de zelo e diligência, bem como de diversos deveres laborais, que recaíam sobre o mesmo, na realização do seu trabalho, pelo que padece a sentença proferida pelo tribunal a quo, de Erro de Julgamento na aplicação do Direito (error juris), bem como de Erro de Julgamento no apuramento dos Factos (error facti), C) Constam expressamente dos Factos Provados da sentença, nos n.ºs 8, 14, 18, 19, 20, 21, 22, a violação de vários deveres laborais por parte do Réu, nomeadamente, recusa em comparecer ao trabalho, faltas, violação do dever de boa utilização de bens relacionados com o trabalho, nomeadamente dos veículos da A., ora Recorrente, colocados à sua disposição do R. pese embora tenha sido o trabalhador (R.) alertado, para usar devidamente os bens relacionados com o trabalho, conforme se infere dos factos dados como provados. D) Tais comportamentos, considerados como provados nos n.ºs supra citados, traduzem-se numa clara violação de vários deveres laborais nomeadamente, violação das alíneas b), c), e), g), h), do n.º 1, do art.º 128.º, do C.T. E) E, configuram, sem marquem para quaisquer dúvidas, na violação da realização do trabalho com zelo e diligência, não tendo o mesmo utilizado a diligência devida de um trabalhador médio, com a mesma experiência e aptidão, para o exercício da mesma função. F) Contudo, considerou o tribunal a quo, conforme consta da Motivação da sentença, que o R. actuou com dever de zelo e diligência e terá atuado da forma exigível a um trabalhador médio colocado em igual posição,” G) Ora, não se compreende que o tribunal a quo, tenha considerado como Provado, condutas violadoras do dever de zelo e diligência por parte do trabalhador (Réu), referindo expressamente nos n.ºs 19 a 21, do elenco dos Factos Provados, que o R., foi avisado expressamente, várias vezes, para não adoptar condutas que pusessem em causa o bom funcionamento dos veículos da A., para posteriormente, na argumentação expendida na motivação, fundamentar que o Réu actuou como um trabalhador médio, não tendo violado qualquer dever de zelo e diligência. H) Existe, pois, erro na aplicação do direito (error juris), uma vez que o decidido não corresponde à realidade ontológica e/ou normativa na medida em que, tendo sido considerados com provados, que o R. se Recusou a prestar trabalho, faltou sem justificação, embateu numa vedação enquanto conduzia o veículo dentro da empresa, utilizou um veículo pesado de carga de mercadorias para subir de um estaleiro para outro apesar de estar avisado para não o fazer e que ainda, deixou o mesmo algumas vezes a suspensão pneumática do reboque levantada apesar de ter sido alertado para não o fazer, por tal conduta ser apta a causar danos nos veículos da A., ora Recorrente, tais comportamentos sempre teriam de se subsumir ao disposto nas já referidas alíneas b), c), e), g), h), do n.º 1, do art.º 128.º, do C.T., por configurarem a violação de vários deveres laborais, violados pelo R. I) Assim, pela violação das disposições legais referidas supra, que regulamentavam o contrato de trabalho outorgado entre o R. e a A., ora Recorrente, tem a A. direito a uma indemnização nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 323.º do C.T e do art.º 798.º, do C.C. J) Deveria o douto tribunal, ter subsumido factos dados como provados, nos referidos preceitos normativos e condenar o R. ao pagamento da indemnização pelos danos que provocou com a conduta considerada como provada. K) Atento o supra exposto, o tribunal a quo, violou o disposto nos art.ºs n.ºs b), c), e), g), h), do n.º 1, do art.º 128.º, e n.º 1, do art.º 323.º do C.T , todos do C.T e do 798.º do C.C. L) Acresce ainda que no n.º 21, dos Factos Provados, consta expressamente que o (trabalhador) R., deixou por diversas vezes a suspensão pneumática do reboque levantada tendo com essa conduta provocado um dano à A. no montante de conforme de € 421,69 (quatrocentos e vinte e um euros e sessenta e nove cêntimos), conforme n.º 22, dos Factos Provados. M) Como consta dos factos provados o trabalhador (R.) por diversas vezes foi alertado para não deixar a suspensão pneumática do reboque levantada e, por causa da sua conduta, causou danos na suspensão pneumática. N) Pelo que sempre teria o tribunal a quo de subsumir os factos dados como provados nos n.ºs 21 e 22, no disposto no art.º 128.º, do C.T e condenar o R. no pagamento da quantia de € 421,69 (quatrocentos e vinte e um euros e sessenta e nova cêntimos). O) Atento o supra exposto, o tribunal a quo, violou o disposto nas alíneas c), g) e h), do n.º 1, do art.º 128.º, e n.º 1, do art.º 323.º do C.T , todos do C.T e do 798.º do C.C. P) Não obstante o supra referido, incorreu ainda o tribunal a quo, em erro de julgamento no apuramento dos factos, no que respeita às alíneas a), j) a o), p), q), r), s), t) w), aa), cc), dd) e ee), distorcendo a realidade factual, na medida em que tais factos, deveriam ter sido considerados como provados, conforme se vai infra melhor discriminar. Q) Ora, o tribunal a quo deu como provado a factualidade descrita na al. a) da sentença. Contudo, decorre da prova testemunhal trazida aos autos pela A., ora Recorrente, nomeadamente do depoimento do Legal representante da A., exactamente o contrário da factualidade dada como não provada, na alínea a), conforme gravação disponível na plataforma Citius, entre o minuto 03:36ss e 04:11ss, que se transcreveu supra, no presente articulado e se dá por reproduzido, nas presentes conclusões, para os devidos efeitos legais; R) Em sentido contrário à factualidade dada como não provada, na alínea a), pronunciou-se igualmente a Testemunha BB, conforme gravação disponível na plataforma Citius, entre os minutos 04:21ss a 04:35ss, e minutos 09:01ss. a 09:08ss. supra transcrita no presente articulado e que se dá por reproduzido, nas presentes conclusões, para os devidos efeitos legais, bem como se pronunciou-se igualmente, em sentido contrário a Testemunha CC, conforme gravação disponível na plataforma Citius, entre os minutos 03:52ss, a 04:06ss, e 17:50ss, a 18:55ss já supra transcrito e que se dá por reproduzido, nas presentes conclusões, para os devidos efeitos legais; S) Ora, a prova demonstrou e comprovou, precisamente o contrário da al. a), dos factos dados como não provados, alegando que era recorrente o uso de telemóvel, a falta a serviços e a provocação de desacatos, por parte do Réu. T) Pelo que, ao considerar tais factos como não provados, distorceu o tribunal a quo, salvo melhor entendimento e com o devido respeito, a realidade factual trazida aos autos, incorrendo em erro de julgamento. U) Pelo que sempre teria o tribunal recorrido de considerar tais factos (constantes da al. a)), como provados, por força do depoimento das testemunhas supra referidas. V) Acresce ainda, que considerou o tribunal a quo, como não provado, o circunstancialismo descrito nas alíneas j) a o), da douta sentença proferida. W) Sucede que da análise da prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, resultam como provados os factos constantes das alíneas j) a o), que foram dados (erradamente) como não provados. X) Ora, foi referido pela Testemunha CC, conforme gravação disponível na Plataforma Citius, entre o minuto 17:50ss a 18:55ss, e pela testemunha BB, disponível na plataforma Citius, entre os minutos 10:21ss a 12:45ss, conforme se transcreveu supra no presente articulado que se dá por integralmente reproduzido nas presentes conclusões, que o R. tinha trabalho agendado para o dia 17 de Dezembro e que não realizou, ademais, apareceu o mesmo alcoolizado nas instalações da A., originando desacatos, que foram do conhecimento de colegas, amigos e clientes. Y) As declarações referidas supra, provaram sem margem para quaisquer dúvidas, a factualidade constantes das alíneas j) a o), dos factos dados como não provados pelo tribunal a quo. Z) Pelo que, ao considerar tais factos como não provados, distorceu o tribunal a quo, a realidade factual trazida aos autos, nomeadamente pelas declarações das testemunhas BB e CC, incorrendo, salvo melhor entendimento, em erro de julgamento. AA) Ora, o tribunal a quo terá formado a sua convicção, apenas e somente, nas declarações prestadas pelo trabalhador (Réu), em detrimento de toda a prova produzida pelas testemunhas supra referidas. BB) Contudo, não fundamentou, no texto da sentença, no que concerne aos factos dados como não provados nas alíneas j) a o), a motivação pelo qual optou somente (e erradamente) pelas declarações do R., em clara violação do dever de fundamentação. CC) Acresce ainda que o valor peticionado na alínea o), dos factos dados como não provados, refere-se a um valor que deverá ser pago à A., a título de dano não patrimonial, uma vez que, é grave um motorista de uma empresa de transportes multinacional aparecer alcoolizado nas instalações da mesma. DD) Tal facto, que atinge o bom nome da A. e chegou ao conhecimento de amigos, colegas e clientes, conforme depoimento da Testemunha BB, transcrito nos presentes autos. EE) Estamos perante um dano de especial gravidade, atingindo o bom nome da A., enquanto elemento indispensável à prossecução dos seus fins. FF) Pelo que, sempre deveria ter o tribunal a quo, ter dados os factos constantes nas alíneas j) a o), como provados e em consequência, condenadar o R., a título de dano não patrimonial, no montante de pelo menos € 1.500,00, conforme peticionado. GG) Acresce ainda, que considerou o tribunal a quo, como não provados, a factualidade constante das alíneas p) e q). HH) Contudo, resulta exactamente o contrário da prova produzida pela testemunha BB, nos minutos 5:33ss a 6:37ss e 17:43ss e 18:55ss, gravado na plataforma Citius, supra transcrito no presente articulado e que se dá por integralmente reproduzido nas presentes conclusões, que o R. carregou com ajuda, uma grua no camião e que a mesma ficou carregada demasiado para a frente, tendo ainda o R., optado por fazer um percurso mais rápido e menos adequado, no transporte da Grua, tendo por isso provocado os danos na cabine do veículo. II) Confirmou ainda a referida testemunha que era ao R. a quem incumbia o carregamento do veículo de pesados que lhe era atribuído, bem como recaia sobre o mesmo a obrigação de acondicionar devidamente a sua carga, transportar a carga sem danificar o veículo e ainda, acompanhar terceiros que efectuassem o carregamento do veículo bem como dar-lhes a indicação de como deveria ser a carga correctamente colocada. JJ) A prova testemunhal trazida aos autos, demonstrou precisamente o contrário do aludido das alíneas p) e q) dos factos dados como não provados. KK) Pelo que ao considerar tais factos como não provados, distorceu o tribunal a quo, com o devido respeito, que é muito, a realidade factual trazida aos autos, incorrendo (novamente) em erro de julgamento. LL) Deste modo, deveria o tribunal a quo ter dado os factos supra referidos como provados e em consequência, condenar o R. ao pagamento da quantia de €1.627,70 (mil seiscentos e vinte e sete euros e setenta cêntimos), conforme bem consta, do ponto n.º 17, dos factos dados como provados, pelo danos causados, com a sua conduta, na cabine do camião por si transportado. MM) Acresce ainda, no que concerne à “alínea r)” dos factos dados como não provados, foi referido pela testemunha CC, conforme consta da plataforma Citius, entre o minuto 12:25ss a 13:01ss que a vedação foi reparada, tendo a A. despendido uma quantia monetária na sua reparação. NN) O seu testemunho foi crível pelo que, deveria ter o tribunal a quo, considerado como provado que a vedação se encontra reparada e em consequência, teria o tribunal a quo de recorrer a juízos de equidade, para apurar um valor indemnizatório a pagar à A. OO) Considerou ainda o tribunal recorrido como não provado, a factualidade descrita na alínea s), da sentença. PP) Contudo foi expressamente referido pela testemunha BB, minuto 07:35ss a 08mn35ss e 21:54ss a 23:45ss, que o R. não cumpriu a ordem de utilizar o camião de caixa manual da empresa para subir de um estaleiro para o outro, tendo utilizado um camião automático, e como consequência, danificou os pneus, tendo saído os tacos do mesmo, conforme visto pela própria testemunha. QQ) Deste modo deveria “a alínea s)” dos factos não provados, ter-se considerado provada, pois demonstrou-se através da realidade factual, trazida aos autos, pela testemunha BB que foi por causa da conduta reiterada do R., que se verificou o dano nos pneus, tendo-se consequentemente procedido à sua mudança. RR) Pelo que deveria o tribunal a quo ter considerado como provado, o facto aludido na alínea S), e em consequência, pagar à A., o montante despendido no valor de € 1.980,00€ (mil novecentos e oitenta euros e zero cêntimos); SS) Acresce que considerou ainda o tribunal de primeira instância, como não provado, na alínea t), a factualidade descrita no mesmo. TT) Contudo, conforme depoimento da testemunha CC, gravado na plataforma Citius, entre o minuto 16:24ss a 16:51ss, o facto de o réu ter deixado a suspensão pneumática do reboque levantada, causou danos no veículo. UU) Tal foi igualmente referido, pela Testemunha BB VV) Em consequência, teve o R. conforme costa do n.º 21 e 22, do elenco dos factos provados, teve o R. de despender o montante de € 421,69€ (quatrocentos e vinte e um euros e sessenta e nove cêntimos) para reparação da suspensão pneumática do reboque, que deverá ser pago pelo R. WW) Ora, atento o supra exposto a prova testemunhal trazida aos autos demonstrou precisamente o contrário do disposto nas já referidas alíneas a), j) a o), p), q), r), s), t). XX) Pelo que ao considerar a factualidade descrita nas alíneas referidas supra como não provados, distorceu o tribunal a quo, a realidade factual trazida aos autos, incorrendo em erro de julgamento. YY) Deveria ter sido dado como provado a factualidade descrita nas alíneas supra referidas e em consequência, condenar-se o R., em conformidade. ZZ) Acresce ainda que o tribunal considerou como não provado, a factualidade constante das alíneas w) z), aa) cc) dd) ee), contudo, tal não resulta da prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento e contraria a prova produzida. AAA) Para colmatar, a sentença padece de falta de fundamentação, constando da mesma no que concerne aos factos dados como não provados, essencialmente e de modo geral e abstracto, no que concerne às alíneas a), j) a o), p), q), r), s), t) que “os veículos são velhos”, que “as testemunhas não têm conhecimentos técnicos” e que o Réu estaria “alegre” e não alcoolizado. BBB) Ora, a fundamentação da matéria de facto, dada como provada e como não provada, com a indicação dos meios de prova, devem ser feitas com clareza e devidamente fundamentadas. CCC) O que não sucedeu in casu, padecendo a sentença proferida de nulidade, para efeitos do disposto na al. c), in fine e na al. d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C DDD) Por fim, diga-se que pese embora o trabalhador seja por norma a parte mais débil da relação laboral, merecendo toda a tutela da lei e dos tribunais de trabalho, não pode com tal facto, acautelar-se um trabalhador que sistemática e reiteradamente violou os mais diversos deveres laborais, provocando diversos danos, com a sua conduta. EEE) Atento todo o supra exposto, deverá o tribunal a quo dar como provados a factualidade constante nas alíneas a), j) a o), p), q), r), s), t) w), aa), cc), dd) e ee),e em consequência, condenar-se o R. em conformidade. NOS TERMOS SUPRA TRANSCRITOS, DEVERÁ DAR-SE PROVIMENTO AO RECURSO, FAZENDO-SE A TÃO ACOSTUMADA JUSTIÇA». Contra-alegou o recorrido, onde, para além de sustentar que o recurso deve ser rejeitado – por não terem sido apresentadas conclusões sintéticas –, e ainda que caso assim se não entenda deve rejeita-se a impugnação da matéria de facto – por a recorrente não ter dado cumprimento ao ónus que, a tal propósito, a lei lhe impõe (artigo 640.º do Código de Processo Civil) –, concluiu que deve: «A.- Negar-se provimento ao recurso interposto pela A. e, consequentemente, B. - Deve confirmar-se, na íntegra, a douta decisão recorrida, C. - Com todas as consequências legais». O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, nos autos, e com efeito devolutivo. Neste tribunal, a exma. procuradora-geral adjunta emitiu douto parecer, no sentido da improcedência do recurso, a que respondeu a recorrente, a refirmar, ao fim e ao resto, o constante das alegações por si anteriormente apresentadas e, com elas, a procedência do recurso. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. II. Objeto do recurso É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi dos artigos 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), salvo as questões de conhecimento oficioso, que aqui não se detetam. Assim, tendo em conta as conclusões das alegações de recurso apresentadas pela recorrente, e observando a precedência lógica das mesmas, são as seguintes as questões a decidir: 1. da (arguida) nulidade da sentença, por violação do disposto nas alíneas c), in fine, e d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil; 2. da impugnação da matéria de facto; 3. da existência de fundamento para a condenação do réu/recorrido no peticionado. Previamente, porém, importa analisar duas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações: - a rejeição do recurso por falta de conclusões sintéticas; - a não observância do ónus quanto à impugnação da matéria de facto. a) Quanto à (alegada) falta de conclusões sintéticas Estatui o artigo 639.º do Código de Processo Civil [aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho]: 1. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entender do recorrente, devia ser aplicada. 3 – Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada». Como decorre do referido preceito, em conjugação com o disposto no n.º 3 do artigo 635.º do mesmo compêndio legal, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva alegação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso. O n.º 1 do artigo 639.º, é expressivo ao dispor expressamente que a alegação deve concluir, «de forma sintética», pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. No recurso compreendem-se, pois, dois ónus: o de alegar e o de concluir. Tal significa que o recorrente deve começar por expor (todas) as razões da impugnação da decisão de que recorre – ou seja, enunciar os fundamentos do recurso –, para de seguida, e de forma sintética, indicar essas razões, isto é, formular conclusões em que resume as razões do pedido. Como ensinava Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra Editora, 1984, pág. 359), a propósito do artigo 690.º do Código de Processo Civil de 1939, mas que, mutatis mutandis, se pode transpor para os presentes autos: «Entendeu-se que, exercendo os recursos a função de impugnação das decisões judiciais (...), não fazia sentido que o recorrente não expusesse ao tribunal superior as razões da sua impugnação, a fim de que o tribunal aprecie se tais razões procedem ou não. E como pode dar-se o caso de a alegação ser extensa, prolixa ou confusa, importa que no fim, a título de conclusões, se indiquem resumidamente os fundamentos da impugnação (...). A palavra conclusões é expressiva. No contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: Que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem: essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, no final da minuta. É claro que para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação». No mesmo sentido aponta Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs-117), quando afirma: «A lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos por que pede a revogação, a modificação ou anulação da decisão. Com as necessárias distâncias, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial. Rigorosamente, as conclusões devem corresponder a fundamentos que justifiquem a alteração ou a anulação da decisão recorrida. Fundamentos esses traduzidos na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, sem que jamais [s]e possam confundir com os argumentos de ordem jurisprudencial ou doutrinário que não devem ultrapassar o sector da motivação». Importa não olvidar que o ónus de formular conclusões da alegação do recurso visa não só delimitar e sinalizar o campo interventivo do tribunal de recurso, como também proporcionar a este uma maior facilidade e rapidez na apreensão dos fundamentos daquele recurso (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2006, disponível sob processo 06S698, em www.dgsi.pt). Para tanto, aquelas devem conter um resumo preciso e claro dos fundamentos de facto e de direito da tese ou teses defendidas na alegação, de tal modo que possibilite uma apreciação crítica ao tribunal de recurso. Ora, no caso, é certo, as conclusões são algo extensas, mas tal ficar-se-á também a dever aos inúmeros factos dados como não provados na 1.ª instância que a recorrente impugna. Não obstante, afigura-se que das mesmas resulta à evidência o objeto do recurso, como supra se identificou. Por isso, optou-se por não convidar a recorrente a sintetizar as conclusões, já que tal sintetização nada de relevante traria aos autos face à, clara, identificação do objeto do recurso, apenas contribuindo para o protelamento da decisão final. Admite-se que, por esta via, se incorre no “vício” que, a propósito da prática judiciária, assim descrevia Abrantes Geraldes (obra citada, págs. 119-120): «(…) a experiência confirma que se entranhou na prática judiciária um verdadeiro circulo judicioso: em face do número de situações em que se mostra deficientemente cumprido o ónus de formulação de conclusões, os tribunais superiores acabam por deixá-las passar em claro, preferindo, por razões de celeridade (e também para que a parte recorrente não seja prejudicada), avançar para a decisão, fazendo nesta a triagem do que verdadeiramente interessa em face das alegações e da sentença recorrida. Agindo deste modo, os tribunais superiores colocam os valores da justiça, da celeridade e da eficácia acima de aspectos de natureza formal». No entanto, não obstante o deficiente cumprimento do ónus de formular conclusões, refirma-se, face à possibilidade de identificação do objeto do recurso e a fim de evitar delongas processuais que nada de útil e relevante trariam aos autos, optou-se por não convidar a recorrente a apresentar conclusões sintéticas. b) Quanto ao ónus de impugnação da matéria de facto De acordo com o disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, quando seja impugnada a matéria de facto o recorrente deve especificar, sob pena de rejeição dessa impugnação: - os concretos pontos incorretamente julgados [alínea a)]; - os meios probatórios que impõem decisão diversa [alínea b)], sendo que tendo os meios probatórios sido gravados haverá que indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso; - a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [alínea c)]. Ora, no caso em apreço entende-se ser manifesto que a recorrente cumpriu esse ónus. Assim é que indicou os factos impugnados [os que foram dados como não provados sobre as alíneas a), j) a o), p), q), r), s), t) w), aa), cc), dd) e ee)], a resposta, “provado”, que deve ser dada aos mesmos, e os meios probatórios em que se funda, com concreta indicação da passagem dos depoimentos ao longo das alegações e conclusões. Por isso, impõe-se concluir que nada obsta ao conhecimento do objeto do recurso. III. Factos A) A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade: 1. Em 3 de setembro de 2019, autora e réu acordaram e subscreveram o documento escrito de fls. 17 a 26 intitulado “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, cujo teor aqui se dá por reproduzido; 2. No dia 2 de março de 2020, Autora e Réu subscreveram um aditamento ao referido escrito, nos termos constantes de fls. 27, em que declararam converter o contrato a termo em contrato sem termo, com efeitos a 03-03-2020. 3. Com dada de 30 de junho de 2022, o réu remeteu à autora a carta de fls. 28, em que lhe comunica a “rescisão” do contrato de trabalho a partir de 04-09-2022 4. No dia 12 de maio de 2021 o réu saiu das instalações da autora com um veículo pesado de mercadorias, em direção ao norte do país; 5. Nessa viagem, quando se encontrava de regresso às instalações da autora, por razões não concretamente apuradas rebentaram dois pneus do veículo; 6. A substituição dos pneus rebentados implicou para a autora um custo de €805,50 (oitocentos e cinco euros e cinquenta cêntimos); 7. No dia seguinte, 13 de maio de 2021, o réu foi instado a levar um veículo pesado de mercadorias até à empresa EMP02... na freguesia 1, para carregar materiais e descarregá-los num armazém sito na Local 1, voltando de seguida para as instalações da autora com o veículo vazio; 8. O réu recusou fazer o serviço mencionado em 7, por considerar que não iria conseguir regressar às instalações da empresa antes da hora de saída (17h), já que tinha regressado da viagem anterior por volta da hora de almoço; 9. Em data não concretamente apurada, no início do ano de 2021, o réu foi incumbido de fazer uma entrega num dos veículos pesados de mercadorias da autora, tendo participado no acondicionamento e fixação da carga com fitas; 10. A pouca distância do estabelecimento da autora, porém, a carga do veículo cedeu/entortou um pouco, por estar mal-acondicionada; 11. No dia 3 de setembro de 2021, o réu conduzia um veículo da autora e foi interveniente num acidente quando, por razões não concretamente apuradas, foi embater num outro camião que então se encontrava imobilizado na lateral da autoestrada; 12. Após averiguação, pela Companhia de Seguros foi entendido que o réu foi o único e exclusivo responsável pelo acidente; 13. Do acidente resultaram danos no outro veículo interveniente, que o seguro da autora ressarciu, bem como danos no veículo da autora cuja reparação ascendeu à quantia de €931,10 (novecentos e trinta e um euros e dez cêntimos) e que a Autora teve de suportar; 14. No dia 17 de dezembro de 2021, na parte da tarde, o réu não compareceu nas instalações da autora para executar o seu trabalho, tendo comparecido ao final desse dia acompanhado de 4 colegas também eles funcionários e com quem estivera num almoço; 15. No dia 12 de janeiro de 2022 o réu conduziu um dos veículos da autora para carregar uma grua automontante à freguesia 2 e a trazer para as instalações da Autora; 16. O carregamento de gruas e de outros materiais de grandes dimensões e peso é frequente por parte dos trabalhadores da autora; 17. Para a reparação das amolgadelas da cabine do camião onde a grua automontante foi transportada, a autora despendeu o valor de €1.627,70 (mil seiscentos e vinte e sete euros e setenta cêntimos); 18. Em data não apurada de junho ou julho de 2022, o réu conduziu o veículo pesado de mercadorias dentro das instalações da autora, tendo embatido numa vedação; 19. Em data não apurada o réu utilizou um veículo pesado de carga de mercadorias para subir de um estaleiro para o outro, apesar de ter sido avisado para não o fazer; 20. Posteriormente, a autora procedeu à substituição de quatro pneus do referido veículo, tendo despendido a quantia de 1.980,00€ (mil novecentos e oitenta euros); 21. O réu deixou algumas vezes a suspensão pneumática do reboque levantada, apesar de tendo sido alertado para não o fazer, por poder causar dano; 22. Posteriormente, a autora despendeu um total de 421,69€ (quatrocentos e vinte e um euros e sessenta e nove cêntimos) para reparação da suspensão pneumática do reboque; 23. O réu foi interveniente num acidente de viação no dia 1 de julho de 2022, quando conduzia um veículo da autora, tendo embatido num outro camião, por razões não concretamente apuradas; 24. Após averiguação, pela Companhia de Seguros foi entendido que o réu foi o único e exclusivo causador do acidente, do qual resultaram danos no veículo da autora que ascendem ao montante de €1.627,70 (mil seiscentos e vinte e sete euros e setenta cêntimos); 25. O Réu é visto por alguns ex-colegas de trabalho como um trabalhador zeloso, prestativo e profissional. B) A 1.ª instância deu como não provados os seguintes factos: a) Que o réu adotasse comportamentos ostensivamente provocadores para com a sua entidade patronal e não aprovados por esta, nomeadamente: o uso de telemóvel pessoal em horário de trabalho para assuntos que não fossem da empresa; o cumprimento sem cuidado das instruções que lhe eram dadas, negando-se a fazer serviços de entregas depois do almoço com a justificação que não queria sair do estaleiro da Autora da parte da tarde; e chegando várias vezes atrasado, provocando e contribuindo para mau ambiente entre colegas, entre outros; b) Que a autora tenha chegado a iniciar processo disciplinar contra o réu, procurando que o mesmo alterasse o seu comportamento; c) Que, previamente à viagem de 12 de maio de 2021, o réu não tenha verificado as condições em que o veículo se encontrava, nomeadamente se tinha combustível suficiente, pressão e estado dos pneus; d) Que o rebentamento dos pneus ocorrido nessa viagem tenha comprometido a entrega ao cliente da autora do material transportado; e) Que o rebentamento dos pneus, naquela situação concreta, pudesse ter sido evitado com uma condução cuidada, a velocidade adequada e com verificação previa das condições de segurança do veículo antes de sair das instalações da autora; f) Que nas circunstâncias mencionadas em 7 dos factos provados o autor tenha causando um prejuízo à autora no valor de €150,00 (cento e cinquenta euros), bem como a deterioração da imagem desta junto da empresa cliente; g) Que, nas circunstâncias mencionadas em 9 e 10 dos factos provados, tenha sido o réu sozinho a carregar o veículo e a carga tenha caído na estrada, ficando completamente estragada e inutilizada e o serviço comprometido, fazendo com que a Autora tenha deixado de receber o preço daqueles materiais, tendo tido um prejuízo de €250,00 (duzentos e cinquenta euros); h) Que nas circunstâncias mencionadas em 11 dos factos provados o veículo no qual o Réu embateu se encontrasse aparcado; i) Que o acidente tenha ocorrido porque o réu circulava a uma velocidade superior à permitida por lei, não sendo possível em condições de segurança executar manobras preventivas, nem como fazer parar o veículo num espaço livre e visível à sua frente, em segurança, tendo embatido num veículo imobilizado e num local com boa visibilidade; j) Que no dia 17 de dezembro de 2021 houvesse serviço pré-determinado para o réu; k) Que nessa data o réu e os colegas tenham comparecido nas instalações da autora notoriamente sob o efeito de álcool; l) Que, nesse dia, o réu tenha sido proibido de entrar no estabelecimento da autora e tenha ridicularizado quem aí estava nos seus postos de trabalho, criando alvoroço, instabilidade e desconforto nos vários funcionários e gerência da autora; m) Que nessa data se encontrassem clientes no local; n) Que estivesse previamente agendado um jantar de natal, que foi desmarcado; o) Que a autora tenha sofrido um prejuízo de 1.500,00€ com a conduta do réu; p) Que, nas circunstâncias mencionadas em 15 e 16 dos Factos Provados tenha sido o réu a carregar a grua; q) Que as amolgadelas na cabine do veículo tenham resultado do carregamento da grua naquelas circunstâncias concretas; r) Que nas circunstâncias mencionadas em 18 dos Factos Provados a vedação tenha ficado danificada e a autora tenha despendido para a sua reparação a quantia de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros); s) Que os pneus cuja substituição é referida em 20 dos Factos Provados tenham sido danificados devido a conduta do réu, designadamente por ter subido com o camião para outro estaleiro; t) Que, por o réu ter deixado a suspensão pneumática do reboque levantada, vários air bags da suspensão rebentaram; u) Que o acidente de viação referido em 23 tenha sido causado pelo réu, por ter ocupado a via reservada à circulação automóvel de sentido contrário; v) Que o sinistro em causa tenha ocorrido devido a condução negligente do réu, desatenta, violadora das regras estradais, por ocupação desnecessária e imprudente da via reservada ao trânsito em sentido oposto; w) Que a autora cuide dos seus veículos, fazendo manutenção a tempo e horas, fiscalizando os sinais de desgaste que apareçam e procedendo às reparações necessárias; x) Que a autora dê formação adequada aos seus trabalhadores, nomeadamente como bem fazer cargas e descargas, manuseamento de máquinas entre outras; y) Que, para além do réu, a autora não tenha razão de queixa de mais nenhum dos seus trabalhadores; z) Que o réu tenha agido de forma consciente e intencional no incumprimento do dever de zelo e cuidado a que estava adstrito, ou ordens e instruções que lhe foram transmitidas pelo empregador respeitantes à execução do trabalho; aa) Que não tenha cuidado em zelar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o trabalho que lhe estavam confiados; bb) Que não tenha dado cumprimento às normas do Código da Estrada a que se encontrava obrigado por conduzir veículos automóveis na via pública; cc) Que não tenha cuidado de zelar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o trabalho que lhe estavam confiados; dd) Que a presente ação seja apenas uma tentativa da autora não pagar ao réu os créditos laborais que lhe são devidos e que lhe foram pedidos; ee) Que a autora pretendesse que o réu se viesse embora para colocar no seu lugar um amigo seu IV. Fundamentação 1. Da (arguida) nulidade da sentença Alega a recorrente a nulidade da sentença, nos termos das alíneas c), in fine, e d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil. E isto porque «(…) a fundamentação da matéria de facto, dada como provada e como não provada, com a indicação dos meios de prova, devem ser feitas com clareza e devidamente fundamentadas» [alínea BBB) das conclusões das alegações]. De acordo com as referidas alíneas é nula a sentença que sofra de ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível [alínea c)] e em que o juiz deixe de pronunciar-se de questões que devesse apreciar [alínea d)]. A ambiguidade reporta-se a alguma passagem de uma decisão que se preste a interpretações diferentes, enquanto a obscuridade se refere a algum passo da sentença que a torne ininteligível; porém, esta só existe quando o tribunal profere decisão cujo sentido exato não pode alcançar-se. Ora, se bem se alcança o sentido da invocação da recorrente não é isso que está em causa, já que ela compreendeu claramente o sentido exato da decisão, maxime quanto à matéria de facto. O que ela entende é que a mesma matéria de facto não se mostra suficientemente fundamentada. Neste enquadramento, importa ter presente, por um lado, que como já ensinava Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 140), «[h]á que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade»; por outro lado, a lei [artigo 662.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Civil] expressamente prevê que a Relação, mesmo oficiosamente, determine, «(…) não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal da 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados». A questão coloca-se, pois, não em sede de nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, mas sim em sede do disposto na referida alínea d) do n.º 2 do artigo 662.º determinar à 1.ª instância para fundamentar algum(ns) dos factos essenciais para a decisão da causa. Ora, pergunta-se: justifica-se essa necessidade de fundamentação por parte da 1.ª instância? Assim não entendemos. O que a recorrente coloca em causa é a falta de fundamentação de factos dados como não provados. Atente-se na fundamentação da 1.ª instância: «Para formar a sua convicção, tomou o Tribunal em consideração o teor da prova documental junta, bem como a prova testemunhal (que gravada está e, por isso, nos abstemos de integralmente reproduzir), cujos depoimentos foram conjugados com as declarações de parte do legal representante da Autora e Réu e documentos juntos. Desde logo, DD, legal representante da Autora, aludiu ao mau relacionamento com o Réu, ao incumprimento por este dos respetivos deveres e aos prejuízos causados, embora pouco tenha concretizado nesta parte, porque - alegou - “não vinha preparado”. Procurou confirmar a factualidade alegada na petição inicial, mas reconheceu que, não obstante a conduta do Réu, não lhe instaurou qualquer processo disciplinar, visto cultivar um bom relacionamento com os empregados. O Réu, por seu turno, começou por reconhecer alguns desentendimentos com o representante da Autora, não se recordando a partir de que data tal sucedeu. Negou, porém, que usasse o telemóvel no horário de trabalho para assuntos que não fossem relacionados com o trabalho, já que era através do seu telefone pessoal que era contactado pela empresa, ou contactava os clientes onde fazia as entregas. Reconheceu que se negou por duas vezes a fazer serviços, o que só sucedeu por lhe terem sido solicitados da parte da tarde e não iria ser respeitado o seu horário de saída; o normal era sair de manhã com o camião, sendo as cargas preparadas no dia anterior, dando tempo para efetuar o transporte e regressar ao estaleiro dentro do horário de trabalho. Sobre a situação de 12 de maio de 2021, aludiu que foi buscar os pesos duma grua a Local 3 e no caminho de regresso é que sucedeu o rebentamento dos pneus, perto de Local 2. Tratou-se, porém, dos dois pneus interiores do rodado morto/suspenso, que teve de ser rebaixado apenas na viagem de regresso, devido ao peso da carga. Os pneus começaram a arder (sobreaqueceram), tendo apagado o fogo com um extintor; tratou-se de um problema mecânico do próprio rodado, pois os pneus novos também aqueceram bastante, como testemunhou o EE, mecânico da Autora. Passou a noite de 12 para 13 em Local 2, a aguardar a substituição dos pneus e chegou ao estaleiro da empresa por volta das 15h00, pelo que é provável que nesse dia se tenha recusado a fazer outro serviço, por não conseguir regressar antes do horário de saída. Quanto à situação da carga mal-acondicionada, referiu recordar-se apenas duma situação em que uma carga de andaimes entortou, sendo certo que não havia sido cintada por si; em nenhuma situação deixou cair carga na estrada, até porque se algo semelhante tivesse sucedido, a GNR teria sido chamada e haveria um auto de ocorrência. Relativamente ao acidente de 3 de setembro de 2021, tratou-se de um toque de raspão num camião que se encontrava parcialmente parado na berma da autoestrada; não ia em excesso de velocidade, até porque tinha tacógrafo, cujo registo foi analisado pela polícia. Sobre a situação de 17 de dezembro de 2021 aludiu que tinha sido organizado um almoço por um colega de trabalho e, depois do almoço, juntamente com mais quatro colegas, não foi logo trabalhar, até porque não tinha serviço atribuído nessa tarde, tendo ficado mais algum tempo no restaurante; posteriormente apareceram na empresa, mas não iam bêbados. Não havia jantar de natal agendado; o único convívio foi o referido almoço. Sobre o carregamento da grua, aludiu que esse serviço não foi feito por si, mas por outro funcionário, que manobrava uma máquina (grua telescópica) levada do estaleiro para o efeito, assim tendo sucedido, pelo que as amolgadelas que tenham sido causadas na cabine do camião não foram provocadas por si. Em todo o caso, o camião foi carregado, mas não se lembra que tenham sido causadas amolgadelas na cabine; as mesmas já existiam, até porque se tratava de um veículo antigo. Reconheceu ter embatido na vedação uma vez, quando estava a fazer marcha atrás, o que sucedeu porque a pessoa que estava a ajudar na manobra não viu; mas não foi indicado qualquer prejuízo. Sobre os pneus do camião que foram substituídos, aludiu que não ficaram deteriorados por ter subido para o estaleiro; eram pneus velhos, já gastos e por isso é que foram substituídos, já que doutra forma não passariam na inspeção. Relativamente à suspensão do reboque, referiu que esta baixa automaticamente, quando está desligado o camião. Sobre o acidente de 1 de julho de 2022 também recusou responsabilidade, pois circulava numa estrada estreita e sem marcação, não conseguindo perceber porque é que a seguradora o considerou culpado. Aliás, nunca lhe foi pedido qualquer valor respeitante à reparação do veículo. BB, funcionário da Autora, referiu que era o Réu, enquanto motorista, o responsável pelos veículos que conduzia, acondicionamento da carga, verificação do estado geral do veículo, etc. Confirmou que o mesmo foi interveniente em dois acidentes de viação, mas não soube descrever a dinâmica, por não ter assistido aos mesmos, sabendo apenas o que a seguradora concluiu. Referiu, ainda, que o Réu não era colaborante, pois numa situação disse-lhe para ele levar um camião para determinado serviço e ele levou outro, tendo danificado os pneus do veículo (deveria ter usado um outro trator, que era o único que podia fazer aquela subida) e noutra vez uma grua ficou mal carregada, tendo danificado o tejadilho do camião, sendo que terá sido o Réu, com ajuda, quem fez o carregamento. Era, ainda, hábito dele deixar a suspensão do reboque levantada, apesar de ter indicação em contrário. Relativamente à situação de 17 de dezembro referiu que todos os funcionários tinham serviço atribuído até à hora de saída (não concretizando qual seria o do Réu); também esteve no almoço, mas quando chegou a hora saiu do restaurante e foi trabalhar, tendo o Réu ficado; e embora este soubesse que não podia entrar alcoolizado na empresa, fê-lo à mesma. Instado, explicou que as cargas são feitas normalmente na véspera, por um empregado, com o chofer a acompanhar e a determinar como é que quer que a carga seja feita/acondicionada; e no caso do carregamento da grua, era o chofer quem devia dar as indicações sobre a forma com queria a grua carregada. No caso concreto, a grua foi carregada demasiado para a frente. CC, igualmente funcionária da Ré, afirmou, igualmente, que era ao Réu, como motorista, que cabia verificar o estado da viatura antes de sair com ela. Confirmou que o documento de fls. 29 se reporta ao valor gasto para substituir pneus. Aludiu que uma vez o Réu deixou o serviço a meio, pois pediram-lhe para passar na zona da Local 4 e ele não passou, mesmo depois de lhe pedirem para que voltasse atrás; consequentemente, os clientes que estavam à espera do material naquele dia, já não o receberam. Soube, também, que ele deixou cair mercadoria na estrada, pois a carga não estaria bem arrumada. Além disso, enquanto esteve na empresa ele teve pelo menos dois acidentes, nos quais as seguradoras o consideraram culpado. Noutra situação, bateu numa vedação dentro da empresa, tendo sido chamado à atenção. Usou o camião com mudanças automáticas para mudar de um estaleiro para o outro, quando devia ter usado outro com mudanças manuais. Era, aliás, comum ele não ter o cuidado devido com os veículos da empresa, tendo sido chamado a atenção, mas nunca chegou a haver processo disciplinar. No dia 17 de dezembro houve um almoço de colegas e o Réu tinha trabalho nesse dia, designadamente cargas para fazer (entrava às 8h e saía às 17h); não compareceu ao serviço e ao fim da tarde apareceu lá embriagado, com outros colegas; disse-lhes para se irem embora, mas ele ainda gozaram; não se recorda se estava lá clientes. Aludiu que a cabine do camião apareceu amolgada, presumindo que tenha sido obra do Réu. Foi ainda confrontada com os documentos juntos e reconheceu que os veículos da Autora não são novos, tendo sido comprados no estado de usados, não sabendo, contudo, a idade dos mesmos. Relativamente à suspensão do reboque, sabe apenas o que lhe contaram. FF, prestador de serviços à Autora, conheceu o Réu como motorista da empresa. Aludiu àquelas que considera serem funções dos motoristas, como ver o estado geral dos veículos antes de iniciar marcha. E referiu que o que mais o chamou a atenção no Réu foi o desleixo (“o zelo pelo local de trabalho deixava muito a desejar”). Quanto aos restantes factos, apenas teve conhecimento dos mesmos, porque ouvir dizer. GG, ex-funcionário da Autora, aludiu às condições do local de trabalho (insalubre), o que o fez sair. Referiu-se ao Réu como um trabalhador prestativo, que inclusive ajudava na oficina. Quando eram feitas as cargas o Réu conferia os apertos das cintas. Explicou, ainda, que para carregamentos das gruas havia um veículo próprio que era usado para o efeito e que era manobrado por um funcionário que já não está a trabalhar na empresa. Referiu, ainda, que os camiões tinham uma certa idade e que necessitavam frequentemente de ter peças substituídas, até porque transportavam muito peso. Mais referiu que o estaleiro tinha, efetivamente, três patamares e que a subida para um deles era bastante ingreme e com bastantes pedras no pavimento. A manutenção dos camiões era feita por um prestador fora da empresa, o EE, sendo os veículos pesados os que costumavam dar mais problemas. Por outro lado, havia um funcionário que fazia o levantamento das cargas transportadas, mas o motorista também tinha de conferir, o que o Réu fazia. HH, igualmente ex-funcionário da Autora (empregado de escritório), referiu-se ao Réu como um trabalhador zeloso. Sempre que havia algum problema com o camião ele dirigia-se ao escritório a apontava o que estava em falta; nunca fez uma viagem sem ver o que faltava e quando regressava também o reportava. Referindo-se ao rebentamento de dois pneus quando o camião circulava, aludiu que isso sucedeu quando o Réu foi buscar uma grua a Local 3, tendo na altura referido que o rebentamento se devera a excesso de peso. A este propósito, era o chefe do estaleiro (na altura, o BB) que conferia se a carga tinha ou não excesso de peso. Naquele dia em que rebentaram os pneus do camião, não tendo condições para vir, o Réu foi forçado a pernoitar no local e só regressou no dia seguinte, tendo chegado ao estaleiro pelas 13h ou 14h. A essa hora já não havia condições para fazer outro trabalho. Mais aludiu ter conhecimento que muitas das cargas saíam com excesso de peso; o Réu não o queria fazer, mas era obrigado pelo patrão. (…)». Seguidamente, o tribunal a quo procedeu à concreta fundamentação quanto aos factos provados, e quanto aos factos não provados afirmou: «No que tange à factualidade não provada, a mesma resulta de nenhuma prova ter sido feita, ou sendo, mostrar-se insuficiente ou estar em contradição com a factualidade provada». Ora, se nenhuma prova foi feita, se a mesma é insuficiente, ou até se se mostra em contradição com factualidade provada, seria redundante o tribunal estar a escalpelizar o que foi afirmado por cada testemunha para, no final, chegar à conclusão que deixou afirmada. Admite-se que para uma melhor compreensão dos intervenientes processuais quanto às respostas de “não provado”, o tribunal pudesse ter desenvolvido, por exemplo, o porquê da prova ser insuficiente (falta de credibilidade dos depoimentos?) ou até contraditória. Mas não o tendo feito, tendo a matéria de facto sido impugnada e, por isso, tendo este tribunal que se pronunciar sobre a mesma, e atendendo também à, sempre, desejada celeridade processual, entende-se não se justificar a baixa dos autos à 1.ª instância para tal fim. Nesta sequência, conclui-se não se verificar a arguida nulidade, assim improcedendo, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso. 2. Da impugnação da matéria de facto 2.1. Como se referiu, a recorrente impugna os factos dados como não provados sob as alíneas a), j) a o), p), q), r), s), t) w), aa), cc), dd) e ee). Vejamos cada facto, ou conjunto de factos. 2.1.1. Quanto à alínea a) A mesma é do seguinte teor: Não se provou «[q]ue o réu adotasse comportamentos ostensivamente provocadores para com a sua entidade patronal e não aprovados por esta, nomeadamente: o uso de telemóvel pessoal em horário de trabalho para assuntos que não fossem da empresa; o cumprimento sem cuidado das instruções que lhe eram dadas, negando-se a fazer serviços de entregas depois do almoço com a justificação que não queria sair do estaleiro da Autora da parte da tarde; e chegando várias vezes atrasado, provocando e contribuindo para mau ambiente entre colegas, entre outros». Com fundamento nas declarações de parte do legal representante da autora e nos depoimentos das testemunhas BB e CC, sustenta que deve ser dado como provado o constante dessa alínea. Ora, impõe que se diga que este tribunal apenas se deve ocupar no conhecimento da impugnação da matéria de facto em relação àqueles que assumam relevância para a decisão. No caso, ainda que viesse a ser dado como provado não se lobriga que concretos deveres laborais o réu violou que possam fundamentar o pedido de indemnização. O facto, a verificar-se, poderia eventualmente ter fundamentado a instauração de procedimento disciplinar. Porém, não o tendo sido, não se vê qualquer relação direta entre o mesmo e o pedido de indemnização: será, porventura, que “os comportamentos ostensivamente provocadores” [expressão conclusiva que se desconhece que concreto facto encerra (!)] ou o provocar e contribuir para o mau ambiente entre os colegas [que contém também uma mera conclusão, sem suporte fáctico (!)], que poderão fundamentar o pedido de indemnização de dano? A resposta só pode ser negativa. Assim, tendo em conta o pedido formulado, entende-se que o que consta da alínea a) dos factos não provados não assume relevância para a decisão da causa, pelo que não se conhece do mesmo. 2.1.2. Quanto ao que consta das alíneas j) a o) dos factos não provados Recorde-se que nestas alíneas consta que não se provou que: «j) Que no dia 17 de dezembro de 2021 houvesse serviço pré-determinado para o réu; k) Que nessa data o réu e os colegas tenham comparecido nas instalações da autora notoriamente sob o efeito de álcool; l) Que, nesse dia, o réu tenha sido proibido de entrar no estabelecimento da autora e tenha ridicularizado quem aí estava nos seus postos de trabalho, criando alvoroço, instabilidade e desconforto nos vários funcionários e gerência da autora; m) Que nessa data se encontrassem clientes no local; n) Que estivesse previamente agendado um jantar de natal, que foi desmarcado; o) Que a autora tenha sofrido um prejuízo de 1.500,00€ com a conduta do réu». Ancorando-se no depoimento das testemunhas CC e BB pretende a recorrente que esses factos sejam dados como provados. Procedemos à audição desses depoimentos. Em relação ao depoimento de CC (que declarou trabalhar para a recorrente, como “administrativa”, desde janeiro de 2020) foi-lhe perguntado se o Sr. AA (autor) nesse dia (17-12-2021) tinha serviço pré-determinado para fazer, respondeu “sim” e que terá comparecido no local, juntamente com outros colegas, sob efeito do álcool. No entanto o depoimento foi demasiado vago, impreciso, sem que se esclarecesse que concreto serviço estava destinado ao réu nesse dia. Por sua vez, do depoimento da testemunha BB (que segundo afirmou é trabalhador da autora desde 2021, desempenhando funções de coordenador de pessoal), decorre que considera que o réu era “inconsciente” na condução de veículos, que no dia em causa, à hora de almoço (segundo se depreende, por ser próximo do natal os trabalhadores da autora terão ido almoçar juntos e terá até havido autorização daquela para após o almoço poderem comparecer ligeiramente após a hora que deveriam reiniciar o serviço), haveria uns “jarros de vinho” na mesma que, se bem se interpreta, terão sido consumidos pelo réu e outros colegas, e que já ao fim do dia o réu deixou outro colega junto às instalações da autora, que esse colega estaria/teria ficado (?) inconsciente e a testemunha teve que chamar o INEM para o socorrer, ficando sem se entender se o estado em que ficou esse trabalhador adviria do excesso de consumo de bebidas alcoólicas ou de qualquer outro motivo. Ora, para além destas testemunhas terem uma relação de dependência funcional em relação à autora, os seus depoimentos apresentam-se demasiados genéricos e imprecisos para que, com base nos mesmos, o tribunal possa dar os factos como provados. De resto, tendo em conta as regras da experiência comum, nem sequer se lobriga que a eventual verificação constante das alíneas j) a m) dos factos não provados fosse causa adequada à desmarcação do jantar de natal por parte da autora e ao prejuízo por ela sofrido de € 1.500,00, constante dos factos não provados sob as alíneas n) e o). Com efeito, não se afigura razoável que ainda que o réu se tivesse apresentado sob influência do álcool e ridicularizado colegas fosse, sem mais, causa adequada a desmarcar o jantar de natal e a causar o alegado prejuízo à autora. Isto quando nem sequer se conhece a dimensão da empresa autora, maxime em termos de recursos humanos. Por consequência, mantêm-se como não provados os factos constantes das alíneas j) a o). 2.1.3. Quanto ao facto não provados sob as alíneas p) e q) Recorde-se que nestas consta que não se provou que: «p) Que, nas circunstâncias mencionadas em 15 e 16 dos Factos Provados tenha sido o réu a carregar a grua; q) Que as amolgadelas na cabine do veículo tenham resultado do carregamento da grua naquelas circunstâncias concretas». Ancorando-se no depoimento da testemunha BB, sustenta que os factos constantes das alíneas devem ser dados como provados. Também aqui não entendemos. É que a própria testemunha reconheceu não ter sido o AA (réu) que fez o carregamento da grua; no entanto, segundo afirmou, chegou a essa conclusão porque o réu estava presente e é o responsável da carga. Mas a mesma testemunha afirmou não ter estado presente na carga da grua: no entanto fundou a sua afirmação no facto de o motorista, “chofer”, ser o responsável pela carga e porque “viu o camião carregado com a grua atrás». Nas declarações de parte que prestou, o réu afirmou que o serviço de carregamento da grua não foi efetuado por si, mas por outro trabalhador da autora, e que as amolgadelas do veículo, a existirem, não foram provocadas por si. Ora, perante esta prova temos por evidente que se impuha, e impõe, a resposta, de não provado, aos factos em causa. Com efeito, por um lado, não foi o réu que carregou a grua no veículo; por outro, o que a autora imputou ao réu, para fundamentar o pedido, foi o facto deste ter carregado a grua no veículo de forma pouco cuidada e, por essa via, ter danificado o veículo. A este propósito, atente-se nos artigos 30.º e 31.º da p.i.: «Aquando dessa carga, feita pelo Réu, o topo da cabine do veículo ficou estragado e danificado, com amolgadelas resultantes do carregamento dessa grua, o que só aconteceu porque tal carregamento foi pouco cuidado, defeituoso e negligente. Na verdade, 31.º O carregamento de gruas e de outros materiais de grandes dimensões e peso é frequente por parte dos trabalhadores da Autora. Não obstante, tal não implica danificar os veículos onde são carregados, desde que a carga e acondicionamento sejam feitos de acordo com as legis artis, pelo que só uma atitude negligente, desatenta e pouco cuidada como a que o Réu empregou nesse seu trabalho é suscetível de provocar tais danos». Assim, o que está em causa é o carregamento e, com ele, a danificação do veículo de transporte. Não tendo esse carregamento sido feito pelo réu, manifestamente que não lhe podem ser imputados os danos no veículo, sendo para tal irrelevante que agora, em sede de recurso, se imputem danos que decorreram do transporte da grua. Inexiste, pois, fundamento para alterar a resposta aos factos em causa. 2.1.4. Quanto ao facto, não provado, sob a alínea r) No facto n.º 18 foi dado como provado que em junho ou julho de 2022, dentro das instalações da autora, o réu embateu com um veículo pesado de mercadorias numa vedação, não tendo sido dado como provado o que consta da referida alínea, ou seja, que a vedação tenha ficado danificada e que a autora tenha despendido com a sua reparação € 250,00. Sobre esta matéria, o réu reconheceu que quando estava a fazer marcha atrás embateu com a parte traseira do veículo numa vedação, que tal se ficou a dever ao facto da pessoa que o estava a ajudar na manobra não lhe ter dado as indicações para evitar o embate, mas que nunca lhe foi referido qualquer prejuízo daí decorrente. A testemunha CC afirmou que a vedação foi reparada e que a autora despendeu uma quantia monetária na sua reparação. Mais uma vez, importa dizê-lo, trata-se de um depoimento muito vago e genérico; e não pode ser pela circunstância de uma determinada testemunha afirmar um facto que o tribunal tem, forçosamente, que dar o mesmo como provado: a prova tem que ser analisada e conjugada entre si para, de forma convicta, o tribunal a possa dar como provada. Além disso, não pode olvidar-se que a dúvida sobre a realidade de um facto se resolve contra a parte a quem o facto aproveita (artigo 414.º do Código de Processo Civil): e no caso os factos impugnados aproveitavam à autora. Mantém-se, por consequência, como não provado o facto que consta da alínea r). 2.1.5 Quanto ao facto, não provado, constante da alínea s) No facto n.º 20 foi dado como provado que a autora procedeu à substituição de 4 pneus do veículo, tendo despendido a importância de € 1.980,00. Na referida alínea s) não foi dado como provado que os pneus tenham sido danificados devido a conduta do réu, designadamente por ter subido com o camião para outro estaleiro. A testemunha BB referiu que o réu não cumpriu com as ordens (dadas por quem? Legal representante da autora? Pela testemunha como coordenador?) de utilizar um camião de caixa de velocidades manual e que utilizou um de caixa de velocidades automática, que “ficou a patinar” e passado um mês os pneus foram substituídos. Já de acordo com o réu, os pneus não ficaram danificados por ter subido para o estaleiro, sendo que se tratava de pneus já gastos, “velhos”, que por isso tiveram que ser substituídos. Vale aqui, mutatis mutandis, o que se deixou referido quanto ao facto anterior: o afirmado pela testemunha foi muito vago e genérico, sem referência, por exemplo, sobre quem deu as ordens para não utilizar aquele veículo. Além disso, não deixa de surpreender que se os pneus ficaram danificados em razão da conduta do réu apenas passado um mês foram substituídos. Ocorre perguntar: durante esse mês a autora não utilizou o veículo? Mas se era um veículo mais recente, de caixa automática, era previsível que houvesse maior necessidade da sua utilização!; ou utilizou o veículo regularmente e só ao fim de mês procedeu à substituição dos pneus? Se assim foi, então os pneus não estariam assim tão danificados, pois de outro modo teria circulado em infração às regras de segurança rodoviária! Por consequência, e considerando que o facto aproveitava ao autor, haverá que concluir que o mesmo se deve manter como “não provado”. 2.1.6. Quanto ao facto, não provado, sob a alínea t) Este facto alude a que por o réu ter deixado a suspensão pneumática do reboque levantada, vários airbags da suspensão rebentaram. O facto em causa foi afirmado pelas testemunhas BB e CC. Porém, com eventual relevância para a questão, aquele mencionou também que nos reboques mais modernos a suspensão pneumática baixa sozinha quando está desligado o veículo, mas que o que está em causa era antigo (seria de 1994) e já tinha muito uso. Ora, desta afirmação da testemunha suscitam-se logo dúvidas se o rebentamento de airbags da suspensão se terá ficado a dever ao comportamento do réu ou à vetustez do equipamento. Nas declarações que prestou o réu afirmou que a suspensão do reboque baixa automaticamente, quando está deligado o camião. E a testemunha GG, ex-trabalhador da autora, referiu que os veículos/”camiões” tinham uma “certa idade” e que, por isso e por transportarem muito peso, havia necessidade de frequentemente serem substituídas peças dos mesmos. Pois bem: perante esta prova e, mais uma vez, tendo presente o ónus da prova, não poderá ser dado como provado o facto em causa, ou, se se quiser, no dizer do artigo 640.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, os concretos meios probatórios invocados pela recorrente não “impõem” decisão diversa da que foi dada pelo tribunal a quo. 2.1.7. Assim, em conclusão, entende-se não existir fundamento para alterar os factos dados como não provados e cuja resposta foi impugnada. E isto, fundamentalmente, porque: (i) a dúvida sobre a realidade de um facto se resolve contra a parte a quem o facto aproveita, no caso a recorrente; (ii) não obstante os factos em causa terem sido afirmados pelas testemunhas BB e CC, foram-no de forma muito vaga e genérica, pouco convincente, e foram contrariados por outros meios de prova, designadamente as declarações de parte do réu. 3. Da (in)existência de fundamento para a condenação do réu/recorrido no peticionado A 1.ª instância julgou improcedente a ação. Fundamentou a decisão, no essencial, nos seguintes termos: «No presente caso, a Autora sustentou o seu pedido na violação do dever de zelo e diligência que se impunha ao Réu no âmbito da relação laboral, pois não terá cumprido as ordens e instruções que lhe foram transmitidas pelo empregador, respeitante à execução do trabalho, nem cuidou de zelar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o trabalho que lhe estavam confiados; e, por outro lado, não deu cumprimento às normas do Código da Estrada a que também se encontrava obrigado, por conduzir veículos automóveis na via pública. Em suma, o pedido de indemnização civil formulado baseia-se na alegada falta de zelo e diligência no exercício de funções (art. 128.º n.º 1 al. c) do Código do Trabalho), onde se integra também a violação das normas do Código da Estrada. A propósito do dever de zelo e diligência, refere a Professora Maria do Rosário Palma Ramalho [Obra citada, pág. 345] que a medida do zelo ou da diligência do trabalhador na execução da atividade laboral deve ser aferida segundo o critério geral do bom pai de família, mas tendo em conta o contexto laboral em concreto. Como tal, a atuação do trabalhador será diligente se corresponder ao comportamento normalmente exigível para aquele tipo de trabalhador, naquela função em concreto. Pelo que a exigência exigível a um trabalhador especializado, a um trabalhador dirigente ou a um trabalhador muito experiente é superior ao zelo exigível a um trabalhador indiferenciado ou menos experiente. E no que tange às infrações ao Código da Estrada, não basta a mera circunstância da conduta do trabalhador as integrar, para se dar como preenchido que o mesmo atuou com negligência, ou se se quiser, que não realizou o trabalho com zelo e diligência. Sendo antes necessário demonstrar que o trabalhador violou, direta ou indiretamente, regras ligadas com a própria execução do trabalho que se obrigou a prestar no exercício da sua atividade laboral [com estes precisos termos veja-se o Acórdão da Relação de Évora, de 13 de outubro de 2016, relatado pelo Sr. Desembargador João Nunes, no Proc. 659/15.4T8TMR.E1 e publicado em www.dgsi.pt]. Na situação dos autos, o Réu foi contratado pela Autora com vista ao desempenho das funções de motorista de pesados, as quais, de acordo com o contrato, se centravam na atividade de motorista, assim como a carga, descarga e preparação dos materiais a carregar (cfr. cláusula 1.ª). Tendo ficado previsto que o Réu deveria manter os equipamentos e locais de trabalho que forem destinados limpos após as tarefas, utilizar com cuidado e zelar pela boa conservação dos equipamentos e demais bens que lhe sejam confiados pela entidade patronal (cfr. cláusula 11.ª). Sucede que a factualidade apurada se mostra insuficiente para fundamentar a indemnização, nos termos peticionados, não resultando da mesma a violação do dever de zelo e diligencia ou outro imposto contratualmente, nem mesmo uma ligação entre prejuízos sofridos pela Autora e a conduta do Réu. Aliás, o facto de não haver notícia da instauração de qualquer procedimento disciplinar ao Réu, durante o tempo em que vigorou a relação de trabalho, demonstra que Autora considerou não haver fundamento bastante para se concluir pela violação de deveres laborais e que, portanto, o Réu terá atuado da forma exigível a um trabalhador médio colocado em igual posição. Desde logo, o rebentamento dos pneus do camião que o Réu conduzia, sucedido em 12 de maio de 2021, ficou a dever-se a circunstâncias não concretamente apuradas e não a qualquer conduta negligente ou intencional do Réu, não estando afastado, por exemplo, um problema mecânico do veículo. Da recusa do Réu em fazer o serviço que lhe foi atribuído na tarde de 13 de maio de 2021 não decorreu qualquer prejuízo comprovado para a Autora, o mesmo tendo sucedido com a situação da carga que cedeu, por estar mal-acondicionada. Relativamente aos dois acidentes de viação aludidos, nada se apurou - nem foi alegado sequer - sobre a concreta dinâmica dos mesmos, não bastando as conclusões da Seguradora, que nos dois casos considerou o Réu o único culpado. Neste concreto, aliás, ainda que se provasse que os veículos se encontravam em perfeito estado de funcionamento e que o Réu violou normas estradais, sempre seria necessário demonstrar as concretas condições de execução do trabalho aquando dos acidentes (concretas circunstâncias do movimento rodoviário, experiência do Réu, a sua especialização, etc.) e excluir que estes tenham decorrido, por exemplo, dos riscos próprios de conduzir um veículo pesado de passageiros ao longo de milhares de quilómetros, nas mais variadas condições de tempo, trânsito e das vias públicas (cfr. o aresto da Relação de Évora citado). Isto porque, como se referiu, a apreciação da realização ou não do trabalho com zelo e diligência deve ser feita de acordo com o que seria exigível a um trabalhador médio, naquele concreto circunstancialismo. Relativamente ao sucedido em 17 de dezembro de 2021, não resultou demonstrado, sequer, qualquer prejuízo para a Autora decorrente da conduta do Réu. Não existindo, igualmente, qualquer nexo entre a despesa efetuada pela Autora e a violação de algum dever do Réu nas demais situações aludidas (transporte da grua automontante em 12 de janeiro de 2022, embate numa vedação em junho ou julho de 2022, subida com o camião dentro do estaleiro ou aparcamento do reboque com a suspensão pneumática levantada). Em suma, porque estamos no domínio da responsabilidade contratual, para que a pretensão da Autora tivesse fundamento, seria necessária, além da demonstração do dano, a prova de uma atuação ilícita e culposa do Réu, correspondente a uma violação grave dos seus deveres contratuais, por ação ou omissão, assumindo uma de três de modalidades de incumprimento das obrigações - mora, incumprimento definitivo ou cumprimento defeituoso. E a culpa, que se presume (art. 799.º do Código Civil) é apreciada segundo um critério objetivo, ou seja, pela diligência que um bom pai de família teria adotado em face das circunstâncias do caso5. Conforme se referiu, porém, a factualidade apurada é manifestamente insuficiente, pelo que a presente ação tem necessariamente que improceder. Não há dúvida que a autora descreveu vários factos praticados pelo A. que poderão consubstanciar condutas aptas a causarem os danos cujo ressarcimento reclama. No entanto, de acordo com a perspectiva do contrato de trabalho que enquadra tais factos, a autora nada invoca que traduza a ilicitude da conduta do trabalhador, nem a mesma se pode presumir perante tais concretas circunstâncias delineadas na petição. Note-se que não está em causa a ilicitude à luz do Código da Estrada, mas sim no âmbito do contrato de trabalho. No caso dos autos, não se pode presumir que as acções e omissões do réu, da forma como foram sumariamente descritas na petição, assumam uma natureza ilícita à luz do contrato de trabalho e não resultem simplesmente dos riscos próprios que advém da relação laboral. A actividade de condução de veículos pesados de passageiros na via pública comporta assinaláveis perigos. Quem conduz esse tipo de viaturas durante anos está sujeito a numerosas vicissitudes. Não é concebível que a entidade patronal se limite a apontar os acidentes e seja o motorista que tenha o ónus de elidir uma eventual presunção de culpa, invocando as justificações que entender (vg. avarias, equipamento desactualizado, actos fortuitos, fatiga ou cansaço, etc.). Embora se reconheça estranheza pelo número e circunstâncias de alguns dos acidentes descritos pela autora, não é possível concluir que resultem da ilícita violação dos deveres por parte do trabalhador. Aliás, numa determinada perspectiva, pela mesma ordem de razões, também se poderia presumir que a autora, em razão do elevado número de acidentes, não cuidava dos seus veículos, não dava formação adequada aos seus motoristas ou não exercia correcta e efectivamente os seus poderes de direcção. Por outro lado, embora seja evidente que qualquer condutor está obrigado ao cumprimento escrupuloso dos deveres legais que decorrem da condução de veículos na via pública, só existirá uma conduta culposa do trabalhador e o mesmo só poderá responder perante a sua entidade empregadora nos casos em que pratique actos ilícitos e censuráveis, à luz dessa relação laboral. A doutrina e a jurisprudência claramente fazem a distinção entre a responsabilidade subjectiva e a responsabilidade objectiva que a autora omitiu com a presente acção, nomeadamente quanto à exigência de uma violação grave, por parte do trabalhador, dos seus deveres contratuais. Veja-se, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/2/2009: “O conceito de justa causa contido no normativo referido diz respeito à chamada justa causa subjectiva, ou seja, àquela que tem por fundamento uma conduta imputável ao trabalhador, ao contrário do que sucede com a denominada justa causa objectiva que se baseia em motivos relacionados com a empresa. E, como do referido conceito resulta, a justa causa subjectiva pressupõe, antes de mais, um comportamento culposo do trabalhador, que necessariamente implica um acto ilícito e censurável do trabalhador, uma vez que, como diz Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, Abril 2002, p. 851-852), a culpa, em termos de responsabilidade civil, não se pode dissociar da ilicitude, em particular no domínio da responsabilidade contratual, onde a culpa é usada em sentido amplo, de modo a abranger a própria ilicitude. Por sua vez, o acto ilícito e culposo há-de corresponder a uma violação grave, por parte do trabalhador, dos seus deveres contratuais (seja dos deveres principais, secundários ou acessórios), por acção ou omissão, podendo essa violação revestir qualquer uma das três modalidades de incumprimento das obrigações: o não cumprimento definitivo, a simples mora e o cumprimento defeituoso. Por outro lado, a culpa do trabalhador há-de ser apreciada segundo um critério objectivo, ou seja, pela diligência que um bom pai de família teria adoptado, em face das circunstâncias do caso (art.º 487.º, n.º 2, do C.C.), e não segundo os critérios subjectivos do empregador” – disponível na base de dados da DGSI, proc. n.º 08S2461. Ora, a pretensão da autora só podia merecer acolhimento se contivesse factos que permitissem concluir que, à luz da normal execução de um contrato de trabalho nesta área, a conduta do réu foi ilícita, nomeadamente em termos de ser dolosa, evidenciar uma culpa grave ou uma mera negligência (com a repetição das mesmas violações de deveres, apesar de repetidas advertências, etc.), em face do referido padrão do bom pai de família. Posto isto há que perguntar se o bom pai de família – neste caso, um normal condutor de veículos pesados de passageiros, com os mesmos conhecimentos e aptidões do autor – jamais teria causado os acidentes descritos na petição? Nada se evidencia que um normal condutor de veículos pesados de passageiros jamais tivesse intervenção nos vários acidentes descritos na petição. Em nenhum desses casos se evidencia uma atitude temerária, um grau de violação de deveres ou uma conduta que o bom pai de família jamais empreendesse. A mera verificação dos acidentes e dos decorrentes danos, no âmbito da relação laboral, não faz presumir a violação dos deveres, na medida em que tal actividade também comporta evidentes riscos. Riscos esses que são os próprios da actividade desenvolvida pela autora e não os riscos do trabalhador. E a autora não pode através da presente acção, limitar-se a transferir da sua esfera jurídica para a esfera jurídica do trabalhador, os riscos próprios da actividade de condução de veículos pesados de passageiros. Não resulta que o réu tenha tido um comportamento ou um grau de diligência inferior ao padrão do bom pai de família. Não resulta que o réu tenha praticado acção ou omissão que nenhum outro motorista minimamente diligente ousasse (vg. conduzir embriagado; em flagrante violação de outra regra estradal básica; ect.). É certo que foi interveniente em vários acidentes, mas – a julgar apenas pela descrição da própria petição – tais situações terão resultado apenas de pequenas distracções ou situações que decorrem dos riscos próprios de conduzir um veículo pesado de passageiros ao longo de milhares de quilómetros, nas mais variadas condições de tempo, trânsito e das vias públicas. Não se podendo presumir que a descrita conduta do réu terá sido ilícita e culposa, mesmo que se provassem todos os factos alegados pela autora, é de concluir que a presente acção necessariamente improcede”. Rebela-se a recorrente contra tal entendimento, argumentando, ao fim e ao resto, que o réu violou vários deveres laborais, nomeadamente os previstos nas alíneas b), c), e), g), h), do n.º 1, do art.º 128.º, do Código do Trabalho; ou seja, no entendimento da recorrente o réu violou os deveres de comparecer ao serviço com assiduidade pontualidade [alínea b)], realizar o trabalho com zelo e diligência [alínea c)], cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho [alínea e)], velar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o trabalho [alínea g)] e promover ou executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa [alínea h)]. Adiante-se, desde já, que se entende que a 1.ª instância decidiu com acerto, pelo que se acompanha, no essencial, a fundamentação da sentença recorrida, sublinhando-se alguns aspetos de maior relevância. Para tanto, vamos acompanhar, a par e passo, o acórdão de 13-10-2016 proferido no processo n.º 659/15.4T8TMR.E1 e disponível em www.dgsi.pt, também convocado na sentença recorrida e que foi relatado pelo ora relator. De acordo com o estatuído no n.º 1 do artigo 323.º do Código do Trabalho, a parte que faltar culposamente ao cumprimento dos seus deveres é responsável pelo prejuízo causado à outra parte. O contrato de trabalho é caracterizado como um contrato sinalagmático ou bilateral, na medida em que dele emergem, para ambas as partes, direitos e obrigações de forma recíproca e interdependente; por isso, prevê a referida norma o efeito geral do incumprimento do contrato de trabalho, seja por banda do empregador, seja por banda do trabalhador, sendo então aplicáveis as regras gerais do direito das obrigações, designadamente as regras do cumprimento ou não cumprimento das obrigações, maxime o preceituado no artigo 798.º do Código Civil, de acordo com o qual o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor. Tal significa que para que a autora/empregadora tenha direito a indemnização com base na referida responsabilidade contratual teria de provar, antes de mais, que a conduta imputada ao trabalhador infringiu disposições legais que regulam o contrato trabalho ou que foram convencionadas pelas partes. Atente-se também que tratando-se de uma responsabilidade contratual, presume-se a culpa daquele que falta ao cumprimento da obrigação (cfr. artigo 799.º do Código Civil). Constitui obrigação principal do trabalhador a prestação da atividade ao empregador (artigo 11.º do Código do Trabalho). E para além desse dever principal, como acentua Maria do Rosário Palma Ramalho (Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Edição, Almedina, pág. 412 e segts), existem deveres acessórios ou complementares, uns especificamente ligados à obrigação principal – como sejam o dever de obediência, o dever assiduidade, o dever de realização do trabalho com zelo e diligência e o dever da melhoria da produtividade na empresa – e outros autónomos, que não dependem da prestação principal – como sejam o dever de lealdade, o dever de sigilo, o dever de não concorrência e o dever de respeito e urbanidade (cfr. artigo 128.º do Código do Trabalho). Como se viu, a aqui recorrente alegou na petição inicial, e refirmou no recurso, a violação pelo réu, enquanto trabalhador seu, de vários deveres, maxime não comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade, não realizar o trabalho com zelo e diligência, não cumprir as ordens e instruções do empregador, não velar pela conservação e boa utilização dos bens e não promover ou executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa. Com eventual relevância para a presente decisão, resulta da matéria de facto que: - no dia 13 de maio de 2021, o réu foi instado a levar um veículo pesado de mercadorias até à empresa EMP02... na freguesia 1, para carregar materiais e descarregá-los num armazém sito na Local 1, voltando de seguida para as instalações da autora com o veículo vazio (n.º 7); - o réu recusou fazer o serviço mencionado em 7, por considerar que não iria conseguir regressar às instalações da empresa antes da hora de saída (17h), já que tinha regressado da viagem anterior por volta da hora de almoço (n.º 8); - no dia 17 de dezembro de 2021, na parte da tarde, o réu não compareceu nas instalações da autora para executar o seu trabalho, tendo comparecido ao final desse dia acompanhado de 4 colegas também eles funcionários e com quem estivera num almoço (n.º 14); - em data não apurada de junho ou julho de 2022, o réu conduziu o veículo pesado de mercadorias dentro das instalações da autora, tendo embatido numa vedação (18); - em data não apurada o réu utilizou um veículo pesado de carga de mercadorias para subir de um estaleiro para o outro, apesar de ter sido avisado para não o fazer (19); - a autora procedeu à substituição de quatro pneus do referido veículo, tendo despendido a quantia de 1.980,00€ (mil novecentos e oitenta euros) (n.º 20); - o réu deixou algumas vezes a suspensão pneumática do reboque levantada, apesar de tendo sido alertado para não o fazer, por poder causar dano (21); - a autora despendeu um total de 421,69€ (quatrocentos e vinte e um euros e sessenta e nove cêntimos) para reparação da suspensão pneumática do reboque (n.º 22). Ora, desta matéria de facto não pode afirmar-se, sem mais, que o réu violou os seus deveres laborais e ainda que da conduta do réu tenham resultado prejuízos para a autora/recorrente que tenham que ser por ele reparados. Com efeito, em relação aos factos n.ºs 7 e 8 apenas se sabe que o réu alegou que tinha regressado da viagem anterior à hora de almoço e que não poderia realizar o serviço no seu horário de trabalho, mas nada mais se sabe em concreto, designadamente quanto à viagem realizada anteriormente e ao horário de trabalho, pelo que face à inexistência de outros elementos não é possível imputar a violação de deveres laborais ao réu. Para além disso, não se provou que o autor tenha provocado um prejuízo à autora no valor de € 150,00, bem como a deterioração da imagem desta junto da empresa cliente [facto não provado sob a alínea f)], o que significa que ainda que se admitisse a violação pelo réu do dever de cumprimento das ordens e instruções da empregadora, dessa violação não decorre a existência de prejuízo a reparar. E o mesmo se verifica em relação ao facto n.º 14: dessa não comparência não decorreram prejuízos para a autora/recorrente, tanto mais que não se provou que nesse dia houvesse serviço pré-determinado para o réu ([cfr. facto não provado sob a alínea j)]; o que esta alegou, mas não provou, foi que a conduta do réu nesse dia levou a que tivesse que cancelar o jantar de natal da empresa e que, por isso, que tenha sofrido um prejuízo de € 1.500,00 [cfr. factos não provados sob as alíneas k) a o)]. Em relação ao facto n.º 18 – condução de veículo nas instalações da autora, que embateu na vedação –, também não se provou a existência de prejuízo para a autora, nem as concretas circunstâncias em que ocorreu o evento, de modo a poder ser imputado a falta de zelo e diligência por parte do réu. Como escreve Maria do Rosário Palma Ramalho (obra referida, págs. 418-419), «[a] medida do zelo ou da diligência do trabalhador no desenvolvimento da actividade laboral deve ser aferida segundo o critério geral do bom pai de família, tendo em conta o contexto laboral em concreto []. Assim, a actuação do trabalhador será diligente se corresponder ao comportamento normalmente exigível para aquele tipo de trabalhador, naquela função em concreto. Naturalmente, a diligência exigível a um trabalhador especializado, a um trabalhador diligente ou a um trabalhador muito experiente é superior ao zelo exigível a um trabalhador indiferenciado ou menos experiente». E para a não realização do trabalho com zelo e diligência não basta a mera violação, por banda do trabalhador, de uma qualquer infração ao Código da Estrada, ainda que qualificada como contraordenação grave: é necessário apreciar a conduta em concreto, tendo em conta as condições de realização do trabalho do próprio trabalhador, e não com referência a um qualquer padrão abstrato de conduta. Isto é, e dito de outro modo: para os fins em vista não basta a mera circunstância de a conduta do trabalhador integrar uma infração ao Código da Estrada, para se dar como preenchido que o mesmo atuou com negligência, ou se se quiser, que não realizou o trabalho com zelo e diligência, sendo necessário que se demonstre que o trabalhador violou, direta ou indiretamente, regras ligadas com a própria execução do trabalho que se obrigou a prestar no exercício da sua atividade laboral. No caso, não resulta dos autos que tenham sido estabelecidas pela empregadora, ou até que resultem da lei, quaisquer específicas condições de execução do trabalho (e não quaisquer condições gerais de segurança rodoviária) e que o trabalhador as tenha violado: desconhecem-se as concretas circunstâncias por que ocorreu o embate, sendo que o réu afirmou que o outro trabalhador que o estava a ajudar na manobra, não lhe sinalizou devidamente a mesma. Para além disso, também não se provou que a vedação tenha ficado danificada e que a autora tenha despendido € 250,00 com a sua reparação (cfr. facto não provado sob a alínea r]. Quanto à utilização de um veículo pesado de carga de mercadorias para subir de um estaleiro para o outro, apesar de ter sido avisado para não o fazer, tendo a autora, posteriormente, procedido à substituição dos pneus do veículo, no que despendeu € 1.980,00 (factos n.º 19 e 20), também não se provou que os pneus tenham sido danificados pela referida conduta do réu [cfr. facto não provado sob a alínea 20)], o que vale por dizer que não se provou que tal conduta do réu tenha provocado prejuízos à autora. Em relação ao facto do réu ter deixado algumas vezes a suspensão pneumática do reboque levantada, apesar de ter sido alertado para não o fazer, por poder causar dano (n.º 21), pese embora a autora tenha despendido € 421,69€ com a reparação da suspensão pneumática do reboque, não se provou que a reparação foi consequência direta daquela conduta [cfr. facto não provado sob a alínea t)]. Assim, ainda que possa sustentar-se a violação de algum dever laboral por parte do réu, enquanto trabalhador da autora, o certo é que esta não provou que essa concreta violação provocou prejuízo, também concreto, à autora, que determine a reparação. O que perpassa dos autos, designadamente das declarações do réu e do legal representante da autora, é a existência de um relacionamento difícil entre eles, pouco saudável quer para a produtividade da empresa quer para a realização profissional do (então) trabalhador. E apesar dos “desentendimentos” entre as partes, não há nota nos autos que a autora alguma vez tenha instaurado procedimento disciplinar ao réu: e só após a cessação do contrato de trabalho pelo réu aquela decidiu reagir a (alegados) comportamentos deste – alguns (alegadamente) verificados mais de um ano antes – através da presente ação, mas sem que seja possível extrair que a conduta imputada ao trabalhador/recorrido infringiu disposições legais ou convencionais relativas ao contrato de trabalho, designadamente o dever de zelo e diligência, ou, mesmo que assim se não entenda, que dessa conduta decorreram concretos prejuízos para a autora/recorrente. Improcedem, pois, as conclusões das alegações de recurso, sendo de manter a decisão recorrida. 4. Vencida no recurso, a apelante suportará o pagamento das custas respetivas (artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. V. Decisão Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto por EMP01..., Sociedade Unipessoal, Lda., e, em consequência, confirmam a sentença recorrida. Custas pela recorrente/autora. Évora, 26 de setembro de 2024 João Luís Nunes (relator) Mário Branco Coelho Paula do Paço __________________________________________________ [1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Mário Branco Coelho, (2) Paula do Paço. |